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A necessidade de reforma legislativa nos direitos políticos dos militares: o tempo de agregação nas candidaturas a cargos eletivos

Agenda 26/11/2024 às 14:12

RESUMO

Este artigo analisa os desdobramentos do art. 14, § 8º, da Constituição Federal de 1988 sobre o art. 52, parágrafo único, do Estatuto dos Militares, destacando a incompatibilidade normativa que culminou na não recepção deste último pela Carta Magna. Discute-se a necessidade de uma alteração legislativa que garanta equidade e eficiência na regulamentação do afastamento de militares candidatos a cargos eletivos, incluindo a desconsideração do tempo de agregação para fins de progressão na carreira. Argumenta-se que tal medida evitaria o uso estratégico desse período por militares sem intenções eleitorais legítimas.

Palavras-chave: Militar. Candidatura. Eleições. Cargo eletivo. Agregação. Tempo de serviço.

ABSTRACT

This article analyzes the implications of Article 14, § 8, of the Brazilian Federal Constitution of 1988 on Article 52, sole paragraph, of the Military Statute, highlighting the normative conflict that led to the latter's partial repeal. It discusses the need for legislative changes to ensure fairness and efficiency in the regulation of military candidacies for elective positions, including the disregard of the aggregation period for career progression purposes. The article argues that such measures would prevent the strategic misuse of this period by military personnel without genuine electoral intentions.

Keywords: Military. Candidacy. Elections. Elective office. Aggregation. Time of service.

INTRODUÇÃO

O direito à elegibilidade reflete a essência da cidadania e a participação no processo democrático. Para os militares, essa prerrogativa foi regulada no art. 14, § 8º, da Constituição Federal de 1988, que estabelece critérios para o afastamento e a transição para a inatividade no caso de eleição. Contudo, ao não atualizar dispositivos do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), especialmente o art. 52, parágrafo único, surgiram interpretações que contrariam os princípios constitucionais.

As disposições do Estatuto, especialmente ao prever a licença para tratar de interesse particular (LTIP) para militares candidatos, tornam-se incompatíveis com a Constituição de 1988, que regulamenta a agregação remunerada como a única medida a ser tomada durante o afastamento. Essa contradição abre brechas para o uso estratégico do afastamento, permitindo que militares se beneficiem de vantagens sem, necessariamente, possuírem intenções legítimas de vitória.

O tema é particularmente relevante na atual conjuntura, em que a participação de militares na política cresce exponencialmente. A ausência de critérios mais rígidos para a contabilização do período de agregação pode comprometer a eficiência administrativa, a hierarquia e a disciplina militar, valores fundamentais para as Forças Armadas. Além disso, perpetua a percepção de desigualdade no tratamento entre os militares que permanecem em serviço ativo e aqueles que se afastam para fins eleitorais.

Neste contexto, este artigo propõe a revisão do Estatuto dos Militares, com enfoque na desconsideração do período de agregação para fins de promoção e vantagens funcionais. O objetivo é evitar que candidaturas se transformem em mecanismos de benefício pessoal, reforçando o alinhamento da legislação infraconstitucional aos princípios da Constituição de 1988.

Por fim, o estudo busca contribuir para o aprimoramento do ordenamento jurídico e para a consolidação de uma cultura democrática nas Forças Armadas, preservando a equidade e a moralidade administrativa em todas as esferas de atuação militar.

1. CONFLITOS NORMATIVOS: CONSTITUIÇÃO VS. ESTATUTO DOS MILITARES

O art. 14, § 8º, da Constituição Federal é claro ao estabelecer que militares com mais de 10 (dez) anos de serviço sejam agregados ao se candidatarem a cargos eletivos, sendo transferidos para a inatividade no caso de eleição. Em contrapartida, o art. 52, parágrafo único, do Estatuto dos Militares previa, entre outras condições, a concessão de licença para tratar de interesse particular (LTIP) como forma de afastamento. Com a promulgação da Constituição de 1988, grande parte dessas disposições foi considerada não recepcionada, mas a ausência de uma atualização legislativa contribuiu para a insegurança jurídica.

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A manutenção de normas conflitantes no ordenamento jurídico gera implicações práticas significativas. Primeiro, permite que interpretações divergentes sejam adotadas por diferentes órgãos administrativos e judiciais. Segundo, cria um ambiente propício para distorções no uso do afastamento eleitoral, que pode ser percebido como um privilégio destinado a militares sem intenções eleitorais legítimas. Isso impacta diretamente a imagem das Forças Armadas, ao gerar percepções de desigualdade e favorecimento.

Além disso, a contagem do período de agregação para fins de progressão funcional representa um desincentivo à competitividade eleitoral. Militares que não possuem intenção real de vencer utilizam o afastamento como uma forma de “licença remunerada”, mantendo os benefícios da carreira sem desempenhar suas funções. Esse cenário não apenas desrespeita os princípios constitucionais de moralidade e eficiência, mas também compromete o equilíbrio institucional e administrativo das Forças Armadas.

Estudos recentes indicam que a incompatibilidade normativa entre a Constituição e o Estatuto tem efeitos negativos não apenas na administração militar, mas também na confiança pública na imparcialidade das Forças Armadas. A ausência de uma regulamentação clara que substitua o art. 52 do Estatuto contribui para a perpetuação de práticas incompatíveis com o ideal de cidadania plena e responsável.

