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O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)

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Agenda 17/08/2008 às 00:00

3.A interpretação do § 3º do art. 433.

A correta interpretação do § 3º do art. 433 parece-nos nebulosa. Estabelece o dispositivo que "o jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras". São possíveis três interpretações do dispositivo:

a)Uma primeira interpretação é que o sorteio a que faz referência este parágrafo é o mesmo sorteio dos demais parágrafos do artigo, ou seja, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica do Tribunal do Júri, sorteio este feito entre todos os integrantes da lista geral de jurados, e que o dispositivo apenas esclarece que os jurados que não foram sorteados podem novamente concorrerem, sem exclusão obrigatória dos que já foram sorteados, pois quando a lei deseja excluir um jurado de sua posterior participação, ela o faz de forma expressa, conforme consta do art. 426, § 4º. Todavia, caso assim se interprete, o dispositivo seria de extrema obviedade e conteria mesmo uma imprecisão, pois os jurados não sorteados deverão necessariamente (e não facultativamente) concorrer aos próximos sorteios e, muito provavelmente, a maioria dos novos jurados serão jurados diferentes dos anteriores. Seria impossível que os jurados que não foram sorteados para atuarem em uma reunião periódica não concorressem ao próximo sorteio da próxima reunião periódica e o juiz não pode arbitrariamente excluir qualquer jurado deste sorteio. Portanto, onde se lê "o jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras" deveria ler-se "o jurado não sorteado [deverá] ter o seu nome novamente incluído [no sorteio] para as reuniões futuras". Ainda assim, esta seria uma uma disposição legal óbvia e desnecessária.

b)Outra interpretação é que apenas poderão concorrer ao sorteio da sessão seguinte os jurados que não foram sorteados. Esta interpretação permitiria extrair algum significado efetivo do dispositivo e seria justa, pois, independentemente de ter sido sorteado ou não para compor o Conselho de Sentença, o jurado sorteado para atuar na reunião periódica teve necessariamente que comparecer às diversas sessões de julgamento para participar do sorteio do Conselho de Sentença e, portanto, já teria "cumprido seu dever" durante aquele ano. Os jurados não sorteados para compor o Conselho de Sentença permaneceriam na lista geral de jurados para o ano seguinte, podendo ser novamente sorteados para atuarem em reunião periódica no ano seguinte. Para este interpretação, o significado da expressão "novamente incluído para as reuniões futuras" não significa que o jurado efetiva já foi incluído em alguma reunião, pois teria ocorrido a elipse da expressão "sorteio", devendo o dispositivo ser lido como "[apenas] o jurado não sorteado [para atuar na reunião periódica referida no caput] poderá ter o seu nome novamente incluído [no sorteio] para as reuniões futuras". Esta interpretação possui um inconveniente: se a cada reunião periódica serão necessários 25 jurados diferentes, então necessariamente a lista geral de jurados deveria ter um número de jurados que permitisse a realização de todas as reuniões periódicas necessárias durante um ano. Por exemplo, caso a sessão periódica tenha duração de um mês (situação atual no DF), seriam necessários ao menos 300 cidadãos na lista geral de jurados para que houvesse uma sessão a cada mês do ano. Todavia, o art. 425 permite que esta lista geral de jurados seja composta por 80 a 400 jurados nas comarcas com menos de cem mil habitantes; desta forma, este limite mínimo permitiria a realização de apenas três reuniões periódicas do Tribunal do Júri durante um ano. Esta interpretação poderia gerar a inviabilidade de alguns Tribunais do Júri funcionarem, ante a dificuldade de composição do quórum para as reuniões periódicas, diante da sucessiva exclusão de jurados que já foram sorteados para reuniões periódicas anteriores.

c)Outra possível interpretação seria que o sorteio a que se refere este dispositivo não é o dos jurados que atuarão na reunião periódica, mas o sorteio dos jurados que atuam na reunião periódica para comporem o Conselho de Sentença. Assim, o dispositivo deveria ser lido nos seguintes termos: "o jurado não sorteado [para compor o Conselho de Sentença] poderá ter o seu nome novamente incluído paras as reuniões futuras [as reuniões periódicas referidas no caput]". Neste sentido, o dispositivo significaria que o jurado que foi sorteado para compor uma reunião periódica, mas não foi sorteado para compor o Conselho de Sentença de nenhum julgamento específico poderá ser novamente sorteado para participar da reunião periódica seguinte do Tribunal do Júri. Outro argumento favorável a este interpretação é que o dispositivo utiliza a expressão: "novamente incluído". Ora, se o jurado não foi sorteado para atuar na reunião periódica, não poderia ser "novamente incluído para as reuniões futuras", pois apenas pode ser novamente incluído quem uma vez já esteve incluído. Caso se adote esta corrente de interpretação, a contrario sensu, o dispositivo estaria significando que os jurados que integraram o Conselho de Sentença em uma reunião periódica não poderiam ser sorteados para atuarem novamente na reunião periódica seguinte, sem prejuízo de que os jurados que foram sorteados para atuarem na reunião periódica, mas não foram sorteados para compor o Conselho de Sentença, possam novamente participar do sorteio para a reunião periódica. A interpretação é criticável tanto por ser assistemática com o caput do artigo, bem como porque quando a lei quer excluir um jurado de sua posterior participação, ela o faz de forma expressa, conforme consta do art. 426, § 4º.

Como se vê, a interpretação é dúbia, pois todas as possíveis teses explicativas são falhas: a primeira por significar a obviedade e conter uma palavra falha (ao invés de "poderá" deve ser "deverá"); a segunda por permitir uma situação que inviabilize o funcionamento do Tribunal do Júri e tornar sem lógica outra disposição legal relativa ao número de jurados constante da lista geral (art. 425); e a terceira, por ser assistemática com o caput. Considerando que estabelece o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que, "na interpretação da lei, o juiz deverá ater-se aos seus fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (nada mais que uma aplicação do devido processo legal em sentido substantivo, ou do princípio da proporcionalidade), entendemos que a interpretação menos danosa é a n. 1 supra, pois não inviabiliza o funcionamento do Tribunal do Júri.

