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Princípios norteadores do processo penal brasileiro

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Agenda 30/04/2008 às 00:00

1 NOÇÕES GERAIS

O Processo Penal brasileiro é regido por uma série de princípios, cujo estudo aprofundado e exata compreensão é de suma importância para a boa aplicação do Direito. Os princípios podem ser classificados como espécies do gênero normas jurídicas, juntamente com as regras. Essa classificação, contudo, nem sempre foi aceita pela ciência jurídica.

O doutrinador Luiz Roberto BARROSO ensina que, com a superação do Jusnaturalismo (corrente filosófica que defendia a existência de um direito natural, que era legitimado por uma ética superior), e o fracasso político do Positivismo Jurídico (corrente filosófica que defendia a vinculação estrita do Direito à norma, sendo esta um ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa, desatrelado dos valores morais), surge uma nova ordem jurídica, denominada pós-positivismo. [01]

A aludida corrente filosófica, iniciada na segunda metade do século XX, representa uma alternativa aos fundamentos vagos e abstratos do jusnaturalismo, e à separação do Direito e da ética determinada pelo positivismo. A nova ordem jurídica promove, assim, uma volta aos valores, uma reaproximação entre a ética e o Direito, considerando todos os avanços advindos do positivismo e resgatando as idéias de justiça e legitimidade oriundas do Jusnaturalismo.

Nesse contexto, os valores compartilhados por toda a comunidade também passam a constituir o ordenamento jurídico, explícita ou implicitamente, materializados nos princípios, os quais espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos e seus fins. A grande inovação trazida pelo pós-positivismo foi, portanto, o reconhecimento da normatividade dos princípios.

Destarte, pode-se afirmar que as normas em geral dividem-se em duas grandes categorias: os princípios e as regras, sendo que inexiste hierarquia entre os dois. Aqueles são mais abstratos, contêm maior carga valorativa, um fundamento ético, indicando uma determinada direção a ser seguida, enquanto essas consistem em comandos puramente objetivos que não dão margem a questionamentos sobre sua incidência.

As regras apenas não são aplicadas quando for constatada sua invalidade, diante da existência de outra regra mais específica para o caso em concreto, ou quando não estiverem mais em vigor. Os princípios, pelo contrário, não têm incidência condicionada à validade ou à invalidade. Sua aplicação se dá, predominantemente, pela ponderação, ou seja, diante do caso concreto em que existam princípios contrapostos, deve-se estabelecer o peso relativo de cada um deles, fazendo concessões recíprocas.

Restam evidenciadas, então, algumas das grandes diferenças entre as regras e os princípios: enquanto as regras são aplicadas em sua plenitude, ou então são violadas, os princípios são ponderados; noutro passo, ao contrário do que acontece com a regras, não existe hierarquia entre os princípios, não existe um critério que imponha a supremacia de um princípio sobre outro.

Nesse sentido, os princípios podem ser conceituados como espécies do gênero norma, consubstanciados em proposições abstratas e dotadas de grande conteúdo axiológico, que conferem estrutura e dão forma a todo o ordenamento jurídico.

Para o doutrinador Marco Antonio de BARROS, "princípio é o dogma fundamental que tem o condão de harmonizar o sistema normativo com lógica e racionalidade". [02]

No Processo Penal brasileiro, os princípios representam os postulados fundamentais da política processual penal do Estado e, como refletem as características de determinado momento histórico, sofrem oscilações de acordo as alterações do regime político. Como se vive sob a égide de um regime democrático, os princípios que regem o Processo Penal devem estar em consonância com a liberdade individual, valor tido como absoluto pela Constituição Federal de 1988.

Os inúmeros princípios que norteiam o Processo Penal brasileiro encontram-se determinados tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código de Processo Penal, sendo que pode-se destacar os princípios do Juiz natural, do Promotor natural, do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, do duplo grau de jurisdição, da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos, da inocência ou da não-culpabilidade, do favor rei, da iniciativa das partes, do impulso oficial, da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal pública, da imparcialidade do Juiz, da persuasão racional ou do livre convencimento, do ne eat judex ultra petita partium, do ne bis in idem e, por fim, da verdade material ou verdade real.

A despeito desta enumeração, vigoram, também, no ordenamento jurídico processual do país, os princípios da humanidade, da igualdade das partes, da publicidade, da oficialidade, da motivação das decisões judiciais, da lealdade processual e da economia processual. Contudo, apenas os princípios mencionados naquele parágrafo serão analisados no presente trabalho por guardarem maior ligação com o tema proposto.


