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LGPD e suas repercussões no Direito do Trabalho

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Agenda 12/12/2024 às 17:43

RECENTES NOTÍCIAS E DECISÕES ENVOLVENDO PROTEÇÃO DE DADOS NO ÂMBITO TRABALHISTA:

A Lei Geral de Proteção de Dados entrou em vigor em setembro de 2020 e as sanções administrativas começam a valer a partir de 1º de agosto de 2021. Mesmo antes da entrada em vigor das sanções administrativas, os titulares de dados já podiam, ao se sentirem lesados, propor ações judiciais pugnando pela condenação dos controladores por descumprimento da LGPD.

Há notícia de que no Poder Judiciário tramitam mais de 600 ações envolvendo a LGPD. A fim de demonstrar a importância da correta implementação da LGPD nas organizações, colacionamos algumas notícias e decisões judiciais atuais envolvendo proteção de dados:

Juiz reverte justa causa de empregado submetido a bafômetro com base na LGPD5

Em uma reclamatória trabalhista proposta perante a 1ª Vara do Trabalho de Dourados (MS), reverteu-se uma demissão por justa causa aplicada a um empregado de uma empresa distribuidora de bebidas. O auxiliar de carga e descarga havia sido submetido a um exame etílico (bafômetro) na empresa, o qual detectou 0,0078 mg de álcool por litro de ar, o que acarretou sua dispensa por justa causa, nos termos do art. 482, f, CLT (embriaguez no serviço). Os autos revelaram, contudo, que a empresa realizava os testes nos empregados de forma aleatória e indistinta.

Segundo entendimento do magistrado, consubstanciado na Lei Geral de Proteção de Dados, a empregadora não poderia submeter os empregados ao bafômetro de forma indistinta, exceto em casos de motorista profissional ou outra profissão em que o trabalhador possa colocar a própria vida ou a de terceiros em risco.

O juiz ainda frisou que, pelo princípio da necessidade (artigo 6º, III, da Lei 13709/2018), a empresa deve coletar do empregado apenas os dados estritamente necessários ao exercício das atividades profissionais. No caso sob judice, consta nos autos que a empregadora sequer alegou ter cientificado o empregado sobre qual era a finalidade da coleta de dados sensíveis.

Assim, foi declarada a conversão da dispensa com justa causa em dispensa por justa causa, tendo a empresa sido condenada a pagar todas as verbas rescisórias devidas ao trabalhador, além de uma indenização por danos morais no valor de R$5.000,00.

Assim, a empresa que desejar fazer a coleta de dados pessoais dos seus empregados, deve informá-lo de forma explícita qual o objetivo da medida (finalidade, necessidade, adequação). Além disso, a informação deve ser usada exclusivamente para o fim especificado, especialmente em se tratando de dados sensíveis.

2.2.2 TST proíbe que empresa forneça dados de trabalhadores sobre restrições de crédito6

Em uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, , a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, deu parcial provimento aos embargos de declaração para proibir que uma empresa colete e repasse a terceiros informações sobre restrição de crédito de trabalhadores.

A empresa, que atua no ramo de gerenciamento de risco do setor de transporte rodoviário, vendia a outras empresas o acesso a seu banco de dados, para auxílio em processos seletivos.

Assim, a organização atuava realizando uma"verdadeira varredura" na vida privada dos motoristas, colhendo informações pessoais e levantando dados relativos a restrições de crédito em órgãos como Serasa e SPC. Segundo entendimento do MPT, a prática, além de violar a LGPD, é discriminatória em relação aos motoristas que tenham algum tipo de restrição de crédito.

A decisão do TST se baseou na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com fundamento no risco de conduta discriminatória na seleção e desvio de finalidade em obter dados relevantes à concessão de crédito nos recrutamentos. Com a decisão, a empresa deve se abster de utilizar o banco de dados e de buscar ou fornecer informações sobre restrições de crédito relativas a candidatos a emprego, seus ou de terceiros, sob pena de pagar uma multa de R$ 10 mil reversível ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.

Houve também condenação ao pagamento de uma indenização por dano moral coletivo com valor a ser apurado em execução, embora tenha havido divergência entre os ministros sobre o dever de indenizar.


CONCLUSÃO

A IMPORTÂNCIA DA PROTEÇÃO DE DADOS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO. NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS EMPRESAS Á LGPD.

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A entrada em vigor da LGPD acarretou um grande impacto às rotinas e procedimentos das empresas brasileiras. Nessa conjuntura, todas as empresas deverão empreender esforços para se adequarem às disposições da lei, sob pena de padecerem num verdadeiro isolamento jurídico e mercadológico, que resultará em prejuízos para os negócios.

Além do mais, a lei encontra-se em pleno vigor e não há outra alternativa a não ser se adequar! As sanções legais previstas pela LGPD são pesadíssimas, podendo chegar a 2% do faturamento da empresa, limitado a R$ 50 milhões, além da publicização da infração, bloqueio ou eliminação dos dados relacionados à infração.

