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Trump e o protecionismo: quem ganha e quem perde?

Agenda 01/12/2024 às 15:30

A criação de instituições como o GATT e a OMC refletiu o reconhecimento de que uma abordagem cooperativa e multilateral ao comércio é mais benéfica para a estabilidade e o crescimento global, ainda que desafios e tensões persistam no sistema atual.

Introdução

Em novembro de 2024, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a intenção de impor tarifas alfandegárias significativas sobre importações do Canadá, China e México. Especificamente, Trump propôs uma tarifa de 25% sobre todos os produtos provenientes do Canadá e do México, além de um aumento de 10% nas tarifas já existentes sobre produtos chineses. Essas medidas foram justificadas como uma resposta ao suposto fracasso desses países em controlar o tráfico de drogas, especialmente o fentanil, e a imigração ilegal para os Estados Unidos.1

A reação internacional foi imediata. A presidente do México, Claudia Sheinbaum, alertou sobre possíveis retaliações e enfatizou a necessidade de negociações para evitar uma guerra comercial. O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, destacou a importância da relação comercial entre os dois países e expressou preocupação com os possíveis impactos econômicos das tarifas propostas.2

Economistas e analistas alertaram que a implementação dessas tarifas poderia levar a um aumento nos preços para os consumidores americanos, afetando produtos como alimentos, roupas, automóveis e bebidas alcoólicas. Além disso, há preocupações de que essas medidas possam desencadear retaliações comerciais, prejudicando ainda mais a economia global.3

Essas ações refletem a continuidade da abordagem protecionista de Trump em relação ao comércio internacional, semelhante às políticas adotadas durante seu primeiro mandato, que resultaram em tensões comerciais significativas com vários parceiros comerciais dos EUA.


Histórico das tarifas e do comércio internacional

O uso de tarifas alfandegárias tem sido uma ferramenta recorrente no comércio internacional, desempenhando diferentes papéis ao longo da história.4 Em seus primórdios, as tarifas serviram como mecanismo para proteger indústrias emergentes e como fonte de receita para governos. Contudo, com o avanço das relações comerciais globais, elas também passaram a ser utilizadas como instrumentos de barganha política e, em alguns casos, como ferramentas de repressão econômica, particularmente em contextos de conflitos e rivalidades geopolíticas.

A criação do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) em 1947 marcou um divisor de águas no comércio internacional. Este acordo surgiu como uma resposta direta às políticas protecionistas que haviam dominado o período da Grande Depressão nos anos 1930, exacerbando a crise econômica global. Naquele período, países adotaram tarifas elevadas para proteger suas economias, mas o efeito foi o oposto: a retração do comércio mundial aprofundou a recessão. O GATT buscava, assim, estabelecer regras claras para a redução de tarifas e outras barreiras ao comércio, promovendo maior previsibilidade e estabilidade nas trocas comerciais entre nações. Sua fundação foi um marco na transição de uma economia global fragmentada para um sistema multilateral de comércio.5

Com o passar das décadas, o GATT evoluiu para se tornar a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995. A OMC ampliou o alcance das regras do comércio internacional, incorporando temas como serviços, propriedade intelectual e subsídios, além de manter o compromisso com a redução de tarifas. A organização também introduziu mecanismos mais robustos de resolução de disputas, consolidando-se como uma peça fundamental na promoção da liberalização comercial e na prevenção de práticas protecionistas.6

Apesar desses avanços, as tarifas continuaram a ser usadas como instrumentos de repressão econômica em momentos críticos da história. Durante a Guerra Fria, por exemplo, sanções comerciais e barreiras tarifárias foram aplicadas como parte de estratégias para enfraquecer economicamente rivais ideológicos.7 Mais recentemente, sanções e tarifas têm sido frequentemente utilizadas como medidas coercitivas em conflitos geopolíticos, como nos embargos aplicados ao Irã e à Rússia, visando isolar economicamente esses países e pressioná-los politicamente.8

Esse histórico demonstra que as tarifas alfandegárias transcendem questões puramente econômicas, desempenhando papéis centrais em disputas políticas e ideológicas. No entanto, a criação de instituições como o GATT e a OMC refletiu o reconhecimento de que uma abordagem cooperativa e multilateral ao comércio é mais benéfica para a estabilidade e o crescimento global, ainda que desafios e tensões persistam no sistema atual.