2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

2.1 Princípio do Juiz Natural e do Promotor Natural

Consagrado pela CF/88, em seu art. 5º, LIII, o princípio do Juiz natural estabelece que ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, representando a garantia de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de cada Estado.

Juiz natural é, assim, aquele previamente conhecido, segundo regras objetivas de competência estabelecida anteriormente à infração penal, investido de garantias que lhe assegurem absoluta independência e imparcialidade.

Decorre desse princípio a proibição de criação de juízos ou tribunais de exceção, insculpida no art. 5º, XXXVII, que impõe a declaração de nulidade de qualquer ato judicial emanado de um juízo ou tribunal que houver sido instituído após a prática de determinados fatos criminosos, especificamente para processar e julgar determinadas pessoas.

Faz-se mister esclarecer que a proibição da constituição de tribunais de exceção não significa impedimento à criação de justiça especializada ou de vara especializada, já que, nesse caso, apenas são reservados a determinados órgãos, inseridos na estrutura judiciária fixada na própria Constituição, o julgamento de matérias específicas.

No mesmo sentido, o princípio do Promotor natural também encontra amparo no art. 5º, LIII, da CF/88, ao determinar que ninguém será processado senão por autoridade competente.

O mencionado dispositivo deve ser interpretado em consonância com os arts. 127 e 129 daquele diploma legal, ou seja, ninguém poderá ser processado criminalmente senão pelo órgão do Ministério Público, dotado de amplas garantias pessoais e institucionais de absoluta independência e liberdade de convicção e com atribuições previamente fixadas e conhecidas.

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A garantia do promotor natural consagra a independência do órgão de acusação pública. Representa, ainda, uma garantia de ordem individual, já que limita a possibilidade de persecuções criminais pré-determinadas ou a escolha de promotores específicos para a atuação em certas ações penais.

Sobre o assunto, vale transcrever o posicionamento adotado pelo doutrinador Antônio Scarance FERNANDES:

Se, por um lado, o princípio tem a vantagem de evitar a possibilidade de o Procurador-Geral, movido por influências estranhas, retirar do promotor natural a atribuição para atuar em determinado inquérito ou processo, traz também o risco de fazer com que o Ministério Público, instituição que pela sua natureza deve ter como característica fundamental a agilidade, o dinamismo, mormente antes as exigências contemporâneas de maior atuação na fase de investigação e de maior eficiência no combate aos crimes graves e à criminalidade organizada, torne-se um órgão inerte, burocrático. [03]

Conquanto existam divergências doutrinárias acerca da existência do princípio do promotor natural no ordenamento jurídico pátrio, o Supremo Tribunal Federal já o reconheceu quando, por maioria absoluta, vedou a designação casuística de promotor, pelo Dirigente da Instituição, para promover a acusação em caso específico, uma vez que tal procedimento chancelaria a figura do chamado "promotor de exceção". [04]

Em outra oportunidade, aquela mesma Corte Constitucional vedou a possibilidade de nomeação de um promotor para exercer as funções de outro, que havia sido regularmente investido no respectivo cargo. [05]

2.2 Princípio do Devido Processo Legal

A CF/88 inovou em relação às anteriores Constituições brasileiras as quais, a despeito de observarem o princípio do devido processo legal, não o previam expressamente.

Hoje o aludido princípio foi erigido à categoria de dogma constitucional, encontrando-se disposto no art. 5º, LIV, da Carta Magna, consistindo no direito concedido a todos de não serem privados de sua liberdade e de seus bens sem a garantia que supõe a tramitação de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei.

O devido processo legal, portanto, configura proteção ao indivíduo tanto sob o aspecto material, com a garantia de proteção ao direito de liberdade, quanto sob o aspecto formal, assegurando-lhe a plenitude da defesa e igualdade de condições com o Estado-persecutor.

Pode-se conceituar o princípio em estudo, de acordo com a lição do doutrinador Marcos Alexandre Coelho ZILLI, como sendo uma garantia constitucional, atualmente incorporada no campo dos direitos e garantias fundamentais, que visa assegurar às partes interessadas o estabelecimento e o respeito a um processo judicial instituído em lei e conduzido por um juiz natural, sendo que este deve ser dotado de independência e imparcialidade, resguardando-se o contraditório, a ampla defesa, a publicidade dos atos e a motivação das decisões ali proferidas. [06]

2.3 Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa

Os princípios do contraditório e da ampla defesa encontram previsão expressa no art. 5º, LV da CF/88, que dispõe: "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."

