2 Do exercício da advocacia
A profissão do advogado é regida pela Lei Federal n° 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), pelo seu Regulamento Geral, pelo Código de Ética e Disciplina e por Provimentos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.
Preliminarmente, importante ressaltar que a Lei n° 8.906/94 tem, em muitas passagens, trechos discutidos judicialmente no que tange à sua constitucionalidade, sendo alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn). Algumas dessas ações já foram decididas e certas passagens do texto legal a que se referem foram alteradas. Outras ações ainda encontram-se em trâmite judicial.
A atividade de advocacia apresenta algumas características essenciais, ressaltadas no art. 2° da Lei nº 8.906/94. São elas a indispensabilidade, a inviolabilidade, a função social e a independência.
A Constituição Federal estabelece a indispensabilidade e a inviolabilidade do advogado no exercício de sua profissão em seu artigo 133. Essas duas características foram repetidas pelo artigo 2° do EAOAB, o qual ainda dispõe ser, a atividade do advogado, uma função social e independente.
Quanto à indispensabilidade, tem-se a lição de Haroldo Paranhos Cardella:
[...] o advogado é indispensável à administração da justiça e, ainda, que qualquer postulação a órgãos do Poder Judiciário, incluindo os juizados especiais, deve ser realizada exclusivamente pelo profissional da advocacia, salvo a impetração de habeas corpus, que, como se sabe, pode ser realizada por qualquer pessoa. Porém, o STF excluiu sua aplicação aos Juizados Especiais (até 20 salários mínimos), à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz. Neles, hoje, a parte pode postular diretamente. [31]
Ressalta-se que, a lado do advogado, outros dois profissionais são indispensáveis. "No ordenamento brasileiro, são três os figurantes indispensáveis à administração da justiça: o advogado, o juiz e o promotor. O primeiro postula, o segundo julga e o terceiro fiscaliza a aplicação da lei". [32]
Haroldo Paranhos Cardella ainda preleciona sobre a inviolabilidade do advogado no exercício de suas funções, fazendo uma ressalva quanto a uma de suas imunidades, suspensa por medida liminar do STF (Supremo Tribunal Federal).
[...] no exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, possuindo imunidade penal referente aos crimes de injúria, difamação e desacato, em decorrência, logicamente, do exercício profissional. Porém, a imunidade referente ao crime de desacato foi suspensa pelo STF, em medida liminar. [33]
O exercício da advocacia é também uma função social, pois, ao contrário dos juízes e promotores, os quais são agentes do Estado e exercem função pública, o advogado não é titular de função pública (estatal), exceto se for vinculado a entidade de advocacia pública, mas o exercício da advocacia é regido pelo direito público. O art. 2º do EAOAB estatui que o advogado, mesmo que exerça ministério privado, presta serviço público e exerce função social.
Múnus público é um encargo a que se não pode fugir, dadas as circunstâncias, no interesse social. A advocacia, além de profissão, é um múnus, pois cumpre o encargo indeclinável de contribuir para a realização da justiça, ao lado do patrocínio da causa, quando atua em juízo. Nesse sentido, é dever que não decorre de ofício ou cargo públicos.
A advocacia, sobretudo quando ministrada em caráter privado, é exercida segundo uma função social intrínseca. A função social é a sua mais importante e dignificante característica. O interesse particular do cliente ou o da remuneração e o prestígio do advogado não podem sacrificar os interesses sociais e coletivos e o bem comum.
[...]
O advogado realiza a função social, quando concretiza a aplicação do direito (e não apenas da lei), quando obtém a prestação jurisdicional e quando, mercê de seu saber especializado, participa da construção da justiça social. [34]
No tocante à independência desse profissional, tem-se que não há hierarquia entre ele e outros figurantes indispensáveis à administração da justiça, visto que todos tem a mesma formação acadêmica, apenas exercendo atividades diferentes, as quais mantêm um relacionamento necessário e em nível de igualdade. É o que ensina Paulo Lôbo:
Cada figurante tem um papel a desempenhar: um postula, outro fiscaliza a aplicação da lei e outro julga. As funções são distintas mas não se estabelece entre elas relação de hierarquia e subordinação. Em sendo assim, mais forte se torna a direção ética que o preceito encerra no sentido do relacionamento profissional independente, harmônico, reciprocamente respeitoso e digno.
[...]
É a um só tempo dever e direito. Dever de comportamento e direito de reciprocidade.
Os profissionais do direito tem a mesma formação (bacharéis em direito) e atuam em nível de igualdade no desempenho de seus distintos e inter-relacionados misteres.
[...]
É seu direito-dever defender as prerrogativas da profissão, legal e eticamente, não podendo ser submisso, omisso ou conveniente. Não pode exceder os limites emergentes da reciprocidade, nem abusar de seu direito isonômico.
[...]
