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A tutela da boa-fé objetiva no Direito Administrativo

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Agenda 30/09/2008 às 00:00

3. A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO ADMINISTRATIVO.

Intentou-se elucidar, nas linhas precedentes, o corrente entendimento do princípio da boa-fé objetiva na seara do Direito Privado, ao tempo em que se prenunciou o posicionamento em favor de seu alcance no Direito Público-Administrativo, a partir dos princípios constitucionais da proteção à dignidade humana, da solidariedade, da moralidade administrativa e da segurança jurídica.

Cumpre, nesta hora, adentrar nas especificidades desse ramo do Direito, aclarando, tanto quanto possível, os caminhos por onde passa a boa-fé no regime jurídico-administrativo, a começar por abordar os empecilhos que a doutrina elege a que o percurso seja tranqüilo, para depois tratar de questões relativas à repercussão da boa-fé nos atos, contratos e poderes administrativos, com ênfase nestes últimos.

Advirta-se, de antemão, que o caráter principiológico e de cláusula geral da boa-fé objetiva dispensa, de modo geral, uma referência a seu conteúdo no interior das disposições legais e normativas de cada província do Direito Administrativo. Isso sucede porque sua eficácia não se retira de uma casuística legislativa, mas das funções que exerce no ordenamento jurídico, seja na interpretação do arcabouço legislativo (função interpretativa), seja na limitação dos poderes, direitos e faculdades conferidos pela lei (função limitativa), seja, ademais, na estipulação de obrigações e deveres anexos e laterais às normas de regulação existentes (função integrativa).

3.1. Os óbices apontados à aplicação da boa-fé objetiva no Direito Administrativo e sua superação.

De logo, calha referir que as barreiras erguidas à concretização da boa-fé no Direito Público se ligam, com mais freqüência, ao princípio da supremacia do interesse público e ao dever de obediência aos comandos legais (princípio da legalidade). Ou seja, exatamente os postulados cuja primazia na aplicação no âmbito administrativo tem contribuído, até certo ponto, para colocar em segundo plano outros valores igualmente relevantes da ordem constitucional e democrática, como a boa-fé e a confiança.

No que toca ao princípio da legalidade, não se pode olvidar que o valor boa-fé já se encontra de há muito positivado no ordenamento jurídico-administrativo, sendo explicitamente admitido em textos de lei. Deveras, a Lei nº 9.784, de 1999, exige de todos quantos interagem em qualquer relação jurídica de que seja parte a Administração Pública um comportamento leal, probo e de acordo com a boa-fé, segundo os dispositivos que se transcrevem a seguir:

Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único: Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...)

IV – atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé.

Art. 4º. São deveres do administrado perante a Administração, sem prejuízo de outros previstos em ato normativo:

(...)

II – proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé;

De se lembrar que, embora a lei em questão trate de regras a serem aplicadas no âmbito do processo administrativo, não se nega que ela igualmente tem aplicação em qualquer outra espécie de relação travada pela Administração, haja vista seu caráter de regulação da atividade administrativa em sua compleição.

Noutro lado, não se mostra possível levantar o aspecto vago, fluido ou metajurídico dos textos de lei citados para negar-lhe a vigência, sob pena de se por em cheque o império desse princípio de fulcral relevância para o agir administrativo. De resto, já se viu que, pela técnica utilizada em tais dispositivos, a boa-fé, assim como ocorre no Direito Civil, se constitui em verdadeira cláusula geral, sendo norma de ordem pública e de aplicação cogente e vinculada, em conformidade com as circunstâncias concretas e com os elementos valorativos hauridos no sistema jurídico.

Destarte, o princípio da legalidade reforça a boa-fé e a lealdade na medida em que são adotadas expressamente no interior de preceitos legislativos, de tal sorte que se tratam de disposições jurídicas imbuídas, como qualquer outra, de força e eficácia normativa.

Ainda que assim não se entendessem os referidos dispositivos, tem-se a realçar a posição doutrinária de JESUS GONZÁLES PEREZ. Em consonância como a atual racionalidade jurídica, defende o jurista espanhol que a legalidade condiciona de início a atuação administrativa, mas não esgota, absolutamente, a regulação integral dessa atuação. Deste modo, a lei e regulamentos não podem ser tidos como a única fonte de normas jurídicas. [41]

Atualmente se fala no princípio da juridicidade administrativa, que ultrapassa a idéia de legalidade estrita e encontra sua definição na submissão da atividade administrativa aos princípios implícitos e explícitos que compõem a ordem jurídico-constitucional, entre os quais, conforme se enfatizou, está o da boa-fé.

