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Primeiros entendimentos do Superior Tribunal de Justiça após a reforma estrutural do sistema executivo brasileiro

Agenda 03/09/2008 às 00:00

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Do cumprimento de sentença implementado pela Lei 11.232/05; 2.1. Questão da aplicação da lei no tempo;2.1.1. Aplicação da multa do 475J; 2.1.2. Recurso cabível contra a decisão que julga a liquidação de sentença; 2.2. Do dies a quo para a aplicação da multa do art. 475 J, CPC; 2.3. Da fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento; 3. A discussão da penhora on line em face do advento da lei 11.382 /06; 4. Considerações finais


1. Considerações iniciais

Em face da importância que os precedentes judiciais dos Tribunais Superiores vêm assumindo em termos pragmáticos no sistema brasileiro, devido ao fenômeno chamado por Taruffo de "circulação de modelos" [1], esse breve ensaio possui o objetivo de apresentar alguns entendimentos expostos pelo Superior Tribunal de Justiça, depois do advento da reforma estrutural do sistema executivo brasileiro, implementada pelas leis 11.232/05 e 11382/06.

Perceba-se, no entanto, desde o início, que não se pretende tecer aprofundadas considerações crítico-reflexivas acerca da temática, devido ao perfil dogmático do texto, mas, sim, apresentar quais são as tendências iniciais de interpretação do Tribunal acerca das matérias tratadas.

Também não se pode deixar de afastar a importância do papel da doutrina, dos profissionais e de todos os cidadãos na reconstrução da interpretação e aplicação do Direito processual, se afastando por completo qualquer privilégio cognitivo que os órgãos decisores possam assumir no exercício da função estatal. [2]

Feitos esses esclarecimentos iniciais, passa-se a análise objetiva de alguns dos precedentes judiciais do STJ acerca das alterações no sistema executivo brasileiro, sem qualquer finalidade de exaurir a temática, até mesmo por ainda não terem sido abordadas em profusão pelo Tribunal, devido ao tempo que tais questões gastam para chegar à sua apreciação.


2. Do cumprimento de sentença implementado pela Lei 11.232/05

Como já abordado em outra oportunidade [3] a lei 11.323/05 importou na terceira etapa pelo movimento de sincretismo processual, permitindo a existência em um único procedimento de mais de um tipo de atividade processual (na espécie: da cognição e da execução), prevalecendo a regra [4] de impossibilidade de proposição de procedimento executivo autônomo quando se esteja diante de um titulo executivo judicial (art. 475, N, CPC) a se buscar a satisfação.

2.1. Questão da aplicação da lei no tempo

Um questão referente a reforma que já foi objeto de análise do Tribunal diz respeito à aplicação intertemporal da lei em face da adoção, em regra, do princípio técnico do isolamento dos atos processuais, de modo que o tempus regit actum, aplicando-se a lei vigente no momento de sua aplicação.

2.1.1. Aplicação da multa do 475J

Ao partir desse pressuposto, precedente do STJ afirma que "a multa do Art. 475-J do CPC não se aplica às sentenças condenatórias transitadas em julgado antes da vigência da Lei 10.232/2005 por simples falta de previsão legal à época", [5] de modo que a carga coercitiva do novel art. 475J, CPC, segundo o aludido precedente, somente se aplica a sentenças que transitaram em julgado após a entrada em vigor (24/06/2006) da lei 11.232/05.

2.1.2. Recurso cabível contra a decisão que julga a liquidação de sentença

No que tange à questão o respeitável Tribunal, adotando do mesmo modo o isolamento dos atos processuais, asseverou que:

[...] publicada a decisão de liquidação quando já estava em vigor a Lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005, que inseriu o artigo 475-H no Código de Processo Civil, o recurso cabível é o agravo de instrumento. Havendo previsão expressa na lei, a utilização do recurso de apelação configura erro grosseiro, sendo inadmissível a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. [6]

Mesmo que o procedimento já estivesse tramitando em procedimento autônomo, como estabelecia o CPC antes da reforma, a decisão seria passível de irresignação mediante o recurso de agravo.

No entanto, tal entendimento se olvida que a fungibilidade se aplica exatamente nas hipóteses de dúvida objetiva, decorrente da divergência interpretativa, como corolário da previsibilidade que o sistema normativo deve manter. [7]

E esta é a exata hipótese do atual dissídio quanto ao recurso cabível, mostrando-se de excessivo rigor o posicionamento adotado, eis que se aplica perfeitamente a fungibilidade na espécie, uma vez que "em hipóteses que a própria doutrina e jurisprudência não se mostram pacificadas deverá ocorrer a interpretação que garanta o máximo aproveitamento da atividade recursal"[8].