Sem independência, a advocacia fenece. Sem dignidade, ela se amesquinha. [35]
Até o presente momento, foi empregado, em várias passagens, o termo "advogado", sem restar claro quem é esse profissional, quem pode denominar-se advogado. "Para o Estatuto, advogado é o bacharel em direito, inscrito no quadro de advogados da OAB, que realiza atividade de postulação ao Poder Judiciário, como representante judicial de seus clientes, e atividades de consultoria e assessoria em matérias jurídicas". [36] Apenas os bacharéis aprovados no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e, por isso, inscritos na OAB podem utilizar a denominação advogado. Ele é uma espécie do gênero profissionais do direito, uma vez que os cursos jurídicos não formam advogados, mas sim bacharéis em direito.
Uma curiosidade que se ressalta aqui é o costume de tratar o advogado por "doutor". Importante distinguir que, embora consuetudinariamente seja tratado dessa forma, doutor é aquele que obtém o título de doutor em direito após defesa de tese, concedido por instituição de pós-graduação apta para assim fazê-lo. "Embora não se possa evitar o tratamento social, o uso indevido do título de doutor em documentos profissionais e nos meios de publicidade configura infração ética". [37]
Os advogados exercem atividades privativas, isto é, atividades que somente a eles competem, encontrando-se dispostas no art. 1º da Lei n° 8.906/94 (enumeração não exaustiva). Qualquer outra pessoa ou profissional que as pratique, até mesmo advogado impedido, suspenso, licenciado ou que exerça atividade incompatível com a profissão da advocacia, comete exercício ilegal da profissão, sendo seus atos nulos. São atividades privativas da advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais, as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
Quanto à postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, destaca-se que o STF excluiu do âmbito de atividades privativas do advogado pleitear junto aos Juizados Especiais (até 20 salários mínimos), à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz, pois nesses casos, pode a parte interessada atuar diretamente. A impetração de habeas corpus também não exige a atuação do advogado.
Cabe ainda ao advogado visar os atos e contratos constitutivos de pessoa jurídica, para fins de registro. "Esse visto pressupõe o exame das exigências legais do contrato, sob pena de nulidade absoluta do instrumento". [38] O advogado que assina, porém não participa da elaboração do documento, pode cometer infração disciplinar prevista no art. 34, V, do EAOAB.
Fica proibido ao advogado divulgar a atividade de advocacia junto com outra atividade que exerça, tenha ela fins lucrativos ou não. Assim, realizar outra atividade no mesmo espaço físico em que se realiza o labor de advogado colide com a ética, pois o sigilo profissional pode restar comprometido e se configurar a captação de clientela.
Para exercer seu labor, o advogado, que postula em juízo direito alheio, deve receber poderes para assim proceder, isto é, deve estar munido de um mandato judicial, que tem na procuração um "instrumento por meio do qual são dados todos os poderes de representação do cliente ao advogado. A procuração denominada ‘para ao foro em geral’ permite que o advogado pratique todos os atos extrajudiciais e judiciais, salvo quando a lei exigir poderes específicos". [39] A procuração é a prova do mandato. O profissional da advocacia tem o direito de atuar sem ela em casos de urgência pelo prazo de 15 (quinze) dias, prorrogáveis por mais quinze. Poderá, contudo, renunciar ao mandato que lhe fora conferido, não necessitando de fundamentação para essa decisão sua, devendo permanecer no patrocínio da causa por um período de dez dias, se não houver sido substituído antes, comunicando a sua decisão ao cliente e ao juízo da causa. Entretanto, essa renúncia não exclui sua responsabilidade pelos seus atos praticados, caso eles venham a causar prejuízo ao cliente.
Por fim, tem-se que os profissionais que exercem a advocacia pública são regidos, primeiro, pela Lei 8.906/94 e, num segundo plano, pelo seu regime próprio. A advocacia pública, para fins de esclarecimento, é classificada em advocacia estatal (da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas Autarquias e Fundações Públicas) e defensoria pública (da União, do Distrito Federal e dos Estados-membros).
2.2 Os direitos do advogado
O artigo 6° do Estatuto dispõe não haver hierarquia entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, existindo o dever de consideração e respeito recíprocos. É a característica da independência, já estudada anteriormente. O parágrafo único do supracitado dispositivo legal estende o comando a todos os agentes públicos e serventuários de justiça, com os quais o advogado relaciona-se profissionalmente, cabendo, àqueles, tratar o advogado de forma compatível com a dignidade de seu labor e as condições adequadas ao desempenho de seu mister.
A Lei nº 8.906/94 estabeleceu uma série de direitos (prerrogativas) aos advogados em seu art. 7º. Porém, não se confundem direitos ou prerrogativas com privilégios, como ocorria no passado. Os direitos reconhecidos são de ordem profissional, visando garantir condições que permitam o ideal desenvolvimento das atividades profissionais e não conceder privilégios pessoais.
Se, no passado, prerrogativa podia ser confundida com privilégio, na atualidade, prerrogativa profissional significa direito exclusivo e indispensável ao exercício de determinada profissão no interesse social. Em certa medida é direito-dever e, no caso da advocacia, configura condições legais de exercício de seu múnus público. [40]
Passa-se a analisar as diversas prerrogativas reconhecidas ao advogado para o exercício de sua atividade profissional, contidas no já mencionado art. 7º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil.