O postulado da juridicidade é defendido por CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA, ao asseverar que a legitimidade do comportamento administrativo não se contém apenas na formalidade das normas jurídicas. A lei não há de ser tida como única fonte normativa, de modo que o administrador público não se submete apenas à lei, mas ao Direito, e este pode ser instrumentalizado por outros meios que não somente a lei formal. [42]

Conforme ensina ANA CLÁUDIA FINGER, "presentes expressamente no texto constitucional, outros princípios como o da impessoalidade, da publicidade, da isonomia, da eficiência, etc., além daqueles que podem ser retirados implicitamente do sistema, como da motivação, da proporcionalidade e da razoabilidade, é de se reconhecer que o princípio da legalidade inserido no caput do art. 37 da Constituição Federal se apresenta num sentido restrito, posto que, sozinho, não se presta para esgotar a regulação jurídica da Administração Pública. Assim é que o princípio da boa-fé pode ser considerado um importante componente do princípio da juridicidade, ao lado da legalidade, pois é composto da moralidade e da segurança jurídica" [43].

Não é despiciendo relembrar a lição de RONALD DWORKIN e ROBERT ALEXY sobre a utilização do critério do peso e da ponderação quando os princípios contidos na juridicidade se mostram em conflito em situação concreta. Nessas circunstâncias, nunca é demais ressaltar o valor máximo da dignidade humana no manancial de regras e princípios que integram a ordem jurídica, sendo de todo oportuno dizer que ela sempre há que ter preponderância quando em conflito com outros postulados normativos.

No outro aspecto, o princípio da supremacia do interesse público não é de ser acolhido, jamais, como obstáculo à regência da boa-fé objetiva no Direito Administrativo, mesmo que sob o pretexto de uma distinção de natureza dos interesses em jogo no relacionamento da Administração e particular.

Hodiernamente, a idéia de interesse público tem sofrido significativas transformações, até o ponto em que não mais exclui os interesses e direitos dos administrados de seu marco de alcance. Haverá sempre de se fazer um juízo de razoabilidade e proporcionalidade para a compreensão do que venha atender ao interesse público nas circunstâncias reais em controvérsia.

Assim é que, na lição do professor da Universidade de Florença, CARLO MARZUOLI, a percepção mais recente do interesse público considera que ele é a "resultante de uma atividade de ponderação dos diferentes interesses, existentes na realidade", do que decorre que "a escolha da Administração deve ser proporcional a estes interesses e deve, portanto, levar igualmente em conta o princípio da confiança, engendrado entre os outros sujeitos" [44].

Ademais disso, não se deve perder de vista, conforme já reiterado, que o fim e o princípio – ou o interesse - de toda atividade estatal é o ser humano, em função do reconhecimento de sua condição de cidadão e da necessidade de tutela e promoção de sua dignidade, nos moldes preconizados pelo art. 1º, incisos II, III, da Constituição da República.

É nesses lindes que afirma ANA CLÁUDIA FINGER que a "tábua principiológica estabelecida pela Constituição Federal como instrumento de legitimação dos "poderes-deveres" da Administração Pública acaba por inaugurar nova era nas relações estabelecidas entre o Poder Público e os particulares. A idéia de sujeição à supremacia da Administração Pública cedeu posto a uma visão de cooperação, sendo todos, particulares e Poder Público, vistos como co-responsáveis na consecução das finalidades públicas" [45].

Portanto, o princípio da supremacia do interesse público vem de tornar-se relativizado. Ignora-se seu pretenso caráter absoluto em prol da finalidade precípua do Estado Social e Democrático de Direito, que é a promoção e proteção dos direitos fundamentais do ser humano, inerentes à idéia de dignidade, cujo liame com o conceito de boa-fé objetiva já foi trazido a lume neste trabalho (boa-fé como ideal de lealdade, respeito, cooperação e consideração pelo ser humano com quem se relaciona).

Em fechamento deste tópico, mais que conveniente citar as palavras de KARL LARENZ, quem defende o alcance geral da boa-fé em qualquer ambiente de vinculação jurídica, seja ela de Direito Privado, seja de Direito Público:

La salvaguardia de la buena fé y el mantenimiento de la confianza forman la base del tráfico jurídico y, en particular, de toda la vinculación jurídica individual. Por esto, el princípio no puede limitarse a las relaciones obligatórias, sino que es aplicable siempre que exista uma especial vinculación jurídica, y em este sentido puede concurrir, por tanto, em el Derecho de cosas, em el Derecho processal y el Derecho público. [46]

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3.2. O princípio da boa-fé objetiva e os atos administrativos.

As manifestações unilaterais de vontade da Administração tendentes a criar, modificar, restringir ou extinguir direitos, ou seja, os atos administrativos, hão de guardar observância à boa-fé objetiva, por esta se constituir em principio constitucional implícito, de aplicação cogente, em face de sua reconhecida força normativa.

