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A utilização da decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial na cobrança de multas sancionatórias em licitações e contratos administrativos

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RESUMO

O presente artigo aborda a possibilidade de a decisão administrativa irrecorrível ser utilizada como título executivo extrajudicial na cobrança de multas sancionatórias em licitações e contratos administrativos. A pesquisa surge diante das dificuldades enfrentadas pela Administração Pública na efetivação da cobrança dessas multas, que, no procedimento tradicional, dependem da inscrição em dívida ativa e da execução fiscal, processos reconhecidamente morosos e ineficazes. O objetivo do estudo é analisar a legitimidade e a viabilidade jurídica dessa prática, à luz do Direito Administrativo Sancionador e das disposições legais vigentes, especialmente da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e o Código de Processo Civil. A metodologia adotada inclui uma revisão bibliográfica sobre o tema, análise jurisprudencial de casos concretos e o exame das experiências práticas na cobrança de multas administrativas. Os resultados sugerem que a inclusão da decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial pode promover maior celeridade e eficácia na cobrança, resguardando o interesse público e fortalecendo o papel sancionatório da Administração Pública. Conclui-se que tal possibilidade demanda uma alteração legislativa, mas apresenta-se como uma alternativa juridicamente viável para aprimorar os mecanismos de cobrança das dívidas públicas decorrentes de sanções administrativas em licitações e contratos.

Palavras-chave: Decisão administrativa irrecorrível, Título executivo extrajudicial, Multas sancionatórias, Licitações, Contratos administrativos, Lei nº 14.133/2021, Direito Administrativo Sancionador.


  1. INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda o tema da cobrança de multas sancionatórias em licitações e contratos administrativos, concentrando-se na possibilidade de utilizar a decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial possibilitando o seu protesto e constituir-se em uma verdadeira alternativa à execução fiscal.

No âmbito da Administração Pública, a efetividade das sanções administrativas, especialmente aquelas aplicadas em decorrência de descumprimento de contratos, é um dos mecanismos essenciais para a boa governança das contratações públicas. No entanto, o procedimento tradicional de cobrança dessas multas, que envolve a inscrição em dívida ativa e a subsequente execução fiscal, tem se mostrado lento e ineficaz, prejudicando a recuperação dos valores devidos ao erário e enfraquecendo o poder sancionatório da Administração.

Diante desse contexto, questiona-se: seria juridicamente legítimo e viável reconhecer a decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial, visando conferir maior celeridade e efetividade à cobrança de multas sancionatórias? Tal possibilidade se justifica na medida em que o protesto e a cobrança direta dessas dívidas pelo próprio ente público poderiam representar uma alternativa ao tradicional e moroso processo de execução fiscal, promovendo maior eficiência na proteção do interesse público.

Assim, o objetivo deste estudo é analisar a legitimidade e viabilidade jurídica da utilização da decisão administrativa irrecorrível em processos sancionadores como título executivo extrajudicial. Pretende-se, assim, examinar os instrumentos jurídicos previstos na legislação vigente, em especial na Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações) e no Código de Processo Civil, e verificar se essa alternativa se alinha aos princípios do Direito Administrativo Sancionador e à execução de dívidas públicas.

A relevância da pesquisa reside na busca por aprimorar os mecanismos de cobrança das multas administrativas, garantindo maior efetividade na atuação sancionatória da Administração e, consequentemente, fortalecendo os processos licitatórios e contratuais. Para alcançar esse objetivo, a metodologia adotada inclui revisão bibliográfica sobre a temática, análise de decisões judiciais e estudo de casos práticos que destacam as dificuldades encontradas na cobrança de multas por meio de execução fiscal.

O artigo está estruturado em seções que abordam, inicialmente, uma visão geral das sanções administrativas e da execução fiscal, seguidas pela discussão sobre a possibilidade jurídica de constituir a decisão administrativa como título executivo extrajudicial. Ao final, são apresentadas as conclusões, evidenciando os potenciais benefícios e desafios dessa alternativa para a cobrança das multas em licitações e contratos administrativos.