O advogado tem liberdade de exercício profissional, pois a CF determina o livre exercício de qualquer profissão (art. 5º, XIII), desde que sejam atendidas as qualificações profissionais estabelecidas pela lei, isto é, a liberdade de exercício é condicionada a esses elementos qualificadores, às condições, requisitos e qualidades estabelecidos em lei para que se possa considerar um profissional apto a exercer seu labor. Assim, a liberdade de exercício do advogado é plena em razão do espaço, pois esse profissional pode atuar dentro de todo o território nacional, desde que observado o território do Conselho Seccional onde encontra-se com sua inscrição principal, suplementar ou por transferência. Também é plena em razão da matéria, perante os tribunais federais e superiores, nas causas em que for o patrocinador. O livre exercício profissional é condicionado apenas quando se atua fora do território onde é inscrito, não podendo patrocinar mais de cinco causas por ano.
Há também uma garantia constitucional de inviolabilidade, que atinge uma dimensão positiva e outra negativa. A inviolabilidade do advogado sob a ótica positiva abrange a imunidade profissional por suas manifestações e palavras, a proteção do sigilo profissional e a proteção dos meios de trabalho, incluindo local, instalações, documentos e dados. Sob a dimensão negativa, os limites estabelecidos pela CF referem-se ao poder exclusivo da OAB em punir disciplinarmente os excessos cometidos pelos advogados. Na verdade, o intuito da lei ao conceder imunidade profissional, proteção ao sigilo profissional e aos meios de trabalho é muito mais uma forma de proteção ao cliente, visto ser o segredo que o advogado guarda um interesse do cliente, um direito desse, que o profissional apenas deve manter em sigilo em prol da preservação dos direitos de seu cliente. Por isso justifica-se a inviolabilidade concedida ao advogado no que diz respeito ao seu local de trabalho, seus arquivos e dados, suas correspondências e comunicações, enfim, tudo que se relacione com informações obtidas no exercício de sua atividade. Tal inviolabilidade só perde espaço quando há busca ou apreensão determinada por magistrado, sendo possível a intervenção mediante mandado judicial em casos onde o interesse que se visa preservar excede aos limites profissionais e finalidades lícitas.
A imunidade profissional estabelecida pelo EAOAB é a imunidade penal do advogado pelas suas manifestações, palavras e atos utilizados no exercício da atividade jurídica que possam ser considerados ofensivos a qualquer pessoa ou autoridade, não sendo tutelados os atos que excederem o exercício da advocacia e nem os de natureza pessoal. Essa imunidade não se limita às ofensas proferidas em juízo, mas também às produzidas em qualquer órgão da administração pública e perante qualquer autoridade extrajudicial. Porém, esta imunidade não impede que seja aplicada uma punição ético-disciplinar ao advogado que não tratar o público, os colegas e as autoridades com respeito, discrição e independência, pois assim prescreve o Código de Ética e Disciplina, sendo que apenas a OAB tem competência para realizar essa punição. O advogado que, sem se exceder, faltar com o respeito a promotores e juizes quando estes procederem da mesma forma não comete infração disciplinar. "A imunidade profissional importa ausência de criminalidade, por não haver contrariedade a direito, que caracteriza o ilícito". [41] O Estatuto excluiu a ilicitude dos atos e manifestações dos advogados relativos à injúria e à difamação, sendo que o desacato, incluído no texto legal, foi considerado inconstitucional pela Corte Suprema, não sendo objeto da imunidade. Outro crime contra a honra, a calúnia, não foi imunizado, visto que se assim fosse procedido, estar-se-ia legalizando excessos, os quais não devem ser praticados pelos advogados, nem mesmo em situações extremas, devendo prevalecer a postura desse profissional.
O direito ao sigilo é uma conquista dos povos civilizados, que passou a integrar os direitos fundamentais do cidadão. O sigilo profissional reconhecido ao advogado é, antes de tudo, um dever que tem o mesmo de manter o segredo que tomou conhecimento, pois não protege um segredo próprio, mas de outrem. Desse modo, assegura-se de maneira plena o direito de defesa. Assim, o sigilo profissional é ao mesmo tempo um direito e um dever. Direito porque o advogado não é obrigado a tornar público aquilo que toma conhecimento durante o exercício de sua profissão. Dever porque não pode, em circunstância alguma, em momento algum, repassar informações e segredos que tome conhecimento, independentemente se o seu serviço foi ou não contratado, seja remunerado ou não, haja atuação na esfera judicial ou extrajudicial, e ainda se quem lhe confidenciou foi um cliente, a parte contrária, um colega de profissão, terceira pessoa, enfim, qualquer pessoa, em qualquer circunstância, qualquer segredo deve ser guardado e protegido, salvo no caso de estado de necessidade, proteção dos próprios direitos do advogado ou de iminente perigo contra si ou contra outrem, libertando-se, o advogado, nesses casos, de seu dever de sigilo. O direito-dever de sigilo profissional também se estende ao advogado no que tange à recusa de depor como testemunha sobre fatos relacionados a seus clientes ou ex-clientes, em processo que funcionou ou deva funcionar, dos quais tomou conhecimento no exercício de sua atividade e sob o sigilo profissional. Neste caso, o sigilo só pode ser quebrado se o profissional se ver atacado pelo próprio cliente, devendo utilizar os fatos e documentos sigilosos no limite de sua defesa, a fim de que não venha a responder pelo ilícito cometido por outrem. A revelação de sigilo profissional configura infração disciplinar e crime de violação de segredo profissional.
