2 TEORIA GERAL DOS CONTRATOS E O COMÉRCIO ELETRÔNICO
Neste capítulo os pontos mais importantes da teoria geral dos contratos serão abordados, com vistas a verificar a respectiva compatibilidade com os contratos celebrados pela internet, inaugurando-se assim a parte doutrinária desta monografia.
2.1 Conceito de negócio jurídico
O negócio jurídico funda-se [35] no princípio da autonomia privada, e consiste na possibilidade de que um ou mais particulares estabeleçam uma norma concreta, por meio da enunciação de um preceito externo, para auto-regular seus interesses privados, sempre em conformidade com as previsões legais do ordenamento jurídico pátrio.
O presente trabalho aborda tão somente (não obstante possa ter um maior alcance) a modalidade de negócio jurídico bilateral ou plurilateral conhecida como contrato, com duas ou mais declarações de vontades convergentes, conferindo direitos e obrigações aos contraentes, de forma gratuita (ex: doação) ou onerosa (ex: compra e venda).
2.2 Conceito de contrato pela internet
Na definição do autor Antunes Varela [36], o contrato é "o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial", ou seja, é o instrumento regulador dos interesses privados de dois ou mais particulares, assim reconhecido pela ordem jurídica brasileira.
O contrato pela internet não necessita da criação de uma lei de regência específica para ter validade, pois é compatível com a teoria geral dos contratos instituída pelo Código Civil – CC [37], sendo que apenas contém certas particularidades que lhe são inerentes, como a ausência física das partes contratantes (o que lhe insere na categoria de contratos entre ausentes), e a utilização de um suporte tecnológico específico, qual seja, o ambiente virtual da internet, por meio de um hardware que possibilite o respectivo acesso, que pode ser um computador, um notebook, um palmtop, e atualmente até uma geladeira, dentre outros. Referida compatibilidade decorre do regime de liberdade de forma (art. 107, CC) adotado pela legislação brasileira para a celebração de negócios jurídicos, o que permite a contratação eletrônica entre partes "ausentes" por vários meios, como por telefone, por fax, por televisão a cabo, etc. Note-se que o presente trabalho científico trata, dentre estas, tão somente da modalidade específica dos contratos celebrados pela internet, abrangendo todas as suas possibilidades [38] (ex: contrato por videoconferência, chat, e-mail, websites, etc.).
É inegável que o contrato pela internet possui várias vantagens pois, além de reduzir custos administrativos, acelera as negociações, o que explica o forte crescimento tido nos últimos anos, em todo o mundo. Esta modalidade é geralmente utilizada para a compra de bens (de todo tipo), contratação de serviços (ex: hospedagem e desenvolvimento de um website, publicidade por meio de banners, utilização de serviços de e-mail, etc.), movimentações financeiras através de internet banking, dentre várias outras possibilidades.
Na maioria das vezes os contratos pela internet são contratos em massa, eis que, por exemplo, estão acessíveis a um número indeterminado de pessoas, através de estabelecimentos virtuais, o que acaba gerando um elevado número de celebrações. Geralmente também são contratos de adesão, onde a liberdade é mitigada a tal ponto que o contratante pode apenas aceitar ou não o contrato, sem poder discutir ou alterar substancialmente o conteúdo do pacto, imposto unilateralmente pelo proponente [39].
Um bom exemplo de contratos eletrônicos de massa e de adesão são os disponíveis por meio de websites de venda de bens como submarino.com.br [40] e shoptime.com.br [41], onde os produtos estão disponíveis a todos os usuários da grande rede, e a contratação já tem preço fixo, forma e prazo para a entrega definidos, etc.
2.3 Requisitos de validade do contrato
O contrato pela internet é uma modalidade de negócio jurídico, razão pela qual, para ser válido, deve se ater aos requisitos previstos no art. 104 do Código Civil, os quais podem ser classificados em subjetivos, objetivos e formais [42].
2.3.1 Requisitos subjetivos
Os requisitos subjetivos [43] para a validade do contrato celebrado pela internet são: a) dois ou mais celebrantes, pois o contrato tem natureza de negócio jurídico bilateral ou plurilateral; b) capacidade genérica das partes para a prática dos atos da vida civil, sob pena de nulidade ou anulabilidade do contrato (ex: invalidade do contrato firmado com um incapaz – art. 2º do CC); c) aptidão específica das partes para contratar, sob pena de nulidade ou anulabilidade do contrato (ex: invalidade do contrato de compra e venda entre ascendente e descendente, sem a anuência dos demais descendentes e do conjugue – art. 496 do CC); e d) acordo de vontades entre os contratantes, por meio de consentimento isento de vícios (ex: invalidade do contrato celebrado por meio de força coercitiva – art. 151 do CC).