  1. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E A EXECUÇÃO FISCAL: UMA VISÃO GERAL

Com a promulgação da Lei nº 14.133/2021, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, houve um fortalecimento dos mecanismos de gestão de riscos, compliance e governança na Administração Pública, visando garantir a efetividade na proteção dos interesses sociais. Nesse contexto, o Direito Administrativo Sancionador tem assumido um papel mais proeminente, atuando como instrumento para reprimir condutas que violam ou ameaçam o interesse público.

Ao firmar contratos com particulares, a Administração Pública necessita de mecanismos que assegurem o cumprimento das obrigações estabelecidas, bem como a possibilidade de sancionar aqueles que desrespeitam as normas contratuais. Para tanto, faz uso de suas prerrogativas contratuais, comumente denominadas cláusulas exorbitantes.

De acordo com a explicação de Di Pietro (2014, p. 314), essas cláusulas são caracterizadas por não serem típicas ou aceitáveis em contratos firmados entre particulares, pois conferem vantagens à Administração em detrimento da outra parte, colocando-a em uma posição de superioridade em relação ao contratado.

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos lista, em seu art. 104, diversas dessas cláusulas de privilégio, como a possibilidade de alteração unilateral do contrato, a extinção contratual unilateral, a fiscalização da execução, a aplicação de sanções e a ocupação provisória de bens vinculados ao contrato (TORRES, 2021, p. 569).

Art. 104. O regime jurídico dos contratos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, as prerrogativas de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II - extingui-los, unilateralmente, nos casos especificados nesta Lei;

III - fiscalizar sua execução;

IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

V - ocupar provisoriamente bens móveis e imóveis e utilizar pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato nas hipóteses de:

a) risco à prestação de serviços essenciais;

b) necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, inclusive após extinção do contrato.

Tais prerrogativas refletem a natureza particular dos contratos administrativos e reforçam o poder da Administração na fiscalização, alteração e rescisão unilateral de contratos, além de garantir o direito de aplicar sanções aos administrados.

Deveras, a aplicação de sanções administrativas é amparada no princípio da autoexecutoriedade, que concede à Administração Pública a autoridade de executar suas próprias decisões sem a necessidade de intervenção judicial. Essa característica distingue o Direito Administrativo Sancionador, que tem uma função de repressão e prevenção, buscando evitar comportamentos que prejudiquem os interesses coletivos.

Deste modo, diferentemente do Direito Penal, que possui um caráter mais punitivo e repressivo em relação a condutas que ameaçam bens jurídicos relevantes para a sociedade, o Direito Administrativo Sancionador atua com uma lógica voltada para a proteção do interesse público, regulando comportamentos em prol da ordem social e do bom funcionamento dos serviços públicos (DEZAN, 2021, p. 39).

Segundo Anielo Parziale (2021, p. 121), a natureza administrativa de uma sanção se define pela autoridade competente para aplicá-la, ressaltando que as sanções administrativas ocorrem quando o Estado exerce sua função administrativa, inclusive no âmbito dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Observa-se ainda que a própria posição da Administração Pública no manuseio de potestades sancionadoras, permite-se que, unilateralmente, se fiscalize, apure, processe, julgue e aplique sanções administrativas no cumprimento da lei (Oliveira, 2020).

Portanto, a sanção administrativa é um mecanismo fundamental para assegurar o interesse público e garantir que os particulares que se vinculam à Administração, por meio de licitações e contratos, cumpram suas obrigações. Além disso, cumpre papel preventivo, inibindo práticas lesivas à sociedade.

O Manual de Sanções do Tribunal de Contas da União (2020) ressalta que as sanções administrativas possuem dupla finalidade: educar e reprimir. A aplicação de sanções não apenas demonstra que condutas ilícitas não são toleradas pela Administração, mas também busca impedir que a sociedade e a Administração sofram prejuízos causados por licitantes e contratados que não cumprem com suas obrigações.