Os princípios em comento encontram-se estritamente ligados, já que a efetividade de um depende da observância do outro. Nesse sentido, os doutrinadores Ada Pellegrine GRINOVER, Antonio Scarance FERNANDES e Antônio Magalhães GOMES FILHO lecionam:

Defesa e contraditório estão indissoluvelmente ligados, porquanto é do contraditório (visto em seu primeiro momento, da informação) que brota o exercício da defesa; mas é essa – como poder correlato ao de ação – que garante o contraditório. A defesa, assim, garante o contraditório, mas também por este se manifesta e é garantida. Eis a íntima relação e interação da defesa e do contraditório. [07]

O princípio do contraditório consubstancia-se na necessidade de confrontar as partes, dando ciência à parte adversa de todos os atos praticados pela parte autora, para que possa contraditá-los, e vice-versa. Infere-se que, ao menos no processo penal, mencionado princípio não se limita a dar ciência ao réu da instauração de uma ação em seu desfavor, devendo ser pleno, ou seja, observado em todo o desenrolar processual, até o seu encerramento.

O princípio do contraditório decorre do princípio da igualdade processual, pelo qual as partes encontram-se em posição de similitude perante o Estado e perante o Juiz, sendo que ambas deverão ser ouvidas, em plena igualdade de condições.

O CPP assegura a efetividade dessa garantia constitucional em diversos dispositivos. Exemplo há no art. 364 quando determinada que o Juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, deve, dentre outras providências, ordenar a citação do réu e a notificação do Ministério Público.

Impende anotar que a garantia do contraditório não abrange a fase do inquérito policial. Isso porque, nessa fase, ainda não existe qualquer acusação, restando impossibilitada a aplicação de qualquer pena. Ademais, para as medidas cautelares impostas na fase inquisitorial existem as contra-cautelas específicas, também asseguradas constitucionalmente, como o Habeas Corpus, previsto no art. 5º, LXVIII da CF/88.

A ampla defesa, por sua vez, cuja possibilidade de exercício nasce justamente com a efetivação do contraditório, como anteriormente mencionado, possui dois aspectos, quais sejam, defesa técnica e autodefesa. A violação a esse princípio pode acarretar nulidade absoluta ou relativa, conforme o vício prejudique a ampla defesa como um todo ou não.

A defesa técnica consubstancia-se na necessidade de o acusado ser processualmente representado por profissional legalmente habilitado. Por ser condição de igualdade entre as partes, a representação do acusado por advogado é indispensável.

Em observância ao princípio em comento, o art. 261 do CPP dispõe que "nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor". O art. 263 do mesmo diploma legal acrescenta que, caso o acusado não tenha defensor, ao magistrado caberá a nomeação de um advogado, ressalvada a possibilidade de o acusado, a qualquer momento, substituí-lo por um de sua confiança, ou mesmo defender-se a si próprio, desde que seja habilitado para tanto.

A autodefesa, por sua vez, compõe-se de dois aspectos: o direito de audiência, ou seja, a possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do Juiz quando da realização do interrogatório, e o direito de presença, ou seja, a oportunidade concedida ao acusado de presenciar a realização dos atos processuais, principalmente os instrutórios.

A autodefesa, justamente por ser uma faculdade concedida ao acusado, não deve ser imposta. Nem por isso o magistrado está autorizado a dispensá-la. Por essa razão, a limitação da colaboração do acusado com seu defensor pode ser considerada como cerceamento de defesa, dando causa, inclusive à nulidade de determinado ato processual, ou mesmo de todo o processo.

Sobre o tema, posiciona-se a jurisprudência:

Dois princípios incidem no processo penal: o contraditório e defesa plena. Esta, por seu turno, é bifronte: defesa técnica e defesa pessoal. A primeira se impõe, ainda que haja oposição do réu. A segunda pode ser desprezada, todavia, o réu tem o direito de exercê-la como parte processual, querendo, tem direito à atuação. O DPP moderno exige que o réu participe, seja autor, não se resumindo a mero espectador do processo. [08]

2.4 Princípio do Duplo Grau de Jurisdição

A despeito de não se encontrar expressamente previsto na CF/88, o princípio do duplo grau de jurisdição decorre de nosso próprio sistema constitucional, quando estabelece a competência dos tribunais para julgar, em grau de recurso, determinadas causas.