A inviolabilidade do advogado alcança seus meios de atuação profissional, tais como seu escritório ou locais de trabalho, seus arquivos, seus dados, sua correspondência e suas comunicações. Todos esses meios estão alcançados tradicionalmente pela tutela do sigilo profissional. [42]
Assim, estão protegidos, pelo direito à inviolabilidade, o local de trabalho e os meios de exercício profissional. O local de trabalho pode ser o escritório ou a própria casa do advogado, caso exerça nela o seu labor, ambos protegidos contra violação. Também são tutelados os meios pelos quais o advogado exerce seu ofício, como os dados e arquivos contidos em seu computador, suas ligações telefônicas, suas correspondências, enfim, todo meio que se possa utilizar na atividade que exerce. Porém, a inviolabilidade de seus meios de atuação sofre exceção, no caso de busca e apreensão determinada por magistrado, uma vez que o advogado pode estar utilizando seu direito à inviolabilidade para praticar atos que excedem o exercício profissional e até mesmo cometer delitos. Então, a busca e apreensão limita-se a objetos vinculados à finalidade ilícita, não podendo ter apreendidos os dados, arquivos, documentos, sofrer interceptações telefônicas ou violação a qualquer outro meio de atuação, salvo se houver provas ou forte indício de que se encontra em poder do advogado objeto que constitua elemento do corpo de delito, ou havendo provas de sua participação em prática delituosa. Um representante da OAB sempre deve estar presente, acompanhando o procedimento de busca e apreensão.
Outra prerrogativa do advogado é a comunicação com seu cliente, que não se abala nem mesmo com a prisão ou a incomunicabilidade desse, podendo comunicar-se pessoal e reservadamente com o mesmo, visto ser a assistência de advogado um direito assegurado pela Constituição Federal. Por isso, a inexistência de procuração para defender o cliente, nesses casos, não inibe o direito de comunicação entre o advogado e a pessoa presa.
O Estatuto reserva ao advogado o direito de somente poder ser preso em flagrante, por motivos ligados ao exercício de sua profissão, nos casos de cometer crime inafiançável, visando-se evitar que a má atuação ou a atuação de má-fé e injusta possa por em risco o prestígio e a dignidade profissional do advogado. A prisão em flagrante só será válida se estiver presente o representante da OAB, indicado pela diretoria do Conselho Seccional ou Subseção onde ocorre o fato, independente se o advogado tenha sua inscrição principal nela. Tal presença de representante da OAB foi discutida no STF mediante a interposição de uma ADIn, resultando constitucional essa determinação da Lei 8.906/94, ressalvando-se que a prisão em flagrante será considerada valida se a OAB não enviar representante em tempo hábil.
Em todas as hipóteses em que deva ser legalmente preso, pelo cometimento de crimes comuns, inclusive os não relacionados com o exercício da profissão, e enquanto não houver decisão transitada em julgado, cabe-lhe o direito a ser recolhido à sala de Estado Maior. Por esta deve ser entendida toda sala utilizada para ocupação ou detenção eventual dos oficiais integrantes do quartel militar respectivo. [43]
Essas salas devem dispor de instalações condignas. Não havendo salas com as características previstas em lei, fica o advogado em prisão domiciliar até o trânsito em julgado do processo criminal. Todavia, a expressão "assim reconhecidas pela OAB", que faz alusão às instalações das salas de Estado Maior, contida no inciso V do artigo 7º do EAOAB, foi alvo de uma ADIn. "Na medida liminar concedida pelo STF o reconhecimento das instalações da sala deve ser feito a critério do juízo competente e não da Ordem dos Advogados do Brasil", [44] cabendo a esta instituição ou ao próprio advogado demonstrar em juízo que a sala não possui as instalações condignas exigidas pela legislação.
Segundo disposição contida na Lei nº 8.906/94, artigo 7º, inciso VI, o advogado pode ingressar livremente nos órgãos judiciários e locais públicos a fim de exercer sua atividade profissional, podendo, também, ter livre acesso a locais onde ocorram assembléias ou reuniões em que interesse legítimo de seu cliente possa ser atingido. Então, o advogado pode ingressar livremente nos locais públicos onde a sua atividade assim exija e também em locais onde os interesses de seu cliente estejam sendo alvo de reunião ou assembléia. "O advogado exerce serviço público e não pode ser impedido de ingressar livremente nos locais onde deva atuar". [45] Pode, portanto, adentrar nas repartições públicas em seu horário de funcionamento. No caso de prisões e delegacias, pode ingressar, inclusive, após o horário de funcionamento. Qualquer medida que impeça ou condicione o ingresso do advogado, nos limites legais estabelecidos, caracteriza ilegalidade e abuso de poder.
