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Princípio da consunção no Direito Penal: tráfico de drogas e o porte ilegal de armas

Agenda 02/12/2024 às 17:59

Resumo: O presente artigo explora a aplicação do princípio da consunção no Direito Penal, com enfoque especial na relação entre o tráfico de drogas e o porte ilegal de armas. Em julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu a tese vinculante de que, quando a posse de uma arma de fogo é usada para garantir o sucesso do tráfico de drogas, não configura um crime autônomo, mas uma majorante do crime de tráfico, conforme o artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006. A decisão reafirma o entendimento de que, nos casos em que a arma serve como instrumento para a realização do tráfico, a conduta relativa ao porte de arma é absorvida pelo crime principal, o tráfico de drogas. O artigo também analisa o conceito de consunção, que prevê a absorção de um crime por outro mais grave, e o concurso de crimes, quando ambos os delitos são punidos de forma independente. A análise envolve a compreensão do nexo causal entre as condutas, a unidade de desígnio, a autonomia dos bens jurídicos e a finalidade das ações. Exemplos práticos são utilizados para ilustrar a aplicação dos princípios da consunção e do concurso material em diferentes contextos, como homicídios, fraudes e outras infrações penais, ressaltando a importância de uma análise cuidadosa para a aplicação correta do Direito Penal. Finalmente, discute-se a importância do exame criterioso da relação entre a posse de arma de fogo e o tráfico de drogas, com a necessidade de um nexo finalístico entre as condutas, para que se configure a absorção do porte de arma pelo tráfico de drogas, evitando a duplicidade de punição. O artigo também analisa as implicações da decisão do STJ sobre o tema e destaca a necessidade de uma abordagem equilibrada e fundamentada nas decisões judiciais, para garantir a justiça penal.

Palavras-chave: Princípio da Consunção; Tráfico de Drogas; Estatuto do Desarmamento; Direito Penal; Majorantes; Política Criminal.


1. Introdução

O princípio da consunção e a configuração do concurso de crimes são temas centrais no Direito Penal, especialmente quando se trata de crimes relacionados ao tráfico de drogas e porte ilegal de armas. A questão torna-se ainda mais relevante quando analisamos as interações entre crimes autônomos e crimes conexos, onde a conduta de um indivíduo pode envolver múltiplos delitos, mas nem todos devem ser punidos de forma isolada.

O conceito de consunção — em que um crime é absorvido por outro, mais grave, por ser um meio necessário para a execução deste — tem gerado intensos debates no campo jurídico, em especial no que diz respeito à relação entre a posse de armas de fogo e o tráfico de drogas.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em um julgamento marcante, reafirmou a aplicação da consunção no caso do tráfico de drogas associado ao porte de arma de fogo. A Corte decidiu que, quando a arma é utilizada como meio para garantir o sucesso do tráfico, ela não configura um crime autônomo, mas sim uma majorante do tráfico, conforme o artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006. Essa decisão, porém, não é unânime e exige um exame detalhado dos elementos do crime, como o nexo causal, a unidade de desígnio, a autonomia dos bens jurídicos violados e a finalidade da conduta.

Neste artigo, propõe-se uma análise aprofundada desses conceitos, com ênfase na aplicação do princípio da consunção e nos critérios para a correta caracterização do concurso de crimes. Primeiramente, será discutido o conceito e os fundamentos teóricos do princípio da consunção, com uma análise das circunstâncias em que ele pode ser aplicado, incluindo a necessidade de um nexo causal entre as condutas.

Em seguida, serão abordados os critérios necessários para a correta aplicação dos institutos do concurso de crimes e da consunção, com destaque para a unidade de desígnio, a autonomia dos bens jurídicos e a finalidade das condutas.

A seguir, exemplos práticos serão apresentados para ilustrar a aplicação desses princípios em diferentes contextos, desde o tráfico de drogas até crimes como homicídios e fraudes, evidenciando a complexidade dessas interações.

