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Os créditos trabalhistas na sucessão de empresas.

Análise crítica da Lei nº 11.101/05

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Agenda 02/11/2008 às 00:00

4. A SUCESSÃO E SEUS EFEITOS NA NOVA LEI DE FALÊNCIAS

4.1. A NOVA LEI DE FALÊNCIAS

A Nova Lei de Falências, Lei n. 11.101, vem sendo alvo de reiteradas críticas desde sua edição, em 09 de fevereiro de 2005. Após tramitar por onze anos no Congresso Nacional, a nova lei substitui o Decreto-lei n. 7.661 de 1945, elaborado em um cenário econômico flagrantemente diverso do atual. Oportuna quanto à época de sua edição, não se pode dizer o mesmo quanto à sua adequação aos princípios norteadores de um Estado Democrático de Direito.

Em vários aspectos os doutrinadores buscam evidenciar o retrocesso operado pela nova Lei de Falências, que contraria a tradição jurídica brasileira de privilegiar os créditos trabalhistas na falência e na extinta concordata.

Afirma-se que, a despeito dos méritos logrados pela nova lei que, imbuída do intuito de dar sobrevida a empresas economicamente viáveis, busca afastar a falência e seus nefastos reflexos econômicos e sociais, os princípios e regras constitucionais não podem ser mitigados, especialmente no que tange aos direitos oriundos das relações empregatícias, sob pena de subestimar sua importância na manutenção da vida e dignidade humanas, valores maiores da ordem constitucional brasileira.

Quanto à relação empregatícia, a primeira observação pertinente a ser feita é a de que a falência não constitui, per se, causa extintiva do contrato de trabalho, conforme observa FÁBIO ULHOA COELHO:

"Os contratos de trabalho não se rescindem propriamente com a falência, mas sim com a cessação das atividades da empresa. Se, ao decretar a falência, o juiz autoriza a continuação provisória da atividade, os contratos de trabalho não se altera em nada, devendo o administrador judicial providenciar os pagamentos dos salários e demais verbas trabalhistas, bem como exigir o regular cumprimento da jornada de trabalho. Assim, salvo na hipótese de continuação provisória da empresa visando o cumprimento dos objetivos do concurso dos credores, a cessação da atividade econômica decorrente da quebra rescinde a relação contratual empregatícia. Em decorrência, pode o empregado reclamar os saldos salariais e as verbas indenizatórias pertinentes" [125].

No que tange à sucessão dos créditos trabalhistas, consoante previsão da Consolidação das Leis do Trabalho, as mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho, tendo o empregado a garantia de seus créditos tanto no patrimônio do antigo quanto, subsidiariamente, no do novo proprietário, não podendo o reclamado opor-se à pretensão do empregado com base no contrato de trespasse. A cláusula do contrato que transfere o passivo ao adquirente, em nada aproveita o alienante perante a Justiça do Trabalho. Os interesses dos empresários serão compostos na Justiça Comum, em ação regressiva.

É justamente quanto à sucessão dos créditos trabalhistas que a Nova Lei de Falências inovou, trazendo importantes disposições em seus artigos 60 e 141, in verbis:

"Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei."

"Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:

I – todos os credores, observada a ordem de preferência definida no art. 83 desta Lei, sub-rogam-se no produto da realização do ativo;

II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

§ 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:

I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;

II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou

III – identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão.

§ 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações decorrentes do contrato anterior."

Com esses artigos, a Lei de Falências deu origem a duas situações distintas, devendo o crédito trabalhista ser analisado de modo específico, conforme se trate de sucessão de empresa em recuperação judicial ou de empresa em processo de dissolução, após o deferimento do pedido de falência e formação do concurso de credores.

4.2. SUCESSÃO TRABALHISTA E FALÊNCIA

Quando há a declaração de falência (art. 99, Lei 11.101/05), a lei foi expressa ao excepcionar, no inciso II do art. 141, que o arrematante dos bens da empresa falida não se submete aos ônus oriundos da legislação do trabalho, objetivando conferir maior segurança ao arrematante.