Uma vez que exerce atividade independente e não havendo hierarquia entre o advogado e as autoridades públicas, como os magistrados, pode, aquele profissional, permanecer sentado ou em pé ou retirar-se de qualquer dependência quando desejar, não podendo lhe ser determinado o local que deva ocupar, caso isto importe desprestígio para sua classe profissional ou imposição arbitrária. O advogado pode, também, dirigir-se diretamente ao magistrado nos locais de trabalho do mesmo, independente de prévio horário marcado, cabendo ao primeiro respeitar a ordem de chegada.
A liberdade da palavra do advogado nas sessões e audiências judiciárias é um dos mais importantes e insubstituíveis meios de sua atuação profissional. [...] A participação oral dos advogados nos tribunais e órgãos colegiados contribuem decisivamente para o esclarecimento e convicção dos julgadores. [46]
Assim sendo, garantido é ao advogado sustentar oralmente as razões de qualquer recurso ou processo, nas sessões de julgamento, após o voto do relator, possibilitando contra-argumentar aquilo que seja desfavorável a seu cliente. Entretanto, o STF concedeu liminar e manteve a sustentação do advogado antes do voto do relator. Esse direito do advogado pode ser exercido em instância judicial e administrativa.
O advogado também pode fazer uso da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, de maneira rápida e objetiva, para esclarecer questões relativas a fatos, documentos e afirmações que influam no julgamento, em decorrência do seu dever de vigilância durante o mesmo, podendo manifestar-se, também, quando sofrer acusações ou qualquer outra forma de censura. Trata-se de intervenção extraordinária, ao contrário da intervenção ordinária prevista no inciso IX do art. 7º do EAOAB. É prerrogativa do advogado, ainda no que tange ao uso da palavra para esclarecimentos e reclamações, protestar contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento, por escrito ou verbalmente, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, podendo fazê-lo sentado ou em pé, pois o inciso XII do supracitado artigo lhe confere o direito de falar sentado ou em pé em juízo, tribunal ou órgão de deliberação coletiva da Administração Pública ou do Poder Legislativo.
Os incisos XIII, XIV, XV e XVI do art. 7° do Estatuto trazem a prerrogativa do advogado examinar autos, findos ou em andamento, mesmo sem procuração, quando não estiverem sujeitos ao segredo de justiça, podendo extrair cópias e tomar apontamentos, ter vista e retirar processos das repartições competentes pelo prazo previsto em lei. Porém, há casos que o direito de retirar autos do cartório não pode ser exercido. Assim o é quando existem documentos originais de difícil restauração ou qualquer outra circunstância relevante que justifique a permanência dos autos no cartório e também quando o advogado deixa de devolver os autos no prazo determinado, não mais podendo fazer nova retirada.
Outro direito do advogado é o desagravo público, ou seja, toda vez que for comprovadamente ofendido em razão de seu exercício profissional ou de cargo ou função da OAB, cabe-lhe a prerrogativa de exigir retratação pública. O desagravo é uma forma de garantir direitos e prerrogativas da classe dos advogados, podendo ocorrer mesmo sem a anuência do ofendido, sendo promovido pelo Conselho Seccional competente. Trata-se de uma sessão solene. Entretanto, "o desagravo público deve ser aprovado, com parcimônia e moderação, para assegurar sua força simbólica e ética, sem risco de banalizá-lo". [47]
Os advogados inscritos nos quadros da OAB podem usar de símbolos privativos da profissão, mas os símbolos do Conselho Federal e do Conselho Seccional são privativos desses órgãos, não podendo ser utilizado em caráter particular pelo advogado.
O inciso XIX do art. 7° do Estatuto assegura ao advogado a recusa de depor como testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoas de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, resguardando com isso a sua independência e o sigilo profissional. Todavia, o sigilo profissional pode ser quebrado quando o advogado necessitar defender-se, seja quando afrontado pelo próprio cliente ou em outras situações indispensáveis, mas sempre no restrito interesse da causa.
Por fim, resguarda-se ao advogado o direito de retirar-se do recinto onde esteja aguardando pregão para ato judicial, mediante comunicação protocolizada em juízo, quando o magistrado se atrasar por mais de trinta minutos do horário designado, não se aplicando essa regra quando o juiz estiver presente e o retardamento se der em virtude de atrasos ou prolongamentos de audiências anteriores.
2.3 Os deveres do advogado
O Estatuto traz um capítulo que dispõe, do artigo 31 ao 33, sobre a ética do advogado. "Nesse capítulo, o Estatuto estabelece regras deontológicas referentes à conduta pessoal do advogado e ao seu dever para com a classe, devendo proceder de forma a torna-se merecedor de respeito e contribuir para com o prestígio da classe e da advocacia". [48]
A ética profissional, nessa sede, é denominada "deontologia jurídica", ou estudo dos deveres dos profissionais do direito, em especial do advogado, cujo exercício profissional é rigidamente preso a deveres éticos. Assim, este capítulo do EAOAB, dispondo sobre a ética do advogado, nos remete ao estudo dos deveres desse profissional no exercício de sua atividade.
O Estatuto estabelece, nos supracitados artigos, princípios gerais de ética do advogado, ficando a cargo do Código de Ética e Disciplina a regulamentação aprofundada sobre a matéria. Os deveres éticos devem ser respeitados e cumpridos pelos advogados, não sendo recomendações cuja observação, por parte daquele profissional, é facultativa.