Os demais vícios de vontade previstos no Código Civil são os seguintes: o erro (art. 138 do CC), o dolo (art. 145 do CC), o estado de perigo (art. 156 do CC), a lesão (art. 157 do CC), a fraude (art. 158 do CC), e a simulação (art. 167 do CC), os quais, quando presentes na formação de um contrato, viciam-no, tornando-o nulo ou anulável.
2.3.2 Requisitos objetivos
São requisitos objetivos [44] para a validade do contrato celebrado pela internet: a) objeto lícito, na medida em que ninguém pode contratar de forma legalmente válida, por exemplo, a prestação de serviço de assassinato ou genocídio; b) possibilidade do objeto no momento da formação do contrato, eis que não é possível contratar, atualmente, por exemplo, uma viagem turística de ida e volta, no mesmo dia, ao planeta Saturno; c) determinação do objeto, com a especificação de quantidade, qualidade, espécie, etc., de forma a definir com certeza as obrigações das partes, eis que é inviável, por exemplo, um contrato de compra e venda de água sem a indicação do exato volume negociado.
Como estamos tratando da espécie contrato, do gênero negócio jurídico, o caráter patrimonial do objeto é essencial, o que significa que a expressão econômica também é um requisito objetivo de validade do contrato celebrado pela internet.
2.3.3 Requisitos formais
O Código Civil consagra a regra da liberdade de forma (art. 107, CC) para a celebração contratual, a qual pode ocorrer de por escrito, oralmente, por meio eletrônico, etc., ressalvados os casos especiais previstos em lei que necessitem de forma solene, por exemplo, a exigência de escrituração pública para a validade de negócios jurídicos "que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país" (art. 108, CC).
Nesse sentido, até mesmo o silêncio pode ser considerado como uma forma de aperfeiçoar o contrato, em certos casos, valendo citar o autor Arnoldo Wald [45]: "A interpretação do silencio como manifestação de vontade decorre de texto legal, de costumes, de praxes comerciais ou finalmente da própria convenção entre as partes".
2.4 Princípios do direito contratual
Nos dizeres de Miguel Reale [46], princípios são "verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades de pesquisa e da praxis".
Os princípios são normas que contém enunciados amplos, abstratos, flexíveis, sem uma terminação acabada, suscetíveis de interpretação. Servem para orientar comportamentos e solucionar problemas, sendo utilizados pelo legislador para a criação de leis, por magistrados para a decisão de litígios, por doutrinadores para a elaboração de teorias, e por advogados para a defesa de teses. Já as regras são normas que contém enunciados restritos, concretos, rígidos, completos, desenvolvidas para regulamentar comportamentos, tendo aplicação imediata e incisiva sobre a realidade fática apresentada.
Estes são os princípios fundamentais do direito contratual [47]: a) princípio da autonomia da vontade [48] – "Consiste no poder das partes de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses", ou seja, trata-se da liberdade na criação e adesão ao contrato; b) princípio do consensualismo – prevê que na maioria das vezes o simples acordo de vontades é suficiente para validar um contrato, pois existem casos em que a lei prevê o cumprimento de certas formalidades e solenidades para a plena eficácia do pacto; c) princípio da obrigatoriedade da convenção – o famoso pacta sunt servanda, que determina que as partes devem cumprir os termos do contrato sem a possibilidade de alterações, a menos que haja concordância mútua para tal, ou que se trate de caso especial ou extraordinário, como na escusa por caso fortuito ou força maior, ou mesmo nos casos de aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor [49], em revisões judiciais por onerosidade excessiva, etc.; d) princípio da relatividade dos efeitos do contrato – segundo este princípio, o contrato só gera efeito entre os contraentes, ou seja, não atinge terceiros (seja beneficiando, seja prejudicando), exceto em raras exceções; e) princípio da boa-fé – pelo qual "as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas, auxiliando-se mutuamente na formação e na execução do contrato" [50], além do que, na interpretação do contrato, deve-se buscar a real intenção das partes celebrantes em detrimento da literalidade do texto pactuado.
