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É possível perder a casa de veraneio para o caseiro através da usucapião?

Agenda 09/01/2025 às 22:09

A usucapião exige posse qualificada, coisa hábil e tempo, mas detentores, como caseiros, geralmente não têm direito. Pode a posse precária ser convertida em "ad usucapionem"?

Através da Usucapião pode ser possível converter a "posse" em "propriedade", permitindo-se especialmente a regularização da situação fática junto ao Cartório do Registro de Imóveis (RGI), assim como nos demais órgãos e cadastros oficiais (como a Prefeitura, principalmente). Os requisitos, como sempre falamos aqui, são aqueles exigidos em Lei conforme a espécie de Usucapião pretendida, havendo variação dentre elas, mas todas partindo da matriz comum à todas elas que exige POSSE qualificada, COISA hábil e TEMPO. No Brasil a Usucapião tem previsão na Constituição Federal, no Código Civil e em legislações específicas. A questão da possibilidade de um caseiro usucapir o imóvel que cuida para seu patrão envolve a análise de diversos aspectos.

De início é preciso observar que o caseiro/zelador (ou qualquer outra designação que venha a ser usada para indicar aquela pessoa que toma conta de um imóvel para outra) na verdade deverá, nessa posição, ser considerado detentor e, nesse contexto, não poderá usucapir o imóvel que toma conta. O Código Civil em seu artigo 1.198 define bem a "detenção":

"Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de DEPEDÊNCIA PARA COM OUTRO, CONSERVA A POSSE EM NOME DESTE e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário".

Vê-se, pela letra da Lei, que enquanto detentor, o caseiro não poderá usucapir o imóvel que toma conta, porém o mesmo texto legal (inclusive o art. 1.203, como se verá adiante) descortina a possibilidade (ou seja, "até que prove o contrário"), de modo que existe sim a possibilidade daquele do suposto "caseiro" usucapiente modificar o caráter da sua posse (como inclusive autoriza o art. 1.204 do mesmo Código), quando então se torna sujeito em condições de usucapir o imóvel sobre o qual agora exerce posse - e é importante destacar que todos os requisitos para a Usucapião deverão ser comprovados, não só a posse, em tese, qualificada.

O artigo 1.204 do Código Civil decreta:

"Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, EM NOME PRÓPRIO, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade".

É nítida a distinção e contraposição entre aquele que exerce a posse em nome de outro, sob relação de dependência (art. 1.198) e aquele que exerce a posse em nome próprio (art. 1.204). A transmudação desse aspecto do exercício da posse sobre o bem se dá através da INTERVERSÃO DA POSSE, ponto peculiar e muito importante no estudo da USUCAPIÃO que autoriza a modificação do caráter da posse. Reza o artigo 1.203 do Código Civil:

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"Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida".

A interversão da posse terá lugar quando comprovado que a posse se iniciou de forma precária (ou seja, sem ânimo de dono, quando ainda era o que se pode chamar de "detenção") e foi convertida justamente pela demonstração do implemento do "animus domini", sem que houvesse oposição pelo titular do imóvel (proprietário) ciente de tal manifestação, havendo clara comprovação de que os atos de posse adotados pelo usucapiente são incompatíveis com o exercício da posse em nome de outrem.

Exercida a posse qualificada (agora modificada em virtude da interversão da posse) pelo caseiro, por tempo suficiente para a configuração da usucapião, sobre coisa suscetível de aquisição via usucapião outro não deverá ser o resultado senão o reconhecimento da Usucapião (seja ela através da via judicial, seja pela via EXTRAJUDICIAL) em seu favor e em prejuízo do proprietário anterior, como reconhece com acerto a decisão do TJSP amparada na legislação:

"USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. IMÓVEL. POSSE PRECÁRIA CONVERTIDA EM POSSE AD USUCAPIONEM. INTERVERSÃO DA POSSE. Ainda que a vizinha dos autores tenha alegado que haveria detenção, pois seriam os autores caseiros dos proprietários do imóvel, não se pode desconsiderar a ausência de pagamentos dos supostos serviços e, ainda, o longo período de posse dos autores, fatos que, com segurança, confirmaram a posse ad usucapionem. O prazo de vinte anos, previsto no art. 550, do Código Civil de 1916, completou-se no ano de 2008. Não se desconhece que a ação foi ajuizada em 22 de março de 2004. Contudo, a usucapião extraordinária do imóvel pode ser declarada, considerando-se o tempo de trâmite da demanda. Recurso provido para declarar a usucapião extraordinária dos imóveis descritos na petição inicial".

TJSP. 0000759-50.2004.8.26.0219. J. em: 12/05/2015.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Julio. É possível perder a casa de veraneio para o caseiro através da usucapião?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7862, 9 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112453. Acesso em: 15 jan. 2025.

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