Com efeito, os pressupostos ou elementos exigidos para que os atos administrativos existam validamente, quais sejam, a competência, a forma, o objeto, o motivo e finalidade, devem ser também ser praticados ou escolhidos de acordo e em consonância com o princípio da boa-fé objetiva, sob pena de serem tidos como inválidos e de se incorrer em responsabilidade objetiva, se do ato ilegítimo decorrer dano.

Os agentes públicos detentores de competência para a prática de atos dessa natureza devem exercê-la conforme os ditames da lealdade, da cooperação, da confiança e da transparência. Não basta que tenham competência legal para o ato, mas que dela façam uso conforme a boa-fé, configurando abuso do poder a sua inobservância, conforme se vai elucidar um pouco mais adiante. Mesmo que a exerçam, portanto, em conformidade com sua competência, poderão violar os comandos da moralidade e da boa-fé objetiva.

No ponto, é de se consignar que, ainda que o ato da Administração seja praticado por agente incompetente ou pelo chamado "funcionário de fato", irregularmente investido no cargo, dele poderão decorrer conseqüência jurídicas favoráveis ao administrado, se lhe houver incutido uma confiança legítima. Assim é que, mesmo que o ato praticado seja de conteúdo discricionário, sujeito a um juízo de conveniência e oportunidade do agente competente, este deverá, conforme o caso e a técnica da ponderação dos interesses, convalidar o ato, sob o risco de o Poder Judiciário o fazê-lo, em homenagem ao princípio vinculante da moralidade administrativa, do qual emerge a boa-fé objetiva.

Quanto à forma dos atos, de se anotar que a Administração Pública, em razão da boa-fé objetiva, deve se abster de decretar nulidade do ato por mera irregularidade de forma. Ainda quando a lei exigir a forma como requisito essencial e intrínseco, os atos podem deixar de ser invalidados em razão de sua inobservância, tendo em vista a confiança na presunção de legitimidade dos atos estatais.

De sua vez, o objeto dos atos administrativos, que é justamente seu conteúdo e seus efeitos práticos pretendidos, além de ser escolhido segundo a lei, deve ademais ser consentâneo com os deveres de lealdade, transparência, cooperação e segurança decorrentes da boa-fé objetiva.

Ao eleger os motivos para a realização do ato administrativo, que são seus pressupostos de fato e de direito, outrossim, a Administração deve ter em mente a boa-fé objetiva. De outro modo, o ato poderá ser nulificado por inidoneidade ou inexistência de motivos, nos termos do art. 2º, parágrafo único, "d", da Lei nº 4.717/65. Destaque-se que, mesmo que o fundamento invocado for idôneo, do ponto de vista legal, ainda assim o motivo poderá ser insubsistente, conforme o caso, se o dever de lealdade e de proteção à confiança restar violado, observada sempre a razoabilidade.

Quanto à finalidade do ato administrativo, se é verdade que se tenha que homenagear aquela que estiver indicada implícita ou explícita no texto da lei, também não se deve desprezar os princípios da moralidade, da boa-fé, da segurança jurídica e da confiança, devendo neles igualmente extrair sua finalidade específica. Quanto à finalidade geral de atendimento ao interesse público, já se salientou que este conceito vem de ser relativizado pela atual racionalidade jurídica, de modo que não está a excluir, mas antes a privilegiar, os deveres de lealdade, respeito e consideração pelo administrado, consoante o princípio da solidariedade e da dignidade humana.

Em síntese, se todos os elementos e pressupostos do ato administrativo não encontrar amparo no dever de lealdade e boa-fé objetiva, ainda que se trate de ato discricionário ou vinculado, ele deverá ser tido como nulo de pleno direito pela Administração, sob pena de revisão pelo Poder Judiciário.

3.2.1. A boa-fé e o dever de anulação dos atos ilícitos.

Calha perquirir sobre uma possível eficácia convalidante da boa-fé objetiva, enquanto instituto que integra o princípio da juridicidade, em face de atos administrativos editados com vício de ilegalidade.

Desde já, deve-se apontar que a idéia da decadência do direito de anular atos administrativos eivados de vícios que o tornem nulos, prevista no art. 54 da Lei nº 9.784/99, tem base, também, no princípio da boa-fé, que germina o dever de proteção à legítima confiança estabelecida no tráfego jurídico. Mas não só por essa via a boa-fé terá, por aqui, o seu alcance. Uma situação poderá ser convalidada, sob a ótica da juridicidade administrativa, independentemente do prazo legal da decadência, se o interesse público indicar que a solução mais justa é a que privilegie a tutela da confiança do administrado, segundo a técnica da ponderação dos interesses.