Assim, conclui-se que os jurados sorteados para participar em de uma reunião periódica podem ser novamente sorteados para participarem de outra reunião periódica dentro do mesmo ano.

d) Julgamento Plenário

O julgamento plenário é composto por três fases: sessão pública, sala secreta e publicação da sentença.

A fase da sessão pública pode ser dividida em: abertura da sessão, instrução e debates.

d.1) Abertura da sessão

Antes da abertura dos trabalhos o juiz decidirá os casos de isenção ou pedido de dispensa de jurado (formulado pelo próprio jurado) e ainda os pedidos de adiamento do ato (art. 454).

A ausência do Ministério Público impede a realização do júri, que será necessariamente adiado. Se a ausência for injustificada, será comunicado o Procurador-Geral de Justiça, que por sua vez comunicará o Corregedor do Ministério Público para as providências cabíveis (art. 455).

Dispõe o art. 456 que se a ausência sem justificativa legítima for do advogado de defesa, deverá também o ato ser adiado, com comunicação à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. Todavia, a ausência injustificada enseja o adiamento por uma única vez, devendo desde já ser intimada a Defensoria Pública para a sessão seguinte. Caso o advogado novamente não compareça, o julgamento será realizado com defesa do réu pela Defensoria Pública. Para se evitar a aplicação do dispositivo, não basta que exista uma explicação para a ausência, é necessário que a escusa seja efetivamente legítima. Por exemplo, um advogado que está com câncer em tratamento de quimioterapia e, portanto, impossibilidade de comparecer às sessões nos próximos seis meses, está absolutamente impossibilitado de patrocinar a defesa, não podendo o processo ficar aguardando seu eventual restabelecimento. Caso o réu não constitua outro advogado deverá o juiz aplicar o disposto no art. 456.

Neste ponto, não vemos nenhuma ofensa à ampla defesa, em sua modalidade de direito à escolha do advogado. Ao contrário, o dispositivo vem exatamente preservar este direito. É certo que o réu possui o direito de escolher seu advogado. Assim, se o advogado falta injustificadamente, o juiz não pode nomear um defensor dativo já para o mesmo dia para patrocinar a defesa do réu, mas deve marcar novo julgamento para o prazo mínimo de 10 dias, comunicando-se à Defensoria Pública. Este prazo mínimo é uma garantia para o réu contra um julgamento imediato com defensor ad hoc. Agora, o acusado, se quiser exercer seu direito à escolha de advogado, poderá insistir na manutenção do mesmo causídico (assumindo o risco de que sua ausência gere o patrocínio da causa pela Defensoria Pública) ou, eventualmente, contratar um "advogado reserva" para a eventualidade de seu advogado principal falhar, que também terá prazo mínimo de 10 dias para se preparar para o julgamento. A disposição é constitucional e legítima, pois nenhum direito é absoluto e mesmo a ampla defesa deve ser ponderada ante a necessidade imperiosa de efetividade da jurisdição penal.

Interessante que o dispositivo estabelece que quem deverá subsidiariamente se preparar para patrocinar a defesa será a Defensoria Pública, e não um outro defensor dativo qualquer. Trata-se de norma que acaba alargando a atribuição das Defensorias Públicas, pois sua aplicação poderá eventualmente ocorrer mesmo para réu com capacidade econômica. Esta norma expressamente revoga o entendimento que a Defensoria Pública estaria proibida de patrocinar causas de réus que não sejam pobres (no sentido jurídico). Por ausência de prejuízo, entendemos que não haverá qualquer nulidade caso o juiz nomeie um outro defensor dativo que não seja da Defensoria Pública.

Apenas haverá participação do assistente da acusação no julgamento plenário se este houver requerido sua habilitação até 5 dias antes do julgamento (art. 430). Antes da reforma da Lei n. 11.689/08, este prazo era de três dias (antigo art. 447, parágrafo único). Sua ausência não impede a realização do julgamento.

Antigamente, entendia-se que a presença pessoal do acusado era essencial para a realização da sessão plenária, na hipótese de crime inafiançável (art. art. 451, § 1º, a contrario sensu). Atualmente, dispõe o art. 457, caput, que no caso de réu solto seu não comparecimento não impedirá a realização do julgamento. Isso porque a oportunidade de exercício da autodefesa é obrigatória, mas seu efetivo exercício é facultativo. Assim, o réu deve ser intimado do dia de seu julgamento, mas se não tiver interesse em comparecer para ser interrogado em plenário, esta ausência sua não ensejará qualquer nulidade e o julgamento prosseguirá à sua revelia. Todavia, no caso de réu preso que não foi apresentado a julgamento pela falta de escolta policial, considerando que o Estado possui a obrigação de fazer o réu sob sua custódia estar presente, caso este queira, o § 2º do dispositivo determina que a sessão deverá ser necessariamente adiada. A exceção a esta regra é se o réu preso e seu defensor houverem subscrito requerimento de dispensa de comparecimento. Alguns doutrinadores argumentam que o réu possui o direito de ser intimado e escolher não estar presente, para evitar a influência de seu status social e aparência (v.g., cor) nos jurados. Todavia, caso haja necessidade de alguma diligência de reconhecimento do réu a ser realizada em plenário (art. 473, § 3º), com prévio requerimento de sua realização pelo Ministério Público quando da apresentação dos requerimentos na fase da preparação do processo para o julgamento plenário (art. 422), entendemos que o juiz poderá determinar a condução coercitiva do acusado, preso ou solto. Neste ponto, não se está em discussão a disponibilidade da autodefesa pelo réu, mas o direito da acusação de produzir uma prova perante o Tribunal do Júri. Também não há qualquer violação ao privilégio contra auto-incriminação na realização coativa de reconhecimento pessoal, pois se trata de uma diligência de atuação passiva do réu (o acusado não precisa colaborar para a produção da prova).