Além disso, discutiremos como a aplicação do princípio da consunção e a absorção do porte ilegal de armas pelo tráfico de drogas se configuram na prática judicial. O artigo explorará as implicações da decisão do STJ e o papel do Ministério Público na comprovação do nexo entre os crimes, determinando quando o porte de arma pode ser considerado uma mera ferramenta para o tráfico, e quando ambos os crimes devem ser considerados autônomos, com a aplicação do concurso material.

Por fim, este estudo pretende oferecer uma compreensão mais detalhada das nuances envolvidas na aplicação do princípio da consunção, destacando os desafios interpretativos e a necessidade de uma análise rigorosa das provas e circunstâncias de cada caso.

A busca pela justiça penal equitativa exige uma abordagem flexível, mas fundamentada, que considere a gravidade dos crimes e a proteção dos bens jurídicos violados, para garantir que o direito penal cumpra sua função de maneira justa e eficaz.


2. Fundamentos Teóricos do Princípio da Consunção

2.1. Conceito e Aplicação

O princípio da consunção é uma regra de interpretação que orienta a aplicação das normas penais, com base na absorção de crimes menores por delitos mais graves ou abrangentes quando entre eles existe uma relação de dependência ou complementaridade. Esse princípio é aplicado para evitar a dupla punição por condutas que, em essência, configuram um único contexto delitivo.

A aplicação prática da consunção exige a identificação de um nexo finalístico entre as condutas delituosas, ou seja, o crime menor precisa ser indispensável ou instrumental para a prática do crime maior.

É por isso que, em determinadas situações, atos preparatórios ou acessórios são absorvidos pela infração principal, refletindo um equilíbrio no sistema punitivo.

2.2. Exemplos Práticos

Um indivíduo falsifica a assinatura de outra pessoa em um contrato de financiamento, utilizando-o para obter um empréstimo bancário fraudulento. Nesse caso, o crime de falsificação de documento (art. 297, Código Penal) é absorvido pelo estelionato (art. 171, Código Penal), pois a falsificação foi o meio necessário para a obtenção da vantagem ilícita.

Um agente utiliza uma arma de fogo adquirida ilegalmente para executar um homicídio planejado. Nesse contexto, o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo (art. 12 ou 14 da Lei 10.826/2003) é absorvido pelo homicídio (art. 121 do Código Penal), dado que o uso da arma é o meio instrumental para a prática do delito fim.

Um indivíduo furta um carro com o objetivo de utilizá-lo em um roubo a banco. Após o roubo, o veículo é abandonado. Nesse caso, o furto (art. 155 do Código Penal) é absorvido pelo roubo (art. 157 do Código Penal), pois o crime patrimonial inicial foi exclusivamente um meio para alcançar a execução do crime mais grave.


3. A Relação entre o Estatuto do Desarmamento e a Lei de Drogas

3.1. Objetos Normativos e Conflitos

Embora o Estatuto do Desarmamento e a Lei de Drogas sejam normativos independentes, seus objetos frequentemente se sobrepõem em casos práticos. O primeiro visa coibir a posse e porte ilegal de armas, enquanto a segunda regula o tráfico e uso de entorpecentes, com agravantes específicas, como o uso de armamento para a prática do crime.

3.2. Critérios para Diferenciação

O STJ esclareceu que a diferenciação entre a aplicação da majorante e o reconhecimento do crime autônomo depende do nexo finalístico. Caso a arma seja usada exclusivamente para garantir o tráfico, aplica-se a majorante do artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006. Em situações desvinculadas do tráfico, como a posse prévia da arma para outros fins ilícitos, reconhece-se o concurso material.

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4. A Absorção do Porte ou Posse Ilegal de Arma pelo Tráfico de Drogas

4.1. Contexto Jurídico

A absorção do crime de porte ou posse ilegal de arma pelo tráfico de drogas é um exemplo clássico da aplicação do princípio da consunção. A arma, nesse contexto, é utilizada como uma ferramenta instrumental para assegurar a execução da atividade criminosa principal: o comércio ilícito de entorpecentes.

Essa absorção ocorre quando é demonstrado um nexo finalístico claro entre as condutas, ou seja, a posse ou o porte da arma está diretamente ligada à facilitação ou garantia do sucesso do tráfico de drogas.

O artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006 prevê o aumento da pena no tráfico de drogas quando o agente está armado, justamente para abarcar situações em que a arma não configura uma infração autônoma, mas sim um meio acessório ao crime principal.

Por outro lado, caso o uso da arma não esteja relacionado à mercancia ilícita, poderá haver o reconhecimento do concurso material, com punições distintas.

4.2. Requisitos para a Aplicação da Consunção

  1. Nexo Finalístico: A arma deve ser usada para assegurar ou facilitar a prática do tráfico de drogas.

  2. Instrumentalidade: O porte ou a posse da arma deve ser subordinado à atividade criminosa principal.

  3. Ausência de Condutas Autônomas: Não pode haver uma conduta desvinculada do tráfico que caracterize um uso independente da arma.

4.3. Exemplos Práticos

Um traficante mantém um revólver carregado dentro de uma residência usada como ponto de venda de drogas. Durante a abordagem policial, além da apreensão das substâncias entorpecentes, a arma é encontrada escondida no local. Como a arma era utilizada para proteger o comércio ilícito, configura-se o nexo entre as condutas, aplicando-se a causa de aumento da Lei de Drogas e a absorção do crime de posse ilegal de arma.

Durante uma entrega de drogas, o traficante exibe uma pistola para intimidar o comprador e assegurar o pagamento imediato. O porte da arma nesse contexto é instrumental à conclusão da transação criminosa, sendo absorvido pelo tráfico de drogas.

Um traficante mantém uma arma sem registro em sua residência, não apenas para defesa pessoal, mas para evitar que a carga de entorpecentes seja roubada. Neste caso, o uso da arma está diretamente ligado à prática do tráfico, justificando a aplicação do artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006.

4.4. Fundamento Teórico

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reforça que a aplicação do princípio da consunção é indispensável para evitar duplicidade de punições e assegurar proporcionalidade.

O reconhecimento do porte ou posse de arma como crime autônomo exige a comprovação pelo Ministério Público de que a arma era utilizada de forma desvinculada da mercancia ilícita. Essa exigência decorre do próprio caráter fragmentário e subsidiário do Direito Penal, que não deve penalizar mais de uma vez condutas que compõem um mesmo contexto fático.

4.5. Análise Crítica

A aplicação do princípio da consunção em casos de tráfico de drogas e porte de arma reflete uma abordagem racional do sistema penal, mas exige cautela para não comprometer a individualização da pena.

A interpretação equivocada pode levar à desconsideração de comportamentos gravemente autônomos ou, ao contrário, à dupla punição de condutas que possuem unidade contextual. A análise precisa, portanto, equilibrar os direitos do réu e a eficácia punitiva do Estado.


5. Concursos de Crimes no Direito Penal Brasileiro: Material, Formal e Princípio da Consunção

O concurso de crimes é uma das temáticas mais ricas e complexas do Direito Penal, demandando uma compreensão minuciosa para garantir que a aplicação da lei seja proporcional, justa e alinhada aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico. A seguir, ampliamos a análise dos tipos de concursos de crimes, incluindo seus aspectos teóricos, práticos, e a interface com o princípio da consunção.

5.1. Conceito e Relevância Jurídica do Concurso de Crimes

O concurso de crimes ocorre quando o mesmo agente pratica mais de uma infração penal, seja por meio de condutas independentes ou decorrentes de uma mesma ação. Sua relevância jurídica está na necessidade de diferenciar as situações em que o agente deve ser punido por cada crime individualmente (concurso material) ou por um conjunto de crimes tratados de forma unitária (concurso formal ou consunção).

A definição correta do concurso impacta diretamente a dosimetria da pena, a caracterização de agravantes ou atenuantes, e a política criminal adotada em casos concretos.

5.2. Concurso Material

O concurso material é regido pelo artigo 69 do Código Penal Brasileiro e ocorre quando o agente, mediante mais de uma conduta, pratica dois ou mais crimes. Aqui, as penas são aplicadas cumulativamente, considerando-se a independência entre as infrações.