Com certo exagero, FÁBIO ULHOA COELHO, ao tratar da negativa legal de sucessão na falência, justifica-a com os seguintes dizeres:

"Uma das questões mais instigantes do direito falimentar diz respeito à sucessão do falido pelo adquirente da empresa. De um lado, quando a lei expressamente nega a sucessão, amplia as chances de interessados adquirirem o negócio do falido ou da sociedade falida e, consequentemente, as de mais credores virem a ter seus créditos satisfeitos com os recursos advindos da aquisição. Se o adquirente da empresa anteriormente explorada pela falida tiver de honrar todas as dívidas dessa, é evidente que menos empresários terão interesse no negócio. Aliás, é provável que a própria alienação da empresa se inviabilize: se tiver de pagar tudo a que se obrigara o falido, o adquirente tende a falir também" [126].

Importante observar que, se o adquirente, mesmo sem a obrigação de fazê-lo, convidar os empregados a continuarem prestando seus serviços no mesmo estabelecimento, por força do disposto no §2º do artigo 141 supra, surgirá, por imposição legal, novo vínculo entre o empregado e o arrematante. Tal dispositivo pode ser compreendido como uma tentativa de preservação dos postos de trabalho que seriam perdidos com a quebra da empresa, garantindo-se expressamente ao arrematante que não haverá, nem mesmo nestes casos, a sucessão quanto aos créditos trabalhistas.

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O novo vínculo será admitido, conseqüentemente, ainda que as condições da contratação sejam flagrantemente desfavoráveis ao empregado, podendo haver, por exemplo, contratação por salários inferiores e a supressão de benefícios anteriormente concedidos.

A respeito, dispõe FÁBIO ULHOA COELHO, em tópico específico sobre os contratos de trabalho com o arrematante:

"O adquirente da empresa do falido em juízo não está obrigado a contratar todos os empregados que trabalhavam no estabelecimento correspondente. Até mesmo porque uma das causas da falência pode ter sido a superdimensão dos recursos humanos, o prosseguimento da atividade econômica pressupõe às vezes cortes de pessoal ou substituição de mão-de-obra por outra mais qualificada.

Quando, porém, empregados do falido forem convidados a permanecer trabalhando naquele estabelecimento empresarial pelo novo empresário que o titula, a lei é imperativa: o vínculo trabalhista com o adquirente é novo. Inicia-se com o convite para a admissão.

Como é novo o vínculo trabalhista entre o adquirente da empresa do falido e os empregados que convidar para continuar trabalhando naquela atividade econômica, as obrigações do antigo empregador não podem ser cobradas do adquirente. O salário pode ser menor que o anteriormente contratado. Não há, em síntese, sucessão trabalhista nem continuidade do contrato de trabalho celebrado com o falido" [127].

Observe-se, porém, que tal situação em nada se confunde com a prevista no artigo 117 da Lei de Falências, segundo o qual os contratos bilaterais podem ser cumpridos pelo administrador judicial posteriormente à declaração da falência, se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção ou preservação de seus ativos.

A respeito, preceitua AMADOR PAES DE ALMEIDA:

"Ora, em se tratando de contrato bilateral, há de submeter-se à regra contida no art. 117 da Lei de Falências, não se extinguindo de pleno direito com a quebra, mas, ao revés, podendo ser executado pelo administrador, se conveniente para a massa.

Note-se que a decretação da falência não impede a continuação provisória da atividade empresarial, hipótese em que o contrato de trabalho, celebrado com os empregados, pelo falido, será rigorosamente cumprido pelo administrador" [128].

Não se confundem, portanto, a continuação provisória da atividade empresarial e, consequentemente, da execução dos contratos de trabalho a bem da preservação dos ativos da massa, com a manutenção da atividade econômica pelo arrematante, com quem formar-se-ão novos vínculos trabalhistas no caso de permanência dos empregados naquela unidade produtiva.