A ausência injustificada de testemunha acarreta na imposição de multa de um a dez salários mínimos, da mesma forma que ocorre para o jurado que faltar injustificadamente (art. 458 c/c art. 436, § 2º). Entendemos que a competência para imposição desta multa será do juiz presidente do Tribunal do Júri. Trata-se de uma multa administrativa (e não multa penal) e sua imposição deve ser precedida de prévio contraditório, inclusive para se apresentar eventual justificativa. Caso não seja apresentada a justificativa, o juiz presidente aplicará a multa. É recomendável que este procedimento tramite em autos apartados, como incidente processual. Por ser um incidente processual, entendemos obrigatória a intervenção do Ministério Público. Não há previsão de recurso e, portanto, cabe mandado de segurança ou ação ordinária contra a imposição da multa. O Código não esclarece em favor de quem reverterá a multa; diante da omissão, e considerando que a infração praticada pelo jurado ou testemunha faltosa atenta contra a efetividade da prestação jurisdicional, que é um serviço estatal, entendeu que esta multa deve reverter em favor do Estado (no caso de Justiça Estadual) ou da União (no caso do DF e Justiça Federal). Portanto, a atribuição para execução desta multa deve ser da Procuradoria da Fazenda do Estado (na Justiça Estadual) ou a Procuradoria da Fazenda Nacional (no DF e Justiça Federal).

Caso a parte tenha arrolado a testemunha com a cláusula de imprescindibilidade, requeira sua intimação por mandado e esta, devidamente intimada, não compareça à sessão de julgamento plenário, o juiz poderá determinar sua condução coercitiva ou o julgamento plenário será adiado (art. 461, caput e § 1º). Caso a testemunha não seja encontrada no endereço declinado ou não tenha sido arrolada com imprescindibilidade, sua ausência não adiará o julgamento plenário.

Após estas diligências preliminares, verificando-se que Ministério Público e defesa estão presentes, e que estão presentes pelo menos 15 dos 25 jurados sorteados para atuarem na reunião periódica, o juiz declarará instalada a sessão pública de julgamento do Tribunal do Júri.

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A abertura da sessão é o momento para que as partes arguam as nulidades ocorridas após a pronúncia, sob pena de preclusão. Neste ponto, há que se realizar uma interpretação histórica do art. 571, V do CPP, pois este faz referência ao art. 447, que era relativo à abertura da sessão plenária de julgamento do Tribunal do Júri. Hoje, deve-se interpretar que o referido artigo faz referência atual ao art. 463, ou seja, o momento que o juiz declara instalados os trabalhos, anunciando o processo que submetido a julgamento.

Após a abertura, os jurados serão advertidos sobre os impedimentos e a incomunicabilidade (art. 466). A incomunicabilidade dos jurados é relativa aos fatos do processo e não impede que os jurados se comuniquem durante o recesso, sobre fatos alheios ao julgamento.

Segue-se com o sorteio dos sete jurados que irão compor o Conselho de Sentença. As partes (defesa e acusação, nessa ordem) poderão recusar de forma imotivada até três jurados (art. 468, caput). As recusas motivadas não têm limite e não entram nessa conta.

Na legislação revogada, havia disposição no art. 461 de que, se os réus tivessem advogados diferentes e um aceitasse um jurado, o outro recusasse e o Ministério Público aceitasse, haveria a separação dos processos. A nova redação do parágrafo único do art. 468 c/c 469, § 1º estabelece que caso um dos advogados de defesa recuse o jurado, este será automaticamente excluído da sessão de julgamento, independentemente de perguntar ao outro advogado se ele aceitaria ou não aquele jurado. Portanto, apenas haverá separação obrigatória do processo se, ao final das recusas, não houver o número mínimo de sete jurados para compor o conselho de sentença. Por exemplo, se comparecerem 15 jurados à sessão de julgamento, caso haja dois réus, com advogados diferentes, e o advogado A recuse os jurados 1, 2 e 3, o advogado B recuse os jurados 4, 5 e 6, ainda haverão outros nove jurados aptos a comporem o conselho de sentença; se o Ministério Público recusar apenas outros dois jurados, sobrarão sete e o julgamento ocorrerá; todavia, se o Ministério Público recusar três jurados, o julgamento necessariamente se separará.

Considerando que a parte que se manifesta primeiro já "gasta" sua recusa (que poderia se "gasta" pelo outra parte caso esta houvesse se manifestado primeiro pela recusa), entendemos que o juiz deverá alternar entre as diversas defesas quem será a primeira e quem será a segunda a se manifestar, de forma a assegurar o princípio da isonomia. Por exemplo: para o primeiro jurado, manifesta-se a defesa 1, defesa 2 e Ministério Público; para o segundo jurado, manifesta-se a defesa 2, defesa 1 e Ministério Público; e assim sucessivamente. Este procedimento, apesar de não previsto no código, assegurará que ambas as defesas tenham, entre si, direitos iguais.

Na legislação revogada, na prática, quem decidia contra qual réu o processo prosseguiria era o Ministério Público, segundo a forma que aceitasse o jurado para um réu e recusasse o jurado para outro. Pela nova sistemática, dispõe o art. 469, § 2º que será julgado primeiro o autor e após o partícipe, ou, em caso de co-autoria, o que estiver preso, dentre os réus presos o que estiver preso a mais tempo, ou se todos os critérios foram até aqui iguais, o que houver sido pronunciado a mais tempo. Caso todos estes critérios empatem; o juiz presidente deverá decidir qual será julgado primeiro.

Formado o Conselho de Sentença, o juiz tomará compromisso dos jurados (art. 472).

d.2) Instrução em Plenário

Após o compromisso dos jurados inicia-se a instrução plenária. Serão ouvidos o ofendido, testemunhas de acusação, de defesa e interrogatório. Para as testemunhas de acusação a ordem é: juiz presidente, acusação, defesa, jurados. Para as testemunhas de defesa, a ordem será: juiz presidente, defesa, acusação e jurados. As perguntas das partes agora serão diretas, mas as dos jurados continuam sendo feitas por intermédio do juiz presidente.