Dessa forma, as empresas brasileiras não podem se furtar a tais mudanças, porque não se trata de uma mera tendência de mercado, mas de uma necessidade real e imperiosa! Além das sanções administrativas, a empresa que descumprir a LGPD poderá ser responsabilizada civilmente. A adequação à LGPD não é mera faculdade, mas uma obrigação legal, que além de multas elevadíssimas, acarreta também responsabilidade civil da empresa na esfera judicial (art. 42, LGPD).

Conforme destacado, a LGPD impõe às empresas uma revisão geral nos seus procedimentos e rotinas. E essa adequação se mostra necessária e urgente! Mesmo os procedimentos simples e largamente utilizados, a exemplo das rotinas do setor de Departamento de Pessoal, foram profundamente impactados pela nova lei.

A LGPD procura trazer harmonia a dois grandes direitos opostos: A livre iniciativa do poder empregatício e o direito da personalidade do empregado (intimidade, privacidade e a autodeterminação informativa). Assim, para que ambos os direitos coexistam e convivam em harmonia, é necessário que as empresas adotem procedimentos seguros e cautelosos no tocante ao tratamento de dados dos seus empregados, sob pena de sofrer as sanções legais.

Com a edição da LGPD, a segurança dos Recursos Humanos também se tornará um importante ativo da organização. E esse ativo tem potencial para agregar valor à empresa, fortalecendo sua marca. A empresa que conseguir imprimir maior transparência e controle às informações que estão em seu banco de dados contará com um diferencial no mercado competitivo.

Já aquelas que não se adequarem correm o risco de isolamento mercantil, além de experimentar uma vertiginosa perda de competitividade. É importante destacar que a GDPR, lei européia que dispõe sobre proteção de dados, proíbe as empresas de manter relações comerciais com outras que não se encontram adequadas à lei de proteção de dados.

De outra banda, o tratamento de dados também impacta profundamente a vida do cidadão, especialmente os trabalhadores submetidos à relação empregatícia e às decisões automatizadas.

Em suma, constatamos que o direito à proteção de dados, enquanto direito fundamental, revela-se como importante instrumento ao livre exercício dos direitos da personalidade. Através do princípio da autodeterminação afirmativa, garante-se ao trabalhador o livre acesso aos seus dados, podendo retificá-los, além da proteção contra dispensa automatizada discriminatória.

Por fim, conclui-se que o direito à proteção dos dados pessoais revela uma nova concepção de privacidade, consubstanciada como aquela que não protege somente o eu-físico, mas também o eu-digital. Em última análise, a proteção de dados pessoais eleva o princípio da dignidade humana na medida coloca a pessoa natural em seu arcabouço protetivo da forma mais abrangente possível.


BIBLIOGRAFIA:

BARROSO, Luís Roberto. A dignidade da pessoa humana no direito constitucional contemporâneo: natureza jurídica, conteúdos mínimos e critérios de aplicação. Versão provisória para debate público. Mimeo., dezembro de 2010, p. 1-39. Disponível em: <http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-content/uploads/2010/12/ Dignidade_texto-base_11dez2010.pdf.> Acesso em 9 jan. de 2013.

BODIN DE MORAES, Maria Celina. Na medida da pessoa humana: estudos de direito Civil-Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2010.

BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais, a função e os limites do consentimento. 1ª edição. Editora Forense. 2018.

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

BOMFIM, Vólia, PINHEIRO, Iuri, LIMA, Fabrício, MIZZIARA, Raphael. A LGPD nas relações de trabalho: impacto nas rotinas e contratos de trabalho. e-book IBJUS. 2020.

CANOTILHO, JJ GOMES. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª Edição - 5.ª Reimpressão, Editora Almedina, 2008.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 19ª edição. Editora LTR. 2020.

MIZIARA, Raphael, MOLLICONE, Bianca, PESSOA, André. Reflexos da LGPD no Direito e no Processo do Trabalho, 2.ed. ver.,atual.e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022.

RODOTÀ, Stefano. A vida na sociedade de vigilância– a privacidade hoje. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

__________. Autodeterminação e laicidade. Tradução ainda não publicada de Carlos Nelson Konder do texto original Perché laico. Bari: Laterza, 2010.


  1. ........

  2. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais, a função e os limites do consentimento. 1ª edição. Editora Forense. 2018.

  3. BOMFIM, Vólia, PINHEIRO, Iuri, LIMA, Fabrício, MIZZIARA, Raphael. A LGPD nas relações de trabalho: impacto nas rotinas e contratos de trabalho. e-book IBJUS. 2020.

  4. BIONI, Bruno Ricardo. Proteção de dados pessoais, a função e os limites do consentimento. 1ª edição. Editora Forense. 2018.

  5. Autos nº: 0024177-39.2021.5.24.0021. Fonte: https://www.conjur.com.br/2021-dez-14/juiz-aplica-lgpd-reverte-justa-causa-empregado-submetido-bafometro

  6. Autos nº: 933-49.2012.5.10.0001. Fonte: https://www.tst.jus.br/noticias, 23 de dezembro de 2021, 11h36

Sobre a autora
Fernanda Leonardo Lucindo

Advogada, professora, especialista em Direito Público pela UNIDERP, pós-graduanda em LGPD, Compliance e Prática Trabalhista pelo IEPREV, atuação em Direito Individual e Coletivo do Trabalho e em Proteção de Dados.︎

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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