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A política tarifária de Trump

A política tarifária implementada pelo governo de Donald Trump foi fortemente influenciada pelo slogan "America First" (América Primeiro), que buscava priorizar os interesses econômicos dos Estados Unidos, protegendo setores estratégicos da economia e incentivando a produção doméstica. A administração Trump defendia que o país precisava reduzir o déficit comercial, especialmente com parceiros como a China, e revitalizar a indústria manufatureira americana, considerada vital para o crescimento econômico sustentável e a geração de empregos.9

Um dos aspectos mais marcantes dessa política foi a guerra comercial com a China. Desse modo, os Estados Unidos impuseram tarifas sobre centenas de bilhões de dólares em produtos chineses, abrangendo setores que iam desde tecnologia até bens de consumo. Em retaliação, a China adotou medidas similares, atingindo produtos agrícolas americanos e intensificando a disputa. Essa guerra comercial teve impactos globais, criando incertezas nos mercados financeiros, perturbando cadeias de suprimentos e levando empresas a reconsiderarem suas estratégias de produção e exportação.10

Além da China, Trump também voltou sua política tarifária contra países europeus, com foco especial nas indústrias automotiva e agrícola. O governo argumentava que os desequilíbrios comerciais com a União Europeia prejudicavam a competitividade americana e justificava as tarifas como forma de pressionar por condições mais equilibradas. Essa abordagem, no entanto, gerou tensões significativas entre os EUA e seus aliados tradicionais, levando a ameaças de represálias por parte dos europeus.11

Outro pilar importante da política comercial de Trump foi a pressão exercida sobre aliados estratégicos da América do Norte, como Canadá e México. O presidente considerava que o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) era desfavorável aos interesses americanos e exigia uma renegociação. Esse processo resultou no Acordo Estados Unidos-México-Canadá (USMCA), que substituiu o NAFTA e incluiu novas cláusulas relacionadas a normas trabalhistas, propriedade intelectual e comércio digital, além de ajustes em setores como automotivo e agrícola.12


Impactos da implementação de tarifas

Em termos de consequências econômicas globais, a imposição de tarifas frequentemente resulta no aumento dos preços dos bens afetados.13 Quando os produtos importados se tornam mais caros, os custos são repassados ao consumidor final, tanto nos países que impõem as tarifas quanto nos exportadores. Além disso, as tarifas tendem a desencadear represálias comerciais por parte dos países-alvo, criando ciclos de retaliações que podem levar a guerras comerciais prolongadas. Esse ambiente de incerteza e instabilidade afeta o comércio global, interrompendo cadeias de suprimentos e prejudicando investimentos internacionais.

A imposição de tarifas pode gerar um efeito paradoxal no comércio global. Embora a intenção inicial seja proteger setores estratégicos ou pressionar parceiros comerciais a renegociarem acordos, essa estratégia muitas vezes provoca reações adversas que enfraquecem a dependência dos produtos tarifados no longo prazo. Quando um país eleva significativamente as tarifas sobre determinadas importações, os parceiros comerciais e os mercados globais podem buscar alternativas para reduzir sua exposição a essas barreiras, adaptando-se para não depender mais dos produtos sujeitos às tarifas.

Esse movimento de adaptação pode assumir várias formas. Empresas e governos podem investir na diversificação de fornecedores, redirecionando suas cadeias de suprimentos para países que não enfrentam as mesmas tarifas. Além disso, a inovação tecnológica e o desenvolvimento de substitutos locais podem ser acelerados, diminuindo a demanda pelos produtos originalmente importados.

O paradoxo surge porque, ao longo do tempo, essa adaptação reduz a relevância econômica e estratégica do setor que as tarifas pretendiam proteger. O mercado global passa a operar sem a necessidade dos produtos tarifados, e o país que implementou a barreira pode sofrer com a perda de competitividade internacional. Isso é especialmente evidente em casos de longo prazo, onde os parceiros comerciais, inicialmente impactados pelas tarifas, reestruturam suas economias de forma a diminuir sua dependência daquele mercado específico.