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Podemos afirmar que a aplicação das sanções administrativas tem dupla finalidade. A primeira é de caráter educativo e busca mostrar à licitante e contratada que cometeu o ato ilícito, e também às demais licitantes/contratadas, que condutas dessa natureza não são toleradas pela Administração, de forma a reprimir a violação da legislação.

Outra finalidade da sanção administrativa tem caráter repressivo, e busca impedir que a Administração e a sociedade sofram prejuízos por licitantes/contratados que descumprem suas obrigações (TCU, 2020).

Nesse ponto, Hely Lopes Meireles (1973, p. 23) já destacava que a jurisdição é a atividade estatal de declarar o direito e, para uma gestão pública eficiente, é essencial que o Direito Administrativo Sancionador seja aplicado em sua totalidade, atingindo seus objetivos educativos e repressivos.

Deveras, todos os Poderes do Estado — Legislativo, Executivo e Judiciário — desempenham funções administrativas, seja de forma típica ou atípica, ao contratar empresas para a prestação de serviços ou aquisição de bens. Diante disso, possuem o dever de conduzir processos licitatórios que garantam a contratação de particulares aptos a fornecer os serviços ou bens necessários, bem como fiscalizar a execução dos contratos e aplicar as sanções cabíveis quando ocorrerem descumprimentos das normas legais e contratuais.

Infelizmente, é comum que durante o curso do processo licitatório ou da execução do contrato administrativo, a Administração se depare com situações que envolvem fraudes, má utilização de recursos públicos e recorrentes descumprimentos contratuais. Tais práticas prejudicam o andamento adequado do certame licitatório e comprometem a boa execução do contrato, causando danos diretos ao bem jurídico tutelado, que é o interesse público e a eficiência na prestação de serviços.

Nessas situações, o Estado se vê na necessidade de adotar medidas restritivas que afastem os particulares que cometeram tais condutas ilícitas, além de evitar que novas infrações sejam cometidas por licitantes ou contratados. Tais medidas são fundamentadas no poder disciplinar da Administração, que decorre da relação jurídica estabelecida entre a Administração Pública e as empresas licitantes ou contratadas.

Segundo Hely Lopes Meirelles (2009, p. 126), o poder disciplinar consiste na "faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração." Esse poder é uma manifestação da supremacia especial que o Estado exerce sobre aqueles que mantêm qualquer tipo de vínculo com a Administração, devendo obedecer às normas de funcionamento dos serviços públicos.

Matheus Carvalho (2019, p. 130) complementa esse entendimento, afirmando que o poder disciplinar é a atribuição pública de aplicação de sanções àqueles que estão sujeitos à disciplina estatal. Ou seja, trata-se da autoridade para impor sanções aos indivíduos ou empresas que possuem uma relação especial com o Estado, como os que participam de licitações e firmam contratos administrativos.

Com base nesse poder disciplinar, a Administração Pública pode aplicar sanções administrativas, as quais, segundo Torres e Pedra (2021, p. 212), não têm como função principal impor consequências negativas ao particular, mas sim garantir a eficácia das normas previamente estipuladas em edital ou contrato. Tais sanções agem como um instrumento preventivo e pedagógico, induzindo o comportamento desejado pela Administração e preservando o interesse público.

O poder disciplinar, portanto, tem o objetivo de promover a regularidade e a eficiência do serviço público, corrigindo o comportamento das empresas licitantes e contratadas que não cumprirem os deveres a elas impostos. A eficácia das punições administrativas é fundamental para que haja credibilidade e eficácia na atuação estatal, pois sanções tardias ou ineficazes podem enfraquecer a autoridade da Administração Pública.

É importante ressaltar que a aplicação dessas sanções deve ser precedida por um devido processo administrativo, em que se assegure ao infrator os direitos à ampla defesa e ao contraditório, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Nesse sentido, é essencial que a legislação preveja com clareza as possibilidades de sanções e os critérios para sua aplicação, a fim de evitar decisões arbitrárias por parte da autoridade sancionadora (PRATES, 2005, p. 204).