ANA CLÁUDIA FINGER aduz, nesse norte, que "mesmo se tratando de atos administrativos eivados de vícios, segundo a mais abalizada doutrina, a supressão de tais decisões e determinações do mundo jurídico não é automática, pois vezes há em que, em nome do princípio da segurança das relações jurídicas e da boa-fé dos administrados, levados a confiar na presunção de legalidade dos atos da Administração Pública, a manutenção do ato inválido se impõe" [47].

Assim é que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça pelo não conhecimento de recurso do município de Limeira-SP, que, "tendo celebrado contrato de promessa de compra e venda de lote localizado em imóvel de sua propriedade" pleiteou a anulação do ato, por ter verificado, ulteriormente, possível irregularidade do loteamento. Segundo o relator, "a teoria dos atos próprios impede que a administração pública retorne sobre os seus próprios passos, prejudicando os terceiros que confiaram na regularidade de seu procedimento" (RE 0057205-8/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado, 24-11-1998). Tem-se aqui a figura da supressio, determinando a extinção da prerrogativa da Administração de anular seus atos, em função de uma legítima confiança depositada.

Em outra ocasião, o e. STJ pronunciou em favor do princípio da boa-fé na Administração:

"– Administrativo. Concurso público. Princípio da legalidade. Sua harmonização com a estabilidade das relações jurídicas e a boa-fé. Candidata admitida a concurso antes de completar a idade mínima prevista no edital. Recusa de nomeação da candidata que além de aprovada já atingira a idade limite. Ilicitude da recusa. Recurso especial não conhecido. O concurso público, como procedimento, deve observar o princípio da instrumentalidade das formas (art. 244 do CPC). Em sede de concurso público não se deve perder de vista a finalidade para a qual se dirige o procedimento. Na avaliação da nulidade do ato administrativo é necessário temperar a rigidez do princípio da legalidade, para que ele se coloque em harmonia com os princípios da estabilidade das relações jurídicas, da boa-fé e outros valores essenciais à perpetuação do estado de direito. Limite de idade em concurso é requisito para o exercício do emprego. Assim, se o candidato que não satisfazia o requisito no momento da inscrição foi admitido ao concurso e aprovado, não é lícito a Administração recusar-lhe a investidura, se no momento da contratação a idade mínima já se consumara" (Resp N. 6518/RJ – 1. Turma – Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros)

3.3. A boa-fé objetiva e o exercício dos poderes administrativos.

Ao se consultarem os manuais de Direito Administrativo, é possível notar que a concepção de abuso de poder nesse ramo jurídico é calcada preponderantemente no postulado da legalidade estrita, conformador do agir da Administração.

Na maioria da doutrina, a idéia de abuso de poder tem em mira os meandros legais das condutas dos administradores públicos, de modo que o ato administrativo será abusivo se desviar da sua finalidade legal explícita ou implícita ou se o agente exceder os limites de sua competência prevista em lei. Sucede que o abuso de poder é tido como gênero de que são espécies o desvio de finalidade e o excesso de poder.

Para ilustrar esse entendimento, vale citar excertos da obra doutrinária da autora MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, voltados para a compreensão do tema abuso de poder no Direito Administrativo:

"O excesso de poder ocorre quando o agente público excede os limites de sua competência; por exemplo, quando a autoridade, competente para aplicar a pena de suspensão, impõe penalidade mais grave, que não é de sua atribuição; ou quando a autoridade policial se excede no uso da força para praticar ato de sua competência.

Constitui, juntamente com o desvio de poder, que é vício quanto à finalidade, uma das espécies de abuso de poder. Este pode ser definido, em sentido amplo, como o vício do ato administrativo que ocorre quando o agente público exorbita de suas atribuições (excesso de poder), ou pratica ato com finalidade diversa da que decorre implícita ou explicitamente da lei (desvio de poder)." [48]

Em verdade, a compreensão juscivilista do abuso no exercício de direitos e prerrogativas não está baseada, hodiernamente, nos limites legais da conduta dos sujeitos de direito, mas naqueles impostos pelos valores adotados pela ordem constitucional. Conforme preleciona NELSON ROSENVALD, na conduta abusiva o agente não ofende, deveras, a estrutura normativa da lei, como no ato ilícito, mas desrespeita a sua valoração:

"O art. 186 define como ilícita a violação frontal da norma por qualquer pessoa que infrinja os seus pressupostos lógico-formais. Isto é, de forma apriorística incide uma concreta proibição normativa à prática de uma conduta (comissiva ou omissiva). Mediante uma qualificação exclusiva do legislador, o sistema, automaticamente, reprova os comportamentos hostis à letra da norma.