É imperioso observar a determinação contida no art. 108, II, da Magna Carta, que diz competir aos Tribunais Regionais Federais "julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição".

Vale ressaltar que a mesma regra aplica-se aos Tribunais Estaduais, aos Tribunais Regionais Eleitorais, aos Tribunais Militares e aos Tribunais Regionais do Trabalho, nas causas decididas pelos respectivos órgãos de primeiro grau de jurisdição.

Ademais, a aplicabilidade do princípio do duplo grau de jurisdição no ordenamento jurídico pátrio encontra amparo no parágrafo 2º do art. 5º da Lei Maior que determina que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), a qual o Brasil aderiu através Decreto n.º 678/92 e que prevê a plena aplicabilidade do princípio em estudo.

Nesse sentido, vale transcrever a lição de Fernando da Costa TOURINHO FILHO, quando leciona:

Por outro lado, como o § 2º do art. 5º da Lei Maior dispõe que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, e considerando que a República Federativa do Brasil, pelo Decreto n. 678, de 6-11-1992, fez o depósito da Carta de Adesão ao ato internacional da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), considerando que o art. 8º, 2, daquela Convenção dispõe que durante o processo toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma série de garantias mínimas, dentre estas a de recorrer da sentença para Juiz ou Tribunal Superior, pode-se concluir que o duplo grau é garantia constitucional. [09]

O aludido princípio tem como fundamento a idéia de que os juízes, como homens que são, também estão sujeitos a erros. Daí surge a necessidade de um órgão hierarquicamente superior competente para revisar as decisões proferidas pelos magistrados da instancia de origem.

O duplo grau pressupõe a existência de dois órgãos jurisdicionais: o inferior, que conhece da causa, e o superior, que tem a função precípua de rever as decisões proferidas pelo inferior.

A observância do duplo grau de jurisdição, ou seja, um segundo exame de uma relação jurídica litigiosa, confere maior efetividade à atuação jurisdicional, mostrando-se imprescindível para a justa composição do conflito de interesses. Por outro lado, inexistindo o duplo grau de jurisdição, aumentar-se-ia o risco de consagrar-se uma injustiça.

Excepcionalmente, o princípio em comento não é observado nas ações originárias dos Tribunais. Como exemplo, pode-se citar o caso de um Deputado Federal processado e julgado, pela prática de uma infração penal comum, pelo STF, consoante o disposto no art. 102, I, b, da CF/88. Nesse caso, diante de inexistência de órgão jurisdicional superior, não haverá o duplo grau.

2.5 Princípio da Inadmissibilidade de Provas Obtidas por Meios Ilícitos

A CF/88 inovou ao vedar expressamente a utilização, no processo, de provas obtidas por meios ilícitos, consoante o disposto no inc. LVI de seu art. 5º. Essa vedação decorre da observância do princípio da dignidade da pessoa humana, que deve se sobrepor à atuação estatal, limitando a persecução penal.

Conquanto a Magna Carta refira-se à prova ilícita, deve-se entender que a proibição abrange as provas ilegais como um todo, incluindo as provas ilegítimas. Pode-se dizer que a prova ilegal é o gênero do qual as provas ilícitas e as ilegítimas são espécies: essas são produzidas com violação a normas de direito processual, enquanto aquelas são produzidas com violação a normas de direito material. As provas podem ser, ainda, ilícitas e ilegítimas ao mesmo tempo, quando contrariarem tanto normas de natureza processual, quanto normas de natureza material.

A inadmissibilidade de provas ilegais estende-se às provas ilegais por derivação, ou seja, aquelas que, a despeito de terem sido colhidas regularmente, com a observância das normas de direito material e processual, a autoridade, para descobri-la, fez uso de meios ilegais, ou seja, a prova legal foi alcançada por intermédio de uma prova ilegal.

Não existe regra expressa nesse sentido no ordenamento jurídico pátrio. A mencionada proibição advém da adoção da regra consagrada pelo direito americano, revelada pela expressão fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada).