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2.2. Do dies a quo para a aplicação da multa do art. 475 J, CPC

Devido à indiscutível omissão legislativa acerca do momento inicial da incidência da multa ope legis [9] do art. 475J, CPC, [10] a doutrina logo após o advento da lei se dividiu em várias linha teóricas acerca da temática, que resumidas afirmaram:

  1. Que a multa se aplicaria a partir do momento que a decisão fosse executável, o que permitiria a sua aplicação mesmo em execuções provisórias, quando, por exemplo, o recurso interposto fosse admitido sem o efeito suspensivo;
  2. Que a multa incidiria a partir do trânsito em julgado da decisão, na instância (originária ou recursal) que a tramitação processual se encontre, mesmo que os autos estejam nos órgãos Superiores;
  3. Que a multa incidiria a partir do trânsito em julgado da decisão, mas, para tanto os autos do procedimento devem retornar para a instância originária, para facilitar o acesso aos cálculos pelas partes envolvidas, especialmente a devedora que deverá adimplir a obrigação;
  4. Que a multa incidiria a partir da intimação (específica de cumprimento do devedor) do trânsito em julgado da decisão na pessoa de seu patrono (advogado), sendo desnecessária a intimação pessoal do devedor;
  5. Que a multa incidiria a partir da intimação pessoal do devedor do trânsito em julgado da decisão, sendo ainda necessário, para alguns, que o requerimento de intimação antecedesse preferentemente a interposição do requerimento de cumprimento, com o fim de que na memória de cálculo já constasse a multa de 10% pelo inadimplemento no prazo legal de 15 dias.

No único precedente do respeitável Tribunal, analisando a temática, adotou-se o entendimento exposto na alínea "b" supra, privilegiando-se uma suposta eficiência processual em detrimento da legitimidade, de modo que se afirmou que:

[...] a reforma da Lei teve como escopo imediato tirar o devedor da passividade em relação ao cumprimento da sentença condenatória. Foi-lhe imposto o ônus de tomar a iniciativa de cumprir a sentença de forma voluntária e rapidamente. O objetivo estratégico da inovação é emprestar eficácia às decisões judiciais, tornando a prestação judicial menos onerosa para o vitorioso. [...] O Art. 475-J não previu, também, a intimação pessoal do devedor para cumprir a sentença.[...]O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser otrânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. [11]

O Min. Relator afirmou ainda:

[...] O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação. Se, por desleixo, omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo.

De imediato, deve-se não concordar com o "comentário" do Ministro, com tons de legislador, ao criar uma "obrigação" aos advogados, não prevista na lei, completamente incabível e equivocada, fato que mereceu inúmeras críticas, eis que o advogado deve sempre agir como profissional responsável e técnico e, para tanto, jamais deverá coadunar com criações desprovidas de normatividade, como a desejada pelo julgador.

E, ao se acreditar na responsabilidade do advogado, defende-se estar de acordo com o modelo constitucional de processo a exigência de intimação do devedor do trânsito em julgado da decisão na pessoa do advogado, sendo exagerada a exigência de intimação pessoal do mesmo.

Obviamente, que a intimação pessoal ofertaria um maior benefício na defesa ao devedor.

No entanto, sabe-se que um dos grandes problemas do sistema revogado era o de se encontrar o devedor para ser citado para pagar em 24 horas ou nomear bens à penhora.

Caso se exigisse a intimação pessoal, o devedor estaria obtendo maior prazo e continuaria podendo se furtar ao pagamento.

Desse modo, ao se adequar o princípio da efetividade normativa, buscando conciliar a eficiência com a legitimidade, parece que a melhor opção repousa na necessidade de se assegurar a defesa técnica do devedor, mediante a intimação de seu patrono.

2.3. Da fixação de honorários advocatícios na fase de cumprimento

Em face da adoção do modelo sincrético não foram poucas as vozes da doutrina que se manifestaram no sentido de que não seria mais possível a fixação de honorários na segunda fase procedimental (execução).

Em sentido contrário, outros doutrinadores, desde o advento da reforma, [12] demonstraram que o término da fase procedimental cognitiva não importaria na cessação da defesa técnica, que muitas vezes era mais necessária nesse momento procedimental.

Latreado nesse segundo entendimento o STJ se manifestou nos seguintes termos:

- O fato de se ter alterado a natureza da execução de sentença, que deixou de ser tratada como processo autônomo e passou a ser mera fase complementar do mesmo processo em que o provimento é assegurado, não traz nenhuma modificação no que tange aos honorários advocatícios.

- A própria interpretação literal do art. 20, § 4º, do CPC não deixa margem para dúvidas. Consoante expressa dicção do referido dispositivo legal, os honorários são devidos "nas execuções, embargadas ou não".

- O art. 475-I, do CPC, é expresso em afirmar que o cumprimento da sentença, nos casos de obrigação pecuniária, se faz por execução.

Ora, se haverá arbitramento de honorários na execução (art. 20, § 4º, do CPC) e se o cumprimento da sentença se faz por execução (art. 475, I, do CPC), outra conclusão não é possível, senão a de que haverá a fixação de verba honorária na fase de cumprimento da sentença.