No abuso do direito a leitura é diversa. Aqui, alguém aparentemente atua no exercício de um direito subjetivo. O agente não desrespeita a estrutura normativa, mas ofende a sua valoração. Conduz-se de forma contrária aos fundamentos materiais da norma, por negligenciar o elemento ético que preside a sua adequação ao ordenamento. Em outras palavras, no abuso do direito não há desafio à legalidade estrita de uma regra, porém à sua própria legitimidade, posto vulnerado o princípio que a fundamenta e lhe concede sustentação sistemática." [49]

A preferência por critérios axiológicos para a definição do ato abusivo, segundo as mais modernas teorias, é percebida no art. 187 do Código Civil de 2002, que convoca a boa-fé objetiva para a missão de limitar e controlar o exercício dos direitos subjetivos:

"Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

Apesar de o dispositivo em questão se referir apenas ao exercício de direito, a doutrina já se manifestou pelo seu alcance a quaisquer situações jurídicas subjetivas, como as prerrogativas, ônus e faculdades e os poderes jurídicos.

Nessa conformidade, HELOÍSA CARPENA assevera que o "abuso, como categoria jurídica autônoma dos atos contrários ao direito, não se limita ao exercício de certo e determinado direito subjetivo, identificando-se igualmente em outras situações jurídicas subjetivas. Quer se trate de liberdades, faculdades, direitos potestativos ou poderes, todos constituem vantagens, cuja configuração depende, em última análise, da estrutura qualificativa da norma jurídica. Logo, em relação a qualquer situação subjetiva será admitida a figura do abuso do direito, visto que nenhuma delas será jamais desprovida de fundamento axiológico" [50].

Importante destacar que o abuso de direito se trata de uma modalidade de ato ilícito objetivo, distinguindo do ato ilícito comum, que detém caráter subjetivo. Resulta que a responsabilidade da pessoa, física ou jurídica, que pratica ato abusivo é de natureza objetiva, tornando despiciendo investigar ocorrência de culpa ou de intenção maliciosa do agente.

Nesse quadrante, explica HELOÍSA CARPENA que a tentativa de reconhecer a responsabilidade no abuso de poder como subjetiva, baseada na culpa, releva-se anacrônica, pois que a efetiva aplicação da teoria do abuso de poder "exige que a aferição de abusividade no exercício de um direito seja objetiva, revelada no simples confronto entre o ato praticado e os valores tutelados pelo ordenamento civil-constitucional" [51].

Anote-se, sobre a questão, que o Conselho da Justiça Federal, por intermédio do Centro de Estudos Judiciários, divulgou enunciado segundo o qual o abuso do direito do art. 187 prescinde do elemento subjetivo: "Enunciado n. 37: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico".

No Direito Administrativo, os influxos de ordem valorativa para a configuração do abuso de poder foram sentidos quando a doutrina se pôs a interpretar de forma extensiva a figura do desvio de finalidade previsto na Lei 4.717, de 1965. Se para o legislador, na norma positivada, o desvio de poder se concentrava na prática de um ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência, para o intérprete administrativista a conduta seria, também, abusiva se praticada com a inobservância do interesse público. Como se tornou óbvio, esse interesse público não houve de ser confundido com o interesse do Estado, mas com os interesses sociais, econômicos e individuais fundamentais de toda a coletividade.

No que toca ao alcance da boa-fé no Direito Público-Administrativo, é de todo necessário dizer que inexistem embaraços para se afirmar que também a boa-fé se constitui em limite para o exercício não só dos direitos, como dos poderes e prerrogativas estatais.

Em primeiro lugar, cabe alertar que a própria Constituição Federal deixa patente que a ilegalidade não se confunde com a abusividade no exercício do poder administrativo, para fins de controle do vício pela via do mandado de segurança. Segundo o art. 5º, inciso LXIX, o mandado de segurança será concedido para "proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (negritado).

Em segundo lugar, a própria Constituição estabelece que o exercício da atividade administrativa não pode e não deve dissociar-se dos postulados da lealdade e da confiança, ao prever expressamente os ideais de solidariedade, dignidade humana, moralidade e segurança jurídica, dos quais deflui a boa-fé objetiva.

Em apoio ao que se defende, cite-se, mais uma vez, o magistério de JESUS GONZÁLES PÉREZ, que bem separa a ilicitude da quebra da boa-fé na constatação do abuso. Para ele, o uso de uma competência, com vistas a fim distinto do previsto na lei, "constitui uma anormalidade perfeitamente tipificada em nosso Direito Administrativo como algo distinto da atuação contrária às exigências da boa-fé". Fundamenta ele a assertiva na possibilidade de o agente público, mesmo exercitando sua competência para fins previstos no ordenamento jurídico, e, portanto, sem incorrer em desvio de poder, afrontar as exigências da boa-fé. [52]