No caso específico dos contratos pela internet, estes também são princípios regentes [51]: a) princípio da equivalência funcional entre os atos jurídicos produzidos por meios eletrônicos e os atos jurídicos produzidos por meios tradicionais – pelo qual há a vedação de qualquer diferenciação entre os contratos clássicos, com suporte físico tangível imediatamente representativo (papel), e os contratos pela internet, com suporte virtual intangível mediatamente representativo (eletrônico), o que se reflete na impossibilidade de ser o contrato virtual considerado inválido, por ter sido celebrado eletronicamente; b) princípio da inalterabilidade do direito existente sobre obrigações e contratos – pelo qual o suporte eletrônico é apenas um novo meio para a constituição dos contratos, ou seja, as obrigações originadas no ambiente virtual não necessitam, para serem válidas, de uma alteração do direito contratual vigente, o qual é igualmente aplicável tanto aos pactos celebrados pela internet quanto aos celebrados pelos meios tradicionais; c) princípio da identificação – as partes que celebram um contrato pela internet devem estar devidamente identificadas, de modo que ambas saibam com quem estão lidando, o que pode ser feito por meio de assinatura digital, dentre outras possibilidades; e d) princípio da verificação – todos os documentos eletrônicos relacionados com o pacto devem ser armazenados de forma a possibilitar qualquer eventual verificação futura, preservando-se assim a prova da celebração contratual.
2.5 Formação do contrato
A oferta e o aceite constituem a base do acordo de vontades entre os celebrantes, ou seja, são elementos indispensáveis e responsáveis pela formação do vínculo contratual, que se desenvolve obrigatoriamente pelas seguintes fases:
2.5.1 Negociações preliminares
A formação do contrato pode ocorrer por meio da imediata aceitação após uma proposta, entretanto, geralmente a constituição do vínculo contratual é precedida de um período de troca de conversas, entendimentos, impressões e reflexões entre os possíveis contraentes, em um período pré-contratual denominado de negociações preliminares, que antecede, prepara e viabiliza o acerto final a ser formalizado entre as partes.
Neste período não existem propostas, mas meras proposições. Trata-se [52] de um estudo preliminar de ambos os interessados, visando verificar quais são as melhores condições para a conclusão do acordo de vontades, o qual é realizado por meio de uma sondagem recíproca onde não há a formação de vínculo jurídico entre os participantes, o que não significa que, excepcionalmente, não possa existir responsabilidade civil por, por exemplo, a criação de falsa expectativa de que o negócio seria celebrado, levando um dos interessados a perder um significativo desconto que fora oferecido por outro proponente.
No momento das negociações preliminares pode surgir o contrato preliminar, por meio do qual uma ou ambas as partes se obrigam a celebrarem mais tarde outro contrato, ou seja, é uma promessa de contratar (ex: promessa de compra e venda), antecipando todos os elementos essenciais do pacto futuro, o que gera vínculo jurídico entre os celebrantes, e, via de conseqüência, dever de indenizar no caso de descumprimento da obrigação. Um bom exemplo é o do fornecedor que se compromete a vender certo bem em determinado prazo por um preço específico se o consumidor desejar comprá-lo (contrato preliminar unilateral – vincula apenas uma das partes, no caso, o ofertante).
A fase de negociações preliminares é facilmente constatada em websites de leilões virtuais como mercadolivre.com.br [53] ou arremate.com.br [54] nos quais existe a possibilidade de diálogo com o promitente vendedor antes da compra do bem.
2.5.2 Proposta
A proposta é uma declaração de vontade que visa a formação definitiva de um contrato. É emitida pelo proponente ao oblato para que este se manifeste, aceitando-a ou não, razão pela qual tem caráter obrigacional, vinculando o ofertante em todos os seus termos.
Pelo conceito desenvolvido na obra de Orlando Gomes [55]: "proposta, oferta ou policitação é uma declaração receptícia de vontade, dirigida por uma pessoa a outra (com quem pretende celebrar um contrato), por força da qual a primeira manifesta sua intenção de se considerar vinculada, se a outra parte aceitar", sendo que nos contratos pela internet (entre "ausentes") a proposta é validamente expedida por meios eletrônicos (e-mail, websites, etc.).
A policitação possui características próprias como: 1) trata-se de declaração unilateral de vontade emitida pelo proponente visando a manifestação da parte destinatária (que pode ser determinada ou não, ex: oferta ao público) para a celebração de um contrato; 2) possui força vinculante com relação a quem a formula, excetuando-se os casos previstos nos arts. 427 e 428 do CC; e 3) deve se revestir de seriedade e precisão, contendo todos os elementos essenciais para a formação do pacto proposto, dependendo para isto, tão somente, do aceite do oblato (ex: menção de preço, forma de pagamento, quantidade, qualidade, etc.).