5.3. Concurso Formal

O concurso formal, previsto no artigo 70 do Código Penal, ocorre quando, com uma única conduta, o agente realiza dois ou mais crimes. Nesse contexto, a pena é calculada considerando o acréscimo referente ao número de infrações, mas há uma distinção entre o concurso formal próprio e o impróprio:

5.4. Absorção dos Crimes

É aplicado em casos onde um crime funciona como meio necessário ou fase preparatória para a execução de outro, mais abrangente. Esse princípio visa evitar a duplicidade de punições (princípio do ne bis in idem), tratando o crime menor como absorvido pelo maior.

Características principais:

5.5. Critérios para a Aplicação Correta

A correta aplicação dos institutos do concurso de crimes e do princípio da consunção exige uma análise cuidadosa de diversos critérios. Esses parâmetros são essenciais para distinguir quando um crime deve ser punido autonomamente e quando ele é absorvido por outro, de maior gravidade.

A seguir, cada um dos critérios será detalhado, com explicações teóricas, fundamentação legal e exemplos práticos que ilustram sua aplicação.

5.5.1. Nexo Causal

O nexo causal é um dos elementos primordiais para determinar a aplicação do princípio da consunção. Ele exige a demonstração de que o crime meio é funcionalmente vinculado ao crime fim, servindo como etapa necessária para alcançar o resultado principal.

Fundamento legal e doutrinário: O Código Penal Brasileiro, embora não traga uma definição expressa do princípio da consunção, admite implicitamente sua aplicação na construção de tipos penais abertos, como na diferenciação entre crimes autônomos e crimes conexos. A teoria do nexo causal, inspirada no pensamento de Hans Welzel, orienta que a punição de uma conduta deve refletir sua relação direta com o resultado obtido.

Exemplo prático:

Debate doutrinário: Alguns doutrinadores defendem que, em situações de crimes conexos, o nexo causal deve ser claramente demonstrado por meio de provas concretas. A ausência desse vínculo pode levar a uma imputação desproporcional ou à descaracterização da consunção.

5.5.2. Unidade de Desígnio

A unidade de desígnio refere-se à intenção única que orienta o comportamento do agente. Quando há um só propósito que engloba a prática de várias condutas, essas condutas podem ser vistas como parte de um mesmo plano criminoso, justificando a absorção de crimes menores pelo principal.

Fundamento teórico: Esse critério baseia-se no conceito de "unidade delitiva", que reconhece que múltiplas ações podem ser partes interdependentes de um único projeto criminoso.

Exemplo prático:

Jurisprudência relevante: O Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente aplicado a ideia de unidade de desígnio, especialmente em crimes econômicos ou complexos. Por exemplo, em casos de falsificação de documentos para viabilizar fraudes financeiras, o crime de falsificação é frequentemente absorvido.

5.5.3. Autonomia dos Bens Jurídicos

Outro critério essencial é avaliar se os bens jurídicos protegidos pelos crimes violados são independentes ou se se interseccionam de forma a justificar a absorção. Quando os bens jurídicos são distintos e autônomos, é mais provável que o concurso de crimes seja reconhecido.

Exemplo prático:

Aplicação prática: Esse critério é frequentemente utilizado para refutar a consunção em casos envolvendo crimes patrimoniais e contra a vida, onde os bens jurídicos violados possuem natureza incompatível para absorção.

5.5.4. Finalidade da Conduta

A análise da finalidade da conduta examina se o crime meio foi praticado exclusivamente para alcançar o crime fim. A ausência de outra motivação relevante justifica a aplicação do princípio da consunção.

Exemplo prático:

Aspectos teóricos e jurisprudenciais: Para que a finalidade da conduta seja reconhecida como vinculada ao crime fim, é necessário demonstrar:

  1. A existência de um vínculo direto e comprovado entre os crimes.

  2. A inexistência de uma intenção distinta para o crime meio.

  3. O caráter instrumental do crime menor.

No caso de tráfico de drogas e porte de arma de fogo, por exemplo, a finalidade da conduta deve estar claramente vinculada à garantia do sucesso do tráfico. Quando essa ligação não é provada, como em casos de posse de arma para autodefesa, o crime de porte de arma não será absorvido.