Na mesma senda, o jurista EGON BOCKMANN MOREIRA preconiza, de forma contundente, a boa-fé objetiva como limitadora do exercício dos poderes administrativos, anunciando circunstâncias e regras alcançadas pela boa-fé também na seara pública, sem pré-definição normativa explícita, algumas delas abordadas mais adiante neste trabalho:

(i) a interdição ao abuso de direito (vedação de excesso no exercício de prerrogativas legítimas); (ii) proibição ao venire contra factum proprium (interdição de conduta contraditória, dissonante do anteriormente assumido, ao qual se havia adaptado a outra parte e que tinha gerado legítimas expectativas); (iii) proibição à inação inexplicável e desarrazoada, vinculada a exercício de direito, que gera legítima confiança da outra parte envolvida (a conduta contraditória é uma omissão); (iv) vedação à defesa de nulidades puramente formais (supervalorização da forma dos atos, e detrimento de seu conteúdo perfeito); (v) inaplicação do tu quoque (não se pode, simultaneamente, violar normas e exigir de terceiros o seu cumprimento, pois somente a fidelidade jurídica pode exigir a fidelidade jurídica); (vi) aplicação da máxima dolo agit qui petit quod statim redditurus est (negativa ao exercício inútil de direitos e deveres, sem respeito, consideração e efeitos práticos, de molde a não obter qualquer resultado proveitoso, mas causar dano considerável a terceiro); (vii) impossibilidade do inciviliter agere (condutas egocêntricas, brutais e cegas aos direitos de terceiros, violadoras da dignidade humana; (viii) dever do favor acti (dever de conservação dos atos administrativos, explorando-se ao máximo a convalidação); (ix) lealdade no fator tempo (proibição ao exercício prematuro de direito ou dever, ao retardamento desleal do ato e à fixação de prazos inadequados); (x) respeito aos motivos determinantes do ato (imutabilidade das razões que efetivamente o geraram); (xi) indevida utilização ou participação no processo (proibição de que Administração ou particulares aproveitem-se da relação processual para atingir finalidade extraordinária, fraudulenta ou contrária ao objeto do processo – seja para causar dano a terceiro, seja para gerar ganho prescindível à satisfação do interesse público); (xii) dever de sinceridade objetiva (não só dizer o que é verdade, mas não omitir qualquer fato ou conduta relevante ao caso concreto, nem tampouco se valer de argumentos genéricos e confusos); (xiii) dever de colaboração recíproca das partes envolvidas na relação jurídico-processual, bem como de terceiros que possam contribuir para a solução da controvérsia; (xiv) dever de informação, no sentido de não omitir qualquer dado que seja relevante na descrição da questão controversa e/ou que possa auxiliar na sua resolução. [53]

É nesse contexto, portanto, que se propugna e se coloca a boa-fé objetiva como instituto jurídico-axiológico limitador do exercício dos poderes administrativos, ao lado da legalidade e do interesse público.

Desse modo, um ato poderá ser praticado com desvio de finalidade se alcançar um objetivo contrário à boa-fé objetiva, à lei ou ao interesse público. No mesmo compasso, o agir administrativo concretizado para além da competência legal do agente ou para além dos limites impostos pela boa-fé consubstancia excesso de poder. Ambas as figuras jurídicas, o desvio de finalidade e o excesso de poder, confrontadas e delineadas pelos princípios da legalidade estrita, do interesse público e da boa-fé objetiva, compõem, a nosso viso, a idéia de abuso de poder no Direito Administrativo.

3.3.1. Venire contra factum proprium.

Trata-se de categoria de ato abusivo em que o agente adota uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente por ele mesmo. Verificam-se dois comportamentos lícitos e sucessivos, porém o primeiro (fato próprio) é contrariado pelo segundo. Funda-se na necessidade de se preservar a confiança depositada na outra parte quando da prática do primeiro ato. Insere-se, ademais, na "teoria dos atos próprios", segundo a qual se entende que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta interpretada objetivamente.

Para ilustrar, é mais do que apropriado citar precedente do Superior Tribunal de Justiça tratando de matéria de cunho administrativo:

"Título de propriedade outorgado pelo poder público, através de funcionário de alto escalão. Alegação de nulidade pela própria administração objetivando prejudicar o adquirente: inadmissibilidade. Se o suposto equívoco no título de propriedade foi causado pela própria administração, através de funcionário de alto escalão, não há que se alegar o vício com o escopo de prejudicar aquele que, de boa-fé, pagou o preço estipulado para fins de aquisição. Aplicação do princípio nemo potest venire contra factum proprium" (STJ, 2ª Turma, RESP 47015/SP, Rel. Min. Ademar Maciel, DJ, 9-12-1997).

3.3.2. Supressio e Surrectio.

A supressio é a situação do direito que deixou de ser exercitado em certas circunstâncias e não mais poderá sê-lo, por contrariar a boa-fé e a legitima confiança despertada na outra parte.

