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A dignidade humana no contexto das migrações internacionais

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Agenda 13/12/2024 às 18:00

A Dignidade da pessoa humana versus problemática das migrações internacionais

A palavra dignidade refere-se a uma ou mais propriedades que levam alguém a se destacar e assim, a suscitar ou merecer respeito dos demais. Assim sendo dignidade da pessoa humana é o conjunto de princípios e valores que uma pessoa deve ter com a função de garantir que cada cidadão tenha seus direitos respeitados pelo Estado.

Nunes (2009, p.50-51) elucida que a “Dignidade da Pessoa Humana é uma conquista da razão ético-jurídica, fruto da reacção à história de atrocidades, que marcou a experiência do homem”. Dessa forma, tendo como base o princípio da dignidade, os direitos humanos têm sido incorporados em constituições nacionais servidos de fontes para decisões judiciais nacionais, em que o termo ‘direitos fundamentais’ significa os direitos positivados em nível interno, ao passo que o termo ‘direitos humanos’ designa os direitos naturais positivados nas declarações e convenções internacionais, relacionados à dignidade, liberdade e a igualdade de todos, assumindo assim, um carácter supra estatal, uma vez que são direitos positivos.

Baseados em seus pilares como a liberdade (estado mental em que se desenvolvem as virtudes morais necessárias para viver uma vida boa), justiça (correcto, como respeito à igualdade de todos os cidadãos) e a solidariedade (acto de bondade e compreensão com o próximo ou um sentimento, uma união de simpatias, interesses ou propósitos entre os membros de um grupo, cooperação mútua entre duas ou mais pessoas). A dignidade da pessoa humana está também ligada aos aspectos como autoconfiança (capacidade de acreditar em si mesmo, crer que é capaz de conseguir um bom desempenho por acreditar em suas capacidades) e auto-estima (aspecto avaliativo do autoconceito que consiste num conjunto de pensamentos e sentimentos do sujeito referentes a si mesmo) que estes, no entender de Kernis (2005) independentemente das motivações não podem ser postos em causa.

A dignidade da pessoa humana é uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e qualquer ser humano, é caract erística que define como tal. Concepção de que em razão, tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra particularidade, o ser humano é titular de direitos que devem ser respeitados pelo Estado e por seus semelhantes. É, pois, um predicado tido como inerente à todos os seres humanos e configura-se como um valor próprio que o identifica.

Não podemos ver as migrações em si como algo mau, as pessoas podem motivas pelas razões de procura de melhores condições decidirem viver num país do continente que não seja o seu originário. Essa mobilidade vem se registando durante séculos passados, mas acaba sendo um problema preocupante quando há uma grave violação da dignidade da pessoa humana, cenários de xenofobia, de exclusão na educação nos países de chegada, agressões, barramento de fronteiras para que não entre o estrangeiro nas suas cidades como é o caso da Ungria que construiu muro de 175km, entre outras formas de rejeição.

Para Oliveira (2005), quando do ultraje da dignidade:

Nada mais violento que impedir o ser humano de se relacionar com a natureza, com seus semelhantes, com os mais próximos e queridos, consigo mesmo e com Deus. Significa reduzi-lo a um objecto inanimado e morto. Pela participação, ele se torna responsável pelo outro e com-cria continuamente o mundo, com um jogo de relações, como permanente dialogação7.

Olhando e analisando o pensamento do autor e olhando alguns comportamentos desviantes feitos aos migrantes, sem dúvidas essas acções promovem o aviltamento da dignidade que atinge o cerne da condição do homem, promovem por assim dizer, a desqualificação do ser humano e fere também o princípio da igualdade, visto que é, inconcebível a existência de maior dignidade em uns do que em outros.

É urgente a paralisação da coisificação do homem, pela compreensão de que toda pessoa humana é digna e, por essa condição singular, vários direitos fundamentais são conquistados e declarados, com o objectivo de proteger a pessoa humana de abomináveis formas de dominação e instrumentalização de sua ínsita condição.

A Dignidade da Pessoa Humana está baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), para Souto Maior (2011), a Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão de 1789, obteve grande expressão devido às repercussões da Revolução Francesa (1789), tanto que a Constituição Francesa de 1791 a incorpora e, a partir daí os direitos do homem ingressam no constitucionalismo moderno, expressos nos direitos do cidadão. Nesse sentido, é ressaltar o perfil liberal dos direitos consagrados nas constituições burguesas, iniciando assim a fase histórica contemporânea de preocupação formal com os direitos e liberdades individuais.

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A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) objectiva delinear uma ordem política mundial que é baseada no respeito à Dignidade humana, sendo assim, consagra valores básicos universais onde Souto (2019) atrelado à Declaração dos direitos humanos reafirma que:

A dignidade é inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienáveis; introduz a indivisibilidade desses direitos; conjuga aos direitos civis e políticos, direitos económicos, sociais e culturais; e une o valor da liberdade com o valor da igualdade (p.7).