A solução proposta neste artigo busca resolver essa dissonância por meio de alterações legislativas que alinhem o Estatuto às diretrizes constitucionais, promovendo a harmonização normativa e a eficiência administrativa no contexto militar.

2. A AGREGAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE EQUIDADE

A agregação é prevista constitucionalmente como um mecanismo que protege a imparcialidade do processo eleitoral e a neutralidade das Forças Armadas. Contudo, a manutenção do cômputo do tempo de serviço durante o afastamento eleitoral introduz uma discrepância significativa no tratamento entre os militares, privilegiando aqueles que optam pela candidatura.

Na prática, o tempo de agregação é considerado para promoções e vantagens, mesmo que o militar esteja afastado de suas funções. Essa situação cria um incentivo para que militares utilizem o afastamento eleitoral como uma estratégia de benefício pessoal, sem comprometimento com o resultado do pleito. Tal distorção compromete a confiança na equidade do sistema e reforça a percepção de privilégios indevidos.

A desconsideração desse período para fins de progressão funcional seria uma medida essencial para garantir a moralidade administrativa e evitar o uso oportunista da agregação. Essa proposta não interfere no direito de remuneração do militar afastado, mas assegura que o período de candidatura não represente um diferencial injusto em relação aos militares da mesma turma, que permanecem exercendo suas funções.

Além disso, a desconsideração do tempo de agregação reforça a disciplina e a hierarquia, princípios fundamentais para o funcionamento das Forças Armadas. A neutralidade política, essencial para a credibilidade institucional, também seria fortalecida, uma vez que o afastamento seria utilizado exclusivamente para atender às finalidades eleitorais legítimas.

Finalmente, a revisão do sistema de agregação promove maior alinhamento às diretrizes constitucionais, reforçando o compromisso das Forças Armadas com os valores democráticos e a eficiência administrativa.

3. PROPOSTA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA

Com base nas discussões apresentadas, propõe-se uma alteração no Estatuto dos Militares, contemplando os seguintes pontos principais:

1. Inclusão de dispositivo que determine a desconsideração do período de agregação para fins de promoções e vantagens funcionais, resguardando apenas o direito à remuneração.

2. Revogação expressa do art. 52, parágrafo único, da Lei nº 6.880 de 1980, por sua incompatibilidade com o texto constitucional.

3. Estabelecimento de critérios claros para impedir o uso do afastamento eleitoral como estratégia de benefício pessoal.

Essas mudanças legislativas devem ser acompanhadas por regulamentações que garantam sua implementação eficiente e equitativa, evitando novos conflitos normativos e promovendo a transparência no processo eleitoral.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise realizada ao longo deste artigo demonstra que a manutenção de disposições incompatíveis entre a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto dos Militares cria um cenário de insegurança jurídica e incentiva práticas que enfraquecem os valores centrais das Forças Armadas, como a disciplina, a hierarquia e a eficiência administrativa. O uso estratégico da agregação como um mecanismo de benefício pessoal, em vez de um instrumento legítimo de afastamento eleitoral, compromete não apenas a moralidade administrativa, mas também a confiança pública na imparcialidade das instituições militares.

A desconsideração do período de agregação para fins de promoções e vantagens funcionais, proposta neste conciso trabalho, é uma medida que promove o alinhamento do Estatuto dos Militares aos princípios constitucionais, assegurando que os direitos políticos sejam exercidos de maneira justa e responsável. Essa reforma não retira dos militares o direito legítimo à candidatura, mas elimina incentivos que desvirtuam a finalidade do afastamento eleitoral, garantindo maior equidade no tratamento entre os militares que se afastam para disputar eleições e os que se mantém no exercício de suas funções na caserna.

Além disso, a revisão legislativa é necessária para reforçar a credibilidade das Forças Armadas, particularmente em um momento de crescente envolvimento de militares na política nacional. A adoção de normas mais rigorosas e claras demonstra o compromisso das instituições com a neutralidade política e a preservação dos valores democráticos, essenciais para a consolidação do Estado de Direito no Brasil.

Outro ponto relevante é que a reforma proposta também contribui para a moralização do ambiente eleitoral, desestimulando candidaturas sem viabilidade real e fortalecendo a competição política baseada em propostas e méritos. Assim, o período de agregação deixa de ser uma oportunidade para obtenção de vantagens funcionais e retorna ao seu propósito original: garantir a imparcialidade do militar durante o processo eleitoral, bem como sustentar o direito fundamental à cidadania.

Por fim, cabe ressaltar que a efetividade das medidas propostas depende de um esforço conjunto entre os poderes Legislativo e Executivo para atualizar o Estatuto dos Militares e regulamentar as mudanças necessárias. A harmonização entre a legislação infraconstitucional e os dispositivos constitucionais é essencial para a construção de um sistema jurídico coeso, que assegure o pleno exercício da cidadania pelos militares, sem comprometer os valores institucionais que sustentam as Forças Armadas.

REFERÊNCIAS

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

JACINTO NOBRE, Gustavo. Os direitos políticos dos militares na Constituição de 1988. Maceió: UFAL, 2023. Disponível em: https://www.repositorio.ufal.br/handle/123456789/12569. Acesso em: 26 de novembro de 2024.

TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros 2002.

Sobre o autor
Gabriel Bacchieri Duarte Falcão

Oficial de Assessoria Jurídica do Exército Brasileiro.

Informações sobre o texto

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