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O efeito da impunidade de juízes e sua correlação com a morosidade e qualidade decrescente das decisões judiciais no Brasil

Agenda 05/12/2024 às 09:53

A eficiência e a qualidade do Poder Judiciário são pilares fundamentais para a consolidação do Estado Democrático de Direito. Contudo, o Brasil enfrenta sérios desafios relacionados à morosidade processual, à baixa qualidade das decisões judiciais e à percepção de impunidade no âmbito da magistratura. A falta de punição efetiva a juízes que cometem irregularidades, impacta negativamente o desempenho do sistema judicial, o que já está agravado pela proliferação desordenada de faculdades de Direito no país, sem um controle rigoroso de qualidade por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem atribuição para isso.


Impunidade de juízes e suas implicações

O artigo 95 da Constituição Federal assegura garantias importantes aos magistrados, como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Essas prerrogativas, embora necessárias para assegurar independência, podem gerar, na prática, um ambiente de complacência e ausência de responsabilização. Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre 2005 e 2020, apenas 21 juízes foram afastados definitivamente de suas funções, de um total de mais de 18 mil magistrados no país. Esse dado revela um índice ínfimo de punição, ainda que haja recorrentes denúncias de condutas inadequadas, como negligência processual, corrupção e abuso de autoridade.

A percepção de impunidade desestimula o compromisso com a eficiência, contribuindo para a morosidade processual. Conforme o "Relatório Justiça em Números 2023" do CNJ, o tempo médio para a resolução de um processo no Brasil ultrapassa cinco anos, sendo que muitos casos se arrastam por décadas. O excesso de processos pendentes, que ultrapassam os 70 milhões em 2022, segundo o CNJ, não é apenas reflexo do grande volume de litígios, mas também da ausência de mecanismos eficazes para responsabilizar juízes por atrasos injustificados ou decisões de baixa qualidade.


Proliferação de faculdades de Direito e a queda da qualidade na formação jurídica

Outro fator que contribui para a deterioração da qualidade das decisões judiciais é a formação deficiente de profissionais do Direito. O Brasil possui mais de 1.800 faculdades de Direito, responsáveis por formar anualmente cerca de 150 mil bacharéis, número superior à soma de formandos em todos os países do mundo. Esse crescimento exponencial, muitas vezes desprovido de critérios qualitativos, é atribuído à política governamental de expansão do ensino superior privado.

Embora a OAB tenha implementado o Exame de Ordem como filtro de qualidade, ele atua apenas no final do processo formativo, deixando de coibir a proliferação de instituições de ensino que não atendem aos requisitos mínimos de qualidade. A consequência disso é a inserção de profissionais insuficientemente preparados no mercado, muitos dos quais ingressam na magistratura após aprovação em concursos que, apesar de rigorosos em sua estrutura, não são suficientes para compensar lacunas formativas.


Impactos na morosidade e qualidade das decisões

A formação inadequada dos magistrados gera impacto direto na morosidade e na qualidade das decisões judiciais. A análise do Índice de Desempenho da Justiça (IDJ), medido anualmente pelo CNJ, revela que tribunais com maior número de magistrados recém-ingressos apresentam maior taxa de sentenças reformadas em instâncias superiores, evidenciando a fragilidade na fundamentação das decisões. Além disso, o despreparo para lidar com temas técnicos ou complexos contribui para o acúmulo de processos, uma vez que decisões equivocadas frequentemente resultam em recursos.


Soluções e perspectivas

Para mitigar os problemas mencionados, é necessário adotar uma abordagem multidimensional que contemple:

  1. Fortalecimento da responsabilização de magistrados:

    O CNJ deve ser dotado de maior autonomia para investigar e punir condutas inadequadas, assegurando que o desempenho e a ética profissional sejam monitorados com rigor. A criação de métricas de produtividade e qualidade, associadas a sanções efetivas em caso de descumprimento, pode incentivar maior comprometimento.

  2. Regulação da expansão de faculdades de Direito:

    O Ministério da Educação (MEC) deve estabelecer critérios mais rigorosos para a abertura de novos cursos jurídicos, exigindo infraestrutura adequada, corpo docente qualificado e índices mínimos de desempenho acadêmico. A OAB, por sua vez, deve atuar como parceira estratégica, ampliando o monitoramento da qualidade dos cursos e fortalecendo o Exame de Ordem.

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  3. Investimento em capacitação contínua:

    A formação inicial dos magistrados deve ser complementada por programas obrigatórios de atualização e especialização, garantindo que os juízes acompanhem a evolução legislativa, jurisprudencial e tecnológica.

  4. Transparência e participação social:

    A divulgação de indicadores de desempenho dos tribunais e magistrados permite maior controle social e fomenta a busca por melhorias.


Conclusão

A falta de punição efetiva a juízes e a proliferação desordenada de faculdades de Direito são fatores inter-relacionados que comprometem a eficiência e a qualidade do Judiciário brasileiro. A correção dessas falhas exige mudanças estruturais e administrativas, orientadas por critérios de meritocracia, responsabilização e formação de excelência. Apenas assim será possível resgatar a credibilidade do sistema judicial e garantir o direito constitucional de acesso à justiça célere e eficaz.


Fontes

Relatório Justiça em Números 2023 - O principal documento que compila estatísticas do Poder Judiciário brasileiro, incluindo dados sobre produtividade, carga de trabalho e número de processos julgados. Disponível em: <https://bibliotecadigital.cnj.jus.br/handle/123456789/727>.

Notícia sobre Produtividade do Judiciário em 2023 - Aborda o aumento da produtividade do Judiciário em 2023, com detalhamento dos processos baixados e novos casos. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br>.​

Relatório Justiça em Números 2022 (Ano-base 2021) - Complementar ao relatório de 2023, detalha dados históricos de crescimento no número de processos e produtividade judicial. Disponível em: <https://bibliotecadigital.cnj.jus.br/>.​

Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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