A Lei n. 11.690/08 deu nova redação ao art. 212 do CPP para estabelecer que, regra geral, as perguntas serão feitas pelas partes de forma direta às testemunhas. Este dispositivo também alterou a ordem da colheita dos depoimentos, pois estabelece que primeiro as partes formulação suas perguntas e após, sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. Lá a alteração foi realizada para assegurar maior distanciamento do juiz da atividade de colheita de provas, que é ônus das partes, de forma a assegurar-lhe maior imparcialidade e preservar, portanto, o sistema acusatório estabelecido pela Constituição Federal. Todavia, na instrução plenária, a ordem continuará sendo primeiro as perguntas do juiz. Provavelmente a disposição é feita para evitar que os jurados sejam influenciados por uma instrução conduzida majoritariamente pela acusação. Quem pergunta primeiro normalmente explora mais o potencial de informações de uma testemunha, restando aos demais apenas esclarecer os pontos não explorados; como normalmente as testemunhas dos fatos já constam do inquérito e, portanto, são testemunhas da acusação (já que o ônus de comprovar a culpa é da acusação), se as partes perguntassem antes do juiz presidente aconteceria que a maioria das provas seria explorada pela acusação, situação que poderia induzir os jurados a crerem que a acusação possui mais provas que a defesa e, portanto, sua tese é a correta, o que não necessariamente é verdade. Ademais, como o juiz presidente não julga os fatos, esta situação de perguntar primeiro não comprometeria sua imparcialidade e, portanto, não violaria o sistema acusatório, apenas asseguraria melhor andamento dos trabalhos em um procedimento muito mais ritualístico que o habitual.

Após a colheita dos depoimentos e testemunhos, as partes ou os jurados poderão solicitar a leitura de peças do processo. Antes da reforma, poderia se indicar quaisquer peças do processo (antigo art. 466, § 1º), o que acabava gerando uma longa e improdutiva fase de leitura de peças, normalmente sem que ninguém efetivamente prestasse atenção a esta leitura. Às vezes, era mesmo uma estratégia de uma das partes para "cansar" os jurados. Agora, apenas podem ser objeto de leitura as provas colhidas por carta precatória (que, portanto, não poderiam ser repetidas em plenário) e as provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis. Como exemplos destas últimas podem ser citadas as provas técnicas, como o laudo de exame cadavérico, laudo de exame de local de crime, laudo exame de confronto balístico e outros.

Após a leitura de peças ocorrerá o interrogatório. Na legislação revogada, o interrogatório era o primeiro ato da instrução plenária, agora é o último. Como visto, a alteração busca privilegiar a ampla defesa, de forma que a autodefesa apenas se exerça após o pleno conhecimento das provas que possui contra si. A ordem das perguntas será: juiz presidente, acusação, defensor e jurados (art. 474, §§ 1º e 2º c/c art. 188). As partes poderão formular perguntas diretas ao réu, mas os jurados as formulação por intermédio do juiz presidente. O § 3º do art. 474 proíbe o uso de algemas pelo réu em plenário, salvo se indispensável à segurança. Busca-se evitar com esta disposição a estereotipização decorrente da associação da imagem de uma pessoa já algemada com a de um criminoso, portanto, de uma pessoa que já está condenada.

O art. 475 determina que o registro dos depoimentos e interrogatório deva ser feito mediante gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou similares, para assegurar maior fidedignidade da prova e celeridade em sua colheita, devendo haver transcrição da degravação nos autos. Este sistema de gravação dos depoimentos já constava da Lei n. 9.099/95, art. 65, § 3º, que estabelece: "os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente". Também está previsto no novo art. 405, § 1º, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, que estabelece "sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidedignidade das informações".

Todavia, a redação do art. 475 difere daquela constante do art. 65, § 3º da Lei n. 9.099/95 e do art. 405, § 1º do CPP, pois, enquanto estas duas disposições afirmam que esta gravação dos depoimentos é uma faculdade ("poderão" e "sempre que possível") no procedimento do júri a determinação é, aparentemente, peremptória ("o registro... será feito"). Aqui, a finalidade não é apenas a celeridade (como, aparentemente, é a justificativa da disposição no JEC), mas também assegurar maior fidelidade da prova. O Tribunal poderá eventualmente analisar esta prova ao julgar o recurso de apelação com fundamento na alínea "d" do art. 593, III (decisão manifestamente contrária à prova dos autos). Assim, parece-nos que a gravação dos depoimentos e interrogatório não seria apenas uma possibilidade, mas uma determinação. A transcrição do registro deve ser providenciada por servidor do Poder Judiciário, sob a supervisão do juiz. O dispositivo não traz o prazo final para esta transcrição; todavia, parece-nos que ela deve ocorrer antes do término da sessão plenária, pois, para exercer o direito de recorrer da sentença, deverá a parte já ter acesso às degravações.

d.3) Debates

Em seguida, haverá os debates orais, com sustentação pelo Ministério Público, assistente da acusação e defesa, pelo prazo de uma hora e meia, havendo oportunidade de réplica e tréplica pelo prazo de uma hora cada. Antigamente, o prazo da sustentação era de duas horas e a réplica e tréplica eram de meia hora. Apenas há tréplica se o Ministério Público solicitar prazo para réplica. É admissível pedido de reinquirição de testemunha já ouvida em plenário.

Havendo mais de um acusador, o prazo será dividido entre eles, mediante acordo ou fixação pelo juiz. Havendo mais de um réu, o tempo da acusação e defesa será de duas horas e meia na sustentação e duas horas para réplica e tréplica, e divididos pelas defesas mediante acordo ou fixação pelo juiz.