A Lei nº 14.133/21 prevê, no artigo 156, que quando ocorre alguma infração, o particular pode ser sancionado com alguma das seguintes penalidades: advertência; multa; impedimento de licitar e contratar; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. Vejamos:

Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa;

III - impedimento de licitar e contratar;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.

Assim, verifica-se que dentre as sanções previstas, a multa, objeto central deste estudo, se caracteriza pela imputação de um pagamento em dinheiro devido ao atraso ou à inexecução contratual (ZARDO, 2014). Orlando Gomes (1961) define a multa como uma quantia devida a título de penalidade pela violação de deveres contratuais, não se confundindo com a obrigação de ressarcimento. No entanto, na prática, a efetivação do pagamento dessa multa apresenta uma série de desafios.

Isso porque, para que o poder estatal lesado receba o valor da multa ao final do processo administrativo, é preciso superar algumas barreiras, pois em muitos casos, se não houver a retenção cautelar da multa, conforme previsto no artigo 139, inciso IV, da Nova Lei de Licitações, o valor correspondente à multa não ingressa automaticamente nos cofres públicos. Vejamos:

Art. 139. A extinção determinada por ato unilateral da Administração poderá acarretar, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei, as seguintes consequências:

[...]

IV - retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados à Administração Pública e das multas aplicadas.

Assim, o respectivo crédito da multa somente pode ser cobrado por meio de execução fiscal, cujo ajuizamento é de competência do Poder Executivo, por intermédio de sua Procuradoria, após a inscrição do crédito na dívida ativa. Embora esse procedimento seja previsto em lei, na prática ele apresenta uma série de dificuldades, tendo em vista que muitas vezes, o valor da multa não retorna ao ente que foi diretamente lesado, pois o processo de execução fiscal é complexo, demorado e depende da atuação de outro órgão, o que pode resultar na frustração da efetiva cobrança.

Um exemplo claro dessa problemática ocorre quando o Poder Judiciário, ao contratar uma empresa, constata uma infração contratual e, após o devido processo administrativo, decide pela aplicação de multa. Nesse caso, caso não tenha ocorrido a retenção cautelar do valor correspondente, o Poder Judiciário deverá encaminhar a decisão administrativa irrecorrível do processo administrativo ao Poder Executivo para que sua Procuradoria inscreva o crédito em dívida ativa e ajuíze a execução fiscal. Contudo, nem sempre essa execução fiscal é ajuizada, e mesmo quando o pagamento é efetuado, o valor não é repassado ao órgão que sofreu de fato o dano daquela contratação ou licitação.

Diante dessa situação, surge a questão que este artigo busca responder: seria possível transformar a decisão administrativa irrecorrível em processo sancionador em um título executivo extrajudicial? Tal indagação se justifica na medida em que se vislumbra que seria possível o protesto e a cobrança mais céleres da dívida diretamente pelo próprio ente ou poder lesado, evitando os entraves da execução fiscal e assegurando a efetividade das sanções administrativas.


  1. A POSSIBILIDADE DE A DECISÃO IRRECORRÍVEL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO SERVIR COMO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

Como dito alhures, a efetividade das sanções administrativas é um instrumento fundamental para a preservação do interesse público, especialmente no contexto das licitações e contratos administrativos.

Contudo, a aplicação prática dessas sanções enfrenta diversos obstáculos, em particular na cobrança das multas impostas a empresas que descumprem os contratos celebrados com a Administração Pública, tendo em vista que a execução fiscal, procedimento tradicionalmente utilizado para a cobrança desses créditos, é amplamente reconhecida por sua morosidade e ineficácia, dificultando o ressarcimento dos valores devidos ao erário.