Os deveres éticos consignados no Código não são recomendações de bom comportamento, mas normas jurídicas dotadas de obrigatoriedade que devem ser cumpridas com rigor, sob pena de cometimento de infração disciplinar punível com censura (art. 36 do Estatuto) se outra mais grave não for aplicável. [49]
A primeira disposição do Estatuto sobre o dever ético do advogado diz respeito à sua conduta pessoal, devendo proceder e se relacionar com todos sempre com respeito, pois seu comportamento na sociedade, em todos os momentos, deve ser compatível com a grandeza de sua profissão, de modo a contribuir com o prestígio da classe dos advogados e com a atividade de advocacia.
Importante ressaltar que, de todas as virtudes éticas que o advogado pode ter, as mais importantes são a probidade e a honestidade, sendo esta última o valor máximo da advocacia, uma vez que o advogado, no exercício de sua profissão, trabalha com interesses econômicos de seus clientes, lidando, muitas vezes, com situações tentadoras, as quais podem desvirtuar o profissional e denegrir a imagem de toda a classe de advogados se a honestidade não prevalecer sobre a tentação. "O advogado não deve apenas parecer honesto, mas ser honesto, como imperativo interior de conduta". [50]
Além da probidade, da honestidade e de tantas outras virtudes que o advogado deve observar, impõe-se a esse profissional os deveres de decoro, urbanidade e polidez, devendo agir sempre de modo respeitoso com todos, inclusive com a parte contrária em uma demanda, para que possa exigir respeito e obter prestígio. Há, ainda, o dever de permanente qualificação, para que possa desenvolver seu mister de forma correta e satisfatória, não gerando prejuízo a seu cliente.
Os parágrafos do artigo 31 do EAOAB ressaltam a importância de o advogado manter sua independência em qualquer circunstância, não devendo temer desagradar magistrados ou qualquer outra autoridade no exercício de seu labor, nem mesmo ter receio de se tornar impopular.
É princípio básico para o pleno exercício profissional da advocacia a independência profissional em qualquer circunstância. Não deve o advogado, no exercício de sua profissão, recear de modo algum desagradar a magistrado ou a qualquer outra autoridade, nem incorrer em impopularidade. [51]
Ainda sobre a independência do advogado e a ética desse profissional no exercício de sua atividade, tem-se a lição de Paulo Lôbo:
A independência do advogado é condição necessária para o regular funcionamento do Estado de Direito.
[...]
A ética do advogado é a ética da parcialidade, ao contrário da ética do juiz, que é da isenção. Contudo, não pode o advogado cobrir com o manto ético qualquer interesse do cliente, cabendo-lhe recusar o patrocínio que viole sua independência ou a ética profissional. [52]
Se de um lado são reconhecidas a liberdade e a independência ao advogado no exercício de sua atividade, por outro lhe é imposta a responsabilidade pelos atos danosos que praticar com dolo ou culpa em seu mister. Essa responsabilidade, pela qual responde o advogado que pratica um ato lesivo, pode ser administrativa, civil e até mesmo penal.
As normas fundamentais que regem a responsabilidade civil do advogado são:
I – o artigo 133 da Constituição Federal, que estabelece a inviolabilidade do advogado por seu atos e manifestações no exercício de sua profissão;
II – o artigo 927 do Código Civil, que dispõe sobre a responsabilidade civil subjetiva, e os artigos 186 e 187 do mesmo diploma legal, os quais disciplinam o que vem a ser ato ilícito, um dos pressupostos da responsabilidade civil subjetiva;
III – o artigo 32 da Lei n° 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil), que responsabiliza o advogado pelos atos que, no exercício de sua profissão, praticar com culpa ou dolo; e
IV – o artigo 14, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor, o qual estabelece uma exceção ao sistema de responsabilidade civil objetiva, predominante naquele diploma, nas relações de consumo dos fornecedores de serviços, devendo ser demonstrada a culpa ou o dolo do profissional liberal (advogado) para que possa ser responsabilizado pelo ato lesivo.
Assim, a responsabilidade civil do advogado está assentada em alguns elementos, sendo eles: a conduta (ativa ou omissiva), o dano material ou moral, o nexo de causalidade entre o ato e o dano, a culpa ou o dolo do advogado e a imputação da responsabilidade civil ao advogado.
O art. 32 do Estatuto, como dito anteriormente, é o que trata da responsabilidade civil do advogado nessa legislação. Em seu parágrafo único, o mesmo dispõe acerca da lide temerária, atribuindo responsabilidade solidária entre o advogado e o cliente quando se unem para lesar a parte contrária.
Ocorre a lide temerária quando o advogado coligar-se com o cliente para lesar a parte contrária, sendo solidariamente responsável pelos danos que causar. A lide temerária funciona como meio indevido de pressão e intimidação, estando destituída de qualquer fundamento legal, consistindo em instrumentalização abusiva do acesso à justiça, para fins impróprios ou ilícitos. [53]
A responsabilidade civil do advogado pela prática de lide temerária deve ser apurada em ação própria na justiça comum, independentemente da origem daquela. É necessário provar o dolo do advogado em aliar-se ao seu cliente para lesar a parte contrária, não se presumindo a lide temerária, a qual pode ocorrer pela inexperiência ou até mesmo pela simples culpa do advogado.