Outrossim, é importante que não haja confusão entre os empregados da sociedade empresária falida e os empregados da massa, pessoal contratado pelo administrador judicial para auxiliá-lo. Os salários e demais verbas devidas aos empregados da massa serão despesas extraconcursais.

4.3. SUCESSÃO TRABALHISTA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL DE EMPRESAS

Se há expressa previsão legal que excepcione o arrematante dos bens do falido da sucessão trabalhista, o mesmo não ocorre quanto à arrematação de bens de empresa que se encontre em recuperação, quer judicial ou extrajudicialmente, conforme se depreende do texto do parágrafo único do artigo 60 supra. É exatamente quanto a essa omissão legal que surgiram controvérsias, dando origem a posicionamentos doutrinários diametralmente opostos.

Demonstrando sua preocupação no que toca à preservação das garantias dos créditos trabalhistas, em texto publicado anteriormente à edição da Nova Lei de Falências, AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO se posiciona contrariamente à desoneração do adquirente quando aduz que:

"O estabelecimento é parte do patrimônio da empresa, de modo que, se é alienado, vai-se com ele uma parte da garantia dos empregados. Mas não é possível genericamente caracterizar toda venda de estabelecimento como sucessão. Se o estabelecimento é vendido, mas os empregados que nele estavam são mantidos na empresa em outras unidades, não há problema da preservação dos contratos e dos créditos porque já estão mantidos. O contrato continua em vigor e o patrimônio da empresa com os estabelecimentos que tem – embora vendido um – respondem. Se com a venda do estabelecimento os empregados o acompanham, mas o comprador é uma empresa solvente, também não há questões porque os direitos existentes à época da sucessão obrigatoriamente terão de ser cumpridos pelo adquirente e, se o patrimônio que tem é suficiente, não houve fragilização da garantia. No entanto, se uma empresa vende um estabelecimento e o pessoal que neste trabalhava acompanha a mudança na propriedade, se o sucessor não tem como responder pelos contratos de trabalho e pelos créditos dos trabalhadores, fica contrariado o princípio do art. 448, uma vez que haverá mudança na propriedade da empresa, de modo a afetar os contratos de trabalho. A lei brasileira é falha porque deveria, para esses casos, fixar a responsabilidade solidária entre vendedor e comprador, mas não o faz" [129].

Ao defender a não inclusão das alienações de bens de empresas em recuperação entre as hipóteses de inocorrência da sucessão trabalhista, MAURÍCIO GODINHO DELGADO preceitua que:

"No tocante à recuperação judicial, esta não abrangência resulta de interpretação lógico-sistemática da nova lei, uma vez que semelhante vantagem só foi concedida para os casos de falência, conforme inciso II e § 2º do art. 141, preceitos integrantes do capítulo legal específico do processo falimentar. Nada há a respeito da generalização da vantagem empresarial nos dispositivos comuns à recuperação judicial e à falência (...) Além disso, o art. 60 e seu parágrafo único, regras integrantes do capítulo regente da recuperação judicial, não se referem às obrigações trabalhistas e acidentárias devidas aos empregados, embora concedam a vantagem excetiva (ausência de sucessão) quanto às obrigações de natureza tributária. Por fim, estes mesmos dispositivos (art. 60, caput e parágrafo único) somente se reportam ao § 1º do art. 141, mantendo-se, significativamente, silentes quanto às regras lançadas no inciso II e §2º do citado art. 141 (estas, sim, fixadoras da ausência de sucessão trabalhista)" [130].

Na contramão desta posição, aduz AMADOR PAES DE ALMEIDA, com o seguinte entendimento:

"Observe-se que com a alienação do(s) estabelecimento(s), da mesma forma que ocorre com a alienação de toda a empresa, em bloco, ou isoladamente, como unidades produtivas, estará o adquirente livre de quaisquer ônus, ou seja, não responderá por obrigações do devedor, inclusive trabalhista ou tributária. Inexistirá, portanto, sucessão de obrigações" [131].