Na surrectio, o exercício continuado de uma situação jurídica ao arrepio do convencionado ou do ordenamento jurídico implica nova fonte de direito subjetivo, estabilizando-se a situação para o futuro.

Segundo NELSON ROSENVALD, supressio e surrectio são dois lados da mesma moeda; naquela ocorre a liberação do beneficiário; nesta, a aquisição de um direito subjetivo em razão do comportamento continuado. Em ambas preside a confiança, seja pela fé no não-exercício superveniente do direito da contraparte, seja pelo credo na excelência do seu próprio direito. [54]

Supressio e surrectio se verificam em situações-exemplo alhures citadas, em que a legítima confiança do administrado lhe assegura um direito subjetivo, ao mesmo tempo em que faz perecer a prerrogativa da Administração de anular o ato de que decorreu esse mesmo direito, ainda que eivado de ilegalidade e independente da ocorrência da decadência, uma vez observada a ponderação dos interesses.

3.3.3. Tu quoque.

Pela regra tu quoque, quem viola determinada norma jurídica não poderá exercer, sem incorrer em abuso, a situação jurídica que essa mesma norma lhe atribui. Assim, quando alguém adota uma conduta indevida e, posteriormente, tenta dela se beneficiar, estará ultrapassando os limites ditados pela boa-fé objetiva. Sucede uma injustiça da valoração do que o indivíduo confere ao seu ato e, posteriormente, ao ato alheio.

Um exemplo clássico do tu quoque está na conduta dolosa do menor que oculta a sua menoridade e, posteriormente, dela pretende se aproveitar para afastar os efeitos da obrigação, conforme art. 180 do Código Civil.

No campo administrativo, tem-se o caso de servidor que ingressa em curso de aperfeiçoamento profissional oferecido pela Administração, para ser freqüentado no horário de expediente. Em virtude dos elevados custos do treinamento, o órgão administrativo estipula que, em caso de desistência do servidor, este terá que se encarregar de pagar integralmente o valor total previsto para cada participante. No decorrer das aulas, a unidade administrativa em que estava lotado o servidor demanda sobremodo seus trabalhos, o que faz com que ele deixe de freqüentar as aulas por necessidade de serviço. Assim sendo, não pode, depois, a Administração exigir que o servidor a indenize pelo gasto expendido com o curso, posto que, ao fim e ao cabo, foi ela mesmo que violou o ditame do regulamento.

3.4. As funções da boa-fé objetiva e o contrato administrativo.

A boa-fé objetiva tem ambiente fértil de aplicação no domínio dos contratos administrativos. Aqui, o instituto em tela age com desenvoltura tanto como princípio de Direito Público, haurido na Carta Constitucional, como de Direito Privado, informador da nova teoria contratual.

Isso, a propósito, é o que dimana do art. 54 da Lei nº 8.666/96, que estabelece: "Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulamentam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhe, subsidiariamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado".

Nesses lindes, toda a construção dos juscivilistas, aludida em linhas anteriores, sobre as funções de interpretação, integração e controle da boa-fé no Direito Civil, erigida em conformidade com as novas disposições a respeito da boa-fé contida no Código Civil de 2002 e com a Constituição, tem lugar remansoso e sereno na regulação dos contratos e ajustes firmados pela Administração Pública.

Cabe realçar, neste instante, a função limitadora da boa-fé objetiva de aplicação no tocante às chamadas cláusulas exorbitantes dos contratos administrativos, como a de alteração e rescisão unilateral do contrato, sua fiscalização, aplicação de penalidades, anulação, retomada do objeto contratual e as restrições ao uso da exceptio non adimpleti contractus (arts. 65, I, 58, II e III, 79, I, 78 I a XII e XVII, 67, 59 e 80 da Lei nº 8.666/93).

Anote-se que tais prerrogativas são conferidas à Administração em razão dos fins públicos por ela perseguidos, sendo manifestação do pré-falado postulado da supremacia do interesse público sobre o particular, que, de resto, não impede o controle de sua utilização para além dos lindes ditados pela boa-fé, conforme vem admitindo a jurisprudência dos tribunais:

"Se o Estado, em contrato firmado com estagiários, lhes promete remuneração igual à que paga aos médicos residentes, não pode, no curso do contrato, romper esta igualdade em detrimento aos estagiários. Os contratos administrativos não estão imunes aos princípios da boa-fé e equilíbrio econômico" (RMS 1.694-8, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 1ª Turma do STJ, por unanimidade, RSTJ, 60/178)

3.4.1. A violação positiva do contrato.

Releva tratar da figura da violação positiva do contrato, que se constitui numa terceira modalidade de inadimplemento contratual, colocando-se ao lado do inadimplemento absoluto e da mora. Decorre da função de integração da ordem jurídica que desempenha a boa-fé objetiva, uma vez que nem o Código Civil nem a Lei nº 8.666/93 a prevêem expressamente como espécie de descumprimento contratual.