5.6. Provas e Presunções

A aplicação do princípio da consunção requer, invariavelmente, uma análise criteriosa das provas. A ausência de evidências robustas pode comprometer a demonstração do nexo entre os crimes e sua absorção.

O tema da aplicação correta dos critérios de consunção e concurso de crimes demonstra a relevância de uma análise técnico-jurídica apurada. Esses critérios — nexo causal, unidade de desígnio, autonomia dos bens jurídicos, finalidade da conduta e robustez das provas — devem ser examinados de maneira integrada, considerando os princípios fundamentais do Direito Penal, como proporcionalidade e individualização da pena.

Desafios probatórios:

Exemplo prático:

A ausência de uma interpretação uniforme em casos práticos revela a importância de aprimorar a jurisprudência, especialmente nos Tribunais Superiores, para garantir segurança jurídica e evitar a duplicidade de punições. Expandindo a análise, podemos agregar mais debates doutrinários ou aprofundar cada critério com exemplos específicos de jurisprudências recentes.

5.7. Dificuldades das Instâncias Inferiores em Seguir as Orientações dos Tribunais Superiores

A aplicação do princípio da consunção e do concurso de crimes nas instâncias inferiores frequentemente enfrenta desafios práticos e teóricos que acabam gerando interpretações divergentes das orientações já consolidadas nos tribunais superiores, como o STJ e o STF.

Essa desconexão tem implicações graves, tanto no âmbito do sistema judicial quanto para as partes envolvidas, além de provocar impactos financeiros e administrativos para o Estado.

5.7.1. A Distância entre a Jurisprudência e a Prática das Instâncias Inferiores

Embora as orientações dos tribunais superiores devam ser vinculantes ou, ao menos, observadas com atenção pelas instâncias inferiores, a realidade prática revela uma persistente dificuldade de aplicação uniforme. Vários fatores contribuem para isso, incluindo:

  1. Falta de atualização jurídica: Muitos juízes e promotores em primeira instância não se mantêm atualizados sobre a evolução jurisprudencial dos tribunais superiores, o que leva à aplicação de interpretações ultrapassadas.

  2. Carga processual elevada: A sobrecarga de trabalho dificulta o exame detalhado de cada caso e a aplicação criteriosa de teses consolidadas.

  3. Resistência cultural: Em algumas situações, há uma resistência institucional ou mesmo ideológica em aceitar a orientação de tribunais superiores, especialmente em casos complexos envolvendo o Direito Penal.

Essas dificuldades geram decisões que contrariam precedentes consolidados, levando a recursos que prolongam o processo e comprometem a eficiência judicial.

5.7.2. Prejuízos para as Partes e para o Sistema Judicial

A falta de uniformidade nas decisões gera uma série de prejuízos diretos e indiretos que afetam não apenas as partes do processo, mas também o próprio Estado.

Para as partes:

Para o Estado:

Exemplo prático: Em um caso envolvendo tráfico de drogas e porte de arma de fogo, a instância inferior aplicou concurso material, mesmo com provas de que a arma era utilizada exclusivamente para assegurar o sucesso da mercancia ilícita. Somente após a interposição de recurso ao STJ é que o princípio da consunção foi aplicado, corrigindo a injustiça e ajustando a pena ao caso concreto. Esse erro, contudo, atrasou a resolução do processo em mais de dois anos.

5.7.3. Impacto na Celeridade Processual e no Princípio da Efetividade

O sistema judicial brasileiro já enfrenta um cenário de lentidão processual crônica, e a necessidade de corrigir decisões incorretas nas instâncias superiores contribui para agravar esse quadro.

Isso contraria os princípios constitucionais da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal) e da efetividade da prestação jurisdicional.

A morosidade decorrente de recursos excessivos também compromete o direito das partes à justiça em tempo hábil, prolongando a permanência de réus presos preventivamente ou cumprindo penas inadequadas.

5.7.4. O Papel da Defesa e a Busca pela Justiça

O papel da defesa técnica torna-se ainda mais relevante nesse cenário. Cabe aos advogados identificar decisões equivocadas nas instâncias inferiores e elaborar recursos robustos, fundamentados em jurisprudências consolidadas, para garantir que os direitos do réu sejam devidamente respeitados.