Na mesma esteira, encontra-se MARIA CELESTE MORAIS GUIMARÃES, em comento ao parágrafo único do artigo 60 supra:

"Uma das mais importantes inovações da Lei n. 11.101/2005 é a de desonerar o adquirente de bens do devedor de qualquer ônus da sucessão tributária. Um dos maiores temores de quem arremata um bem em juízo é tornar-se sub-rogado nos ônus que pesam sobre o bem. Assim, como incentivo àquele interessado na compra, o parágrafo único do art. 60 afasta o bem de quaisquer ônus ou sucessão, cercando o bem de todas as garantias de que não será atingido por qualquer tipo de ônus, inclusive os de natureza tributária.

Esta expressão do legislador ‘INCLUSIVE os de natureza tributária’, tem suscitado muitas dúvidas se as dívidas de natureza trabalhista também estariam incluídas no permissivo legal. Queremos crer que sim! Embora o legislador não tenha expressamente se referido às de natureza trabalhista, entendemos que também quanto a essas não pode haver sucessão para o arrematante. Isso porque a redação do parágrafo único do art. 60 é a mais ampla possível, esabelecendo que o objeto da alienação estará LIVRE DE QUALQUER ÔNUS, não havendo sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, entenda-se em todas elas, incluídas as trabalhistas, tributárias ou qualquer outra. Não teria sentido o legislador ter sido tão abrangente no dispositivo legal, eo intérprete ser restritivo." [132]

A posição adotada pela autora é justificada na medida em que a ordem jurídica vigente se volta mais à proteção dos fins sociais, em detrimento dos interesses unicamente particulares. Haveria a necessidade de se considerar a inserção do indivíduo no meio social, exigindo-lhe certos sacrifícios e restringindo algumas de suas prerrogativas para a consecução de fins comuns. Este é o entendimento que se extrai da seguinte exposição:

"A ordem jurídica atual tem uma fisionomia bem diferente: a noção de indivíduo livre foi substituída pela imagem de uma sociedade na qual o homem é necessariamente inserto e em que os fins sociais primam sobre os individuais. Estes não podem se realizar senão no seio de uma sociedade para com a qual o homem tem deveres e obrigações e no quadro de uma economia à qual ele deve fornecer uma participação efetiva e ativa.

Às normas fundadas sobre a preeminência do indivíduo e sua liberdade de ação sucederam normas de caráter coletivo, que exigem o concurso do indivíduo para fins comuns, autorizando sejam medidas restritivas à sua liberdade, sejam injunções para disso participar" [133].

É corriqueira na prática comercial a afirmativa de que o passivo trabalhista é quase um passivo oculto, pois somente com minucioso exame da documentação e da rotina de uma empresa é que se pode avaliar o montante devido, por exemplo, a título de horas extras, adicionais, equiparação salarial e demais créditos apurados em eventuais ações judiciais. Tal passivo constitui grande impeditivo para que parcelas do estabelecimento comercial sejam alienadas, na tentativa de dar fôlego à empresa que se encontra em dificuldades.

Na esteira desse entendimento, observe-se o posicionamento de FÁBIO ULHOA COELHO:

"Quando necessária à reorganização econômica do devedor – e, por isso, prevista no plano de recuperação judicial –, a alienação em juízo do estabelecimento empresarial passível de distinção como filial ou unidade produtiva isolada não acarreta a sucessão. Isto é, o arrematante não pode ser cobrado pelas dívidas do alienante requerente da recuperação judicial.

Aparentemente, trata-se de medida contrária aos interesses dos credores, mas, de verdade, não é. Se a lei não ressalvasse de modo expresso a sucessão do adquirente, o mais provável é que simplesmente ninguém se interessasse por adquirir a filial ou unidade posta à venda. E, nesse caso, a recuperação não seria alcançada e perderiam todos os credores..." [134].

Conclui-se, portanto, que o disposto no artigo 60 seria mais um instrumento para a efetivação da recuperação, conforme escopo estabelecido no artigo 47 da Nova Lei de Falências:

"Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica".