O art. 478 traz inovação quanto à proibição de argumentos durante os debates. Conferir:

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

A decisão de pronúncia não pode ser referida como argumento porque ela não traz certeza sobre a imputação, mas realiza mero juízo de admissibilidade da acusação. Muitas vezes o fato de o réu ter sido pronunciado era utilizado em plenário como argumento de "prova" de que o mesmo era culpado, situação que induzia os jurados a erro, pois necessariamente todos os réus submetidos ao julgamento plenário do Tribunal do Júri deveriam ser antes pronunciados. Portanto, não podem ser utilizados argumentos do tipo: "o réu é culpado, pois o juiz afirmou na pronúncia que havia provas de sua autoria" ou ainda "o réu não é culpado, tanto que o juiz afirmou na pronúncia que havia apenas indícios e não prova cabal". Da mesma forma, em respeito ao princípio da isonomia processual, caso o réu tenha sido impronunciado e, posteriormente, em grau de recurso (agora de apelação), o tribunal tenha dado provimento para pronunciar o réu, a defesa não poderá fazer menção ao fato de o juízo ter anteriormente impronunciado o réu por entender que havia insuficiência de provas nem a acusação poderá fazer menção à decisão do Tribunal. Obviamente, os jurados poderão ter vista do processo após os debates, na fase do art. 480, § 3º, e poderão ler a decisão de pronúncia, todavia, esta decisão não poderá ser um argumento utilizado pelas partes (pois não trata de prova, mas de mero juízo de admissibilidade da acusação). Para evitar esta eventual influência quando da eventual leitura dos autos, o art. 413, § 1º limita a fundação da pronúncia ao estritamente necessário para a admissibilidade da acusação (probabilidade razoável diante dos indícios). Finalmente, o que a lei veda é a referência à pronúncia como argumento de autoridade para beneficiar ou prejudicar o acusado; a mera referência à pronúncia como uma fase do processo, devidamente esclarecendo-se aos jurados o nível de cognição inerente a esta fase processual (que, portanto, não beneficia nem prejudica o acusado no exame final de mérito a ser feito pelos jurados) não pode gerar nulidade pois não foi violado o princípio de direito que a regra do art. 478, I, pretende proteger. Nesta situação não haveria nulidade por ausência de prejuízo efetivo (pas de nullité sans grief). De qualquer sorte, doravante é recomendável estrema cautela para a referência à decisão de pronúncia perante os jurados.

Caso o juiz determine que o réu use algemas para assegurar a segurança, conforme lhe permite o art. 474, § 3º, esta situação não poderá ser utilizada pela acusação como um argumento de que o réu é culpado. Portanto, vedam-se argumentos do tipo: "Srs. Jurados, o réu é um criminoso, tanto que o juiz entendeu que ele é um perigo à nossa segurança e determinou que ele utilizasse algemas neste plenário". Da mesma forma, o fato de o réu estar sem algemas também não pode ser utilizado pela defesa como argumento que ele é inocente. Portanto, vedam-se argumentos do tipo: "Srs. Jurados, o réu é inocente, tanto que o juiz entendeu que ele não é um perigo à nossa segurança e não permitiu que ele entrasse algemado neste plenário".

De acordo com o privilégio contra auto-incriminação, o acusado não é obrigado a falar em seu interrogatório e esta circunstância não pode ser considerada em desfavor de sua defesa, cf. art. 186. Assim, é vedada utilização de argumentos do tipo; "Srs. Jurados, quem não deve não teme, e se o réu ficou em silêncio durante seu interrogatório é porque está escondendo algo, é porque é culpado".

Da mesma forma, o réu não é obrigado a comparecer para o seu interrogatório. Assim, caso o réu tenha sido intimado para o interrogatório e não tenha comparecido, ou tenha solicitado para não ser interrogado, a defesa não poderá utilizar como argumento em plenário: "Srs. Jurados, estão cerceando o direito de defesa do réu, pois ele sequer deu aos Srs. sua versão dos fatos".

Esta nulidade do art. 478 não é automática, pois dependerá da prova do prejuízo e não poderá ser argüida por quem lhe der causa. Assim, por exemplo, se a acusação afirmar que o réu é culpado pois está preso e usando algemas, se ao final o réu for absolvido não haverá qualquer nulidade; apenas se o réu for condenado é que a defesa poderá recorrer alegando a violação ao art. 478. Da mesma forma, se a defesa fizer menção à impronúncia (que foi posteriormente reformada pelo Tribunal) e, ao final, o réu for condenado, não haverá qualquer prejuízo. Trata-se de aplicação do princípio previsto no art. 565, segundo o qual "ninguém pode se beneficiar da própria torpeza".

Tratando-se de nulidade ocorrida em plenário, a parte contrária deverá imediatamente impugná-la, bem como zelar para que conste da ata sua ocorrência e respectiva impugnação, sob pena de preclusão, conforme determina o art. 571, VIII c/c art. 495, XV.

Não pode ser utilizado na sessão plenária documento que não tenha sido juntado aos autos com antecedência mínimia de três dias (art. 479). Esta prova é considerada uma prova ilegítima, ou seja, uma prova produzida com a inobservância das regras processuais. A lei antiga exigia que a parta contrária fosse cientificada da juntada do documento em três dias. Agora, a lei exige que a juntada se dê com antecedência mínima de três dias, exige a intimação da parte contrária desta juntada, mas não prevê a antecedência mínima para a intimação. Considerando a dubiedade da atual redação, entendemos que a intimação da parte contrária deve ocorrer com ao menos três dias de antecedência do julgamento, prazo razoável para que a parte contrária se inteire da prova e se prepare. Caso haja solicitação de produção de contraprova, necessariamente o julgamento deverá ser adiado. O parágrafo único deste artigo faz referência ao que se considera incluído nesta proibição: jornais, qualquer escrito, vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui, ou outros assemelhados que versem sobre os fatos submetidos à apreciação dos jurados.

Após, os jurados serão indagados se possuem alguma dúvida e se estão habilitados a julgar. O juiz poderá esclarecer os jurados à vista dos autos, bem como os jurados poderão ter vista do processo. Caso seja imprescindível algum esclarecimento que não possa ser providenciado na sessão, o Conselho de Sentença será dissolvido, indicando-se desde já os quesitos pelo juiz e intimando-se as partes a fazê-lo em cinco dias.

Providenciado o esclarecimento aos jurados, o juiz lerá o questionário.