Importância dos recursos ao STJ:

5.7.5. Propostas para Mitigar o Problema

Para reduzir a frequência de decisões equivocadas e aumentar a adesão das instâncias inferiores às orientações dos tribunais superiores, algumas medidas podem ser implementadas:

  1. Capacitação contínua: Oferecer programas regulares de atualização para magistrados e promotores, abordando temas jurisprudenciais e novas interpretações legais.

  2. Mecanismos de controle interno: Estabelecer procedimentos internos para revisar decisões potencialmente divergentes das orientações superiores.

  3. Sistemas informatizados de precedentes: Implementar ferramentas tecnológicas que facilitem o acesso dos juízes de primeira instância aos precedentes consolidados do STJ e STF.

  4. Sanções para decisões arbitrárias: Em casos extremos, decisões que contrariam claramente a jurisprudência vinculante devem ser objeto de análise correcional ou disciplinar.

A dificuldade das instâncias inferiores em aplicar corretamente as orientações dos tribunais superiores é um reflexo de desafios estruturais, culturais e operacionais do sistema judicial brasileiro.

Essa desconexão gera impactos significativos, prejudicando as partes envolvidas e comprometendo a eficiência do sistema de justiça como um todo.

No entanto, a busca por soluções que promovam a uniformidade jurisprudencial — como capacitação, uso de tecnologia e maior fiscalização — pode mitigar esses problemas.

É necessário que todos os atores do sistema judicial, incluindo juízes, promotores e advogados, trabalhem de forma colaborativa para garantir que os princípios fundamentais do Direito sejam respeitados e que a justiça seja alcançada de maneira equitativa e célere.


Conclusão

O estudo do princípio da consunção e do concurso de crimes revela a complexidade das interações entre diferentes delitos e a necessidade de um tratamento adequado para evitar a duplicidade de punição. A decisão do Superior Tribunal de Justiça, ao fixar a tese de que o porte ilegal de arma, quando relacionado diretamente ao tráfico de drogas, é absorvido por este último, exemplifica a aplicação do princípio da consunção no contexto jurídico atual.

A análise de casos práticos, como o uso de arma em homicídios ou falsificação de documentos para cometer estelionato, demonstra a importância de se compreender a finalidade das condutas e o nexo entre elas, para que se possa aplicar corretamente o Direito Penal.

O entendimento do STJ sobre a relação entre o porte de arma e o tráfico de drogas é um exemplo claro de como o Direito Penal busca uma resposta proporcional e adequada para cada situação, levando em consideração a gravidade dos crimes e os bens jurídicos violados. A aplicação do princípio da consunção, quando corretamente fundamentada, assegura que a justiça penal não seja excessiva, evitando a punição dupla para uma mesma conduta.

Em suma, a análise da consunção no contexto do tráfico de drogas e porte de armas traz à tona questões fundamentais sobre a aplicação do Direito Penal, que exige uma interpretação cuidadosa, baseada no nexo causal, na autonomia dos bens jurídicos e na finalidade das ações.


Referências

  1. BRASIL. Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. Estabelece o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, cria a Política Nacional sobre Drogas, e institui a Lei de Drogas. Diário Oficial da União, Brasília, 2006.

  2. BRASIL. Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Estabelece o Sistema Nacional de Armas e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2003.

  3. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso especial nº 1.657.758/SP. Julgamento: 27 de novembro de 2024.

  4. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal - Parte Especial. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

  5. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 15. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2021.

  6. GOMES, Luiz Flávio. Direito Penal - Parte Especial. 8. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

  7. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 30 nov. 2024.

  8. CUNHA, Rogério Sanches. Curso de Direito Penal - Parte Especial. 10. ed. São Paulo: Editora Impetus, 2022.

Sobre o autor
Guilherme Lucas Tonaco Carvalho

Jurista; Escritor; Palestrante; Especialista em Direito Penal; Mestre em Direito Marítimo e Internacional; Especialista em Crimes Cibernéticos. Membro da Comissão Especial de Direito Marítimo, Portuário e Aduaneiro da OAB.

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