Torna-se evidente que o objetivo primeiro da recuperação judicial, como considerada pela Lei de Falências, é "sanear a situação de crise econômico-fianceira do devedor, salvaguardando a manutenção da fonte produtora" [135], e, somente então, preservar os postos de trabalho e a geração de renda para a quitação das obrigações. Acreditam os comercialistas que somente desse modo é que se estaria atendendo à função social da empresa, esculpida no artigo 170 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

É o que preconiza CARLOS ROBERTO FONSECA DE ANDRADE em seu artigo intitulado "O Direito do Trabalho e a Lei de Recuperação de Empresas", na seguinte passagem:

"É mais do que sintomático o fato de que o legislador tenha dado à nova lei um título em que fica manifesta a prioridade dos esforços de recuperação das atividades empresariais. Mantenha-se o negócio e o emprego será preservado. É a lógica que deverá prevalecer no ambiente do Direito do Trabalho. Sem empresa, não há contrato de trabalho e nem mesmo trabalho lato sensu" [136].

O autor prossegue com um discurso francamente favorável à flexibilização, que, segundo ele, estaria respaldada pela própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:

"Há consenso, portanto, quanto à imperiosa necessidade de se flexibilizar o que se convencionou chamar de núcleo pétreo trabalhista, para mitigá-lo quanto aos efeitos contrários a interesse social de maior significado. Se é certo que, no Direito do Trabalho, teimam alguns em afirmar da indisponibilidade dos direitos trabalhistas, não é menos certo que a própria Constituição consolidou caminho para que se construa uma nova visão a propósito do tema, ao dispor no capítulo dos Direitos Sociais que o próprio salário não é irredutível" [137].

No entanto, valiosa lição é fornecida por MAURÍCIO GODINHO DELGADO que, partindo na defesa de outros princípios igualmente assegurados no texto constitucional, aduz:

"À medida que os créditos dos empregados (trabalhistas e acidentários) têm absoluta preponderância na ordem jurídica, em face dos princípios constitucionais da prevalência do valor-trabalho, da dignidade da pessoa humana e da subordinação da propriedade à sua função social, torna-se inviável, tecnicamente, proceder-se à interpretação extensiva de regras infraconstitucionais agressoras de direitos constitucionalmente assegurados" [138].

Era exatamente a prevalência dos créditos trabalhistas que informava a legislação nacional anteriormente à edição da Lei n. 11.101/05, como se observa nos artigos hoje revogados da Consolidação das Leis do Trabalho e do Código Tributário Nacional, respectivamente, transcritos a seguir:

"Art. 449 - Os direitos oriundos da existência do contrato de trabalho subsistirão em caso de falência, concordata ou dissolução da empresa.

§ 1º - Na falência constituirão créditos privilegiados a totalidade dos salários devidos ao empregado e a totalidade das indenizações a que tiver direito.

§ 2º - Havendo concordata na falência, será facultado aos contratantes tornar sem efeito a rescisão do contrato de trabalho e conseqüente indenização, desde que o empregador pague, no mínimo, a metade dos salários que seriam devidos ao empregado durante o interregno".

"Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho."

Sendo a regra no Direito brasileiro a sucessão do adquirente do estabelecimento nas obrigações tributárias e trabalhistas (artigo 133 do Código Tributário Nacional e artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho), assiste razão àqueles que preconizam que qualquer exceção deve constar de modo expresso na legislação. Tal não se deu relativamente ao artigo 60 da lei em comento, fato que conduz à interpretação de que a sucessão tem sim lugar nas alienações ocorridas durante o processo de recuperação de empresas.

Diante do exposto, consoante prevaleça jurisprudencialmente a interpretação conferida pelos comercialistas ao artigo 60 da Lei de Falências, tornar-se-á patente o retrocesso operado na seara do Direito do Trabalho, consagrando-se novo desprestígio ao crédito obreiro.

Sobre a autora
Júlia Corrêa de Almeida

Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Júlia Corrêa. Os créditos trabalhistas na sucessão de empresas.: Análise crítica da Lei nº 11.101/05. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1950, 2 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11901. Acesso em: 18 nov. 2024.

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