Portanto, enquanto as tarifas podem ser eficazes como uma medida de curto prazo para influenciar negociações ou proteger setores vulneráveis, seu efeito a longo prazo pode ser o oposto do desejado. O comércio global tem uma capacidade notável de adaptação, e as barreiras tarifárias frequentemente acabam incentivando a criação de alternativas que tornam os mercados mais resilientes e menos dependentes de economias protecionistas.


Conclusão

A análise das políticas tarifárias de Donald Trump evidencia que enquanto as tarifas podem parecer uma ferramenta eficaz de curto prazo para proteger setores estratégicos e influenciar negociações comerciais, seus efeitos de longo prazo são profundamente ambíguos e, muitas vezes, contraproducentes. Embora essas medidas tenham impulsionado alguns setores domésticos e pressionado parceiros comerciais a renegociar acordos, também resultaram em custos econômicos significativos, tensões diplomáticas e mudanças estruturais no comércio global.

O paradoxo das tarifas é que, ao tentar proteger ou fortalecer uma economia, elas podem, inadvertidamente, estimular adaptações no mercado global que tornam os produtos tarifados menos essenciais. Isso, combinado com o impacto de represálias comerciais e a fragmentação das cadeias de suprimentos, reforça os limites dessa abordagem em um mundo cada vez mais interconectado.

Nesse contexto, o papel de instituições como o GATT e a OMC é essencial para moderar conflitos econômicos globais, promovendo a liberalização comercial e a cooperação multilateral. No entanto, as tensões recentes destacam a necessidade de fortalecer esses mecanismos, especialmente diante do retorno de políticas protecionistas.

Para os Estados Unidos, as tarifas de Trump deixaram um legado misto de sucessos pontuais em negociações comerciais foram acompanhados por prejuízos ao consumidor e impactos negativos em setores dependentes de importações. Em um cenário global, essa estratégia também contribuiu para um ambiente de incerteza e fragmentação econômica.

No futuro, a viabilidade das tarifas como estratégia dependerá de um equilíbrio delicado entre interesses nacionais e a necessidade de manter relações comerciais estáveis e produtivas. Em um mundo interdependente, estratégias cooperativas e reformas institucionais parecem ser as soluções mais promissoras para evitar os conflitos econômicos que as políticas tarifárias frequentemente alimentam.


Referências

1 https://www.thetimes.com/world/us-world/article/fentanyl-trump-tariffs-musk-canada-mexico-0j3hcm6k7?utm_source=chatgpt.com&region=global

2 Canada, Mexico and China respond to Trump tariff threats

3 https://apnews.com/article/trump-tariffs-prices-inflation-mexico-canada-d44aa0715a649998195fc3211e9ab7a3

4 US-Zollpläne: Wie Trump Zölle für seine Ziele nutzt | tagesschau.de

5 The Creation of the GATT (Chapter 1) - The Genesis of the GATT

6 From GATT to the WTO: An Overview - International Trade Law Research Guide - Guides at Georgetown Law Library

7 ipe_working_paper_162

8 Iran: EU widens restrictive measures in view of Iran support of the Russian war of aggression against Ukraine and lists one individual and four entities - Consilium

9 https://www.washingtonpost.com/world/2024/11/27/trump-tariffs-canada-mexico-china/

10 https://www.scmp.com/economy/china-economy/article/3146489/us-china-trade-war-timeline-key-dates-and-events-july-2018

11 https://www.dw.com/pt-br/trump-amea%C3%A7a-ue-com-novas-tarifas-de-importa%C3%A7%C3%A3o/a-52115895?utm_source=chatgpt.com

12 https://apnews.com/article/222da26d3fe441dc0afca4194addfc6f?utm_source=chatgpt.com

13 https://globaltradeculture.com/como-tarifas-y-aranceles-afectan-al-comercio-internacional/?utm_source=chatgpt.com

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Pedro Vitor Serodio. Trump e o protecionismo: quem ganha e quem perde?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7823, 1 dez. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111951. Acesso em: 18 dez. 2024.

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