Se o inadimplemento absoluto e a mora dizem respeito ao cumprimento das prestações previstas no interior do ajuste para ambas as partes, a violação positiva, de sua vez, concerne a um conjunto de situações que não se relacionam com as obrigações principais e secundárias, mas com os deveres laterais ou anexos estipulados pela cláusula geral da boa-fé objetiva (deveres de proteção, informação e cooperação).

As conseqüências da violação positiva são as mesmas do inadimplemento, conforme prelecionam CRISTIANO CHAVES DE FARIAS e NELSON ROSENVALD:

"A violação positiva do contrato como rompimento da relação de confiança que conecta as partes, mesmo que não atrelada aos deveres de prestação, deverá ser identificada em seus efeitos patrimoniais com o inadimplemento, para que dela se possa extrair o direito da parte ofendida à resolução do vínculo contratual ou, mesmo, à oposição da exceptio non adimpleti, inclusive com todas as conseqüências da responsabilidade civil, sobremaneira o dever de indenizar em prol do lesado." [55]

3.4.2. Responsabilidade pré e pós-contratual.

Se no âmbito do Direito Civil a doutrina encontrou certa dificuldade para conceber a responsabilidade civil dos pré-contraentes, em razão de lacuna no art. 422 do Código Civil de 2002, o mesmo não ocorre no Direito Administrativo, por conta da incidência do princípio da moralidade até na fase da licitação, que antecede, por via de regra, as contratações públicas.

Decerto, todo o agir administrativo há de ter harmonia com os postulados da lealdade, da confiança, da segurança e informação, inerentes à boa-fé objetiva e ao princípio da moralidade, o que inclui os atos praticados no processo de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, que é a licitação.

Tenha-se como exemplo de conduta a ensejar a responsabilidade pré-contratual a exigência excessiva e desnecessária para a habilitação dos concorrentes. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do MS 5.600 – DF, cujo relator foi o Ministro Garcia Vieira, reputou ofensiva a vários princípios, entre os quais o da moralidade, a conduta que, para fins de habilitação em concorrência, prestigia excesso de formalismo consistente na necessidade de o balanço da impetrante vir assinado por seus dirigentes, não bastando a firma do contador habilitado.

Outra hipótese bem desperta a atenção da doutrina consultada, que diz com a possibilidade de recusa à formalização do contrato, após ultimado o procedimento de seleção pública ou após a conclusão dos procedimentos para a contratação direta. De acordo com o art. 49, caput º da Lei nº 8.666/93, será possível a revogação da licitação em virtude de razões de interesse público, emanadas de fato superveniente devidamente comprovado, sendo que o § 4 prevê igual disciplina para o caso de contratação direta. Nessas condições, a boa-fé terá relevante papel no exame das razões invocadas para a revogação ou a não contratação, observadas a proporcionalidade entre os motivos verificados e a legítima expectativa da parte vencedora, de acordo com as circunstâncias do caso.

De seu lado, a responsabilidade pós-contratual, denominada responsabilidade pos factum finitum, também é derivada da boa-fé objetiva, posto que os deveres anexos de proteção, segurança e cooperação, por ela preconizados, estão aptos a manter sua eficácia mesmo após a vigência do contrato.

Segundo ROGÉRIO FERRAZ DONNINI os deveres laterais têm por finalidade "evitar situações que possam prejudicar os contraentes em razão de atitudes incompatíveis com a essência da obrigação", quando não se especificam "certos comportamentos comissivos ou omissivos num contrato e tampouco existe lei que regula a matéria objeto da avença" [56].

Como exemplo de responsabilidade pós-contratual, tem-se a situação de empresa que prestou serviços de engenharia a órgão público, cujo servidor responsável pela fiscalização do contrato, posteriormente à avença, vem a divulgar informações inverídicas de sua aptidão técnica, prejudicando a empresa (mas sem causar-lhe dano). Tal situação pode não estar prevista no contrato nem explicitada na legislação, mas a responsabilidade civil terá ensejo pelo rompimento do dever de lealdade.

Sobre o autor
José Ricardo Teixeira Alves

Promotor de Justiça do Estado de Goiás, titular da 8ª Promotoria de Justiça de Luziânia-GO, com atribuições na tutela do meio ambiente e da ordem urbanística. Pós-graduado pela Universidade Cândido Mendes-RJ e pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, José Ricardo Teixeira. A tutela da boa-fé objetiva no Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1917, 30 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11783. Acesso em: 18 dez. 2024.

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