Deste modo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de acordo com Souto (2019), se impõe como um código de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional e consolida um parâmetro internacional para a protecção desses direitos, que têm sido incorporados em Constituições nacionais, servindo de fonte para decisões judiciais nacionais e servindo de parâmetro para o cumprimento do princípio da Dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito.

Os direitos dos migrantes internacionais são claramente violados, na medida em que há rejeição, e banalização baseada na sua cor, etnia, condição económica e social, visto como aqueles quem vem para roubar, saquear a nossa terra e, serem dominadores dos nativos. Os migrantes devem ser respeitados e valorizados pelo simples facto de serem pessoas como também eles são. A pessoa humana não esgota a sua dignidade pelo facto de estar numa situação de precariedade, aflição pedindo socorro a quem tenha poder de apoiar.

Esta acção diante dos olhos dos que promovem a descriminação podem achar ser justificável, mas segundo Arendt (1999) diz que “violência pode até ser justificável, mas jamais será legítima” ( p.358). Aqui a autora filósofa nega qualquer forma de violência contra alguém, mesmo que este seja obrigado a praticar tal violência, ou por outra, recomenda a liberdade, igualdade, dignidade e direitos que fala o artigo 3 da (DUDH, 1948)8. Arendt (1999) sustenta que o ser humana precisa conservar a sua liberdade, consciência, dignidade e responsabilidade. O mal, a violência, xenofobia, descriminação surgem quando não há consciência racional que isso é universalmente bom e ou mau.

Desse modo, o pensar, para Arendt (1999), implicaria na retirada do mundo das aparências e seria autodestrutivo, sem gerar resultados a partir de seu exercício. Assim, constata-se que o pensar não obrigatoriamente leva ao agir ético, mas é necessário para alcançá-lo, vez que possibilita o questionamento de todas as ideias prontas impostas.

Nesses moldes, a simples ausência de pensamento contribuiu para consequências terríveis, o que Hannah Arendt veio a chamar de “banalidade do mal”, desconstruindo a ideia de que a maldade é uma condição necessária para o “fazer-o-mal”, e este, por sua vez, é banal, tão comum quanto seu agente. Entende-se, então, que o pensar seria um pressuposto para o agir ético, possibilitando evitar o “mal”.

Quando aponta o mal como sendo uma banalidade, a autora não quer apenas desmistificar a visão que temos e demonstrar como as mais terríveis atrocidades podem ser cometidas por pessoas comuns, mas sim tirar o mal que banaliza a dignidade da pessoa humana do patamar de algo que não pode ser mudado.

Piovesan (2003, p.188), partilha a ideia de Arendt (1999), ao dizer que

Todo ser humano tem dignidade que lhe é inerente, sendo incondicionada, não dependendo de qualquer outro critério, senão ser humano. O valor da dignidade humana se projecta, assim, por todo o sistema internacional de protecção, todos os tratados internacionais, ainda que assumam a roupagem do positivismo jurídico, incorporam o valor da dignidade humana.

Portanto, a ONU, através da (DUDH, 1948), o Alto-comissariado das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR), o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), igualmente a organização Internacional para as Migrações (OIM), que actuam para proteger as pessoas em situação de migrantes e refugiados devem se empenhar para que internacionalmente a dignidade da pessoa humana não seja violada por pensar que um tem valor maior que outro.

Nesse sentido, Barroso (2013) desenvolveu o pensamento de que as coisas têm um preço, por isso podem ser substituídas por outras, mas quando uma coisa está acima de um preço e possui outros valores superiores pode-se dizer que possui dignidade. “Como consequência, cada ser racional e cada pessoa existe como um fim em si mesmo, e não como um meio para o uso discricionário de uma vontade externa.” (BARROSO, 2013, p.72). Isso mostra que a dignidade é o valor intrínseco de todos os seres humanos, a autonomia de cada indivíduo; e é limitada por algumas restrições legítimas impostas a ela em nome de valores sociais ou interesses estatais.

Para isso adverte que “onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direito e dignidade) e os direitos fundamentais9 não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e essa (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objecto de arbítrio e injustiças” (SARLET, 2009, p. 61).

O autor recomenda que haja respeito pela integridade física e moral, condições mínimas para a vida, a liberdade e igualdade, reconhecimento dos direitos fundamentais, para que a dignidade da pessoa humana seja usufruída plenamente, sem nenhum constrangimento. Ao contrário disso podemos dizer que há um grande atentado e atropelo da Dignidade Humana.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As migrações internacionais sendo um fenómeno social, vendo se realizando há muitos séculos, pessoas se deslocando dum país ou continente para outro, e vice-versa. O estudo entendeu como problema quando dentro desse cenário registam-se marcas de violências, xenofobias, exclusão na educação, trabalhos, mortes ao longo da viagem, sobretudo na travessia dos diversos mares para atingirem Europa ou outro desejado. Essas acções embatem fortemente com os princípios ético-morais como por exemplo a Dignidade da pessoa humana.