A leitura do questionário é o momento preclusivo para a sua impugnação (art. 484 c/c art. 571, VIII). O questionário será elaborado em conformidade com o que determina o art. 483. Há um quesito sobre a materialidade, outro sobre a autoria ou participação, um terceiro quesito indagando se o jurado absolve o acusado. Se o jurado afirmar que absolve o réu, a quesitação já se encerra. Apenas se houver resposta negativa neste terceiro quesito, prossegue-se a quesitação sobre as causas de diminuição da pena, bem como qualificadoras ou causas de aumento da pena. Cada circunstância autônoma deve ser objeto de um quesito específico. Todavia, as teses defensivas tendentes à absolvição estão todas englobadas no terceiro quesito. Outras teses defensivas como desclassificação, tentativa e dúvida quanto à tipificação (v.g., entre homicídio e infanticídio) devem ser objeto de quesitos à parte. Os quesitos devem ser formulados como perguntas simples, de forma afirmativa. Para cada crime haverá uma seqüência de quesitação.

Questão interessante é sobre a obrigatoriedade ou não do terceiro quesito, previsto no art. 483, caput, III e § 2º, consistente na seguinte pergunta: "O jurado absolve o acusado?". Há quem defenda que este quesito apenas é obrigatório se houve alguma tese defensiva que permita a absolvição (atipicidade do fato, legítima defesa ou outra excludente da ilicitude, excludentes da culpabilidade), pois, caso a defesa apenas tenha requerido a condenação com privilégio, por exemplo, não haveria sentido os jurados absolverem. Esta era a prática antes da reforma processual, pois o antigo art. 484, caput, III, afirmava que apenas haveria quesitação de teses defensivas se estas fossem sustentadas pela defesa, caso contrário, não se quesitaria sobre estas teses. Todavia, esta não é a melhor interpretação do dispositivo atual. Primeiro, porque a redação do art. 483, caput, é peremptória, afirmando que os quesitos indicados devem ser formulados. Segundo, porque o art. 482 esclarece que os jurados serão questionados "sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido", reforçando a idéia que o jurado deve se manifestar expressamente sobre a decisão de absolver ou não. Terceiro, porque mesmo no procedimento dos demais crimes, o juiz não fica adstrito às teses das partes, podendo absolver mesmo que não haja pedido de expresso pela defesa, ou ainda poderá condenar mesmo que o Ministério Público requeira a absolvição (cf. art. 385, que, em nossa visão, é de duvidosa constitucionalidade à luz do sistema acusatório). De qualquer sorte, a existência obrigatória deste terceiro quesito seria, numa perspectiva garantista, um filtro processual adicional para a restrição à liberdade. Caso os jurados absolvam mesmo com prova cabal da culpabilidade (tanto que não houve pedido da defesa de absolvição), caberá à acusação recorrer da decisão com base no art. 593, III, "d" (decisão manifestamente contrária à prova dos autos), para que o Tribunal anule o julgamento e submeta o réu o novo julgamento popular. Caso no segundo julgamento o réu seja novamente absolvido, não caberá novamente outro apelo com este fundamento e também não caberá revisão criminal pro societate. Alguns afirmam que esta possibilidade de os jurados absolverem mesmo quando o juiz togado certamente condenaria consiste exatamente na "beleza" do Tribunal do Júri, de resguardar a liberdade individual da "perniciosa desenvoltura no decidir" dos juízes profissionais. Em nossa visão, não há nada de "bonito" em uma decisão sem provas, e esta possibilidade de se decidir sem fundamentar e mesmo contra as provas dos autos é uma demonstração que o Tribunal do Júri é uma instituição ultrapassada e mesmo antigarantista. Todavia, por ter assento constitucional como cláusula pétrea, cabe aos operadores do direito tão somente aplicar as normas relativas à soberania dos veredictos.

Caso os jurados respondam sim a este terceiro quesito, o juiz não necessitará indagá-los, regra geral, sobre qual o argumento que justifica a absolvição, por ausência de previsão legal. Considerando que este terceiro quesito sintetiza todas as teses defensivas que ensejam a absolvição (atipicidade, excludente da ilicitude, excludente da culpabilidade e outras) e que o jurado não necessita fundamentar sobre qual delas está se manifestando, haverá uma séria dificuldade para se apelar sob o argumento de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, pois não se saberá qual foi o argumento concreto que os jurados utilizaram para absolver o réu. Para tanto, é muito importante que haja efetiva observância do disposto no art. 495, XIV, constando da ata do julgamento os argumentos que as partes utilizaram durante sua sustentação oral. Desta forma, deverá o Tribunal analisar se havia ou não respaldo nos autos para alguma das teses de defesa; se alguma delas poderia ser razoavelmente acolhida por ter respaldo nos autos, não caberá anulação da decisão, ainda que, no caso concreto, não houvesse sido aquela tese específica que os jurados tinham em mente ao afirmar que absolveriam o réu.

Ademais, também é possível que agora o réu seja absolvido mesmo que não haja consenso sobre qualquer das teses defensivas. Por exemplo, se um jurado entender que o fato é atípico, outro entender que houve legítima defesa, outro entender que houve estrito cumprimento do dever legal e um quarto jurado entender que o réu era inimputável, haverá quatro votos favoráveis à absolvição, mesmo sem haver consenso sobre qualquer das teses defensivas. Caso fossem formulados sucessivos quesitos sobre cada uma destas teses defensivas, como no sistema antigo, fatalmente todas seriam superadas e o réu seria condenado. Com esta análise, conclui-se que a reforma veio, neste ponto, facilitar as absolvições e dificultar as condenações.