O STF tem se manifestado pela inadmissibilidade das provas ilegais por derivação, adotando a teoria dos frutos da árvore envenenada, senão vejamos:

A prova ilícita contaminou as provas obtidas a partir dela. A apreensão dos 80 quilos de cocaína só foi possível em virtude de interceptação telefônica [10]

Vedar que se possa trazer ao processo a própria degravação das conversar telefônicas, mas admitir que as informações nela colhidas possam ser aproveitadas pela autoridade, que agiu ilicitamente, para chegar a outras provas, que sem tais informações não colheria, evidentemente, é estimular, e não reprimir a atividade ilícita da escuta e da gravação clandestina e conversas privadas

E finalizando: ou se leva às últimas conseqüências a garantia constitucional ou ela será facilmente contornada pelos frutos da informação ilicitamente obtida. [11]

A vedação da utilização das provas ilegais no processo, contudo, vem sendo atenuada pela aplicação da teoria da proporcionalidade, ou da ponderação de interesses, segundo a qual deve prevalecer, no caso concreto, o princípio que parece ser o mais importante. Destarte, se a prova ilegal foi produzida com o fim de resguardar outro bem protegido pela Constituição, de maior valor que este, inexistirá a restrição à sua utilização.

Como forma de manifestação da teoria acima mencionada, tem-se admitido a utilização, no processo, de provas ilegais favoráveis ao acusado, desde que sejam indispensáveis e que tenham sido produzidas pelo próprio interessado. Nesse caso, a ilegalidade da prova seria eliminada pela legítima defesa do réu, causa excludente de antijuridicidade.

Ademais, a admissibilidade da prova ilícita pro reo está em consonância com outro princípio norteador do processo penal, o princípio do favor rei, o qual será posteriormente estudado, e também com do direito à liberdade, tutelado constitucionalmente.

2.6 Princípio da Inocência ou da Não Culpabilidade

Erigido à categoria de dogma constitucional, o princípio da inocência, também denominado princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, já acolhido por diversos tratados internacionais sobre direitos humanos, encontra-se previsto no art. 5º, inc. LVII, da CF/88 que diz que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".

Consoante o aludido princípio, existe uma presunção de inocência do acusado da prática de uma infração penal até que haja uma sentença condenatória irrecorrível que o declare culpado, ou seja, é assegurado a todo e qualquer indivíduo um prévio estado de inocência, que só pode ser afastado se houver prova plena do cometimento de um delito.

Nos termos dos ensinamentos trazidos pelo jurista Antônio Magalhães GOMES FILHO, o princípio em estudo não se limita a uma garantia política do estado de inocência dos cidadãos, devendo, também, ser analisado sob o enfoque técnico jurídico, como regra de julgamento a ser adotada sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo, quando a presunção de inocência confunde-se com o princípio in dubio pro reo. Ademais, a mencionada norma deve orientar o tratamento do acusado ao longo de todo o processo, impedindo que ele seja equiparado ao culpado. [12]

Se analisada restritivamente, essa norma poderia impedir a aplicação de qualquer medida coativa contra o acusado ou o suspeito até o trânsito em julgado da sentença, a exemplo das prisões provisória e temporária.

A doutrina majoritária, amparada por entendimento jurisprudencial dominante, contudo, entende que o princípio da presunção de inocência não é absoluto, razão pela qual não impede a adoção de medidas coercitivas em face do acusado, no decorrer do processo ou mesmo antes da instauração deste, quando devidamente justificadas.

Sobre o assunto, comenta Julio Fabbrini MIRABETE:

Não se impede, assim, que, de maneira mais ou menos intensa, seja reforçada a presunção de culpabilidade com os elementos probatórios colhidos nos autos de modo a justificar medidas coercitivas contra o acusado. Dessa forma, ao contrário do que já tem se afirmado, não foram revogados pela norma constitucional citada os dispositivos legais que permitem a prisão provisória, decorrentes de flagrante, pronúncia, sentença condenatória recorrível e decreto de custódia preventiva, ou outros atos coercitivos (busca e apreensão, seqüestro, exame de insanidade mental etc.). [13]

Nesse mesmo sentido, a Súmula 9 do STJ sinaliza que "a exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência".

A adoção do princípio da inocência pela CF/88 traz algumas conseqüências processuais, tais como: a restrição à liberdade do acusado antes do trânsito em julgado da sentença definitiva só deve ser admitida a título de medida cautelar, com fidedigna observação de todos os dispositivos processuais penais referentes ao tema; o ônus da prova é atribuído ao órgão acusador, seja ele o Ministério Público ou o querelante, estando o acusado desobrigado de provar sua inocência; o magistrado necessita de plena convicção de que o acusado é responsável pelo delito para que possa condená-lo, enquanto que, para sua absolvição, basta a dúvida a respeito de sua culpa.

Sobre a autora
Clara Dias Soares

analista processual do Ministério Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Clara Dias. Princípios norteadores do processo penal brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1764, 30 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11220. Acesso em: 23 dez. 2024.

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