Se a proposta não contém todos os elementos necessários para a formação do contrato, deve ser considerada incompleta, pois não será capaz de aperfeiçoar a avença, mesmo com o aceite do oblato (ex: proposta sem indicação de preço), o que não significa que não exista vinculação do ofertante quanto aos termos por ele anteriormente fixados.
2.5.3 Aceitação
A proposta feita à pessoa específica ou ao público em geral deve vir seguida da aceitação do destinatário como requisito para a formação do contrato, caracterizando assim o acordo de vontades, o que finaliza o acordo e vincula ambos os contratantes.
O momento da aceitação é muito importante pois, conforme preceitua Caio Mário [56], somente quando o aceitante adere a sua vontade à do ofertante é que se tem o contrato, cujo pressuposto é o consentimento convergente das partes envolvidas.
Os requisitos [57] da aceitação são: 1) deve ser séria e conclusiva, uma mera adesão à proposta, ou seja, se for condicional não é aceitação, mas uma nova oferta (contraproposta); 2) não necessita de uma forma especial (excetuando-se o caso dos contratos solenes), pois pode ser expressa ou tácita (ex: simples envio da mercadoria pelo oblato – aceitação tácita); e 3) deve ser feita dentro do prazo concedido na oferta, oportunamente.
Independentemente do tipo de contrato (entre presentes / entre "ausentes"), o último requisito (prazo para aceitação) para a formação do contrato eletrônico é regido pelos arts. 430 e 431 do CC: 1) a proposta pode ser sem prazo, caso em que a aceitação será válida a qualquer momento, até que o proponente se retrate; 2) pode ser com prazo fixado pelo ofertante, caso em que a aceitação só será válida dentro deste período; e 3) pode ser com prazo, mas não o fixado pelo proponente, e sim o chamado "prazo moral", que é subjetivo, derivado dos costumes, onde considera-se como tal o tempo razoável para a reflexão do oblato e para que sua aceitação chegue ao conhecimento do proponente.
Se a aceitação foi oportuna, e, não obstante, chegou ao proponente fora do prazo estabelecido, por qualquer razão, este deve comunicar o fato imediatamente ao oblato, se não mais desejar celebrar o contrato, sob pena de responder por perdas e danos.
Se, ao contrário, foi a proposta que chegou ao conhecimento do oblato fora do prazo nela própria definido, este deve comunicar a sua recusa ou o fato da extemporaneidade ao proponente, o que no primeiro caso evita a presunção de aceitação tácita, e no segundo caso corresponde, em regra, a uma nova proposta.
Por fim, o aceitante pode se retratar da aceitação emitida, contanto que, antes ou com esta, chegue ao conhecimento do proponente a manifestação de arrependimento, conforme dispõe o art. 433 do Código Civil. Se isto não ocorrer a retratação não valerá, e o oblato continuará vinculado ao contrato, com todas os direitos e respectivas obrigações. Ademais, se a retratação for oportuna, o vinculo contratual se desfaz para ambas as partes.
2.5.4 Momento da formação
O momento da formação do contrato é essencial, pois é a partir dele que o pacto se torna obrigatório para ambos os contraentes, os quais devem executar o negócio, sem a possibilidade de retratação, e com a possibilidade de responsabilização pessoal. Segundo Orlando Gomes [58], o vínculo contratual propriamente dito nasce quando a proposta e a aceitação são efetivamente ligadas por declarações de vontade convergentes dos interessados.
No contrato entre presentes, o acordo se aperfeiçoa no momento em que o oblato aceita a proposta, ou seja, ocorre de forma instantânea em razão da presença física das partes. Já no contrato entre "ausentes", incide a subteoria da expedição, derivada da teoria da agnição [59], ou seja, a avença não se aperfeiçoa no momento em que o oblato elabora a aceitação, mas no momento em que este a envia ao proponente (art. 434, CC), seja por fax, seja por carta, seja por e-mail, etc. Logo, o efetivo envio da mensagem eletrônica é o momento de conclusão válido para os contratos celebrados pela internet [60], porquanto já se trata de ato jurídico perfeito, ressalvadas as exceções previstas no tópico anterior.