Não obstante esses fatos, destaque-se que ao contrário de outras sanções previstas, notadamente advertência, impedimento e declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, cuja efetivação se dá pela inscrição de empresas no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) feita pelo próprio órgão que exarou a decisão administrativa, a execução da multa depende da inscrição do débito em dívida ativa e da subsequente execução fiscal, um processo frequentemente demorado e burocrático.

Diante disso, surge a proposta de reconhecer a decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial, alternativa que poderia trazer maior agilidade à cobrança das multas sancionatórias, dispensando a intervenção do Poder Executivo para a inscrição do débito em dívida ativa.

Deveras, a inscrição em dívida ativa ocorre por meio de um termo específico, registrado no "Livro da Dívida Ativa". Com esse registro, é emitida a Certidão de Dívida Ativa (CDA), que configura um título executivo extrajudicial. A CDA autoriza a Fazenda Pública a promover a execução fiscal contra o devedor. Os requisitos para essa inscrição estão descritos no art. 202 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo obrigatória a inclusão de:

Art. 202. O termo de inscrição da dívida ativa, autenticado pela autoridade competente, indicará obrigatoriamente:

I - o nome do devedor e, sendo caso, o dos co-responsáveis, bem como, sempre que possível, o domicílio ou a residência de um e de outros;

II - a quantia devida e a maneira de calcular os juros de mora acrescidos;

III - a origem e natureza do crédito, mencionada especificamente a disposição da lei em que seja fundado;

IV - a data em que foi inscrita;

V - sendo caso, o número do processo administrativo de que se originar o crédito.

No plano doutrinário, o conceito de título executivo está intrinsecamente ligado à necessidade de certeza, liquidez e exigibilidade. Segundo a orientação de Medina (2022), o título executivo é uma condição necessária e suficiente para possibilitar a tutela jurisdicional executiva, dispensando uma verificação judicial prévia do direito que o fundamenta.

Todavia, "os títulos executivos são definidos como tais pela lei, não podendo as partes, ou o juiz, reconhecer tal status a algum fato que não seja assim considerado, nem suprimir elemento previsto no tipo escolhido pelo legislador " (Medina, 2022)

Conforme disposto no art. 783 do CPC/2015, para que um título executivo seja válido e apto a ser executado, ele deve reunir três elementos essenciais: certeza, liquidez e exigibilidade.

 Art. 783. A execução para cobrança de crédito fundar-se-á sempre em título de obrigação certa, líquida e exigível.

A certeza implica que o título deve expressar de forma clara e inequívoca o direito que está sendo reivindicado; a liquidez refere-se à necessidade de o direito estar quantificado ou facilmente quantificável, especificando o valor ou a quantidade a ser entregue; a exigibilidade, por sua vez, indica que a obrigação estabelecida no título deve ser passível de cobrança no momento da execução.

Assim, diante da ausência de qualquer um desses elementos é impedida a realização da tutela jurisdicional executiva, pois o título executivo perderia seu caráter instrumental e sua função de efetivar o direito do exequente.

No ordenamento jurídico brasileiro, o rol dos títulos executivos extrajudiciais representa uma importante técnica para acelerar o processo de execução, invertendo o que seria o fluxo normal do procedimento judicial.

Ao prever tais títulos, a legislação brasileira atende à necessidade de celeridade processual em favor do exequente, ao mesmo tempo em que oferece ao executado mecanismos adequados para assegurar seu direito de defesa. Dessa forma, inverte-se a lógica tradicional do processo, que geralmente culmina na satisfação do direito do exequente. Aqui, o processo começa já com a fase de execução, substituindo a atuação do executado ou constrangendo-o a cumprir a prestação devida (Bodart, 2015).

No Brasil, o rol dos títulos executivos extrajudiciais é bastante amplo, diferentemente de países como a Itália, onde apenas os títulos de crédito e documentos particulares autenticados são considerados como tal.