A ONU, organismo internacional, através das suas agências e os Estados integrados vocacionados para atender casos de migrantes e refugiados deve na sua nobre missão estar atenta a esses casos de segurança, tranquilidade, o respeito pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH, 1948) para que a sua efectivação seja observada por todos de forma total e completa.

Desta forma permitira que todos sejamos poliglotas, cidadãos de todo o mundo onde cada um pode viver em qualquer país sem receio, medo, constrangimento de qualquer cidadão seu semelhante que o impeça por qualquer alegação que for. Como diz Papa Francisco (2015) na sua encíclica laudato si, chama o mundo de casa comum em que todos temos o direito de viver.


REFERÊNCIAS

Arendt, Hannah (1999). Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. 22ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras.

KERNIS, H. (2005).Measuring self-esteem in contexto: The importance of stability of selfesteem in psychological functioning. Journal of Personality, 73, 1569-1605.

Lee, Everett S. (1966). “A Theory of Migration”, Demography, 31, 47-57.

Oliveira, Pedro A. Ribeiro (2005). Fé e Política: fundamentos. São Paulo: ideias e letras.

Peixoto, João (1958). As migrações dos quadros altamente qualificados em Portugal. Fluxos migratórios inter- regionais e internacionais e mobilidade intra-organizacional. Tese de doutoramento apresentada ao Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa-Portugal.

Petersen, William (1958). “A General Typology of Migration”, American Sociological, Review, 23 3, 256-266.

____________(1968). “Migration. Social Aspects”, in David L. Sills (org.), internacional Encyclopedia of the social sciences. New York: The Macmillan Company & The Free Press,10, 286-292.

Piovesan, Flávia (2003) Direitos Humanos e Princípios da Dignidade da Pessoa humana, in: Leite, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: considerações em torno das normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros.

Internet


Notas

  1. ...

  2. À posterior da tipologia apresentada por Person (1958), podemos encontrar êxodo rural (do campo para cidade), transumância (saída por algum tempo para assuntos de agricultura e em alguns casos até a fase da colheita), migração pendular é um movimento em forma de vai e vem quotidiano para saciar algumas necessidades como fazer compras, estudar, se divertir, trabalhar. E no mundo global, os fluxos migratórios tornam-se frequentes por questões politicas, económicas, ambientais ou culturais.

  3. “Cabe ao Estado e é a sua missão criar um ambiente propício ao desenvolvimento individual, impedindo que predomine tendências que não são aceites numa sociedade” (Durkheim 2002;p.87). O Estado deve estar sempre atento e analisar situações que mais preocupam os indivíduos e encontrar meios alternativos para minimizar a situação, para evitar migrações desordenadas que muitas vezes resultam em mortes.

  4. Para Person (1958), nomadismo (mobilidade) e sedentarismo (imobilidade) não são condições a priori da natureza humana, mas sim, são o produto do contexto social e cultural no qual decorre a vida dos seres humanos, e por isso as migrações são um fenómeno social.

  5. “As migracoes sao demasiado diversas e complexas para que uma teoria as possa explicar” (2000, p. 33), sendo que se porventura uma tal teoria existisse, a mesma seria inútil em virtude do seu elevado nível de agregação. O mesmo afirma Baganha que “mesmo que uma tal teoria viesse a surgir, teria que ser construída a um tal nível de abstracção que a sua operacionalização seria não apenas altamente problemática como, provavelmente, condenada à circularidade ” (2001, p.136)

  6. Quando um grupo de Estado “entende que está sujeito à regras comuns no que toca às relações entre esses Estados e favorece o estabelecimento de instituições comuns, tais como procedimentos do Direito Internacional, o mecanismo da diplomacia e a organização internacional em geral, a par dos costumes e convenções … (Dougherty e Pfaltzgraff,p.155) ” A concepção de Joseph (2002), vai mais longe ao afirmar que quando hoje falamos de política internacional, referimo-nos habitualmente ao sistema de estado territorial e definimos política internacional, como a política na ausência de um soberano comum, a política entre entidades sem um poder acima delas. (Joseph, p.5).

  7. Oliveira (2005, p.22) Fé e politica: fundamentos

  8. Todos os homens nascem livres, e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

  9. O termo fundamental indica uma situação jurídica sem a qual a pessoa humana não se realiza, nem mesmo sobrevive. Se é fundamental ao homem, todos os direitos, por igual, devem ser formalmente reconhecidos e concreta e materialmente efectivados, Silva, (2008, p. 178)

Sobre o autor
Carlitos Victorino Mugawanha

Doutorado em Humanidades, docente da UniLicungo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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