2.5.5 Lugar da celebração, foro competente e legislação aplicável
A determinação do lugar da celebração do contrato pela internet é fundamental [61] para a resolução de problemas decorrentes da definição do foro competente, bem como da lei aplicável, o que acaba se tornando uma questão de direito internacional quando as partes residem em diferentes países. No Brasil, o Código Civil determina no art. 435 que o negócio jurídico contratual reputa-se celebrado no lugar em que foi proposto, ou seja, no local onde a proposta foi expedida, seja a nível nacional, ou a nível internacional. A Lei de Introdução ao Código Civil [62] - LICC prescreve de forma semelhante em seu art. 9º, caput e § 2º, que a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente, devendo ser aplicada a respectiva legislação, ou seja, se o proponente reside na Itália, e o oblato no Brasil, o contrato aperfeiçoou-se naquele país, submetendo-se [63], portanto, à legislação italiana, independentemente da localização dos servidores utilizados.
Quanto ao foro competente, as partes têm a liberdade de determinar contratualmente qual o responsável para a resolução de controvérsias decorrentes do vínculo, podendo inclusive instituir o juízo arbitral (Lei nº. 9.307 de 1996), ressalvando-se as exceções legais como, por exemplo, a competência no caso de relação de consumo (art. 101, inciso I, CDC). Ademais, os casos de competência interna estão previstos nos arts. 91 a 100 do CPC e, nos de competência internacional, hão de ser observadas as disposições dos arts. 88 a 90 do CPC e art. 12 da LICC, sendo que autoridade judiciária brasileira será competente: 1) se o réu, qualquer que seja sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil; 2) quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil, mesmo se o proponente residir no exterior; e 3) nos casos que envolvem imóveis localizados no Brasil, bem como quando a demanda decorre de fato ou ato ocorrido no Brasil. Ultrapassadas estas exceções, o foro competente será o do país onde o contrato se constituiu, excluindo-se, portanto, a competência da justiça brasileira.
2.6 Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Conforme já demonstrado, aos contratos celebrados pela internet se aplica a teoria geral dos contratos, sem maior esforço hermenêutico [64], eis que a única diferença com relação aos pactos tradicionais é a forma da celebração, que se efetua por meio eletrônico naqueles (entre partes "ausentes"), e por meio físico nestes (entre partes presentes). Consequentemente, os contratos celebrados pela internet são juridicamente válidos, e se submetem à legislação compatível em vigor, inclusive ao Código de Defesa do Consumidor [65], quando presentes os respectivos pressupostos autorizadores de incidência.
O Código de Defesa do Consumidor é um reflexo do dirigismo contratual do Estado. Segundo Geraldo Monteiro e Mônica Savedra [66] a Lei nº. 8.078 de 1990 representou uma quebra de paradigma com relação ao princípio civilista do pacta sunt servanda, haja vista o novo trato dispensado ao consumidor, agora reconhecido como parte hipossuficiente na relação contratual (e pré-contratual) de consumo, recebendo, com isto, inúmeras proteções legais que antes não existiam. Os requisitos que permitem a incidência do CDC são muito bem descritos no livro de Carlos Alberto Bittar [67], quais sejam:
-Partes contratantes: transacionam para o aperfeiçoamento do contrato jurídico, contra quem as obrigações dele decorrentes serão exigíveis de forma imediata.
--De um lado temos o consumidor, cujo conceito padrão está positivado no art. 2º, caput, do CDC: pode ser pessoa física ou jurídica, contanto que seja o destinatário final do produto ou serviço adquirido ou utilizado (fim pessoal – necessidades humanas – teoria finalista). Também existem os conceitos por equiparação, quais sejam: a) coletividade (art. 2º, § único, CDC); b) vítimas (art. 17, CDC); e c) expostos às praticas comerciais (art. 29, CDC), sendo que referidas equiparações autorizam o Ministério Público, dentre outros legitimados, a atuar em defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores (arts. 81 a 83, CDC).
--Do outro lado temos o fornecedor [68], que também pode ser pessoa física ou jurídica e, a teor do art. 3º do CDC, pode ser pessoa "pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados". Entretanto, ao contrário do consumidor, o fornecedor está no mercado com o intuito de lucro, vendendo e negociando mercadorias e serviços (fim econômico – necessidades materiais).
-Objeto: a "produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços".
--Definição de produtos (art. 3º, parágrafo 1º, CDC): bem móvel (camisa) ou imóvel (apartamento), material (tangível: livro) ou imaterial (intangível: direito real), lícito, negociado mediante uma remuneração acertada entre as partes.
--Definição de serviços (art. 3º, parágrafo 2º, CDC): qualquer atividade lícita fornecida no mercado de consumo mediante uma contraprestação, "inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (v. Enunciado nº. 297 da Súmula do STJ [69]).