Assim, além do elenco previsto no art. 784 do CPC/2015, há outros títulos dessa natureza em diversas leis especiais e até mesmo na própria Constituição. A existência de um catálogo abrangente de títulos extrajudiciais é fundamental para promover a celeridade processual, uma vez que permite ao credor buscar a execução de seu direito sem necessidade de uma sentença judicial prévia (Bodart, 2015). A saber:

 Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

I - a letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, a debênture e o cheque;

II - a escritura pública ou outro documento público assinado pelo devedor;

III - o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;

IV - o instrumento de transação referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela Advocacia Pública, pelos advogados dos transatores ou por conciliador ou mediador credenciado por tribunal;

V - o contrato garantido por hipoteca, penhor, anticrese ou outro direito real de garantia e aquele garantido por caução;

VI - o contrato de seguro de vida em caso de morte;

VII - o crédito decorrente de foro e laudêmio;

VIII - o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio;

IX - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

X - o crédito referente às contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, previstas na respectiva convenção ou aprovadas em assembleia geral, desde que documentalmente comprovadas;

XI - a certidão expedida por serventia notarial ou de registro relativa a valores de emolumentos e demais despesas devidas pelos atos por ela praticados, fixados nas tabelas estabelecidas em lei;

XI-A - o contrato de contragarantia ou qualquer outro instrumento que materialize o direito de ressarcimento da seguradora contra tomadores de seguro-garantia e seus garantidores;   (Incluído pela Lei nº 14.711, de 2023)

XII - todos os demais títulos aos quais, por disposição expressa, a lei atribuir força executiva.

No entanto, ainda que a decisão administrativa irrecorrível preencha os requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade, ela não é considerada, por si só, um título executivo extrajudicial, uma vez que não está expressamente listada no art. 784. Consequentemente, a cobrança da multa sancionatória segue o procedimento tradicional: após a conclusão do processo administrativo sancionador, o débito é encaminhado para a Procuradoria do ente público, onde é inscrito em dívida ativa e, somente então, ajuizada a execução fiscal.

Essa complexa tramitação expõe o ente público a vários entraves. Primeiro, ele se torna dependente do órgão de procuradoria para a efetiva cobrança, sujeitando-se aos limites internos para a viabilização da execução fiscal. Segundo, o próprio valor da dívida pode inviabilizar a cobrança, pois, se considerado economicamente inviável, pode sequer ser inscrito em dívida ativa. Ademais, mesmo quando a execução fiscal é instaurada, há o risco de que o montante recuperado não seja destinado ao ente originalmente lesado, já que os valores são depositados nos cofres do Poder Executivo, que promove a execução.

Diante desses desafios, a possibilidade de constituição da decisão administrativa irrecorrível como título executivo extrajudicial representaria um avanço significativo.

Entretanto, vislumbra-se que tal reconhecimento poderia ser viabilizado pela inclusão de disposição expressa na legislação, especificamente na Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, pois o art. 784, inciso XII, do CPC/2015 prevê que outros títulos podem adquirir força executiva por disposição legal expressa, abrindo espaço para essa inovação jurídica.

É bem verdade que, os títulos executivos extrajudiciais são aqueles previstos exclusivamente em lei, seguindo o princípio do nullum titulus sine lege. Isso significa que apenas os títulos indicados pelo ordenamento jurídico possuem a capacidade de dar início a um processo executivo, conforme enumerado de forma taxativa pelo art. 784 do CPC (Marinoni, 2023).

Deveras, a lista exaustiva de títulos extrajudiciais é necessária, pois esses documentos autorizam a prática de atos que invadem de maneira enérgica a esfera patrimonial do devedor, permitindo uma atuação direta sobre seus bens sem a necessidade de um prévio processo de conhecimento.

Assim, os particulares não podem, por simples vontade individual, criar títulos que ensejem atos autoritário-judiciais, evitando, dessa maneira, arbitrariedades e garantindo a segurança jurídica. Tal entendimento foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, ao destacar que apenas os títulos expressamente previstos em lei têm essa força executiva (STJ, 1ª Turma, REsp 700.114/MT).

