É correto o Cartório do RGI exigir Escritura Pública para o registro da Promessa de Compra e Venda?

02/04/2025 às 15:44
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Não se desconhece que no direito brasileiro a transferência de imóveis entre vivos se dá, na forma do art. 1.245. do CCB, através do binômio TÍTULO e MODO: título (escritura), modo (registro). Igualmente não se deconhece (e aqui chamamos atenção daqueles que diariamente lidam com a consecução do direito imobiliário das pessoas, em prestígio ao constitucional direito de propriedade - tal como lapidado nos inc. XXII e XXIII do art. 5º da Carta Política) que o direito do promitente comprador do imóvel (inc. VII do art. 1.225. do CCB) é também um DIREITO REAL como o próprio direito de propriedade (inc. I do art. 1.225). Toda essa introdução se faz necessária na medida em que ainda hoje, lamentavelmente, alguns Cartórios do RGI procuram dificultar o acesso ao registro dos Contratos Preliminares (Promessa de Compra e Venda) quando os mesmos não são apresentados através de ESCRITURA PÚBLICA (que, não curiosamente, são lavrados apenas por outros Cartórios - os Tabelionatos de Notas). A alegação - já rechaçada muitas vezes pelo Judiciário - é de que o instrumento particular é válido apenas para os casos envolvendo imóveis de até 30 salários... mas será mesmo que essa exigência se sustenta?

Como já afirmamos diversas vezes, o REGISTRO da promessa de compra e venda é muito importante para as partes mas principalmente para quem adquire o bem imóvel. Com o registro em Cartório o direito daquele que compra através de Promessa de Compra e Venda se converte de mero direito pessoal para direito real, ganhando oponibilidade e publicidade. Vejo com isso grande acréscimo de SEGURANÇA JURÍDICA. A questão, todavia, é que com recorrência os Cartórios do RGI exigem que a Promessa seja feita por Escritura Pública e essa exigência não tem qualquer fundamento (já que o Código Civil é categórico ao afirmar que o contrato preliminar não deve observar a forma exigida para o contrato definitivo). No dia a dia quem sofre com isso é o leigo que infelizmente não conhece as regras. Reza o art. 462. do Código Civil:

"Art. 462. O contrato preliminar, EXCETO QUANTO À FORMA, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado"*

Por tal razão, o ingresso das Promessas de compra e venda no Cartório do RGI não deve ser obstado pelo simples fato de não se reverstir por uma Escritura Pública.

O registro confere publicidade, segurança e eficácia perante terceiros e esses efeitos benéficos não podem ser obstaculizados a quem pretende adquirir imóvel apenas por Promessa de Compra e Venda já que, como dissemos acima, o direito do promitente comprador do imóvel é um DIREITO REAL e como tal, pode e deve estar acessível a quem o pretende. Acerca de tal direito determina o mesmo Código Civil:

"Do Direito do Promitente Comprador

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público OU PARTICULAR, e REGISTRADA no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, TITULAR DE DIREITO REAL, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel".

Como se não bastasse, no Estado do Rio de Janeiro o Conselho da Magistratura há muito editou o ENUNCIADO 01 em matéria de Registros Públicos que tem clareza solar (muito apropriada para os Cartorários de poucas luzes, que felizmente não são a maioria):

"1. É legítimo o registro de escritura PARTICULAR de promessa de compra e venda de imóvel no cartório competente, ainda que seu valor ultrapasse o equivalente a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país".

Nessa linha os julgados do TJRJ, servindo de exemplo o seguinte:

TJRJ. 00045072020158190019. J. em: 19/04/2018. REEXAME NECESSÁRIO. SERVIÇO REGISTRAL. DÚVIDA SUSCITADA PELO OFICIAL DO CARTÓRIO DO OFÍCIO ÚNICO DE CORDEIRO/RJ. REQUERIMENTO DE REGISTRO DE CONTRATO PARTICULAR DE COMPRA E VENDA. VALOR DO IMÓVEL SUPERIOR AO LIMITE LEGAL DE TRINTA VEZES O MAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE. NEGATIVA DE REGISTRO SOB O FUNDAMENTO DA NECESSIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA. ARTIGOS 108 C/C 104, III, E 166, IV, DO CÓDIGO CIVIL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DA DÚVIDA. REMESSA DOS AUTOS AO CONSELHO DA MAGISTRATURA. ARTIGO 48, § 2º, DA LODJ. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO QUE POSSUI A NATUREZA DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DISPENSA DE ESCRITURA PÚBLICA. INCIDÊNCIA DOS ARTIGOS 462 E 1.417 DO CÓDIGO CIVIL. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO ENUNCIADO Nº 01 DO CONSELHO DA MAGISTRATURA. SENTENÇA QUE SE MANTÉM EM REEXAME NECESSÁRIO".

Portanto, a negativa do Cartório em registrar uma Promessa de Compra e Venda sob o fundamento de ausência de Escritura Pública é nitidamente ILEGAL e DANOSA com base na legislação vigente e na jurisprudência consolidada, não devendo ser aceita.

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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