- Ademais, a verba honorária fixada na fase de cognição leva em consideração apenas o trabalho realizado pelo advogado até então.

- Por derradeiro, também na fase de cumprimento de sentença, há de se considerar o próprio espírito condutor das alterações pretendidas com a Lei nº 11.232/05, em especial a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC. De nada adiantaria a criação de uma multa de 10% sobre o valor da condenação para o devedor que não cumpre voluntariamente a sentença se, de outro lado, fosse eliminada a fixação de verba honorária, arbitrada no percentual de 10% a 20%, também sobre o valor da condenação. [13]

Tal entendimento foi reiterado em outro precedente. [14]

Nesses termos, o entendimento mais adequado foi chancelado pelo respeitável Tribunal, impondo-se a fixação de honorários sucumbenciais na fase de cumprimento de sentença.


3. A discussão da penhora on line em face do advento da lei 11.382/06

Outra questão importante tratada pelo Tribunal diz respeito a ordem de vocação a penhora implementada pela lei 11.382/06, eis que antes do advento da aludida reforma os Tribunais já haviam pacificado o entendimento de que o bloqueio eletrônico de valores financeiros em instituição bancárias (penhora on line) somente seria possível após o exaurimento de todos os outros meios para a obtenção da constrição judicial, sendo sua utilização excepcional.

No entanto, com o advento da reforma da lei 11.382/06, com a alteração do art.655, I, CPC e inclusão do art. 655A, CPC a situação sofreu notável alteração, não percebida por muitos de inicio, que tornou a penhora de dinheiro, pela via virtual ou física, a primeira modalidade da constrição judicial complexa da penhora.

Seguindo esse entendimento o bloqueio de ativos financeiros pelo sistema do BACENJUD deveria se operar em primeiro lugar, em detrimento da penhora de outros bens.

Devido a todo o aludido o STJ explicitou o seguinte precedente:

A Lei n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006, publicada em 7 de dezembro de 2006, alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora como se fossem dinheiro em espécie (artigo 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse por meio eletrônico (artigo 655-A). [15]

Nesses termos o credor já poderá, em seu requerimento de cumprimento de sentença (art. 475J, §3º, CPC) ou em sua petição inicial no procedimento autônomo de execução por quantia (art. 652, §2º, CPC), indicar como primeira espécie de bem a ser penhorada os valores financeiros em instituições bancárias.


4. Considerações finais

Apesar de já se ter explicitado desde o início a impossibilidade de credulidade nos argumentos de autoridade (mesmo que essa seja um Tribunal Superior), uma vez que a ciência jurídica permite uma abertura hermenêutica a todos os cidadãos, o presente texto vem subsidiar os "operadores do direito" com alguns dos importantes entendimentos exarados pelo Superior Tribunal de Justiça.

Espera-se que o Tribunal se mantenha aberto ao diálogo judiciário e possa a cada dia que passa proferir decisões juridicamente mais adequadas e formadas pelo debate imposto pelo processo constitucional democrático, verdadeiro formador de todas as decisões.


Referências Bibliográficas

TARUFFO, Michele. Dimensioni transculturali della giurizia civile. Sui confini: scritti sulla giustizia civile. Bologna: Il Mulino, 2002 p. 89.

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008

NUNES, Dierle José Coelho. Honorários de sucumbência na nova fase de cumprimento de sentença estruturada pela Lei nº 11.232/05. Revista de Processo, São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 140, p. 107-114, out. 2006.

NUNES, Dierle José Coelho. Honorários de sucumbência na nova fase de cumprimento de sentença estruturada pela Lei nº 11.232/05 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1098, 4 jul. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8593. Acesso em: 4 jul. 2006.

NUNES, Dierle José Coelho. Direito constitucional ao recurso: da teoria geral dos recursos, das reformas processuais e da comparticipação nas decisões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 92-95.

NUNES, Dierle José Coelho. Alguns elementos do sistema recursal: da sua importância na alta modernidade brasileira, do juízo de admissibilidade e de seus requisitos. Revista IOB de Direito civil e processual civil. Porto Alegre: Síntese. v. 47, mai.-jun../2007. p. 97.

Sobre o autor
Dierle José Coelho Nunes

Doutor em Direito Processual (PUC Minas / Università degli Studi di Roma “La Sapienza”). Mestre em Direito Processual (PUC Minas). Professor Universitário da PUCMinas, da Faculdade de Direito do Sul de Minas (FDSM) e da UNIFEMM. Membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB/MG. Advogado militante. Autor dos livros: "Processo jurisdicional democrático" (Juruá, 2008), "Direito constitucional ao recurso" (Lumen Juris, 2006).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Dierle José Coelho. Primeiros entendimentos do Superior Tribunal de Justiça após a reforma estrutural do sistema executivo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1890, 3 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11676. Acesso em: 5 nov. 2024.

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