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXECUÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO. INAPTIDÃO DO TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DE TESTEMUNHAS. 1. A execução, à semelhança da ação cognitiva, obedece, quanto às suas condições, a lei vigente à data da propositura. 2. Consoante assentado no aresto a quo (fl. 208): Anteriormente à edição da Lei 8.953/94, que alterou o artigo 585, II, do CPC, e possibilitou a execução de obrigação expressa em documento público, e não apenas em instrumento público, somente se fazia possível executar a Fazenda Pública com base em documento emitido por seus agentes, se referido documento viesse acompanhado da firma de duas testemunhas. 3. Destarte, a execução foi proposta em 14 de abril 1.993, por isso que, embora o título em questão consubstancie a certeza e a liquidez, o mesmo é inexigível porquanto ausente da assinatura de duas testemunhas (precedente: REsp 332.926/RO, Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Terceira Turma, DJ de 26 de agosto 2.002). 4. A lei enuncia em numerus clausus os títulos extrajudiciais constantes da relação do artigo 585 do CPC. A enumeração exaustiva decorre do fato de que os mencionados títulos autorizam a prática de atos de soberania e de enérgica invasão na esfera jurídico-patrimonial do devedor, razão pela qual não podem os particulares produzirem, de acordo com a vontade individual, uma fonte de atos autoritário-judiciais (nullun titulus sine lege). 5. Consectariamente, ausentes os requisitos do título à época da propositura da execução, inviável juridicamente a mesma, conforme assentado na instância local, sob o pálio da impossibilidade jurídica do pedido, o que não inibe a parte de promover novel processo obedecendo as atuais condições da ação executiva, porquanto não atingido o crédito exeqüendo. 6. Recurso especial conhecido e desprovido.

Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) já firmou entendimento no sentido de que processos administrativos não se enquadram no rol de títulos executivos extrajudiciais previsto no art. 784 do CPC/2015. No caso analisado, o tribunal destacou que, mesmo quando a administração pública conclui um processo administrativo constatando a existência de valores devidos por um servidor, ela não está dispensada da exigência de um título executivo expressamente reconhecido por lei.

Nessa situação, segundo o julgado, é necessária a emissão de uma Certidão de Dívida Ativa, conforme previsto no art. 47, § único, da Lei 8.112/90, para sustentar a execução. O TRF-4 ressaltou que os documentos oriundos de um processo administrativo, apesar de terem caráter público, não possuem os mesmos atributos de uma confissão de dívida certa, líquida e exigível. Além disso, em se tratando de uma execução contra a administração pública, que é regida pelo princípio da indisponibilidade de seu patrimônio e pela observância da legalidade estrita, a possibilidade de execução extrajudicial baseada em um "título executivo por equiparação" torna-se ainda mais limitada (TRF-4, AC 5007266-18.2017.4.04.7110, Relator: Oscar Valente Cardoso, julgado em 15/05/2019, Quarta Turma).

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. SERVIDOR PÚBLICO. AUSENCIA DE TÍTULO EXECUTIVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DOCUMENTO EQUIPARADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O processo administrativo não foi previsto no rol dos títulos executivos extrajudiciais (art. 784, CPC/15). A própria administração, ao concluir processso administrativo em que verifica a existência de valores a ela devidos pelo servidor, não está livre da execução mediante apresentação de um verdadeiro título executivo assim taxativa e expressamente reconhecido pela lei, qual seja, a Certidão de Dívida Ativa, cuja lavratura é obrigatória para sustentar a execução (art. 47, §ú, 8.112/90). 2. O caráter público dos atos/documentos e demais fragmentos extraídos do processo administrativo, sem adentrar no mérito de sua força probante em processso judicial de conhecimento, não possui o mesmo conteúdo e não reune os mesmos atributos de uma inequívoca e completa confissão de dívida certa, líquida e exigível. Outrossim, tratando-se de execução intendada contra a administração pública, regida pela indisponibilidade de seu patrimônio e cuja observância da legalidade estrita é imperativa, mostra-se ainda mais prejudicada a possibilidade da execução extrajudicial estar embasada em "título executivo por equiparação". 3. Apelação não provida.