Outra questão interessante é se o juiz necessita indagar dos jurados especificamente sobre a inimputabilidade (hipótese de absolvição imprópria, com imposição de medida de segurança). Se houver sustentação da tese de inimputabilidade, caso os jurados absolvam o réu, o juiz deverá formular quesitos adicionais para esclarecer o fundamento da absolvição. Isso porque se a absolvição for decorrente de atipicidade ou excludente da ilicitude, a votação deve parar. Todavia, se superados estes quesitos, os jurados afirmarem negativamente ao quesito "ao tempo do fato, o réu possuía capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento?" (CP, art. 26) haverá a imposição da medida e segurança. O jurado deve esclarecer este ponto, pois, na prática, a absolvição imprópria acarreta restrição de direitos fundamentais do acusado, podendo ensejar a internação compulsória em estabelecimento psiquiátrico. Tanto que, quando se disciplinou a absolvição sumária (art. 415, parágrafo único), estabeleceu-se que esta apenas poderia ser proferida no caso de inimputabilidade se não houvesse outra tese defensiva mais favorável, que ensejasse a absolvição própria. Ou seja, se há possibilidade de tese de legítima defesa, por exemplo, e prova cabal da inimputabilidade, o acusado não deve ser sumariamente absolvido (com aplicação da medida de segurança), mas deve ser pronunciado e submetido a julgamento plenário para ser eventualmente absolvido pela licitude de sua ação. Apenas caso não haja absolvição própria é que se aplicará a absolvição imprópria. E para saber qual dos fundamentos os jurados estão acolhendo, nesta situação específica de existência de tese de inimputabilidade, é necessário o esclarecimento do motivo da absolvição.

Reconhecemos que a compreensão pelos jurados da quesitação neste tema ficará confusa, pois é possível que alguns jurados entendam que o réu incapaz que cometeu um delito não deve ser absolvido, mas "condenado" à internação psiquiátrica. Caberá ao juiz esclarecer os jurados sobre o significado dos quesitos.

Após a leitura do questionário e a explicação aos jurados do significado de cada um dos quesitos, encerra-se a fase pública do julgamento e os jurados serão encaminhados à sala especial.

d.4) A sala especial

A sala especial é uma sala reservada, também conhecida como "sala secreta", com acesso apenas ao magistrado, as partes, o escrivão e oficial de justiça. Não há previsão de participação do réu nesta fase, apenas de seu defensor. Na falta de sala especial, o público será retirado do plenário.

Ocorrerá a votação de cada quesito, recebendo cada jurado duas cédulas com as palavras "Sim" e "Não" cada uma, incluindo apenas uma delas na urna. As decisões são tomadas por maioria (4x3).

Há quem argumente que, ocorrendo votação de quatro jurados favoráveis à tese, já deveria ser suspenso o restante da votação, para se evitar que todos os sete jurados se manifestem no mesmo sentido, violando-se o sigilo das votações, pois certamente o réu saberia que todos votaram de forma contrária. A Lei n. 11.689/08 não estabeleceu qualquer regra neste sentido.

d.5) Sentença

Encerrada a votação de todos os quesitos, o juiz lavrará a sentença e, então, deverá publicá-la mediante a sua leitura na sala pública de sessão, providenciando o escrivão a lavratura da ata dos trabalhos. Eventuais nulidades ocorridas em Plenário deverão ser argüidas no ato de sua ocorrência e incluídas na ata, sob pena de preclusão.

Os requisitos da sentença estão previstos no art. 492 e são semelhantes aos previstos no art. 59 et seq. do CP e art. 386 e 393 do CPP.

Caso haja desclassificação em Plenário, o juiz presidente passa a ter a competência para julgar o crime desclassificado (art. 492, § 1º), numa espécie de prorrogação de competência. Na vigência da legislação revogada, havia entendimento do STJ no sentido de que, no caso de desclassificação para infração penal de menor potencial ofensivo – IPMPO (v.g., de tentativa de homicídio para lesão corporal leve), os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial Criminal, tendo em vista se tratar de competência constitucional, bem como para que se viabilize a audiência preliminar e eventual conciliação civil e proposta de transação penal [12]. Já havíamos manifestado nossa discordância da tese que a competência do JEC é absoluta pelo simples fato de estar prevista genericamente na Constituição. Com o advento da Lei n. 11.313/06, alterou-se a redação do ar. 60 da Lei n. 9.099/95 para se estabelecer expressamente que em caso de conexão com outro crime de competência do juízo comum, a IPMPO também lhe seria remetida, podendo naquele juízo aplicar-se, se for o caso, os benefícios da Lei n. 9.099/95. Portanto, esta lei veio expressamente afirmar que a competência do JEC não é absoluta, tanto que pode ser alterada pelas regras de conexão e continência, que têm assento infra-constitucional (da mesma forma que a competência do JEC é concretamente definida pela lei infra-constitucional). Agora, o art. 492, § 1º, estabelece expressamente que, no caso de desclassificação em plenário para IPMPO, será aplicado o disposto nos artigos 69 e seguintes da Lei n. 9.099/95. Entendemos que estes dispositivos devem ser aplicados diretamente pelo juiz presidente do tribunal do júri, ou seja, este deve indagar à vítima se esta possui interesse em realizar composição civil com o réu; caso frustrada irá indagar-lhe se deseja representar; caso deseje o Ministério Público analisará a possibilidade de concessão de transação penal, se presentes os requisitos; caso não seja admissível analisará o cabimento da suspensão condicional do processo; e caso não seja cabível, requererá o prosseguimento do feito com sentença pelo juiz presidente. Desta forma, o processo já será finalmente decidido na mesma assentada, sem maiores dilações, respeitando-se o princípio da duração do processo em prazo razoável (CF/88, art. 5º, LXXVIII).

Para que a desclassificação seja admissível, é necessário que se observe o princípio da correlação, ou seja, que o crime desclassificado esteja, ainda que implicitamente, descrito na denúncia. Caso não haja esta descrição, será necessário observar-se o procedimento da mutatio libelli, previsto no art. 384 do CPP.