Sobre o assunto, limita-se a expor esses breves comentários, visto ser a responsabilidade civil do advogado o objeto de estudo central deste trabalho, o qual será examinado em seus pormenores no próximo capítulo.
O artigo 33 do EAOAB estabelece que o advogado obriga-se a cumprir as disposições do Código de Ética e Disciplina, diploma este que, como o próprio nome deixa claro, impõe regras deontológicas ao advogado, ou seja, estabelece os deveres do mesmo ao exercer sua atividade profissional, balizando a conduta do advogado dentro dos parâmetros da ética, da moralidade, da probidade, da honestidade, enfim, traçando o caminho ético que o profissional da advocacia tem a obrigação de trilhar quando realiza sua atividade. Estas regras deontológicas se fazem necessárias, uma vez que, infelizmente, muitos são os profissionais que se desvirtuam do fim precípuo da advocacia, não tendo postura nem conduta ética, resultando no desgaste da imagem e do prestígio de toda a classe de advogados, andando na contramão da importância dessa atividade, pois o advogado é indispensável à administração da justiça e, por esse motivo, deve manter-se íntegro em seu mister para ser merecedor da confiança, da credibilidade e da aceitação popular.
O Estatuto, então, não dispôs sobre as regras éticas de conduta do advogado, deixando essa matéria para o Código de Ética e Disciplina, de forma a evidenciar essas regras deontológicas.
O Estatuto evitou a duplicidade de tratamento legal dos deveres éticos, remetendo-os inteiramente ao novo Código de Ética e Disciplina, editado pelo Conselho Federal da OAB. A duplicidade de tratamentos dos deveres éticos, havida entre o anterior Estatuto e o Código, foi a principal razão para o quase desconhecimento do antigo Código de Ética Profissional no seio dos advogados, com parca aplicação pela própria OAB. [54]
O Código de Ética e Disciplina, além de dispor sobre os deveres éticos do advogado, estabelece normas gerais sobre o procedimento disciplinar na OAB para as infrações que o advogado cometa e que caibam reprimendas administrativas, cuja competência para assim proceder é da OAB, sendo o órgão responsável pelo julgamento dessas infrações punidas administrativamente o Tribunal de Ética e Disciplina, instalado em todos os Conselhos Seccionais.
2.4 A inscrição do bacharel junto à Ordem dos Advogados do Brasil
Já fora mencionado anteriormente que os cursos jurídicos não formam advogados, mas sim bacharéis em Direito. Num momento seguinte, expôs-se os direitos reconhecidos a essa classe profissional e, na seqüência, os deveres da mesma. Entretanto, para ser reconhecido como advogado e poder avocar essas prerrogativas no exercício de sua atividade e dever cumprir as normas deontológicas estabelecidas, o bacharel precisa estar inscrito junto ao Conselho Seccional da OAB em que pretende estabelecer seu domicílio profissional. É sobre esta inscrição que se passa a tratar.
No Brasil, para que o bacharel possa atuar no exercício da advocacia, é preciso inscrição na OAB e essa deve ser realizada no Conselho Seccional (Estado) onde pretende estabelecer seu domicilio profissional. A inscrição visa selecionar os graduados em Direito, evitando-se que pessoas despreparadas adentrem o mercado de trabalho sem o mínimo necessário de condições para atuar nesse ramo profissional. Tenta-se amenizar, desta forma, o desgaste que sofre a imagem dos advogados e da instituição da OAB quando pessoas não capacitadas exercem esse mister, imagem essa que já foi e ainda é abalada demasiadamente em função do desvio de caráter de alguns desses profissionais, deixando, muitas vezes, um sentimento de desconfiança e receio, por parte da sociedade, pairando no ar, prejudicando os dignos e capacitados advogados que laboram em prol do fim precípuo dessa profissão, manchando a reputação de toda uma instituição que trabalha para manter viva a dignidade, o valor e o respeito dessa classe profissional.
Assim, para se inscrever nos quadros da OAB, certos requisitos são exigidos, conforme dispõe o art. 8° do Estatuto. São eles: a capacidade civil, ser graduado em curso de Direito devidamente reconhecido, encontrar-se em situação regular com o serviço militar obrigatório (se do sexo masculino), estar com o título de eleitor em situação regular, ter sido aprovado em exame da Ordem (regulamentado por Provimento do Conselho Federal da OAB), não exercer atividade incompatível com a advocacia, ter idoneidade moral e prestar compromisso solene perante o Conselho Seccional. No caso de estrangeiro ou de brasileiro que tenha se graduado em curso de Direito fora do país, para inscrever-se na OAB deve fazer prova do referido título, devidamente revalidado, além de atender aos demais requisitos supracitados.
