Os Juizados Especiais Cíveis (JECs) foram criados como uma ferramenta para facilitar o acesso à justiça, oferecendo um rito mais simples, célere e acessível, especialmente para questões de menor complexidade e menor valor econômico. Entretanto, nos últimos anos, o Judiciário brasileiro tem adotado medidas que indicam um desestímulo ao ajuizamento de ações indenizatórias nesses juizados, gerando debates sobre os impactos dessa prática no princípio do amplo acesso à justiça e na potencial mercantilização do sistema judicial.
Contexto Atual e o Movimento do Judiciário
A ideia inicial dos JECs, fundada na Lei 9.099/1995, era democratizar o acesso à justiça. Contudo, o alto volume de ações, muitas delas relacionadas a indenizações por danos morais e patrimoniais, levou à sobrecarga do sistema. Em 2023, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou dados alarmantes: mais de 84 milhões de processos estavam em tramitação no Brasil, sendo os JECs responsáveis por uma parcela significativa【8】.
Além disso, as metas estabelecidas pelo CNJ, como a Meta 1 de 2024, que exige dos magistrados o encerramento de mais processos do que os novos ingressados, têm pressionado os juízes a adotar medidas para conter a litigância excessiva【8】. Entre essas medidas estão:
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Extinção de ações na fase inicial sob alegações de insuficiência probatória.
Imposição de custas processuais em hipóteses não previstas.
Aplicação rigorosa de multas por litigância de má-fé, mesmo em casos de boa-fé processual.
Essas práticas, embora justificadas como medidas para conter o uso abusivo do sistema, têm desestimulado especialmente os cidadãos economicamente vulneráveis de buscar reparação por danos, ampliando desigualdades sociais.
Impactos Sociais e Jurídicos
Segregação Social
O rigor na análise de ações indenizatórias e a imposição de custos inesperados afastam os menos favorecidos dos JECs, que tradicionalmente funcionavam como um mecanismo de inclusão social. A pesquisa de 2023 do CNJ também apontou que mais de 70% dos casos nos JECs envolvem demandas de consumidores contra grandes corporações (como bancos e empresas de telecomunicações)【9】【10】. Esses demandantes, ao enfrentarem dificuldades no acesso à justiça, perdem um canal importante para a defesa de seus direitos.
Mercantilização do Judiciário
Ao priorizar metas de produtividade e eficiência, o Judiciário corre o risco de transformar-se em um sistema de gestão de números, negligenciando sua função social. A "indústria do dano moral", frequentemente mencionada como justificativa para essas medidas, precisa ser abordada com equilíbrio, evitando punições excessivas a quem busca legítima reparação【9】.
Dados Estatísticos Relevantes
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Litigância Concentrada: O relatório “Justiça em Números 2023” do CNJ revelou que 10 grandes empresas foram responsáveis por quase 50% das ações judiciais nos JECs【8】.
Custas Processuais: Em estados como São Paulo, o aumento das custas processuais em ações indenizatórias foi superior a 15% em 2023, tornando-se um entrave para demandantes de baixa renda【8】.
Esses dados reforçam a percepção de que a atuação do Judiciário está cada vez mais voltada para contenção quantitativa de ações, em detrimento do acesso equitativo à justiça.
Reflexões e Soluções Propostas
Diante desse cenário, é necessário repensar as práticas judiciais e equilibrar a eficiência administrativa com a garantia de direitos fundamentais. Algumas sugestões incluem:
Fortalecimento dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs): Conciliação, mediação e arbitragem podem ser mais amplamente incentivadas, desde que respeitem os princípios da equidade e o direito de acesso à justiça【10】.
Educação Jurídica e Transparência: É essencial que a população seja informada sobre seus direitos e os mecanismos disponíveis para exercê-los, especialmente os menos onerosos.
Revisão das Metas do CNJ: As metas de produtividade precisam ser ajustadas para que não comprometam a análise de mérito e o princípio da ampla defesa.
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Monitoramento de Grandes Litigantes: Empresas com elevado número de demandas devem ser monitoradas, e mecanismos como acordos coletivos podem ser utilizados para reduzir a judicialização【9】.
Conclusão
O movimento de desestímulo ao ajuizamento de ações indenizatórias nos JECs, embora justificado por argumentos de eficiência, tem potencial para comprometer o acesso à justiça e aprofundar a exclusão social. O Poder Judiciário deve buscar soluções que harmonizem eficiência e inclusão, assegurando que o direito de reparar danos seja preservado como um dos pilares da cidadania.
Fontes consultadas:
CNJ - "Justiça em Números 2023". Disponível em: cnj.jus.br【8】.
Jus Navigandi - Acesso à Justiça e Juizados Especiais. Disponível em: jus.com.br【10】.
JusBrasil - Danos Morais e Responsabilidade Civil. Disponível em: jusbrasil.com.br【9】.