Todos os presentes são intimados da decisão no ato, iniciando-se o curso do prazo recursal. É cabível apelação da decisão do Tribunal do Júri, com prazo de cinco dias para interposição e oito para juntada de razões, nas hipóteses previstas no art. 593, III, alíneas a a d. A nulidade posterior à pronúncia (error in procedendo) gera anulação do julgamento e retorno à primeira instância para suprir a nulidade e realizar novo julgamento. Nas hipóteses de a sentença do juiz presidente ser contrária à decisão dos jurados ou de erro na aplicação da pena (error in judicando), o Tribunal poderá diretamente modificar a decisão recorrida. Na hipótese de decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (alínea d), apesar de haver um error in judicando, o Tribunal não poderá reformar a decisão, apenas anulará o julgamento e submeterá o réu a novo julgamento perante o Tribunal do Júri, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. No novo julgamento, o Conselho de sentença deve ser composto por novos jurados, sob pena de nulidade. Apenas é admissível uma vez a apelação com fundamento na alínea d, ou seja, caso no novo julgamento os jurados novamente condenem o réu, não será cabível nova apelação pelo mesmo fundamento.

Após o trânsito em julgado, caso surjam novas provas da inocência do acusado, é admissível a revisão criminal (art. 621), a ser julgada diretamente pelo Tribunal. Entende-se que essa restrição parcial ao princípio da soberania dos veredictos é constitucional diante de sua colisão com outros princípios constitucionais de envergadura maior, como a dignidade da pessoa humana e a ampla defesa.

Antigamente era admissível protesto por novo júri caso o juiz condenasse o réu a pena igual ou superior a 20 anos em um único crime doloso contra a vida. Este recurso consistia em mera petição dirigida ao juiz presidente do Tribunal do Júri que, verificando estarem presentes os requisitos, já lhe dava provimento para anular o julgamento e submeter o réu a novo julgamento. A Lei n. 11.689/08 anulou todo o cap. IV do título II do livro III, relativo ao protesto por novo júri, abolindo este recurso. O protesto por novo júri era um recurso arcaico, prejudicial à celeridade e mesmo ilógico, pois logo após haver a condenação o julgamento já era dissolvido, restando uma impressão de dispêndio de tempo e recursos estatais. Este recurso também gerava o efeito de fazer com que os juízes, na prática, "segurassem" a pena abaixo dos 20 anos, para evitar o retrabalho do novo julgamento, não sendo raro condenações a 19 anos e 11 meses (situação chamada por alguns de "estelionato judicial"). Portanto, esta é uma reforma processual muito bem vinda.

As normas relativas à existência ou não de um recurso são normas de natureza estritamente processual. Portanto, é de se aplicar o disposto no art. 2º do CPP, que estabelece que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Não se trata de norma mista, de conteúdo processual e material, em relação às quais a eventual retroatividade rege-se pela análise da benevolência da norma penal material. São exemplos de normas mistas as que atingem o direito de punir do Estado, como as relativas à prisão (ainda que processual), fiança, prescrição, relativas às condições de procedibilidade (prazos de queixa, representação) e acordos processuais que impedem a punição (como o acordo civil extintivo da punibilidade, a transação penal, ambas para as IPMPO, ou a suspensão condicional do processo). Estas normas, quando benéficas retroagem e quando mais gravosas não retroagem. Exemplo seria a norma do art. 366 do CPP, que é tem a parte processual benéfica (suspensão do processo) e parte material mais gravosa (suspensão da prescrição) e, portanto, não se aplica aos crimes praticados antes de sua vigência.

Todavia, a existência ou não de um recurso não é norma material, mas sim inteiramente processual, pois em nada afeta o direito de punir do Estado, mas tão somente o procedimento que será aplicado para se realizar o julgamento e sua eventual revisão. Aliás, o acusado pode ser novamente condenado no segundo julgamento, o que significa que existir ou não um recurso não afeta diretamente o direito de punir, mas como aplicar este direito. Especificamente quanto à alteração do prazo recursal, estabelece o art. 3º da Lei de Introdução do Código de Processo Penal que: "o prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal". A contrario sensu, se o juiz proferir a decisão já na vigência da nova lei, o prazo aplicável seria inteiramente o da nova lei processual, independentemente deste ser maior ou menor que o da lei anterior. Da mesma forma, a existência ou não de um recurso é uma regra inteiramente processual. Em conclusão, para os julgamentos ocorridos antes do dia 09 de agosto de 2008 (data da entrada em vigor da Lei n. 11.689/08), é cabível o protesto por novo júri, pois nasceu o direito de recorrer quando a norma estava ainda vigente, ainda que este seja interposto após a vigência da nova lei. Todavia, a partir do dia 09 de agosto de 2008, não mais será admissível o protesto por novo júri, pois a norma processual que previa o cabimento deste recurso já estará revogada e, portanto, sequer nascerá o direito de recorrer com o protesto. Antes do julgamento plenário não há o direito de recorrer, há mera expectativa de direito.

Registre-se que há doutrinadores estão entendendo que a referida norma que prevê a existência do protesto por novo júri é norma mista e, portanto, deve-se admitir o protesto por novo júri aos crimes praticados antes da vigência da Lei n. 11.689/08, ainda que o julgamento ocorra após sua vigência [13]. Argumenta-se que seria uma restrição à ampla defesa que feriria "direitos materiais".

Caso o juiz conceda indevidamente o protesto por novo júri, não caberá habeas corpus pela acusação, pois este é privativo à defesa, nem carta testemunhável, pois esta apenas é admissível contra a negativa de seguimento a recurso (art. 639). Nesta situação, o juiz terá anulado indevidamente o julgamento plenário e, em nosso entendimento, será cabível recurso em sentido estrio, conforme previsto no art. 581, XIII. Apesar de o dispositivo afirmar que é cabível o RESE na hipótese de anulação do processo da instrução criminal, e não da anulação do julgamento plenário decorrente do provimento indevido do protesto por novo júri, entendemos que a situação é exatamente a mesma (anulação indevida do processo). De qualquer sorte, ainda que se entenda que o recurso cabível não é o RESE, deverá ser aplicado o princípio da fungibilidade dos recursos para admitir-se o RESE como apelação, com fundamento no art. 593, II, pois se trata de decisão com força de definitiva (o julgamento estará anulado), havendo dúvida objetiva e boa fé (idêntico prazo recursal para ambos os recursos).


4.Fluxograma do procedimento dos crimes dolosos contra a vida

Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11596. Acesso em: 5 nov. 2024.

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