(TRF-4 - AC: 50072661820174047110 RS 5007266-18.2017.4.04.7110, Relator: OSCAR VALENTE CARDOSO, Data de Julgamento: 15/05/2019, QUARTA TURMA)

Corrobora-se parcialmente com tais entendimentos, todavia, diferentemente do posicionamento do TRF-4, é possível argumentar que a decisão irrecorrível do processo administrativo possui os atributos de uma confissão de dívida certa, líquida e exigível, tendo em vista que decisão decorre de um procedimento formal em que o devedor foi notificado, exerceu seu direito de defesa e teve as provas analisadas, com o valor devido claramente quantificado.

Dessa forma, negar a possibilidade de constituir a decisão administrativa como título executivo extrajudicial perpetua entraves burocráticos que comprometem a efetividade das sanções administrativas e a recuperação do patrimônio público.

Por conseguinte, verifica-se que a Lei nº 14.133/2021, que regula licitações e contratos administrativos, poderia incluir expressamente a decisão irrecorrível em seu âmbito de aplicação como título executivo extrajudicial, com base na faculdade conferida pelo art. 784, inciso XII, do CPC, conferindo uma alternativa eficaz à execução fiscal, possibilitando inclusive o protesto do título.

Cumpre salientar que, conforme ensinam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2023), o protesto possui a função de constituir o devedor em mora, além de exercer pressão para o cumprimento da obrigação, uma vez que as restrições creditícias decorrentes do ato podem, em certa medida, constrangê-lo a adimplir o débito.

Assis (2022) acrescenta que nas execuções lastreadas em títulos extrajudiciais, o protesto extrajudicial se presta para constituir o devedor em mora e, mais que isso, constrangê-lo, por meio da restrição de crédito, a quitar a obrigação, uma vez que, nesses casos, é muito comum que seja por meio do protesto (e não por meio da execução propriamente dita) que o devedor venha a tomar ciência da existência da execução.

Por fim, no processo administrativo sancionatório TJ-ADM-2024/22353, tramitado no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, foi destacado que, no julgamento do Tema 1026, o Ministro Og Fernandes, ao decidir sobre o recurso repetitivo REsp n. 1.814.310-RS, afirmou que "sendo medida menos onerosa, a anotação do nome da parte executada em cadastro de inadimplentes pode ser determinada antes de exaurida a busca por bens penhoráveis".

Com base nesse entendimento, a presidente da comissão processante do TJBA concluiu que, mutatis mutandis, o protesto de documentos de dívida administrativa (ainda que não se trate de título executivo extrajudicial), desde que cumpridos os requisitos do art. 202 do CTN, pode ser realizado antes da inscrição em dívida ativa, conforme autorizado pelo art. 1º da Lei 9.492/97. Essa prática efetiva o princípio da menor onerosidade, uma vez que tanto a negativação do nome do devedor quanto o protesto são medidas menos gravosas em comparação com a inscrição formal em dívida ativa.

Assim, o protesto pode ser encarado como uma medida coercitiva posta à disposição do credor, ao lado de tantas outras de mesma natureza pensadas pelo legislador que, a depender do caso, podem ser mais ou menos interessantes para as pretensões do credor (Assis, 2022).

Portanto, a inclusão da decisão administrativa irrecorrível em processos sancionadores como título executivo extrajudicial na Lei nº 14.133/2021 é juridicamente possível e viável, uma vez que essa medida permitiria ao ente lesado uma alternativa eficiente à execução fiscal, promovendo celeridade, efetividade e ressarcimento direto, aspectos fundamentais para a efetividade do Direito Administrativo Sancionador e a proteção do interesse público.

Sobre os autores
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Juliana de Amorim Costa

Especialista em Licitações e Contratos Administrativos, Pós-graduanda em Direito Público, Advogada e Presidente da Comissão de Sanções Administrativas do TJ/BA

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