Cabe ser ressaltado que o fornecedor, para ser caracterizado como tal [70], deve prestar serviços ou comercializar produtos no mercado com profissionalidade, ou seja, esta (ou esteve) disponível para os consumidores em geral, durante certo período, com o intuito profissional de buscar o lucro. Com isto se exclui da caracterização de fornecedor, por exemplo, a pessoa física que vendeu um único bem (ex: televisão) por meio de um anúncio em jornal; ou mesmo a pessoa física que alugou apenas um imóvel de sua propriedade. Como exemplo de fornecedores, podemos citar, na mesma linha, a pessoa jurídica (ex: loja de produtos eletrônicos) que vende televisões no shopping; ou a pessoa jurídica (ex: empresa imobiliária) que administra comercialmente vários contratos de locação.
Já para caracterizar o consumidor [71], é muito importante a presença do requisito da utilização do produto ou da contratação do serviço como destinatário final, buscando a satisfação de uma necessidade humana de consumo, dando fim pessoal ao objeto do negócio. Podemos citar, como exemplo de consumidor, a pessoa física que realiza a compra de quaisquer produtos fornecidos por um supermercado. Já na linha oposta, a pessoa física, ou jurídica (ex: supermercado), que comprou produtos de uma outra pessoa jurídica (ex: atacadista), para comercializá-los, não pode ser classificada como consumidor.
Exemplificando [72] a incidência do CDC às relações contratuais pela internet: 1) o CDC proíbe a propaganda enganosa em seu art. 37, o que pode ser alegado no âmbito de uma transação pela grande rede, instruindo um processo judicial com o documento eletrônico que contém a publicação, o qual muitas vezes é publicado no próprio site do vendedor; e 2) o direito de rescisão do contrato também é um exemplo aplicável nos contratos celebrados pela internet, pois de acordo com o art. 49 do CDC, o consumidor tem direito de desistir da transação efetuada fora do estabelecimento comercial no prazo é de 7 (sete) dias, a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto; dentre várias outras possibilidades.
2.7 Estabelecimentos virtuais
Note-se que, em se tratando de site comercial (empresa virtual), os seus consumidores estão protegidos pelo CDC como quaisquer outros consumidores de estabelecimentos físicos, sendo que qualquer ilegalidade cometida por tal estabelecimento submete-se à legislação consumeirista. Prosseguindo no raciocínio, caso o consumidor seja lesado em um contrato eletrônico celebrado com um estabelecimento virtual, poderá buscar uma solução junto aos órgãos administrativos de proteção ao consumidor, como o PROCON, ou até mesmo pular essa fase e defender seus direitos diretamente na justiça.
Todos os domínios de sites brasileiros, antes de serem disponibilizados na internet, devem realizar um cadastro no órgão competente (http://registro.br), onde obrigatoriamente deverá ser declinado um endereço físico de seus administradores. Como os sites comerciais na internet geralmente atuam com vistas a dificultar uma possível ação judicial, escondendo o seu endereço físico, o consumidor pode recorrer ao mencionado órgão de registro para obter o endereço cadastrado, possibilitando assim a citação dos responsáveis.
Há que se considerar que o fato de ter sido a celebração realizada por meio eletrônico (internet) potencializa a vulnerabilidade do consumidor, podendo até vir a autorizar a incidência da hipótese prevista no art. 6º, VIII do CDC, qual seja, a inversão do ônus da prova no processo civil, caso sejam atendidos os seus requisitos legais.
2.8 Responsabilidade dos servidores na internet
Os servidores de conexão, de e-mail, da web, etc., podem ser utilizados no serviço de uma empresa, por exemplo, de prestação de serviço de conexão à internet (provedor de acesso – PSCI), ou de uma empresa de armazenamento e disponibilização de arquivos e websites na grande rede (empresa de hospedagem), dentre outras possibilidades.
Referidas empresas obviamente não podem garantir [73] o conteúdo dos websites que armazenam, ou mesmo o conteúdo dos e-mails que processam, razão pela qual diz-se que possuem uma obrigação de meio, e não de fim, ou seja, são apenas obrigadas a prestarem, sem falhas, o serviço que se propõem a realizar. Ex: no caso de lesão patrimonial a consumidor, gerada por um site, são os administradores deste que respondem, e não a empresa de hospedagem. Já no caso de falha de transmissão de dados de um e-mail que, em razão disto gerou algum dano patrimonial contratual, é a empresa de correio eletrônico que responde. Tal posicionamento não é pacífico na doutrina, entretanto, parece ser o mais coerente.