A capacidade civil exigida prova-se com documento de identidade (registro geral ou certidão de nascimento), devendo ser maior de 18 anos o interessado na inscrição, pois a maioridade presume a capacidade civil plena. Obviamente, os casos de incapacidade absoluta ou relativa previstos na legislação civil impedem o direito a inscrever-se, visto que nesses casos a capacidade civil não é plena. Por fim, segundo estatui o CC, a graduação universitária é causa de maioridade civil e, nesses casos, o diploma do menor de 18 anos é prova da capacidade civil, cumprindo esse requisito para a inscrição junto a OAB.
O candidato à inscrição na OAB deve comprovar sua graduação com diploma ou certidão expedida pelo órgão responsável pela emissão do diploma, suprindo este na sua falta ou demora em ser emitido. O Regimento Geral determina que se a prova da graduação for feita mediante certidão, anexa a mesma deverá estar o histórico escolar, para que fique comprovado o cumprimento da carga horária e do conteúdo do curso. A instituição de ensino deve estar autorizada a funcionar e, após referida autorização e durante o seu funcionamento regular, deve ser reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e pelo Conselho Estadual de Educação competente, quando se tratar de instituição mantida com recursos públicos estaduais ou municipais.
O terceiro requisito é a regularidade eleitoral e militar (para o sexo masculino).
Na seqüência, exige-se a aprovação em exame da Ordem, para aferir conhecimentos básicos e de prática profissional do bacharel em direito que deseja exercer a advocacia, sendo atribuição da OAB essa seleção.
O exame é composto por duas provas. A primeira é objetiva, onde se avaliam conhecimentos jurídicos gerais, relacionados às disciplinas curriculares estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, as quais todos os cursos jurídicos devem observar ao constituírem seus currículos plenos. A segunda prova é prático-profissional, submetendo-se, o candidato, à elaboração de uma peça processual na área que escolher, dentre as previstas para ao exame (direito constitucional, direito civil, direito penal, direito empresarial, direito do trabalho, direito tributário ou direito administrativo, além do correspondente direito processual). A nota mínima exigida na primeira prova equivale ao acerto de cinqüenta por cento das questões objetivas e, atingindo esse requisito, terá o direito de realizar a prova prático-profissional.
Quanto ao local onde pode realizar o exame e, conseqüentemente, obter sua inscrição, tem-se que o interessado presta o exame perante o Conselho Seccional onde concluiu o curso jurídico ou no local de seu domicílio eleitoral. Isto acontece em função de ainda não ser unificado o exame da Ordem, sendo as questões formuladas pela banca examinadora designada por cada Conselho Seccional. Portanto, as avaliações são diferentes umas das outras entre os Estados brasileiros. Frente a isto, o que se pretende com essa limitação do local onde é possível prestar o exame é coibir que os bacharéis acabem, em sua maioria, realizando a prova em locais onde as avaliações são menos rigorosas somente para obter sua inscrição, vindo, posteriormente, a exercer seu labor no local onde concluiu o curso ou onde reside.
Apenas podem prestar o Exame da Ordem aqueles que já estiverem graduados à época da prova, não sendo permitido aos estudantes do curso de Direito fazê-lo. Não tendo o diploma em mãos, poderá realizar o exame comprovando sua graduação mediante certidão, conforme anteriormente explicado.
O bacharel que exercer funções incompatíveis com a advocacia pode realizar o exame de Ordem, sendo que sua certidão de aprovação vale por tempo indeterminado, podendo ser utilizada no pedido de inscrição, após sua desincompatibilização.
O Exame de Ordem é compatível com o princípio de liberdade de profissão, estabelecido no art. 5°, inciso XIII, da CF. O texto constitucional dispõe que o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, desde que atendidas as qualificações profissionais exigidas em lei. A seleção feita pelo Exame de Ordem é a demonstração da qualificação profissional, sendo o Estatuto a lei que a estabelece. A Constituição Federal não tutela a liberdade profissional daquele que, sem qualificação, pretende exercer uma atividade, mas antes visa garantir o livre exercício profissional daquele que cumpre os requisitos estabelecidos em lei para exercer seu labor, sem por em risco as pessoas que são beneficiadas por sua atuação, pois do contrário não haveriam beneficiados e sim prejudicados pela atuação do profissional desqualificado.
A XVI Conferência Nacional dos Advogados, de 1996, aprovou a recomendação de uniformização da prova objetiva para todo o território nacional, mantendo-se a elaboração e correção das provas prático-profissionais a critério dos Conselhos Seccionais. Todavia, essa recomendação não foi colocada em prática até o presente momento.
Ainda quanto ao mesmo assunto, ressalta-se, por fim, que "o Exame de Ordem [...] não avalia o curso, nem mesmo o estudante, mas tão-somente constitui modo de seleção para o exercício da profissão de advogado, uma entre tantas que o bacharel em direito pode escolher". [55]
Após esse parêntese aberto para comentários acerca do Exame de Ordem, volta-se aos requisitos para a inscrição na OAB.
Outro requisito exigido é não exercer atividade incompatível com a advocacia. As atividades que geram incompatibilidade ou impedimento estão enumeradas no art. 29 do EAOAB, devendo o interessado na inscrição declarar não exercer nenhuma dessas atividades, assumindo as conseqüências dessa declaração, inclusive as penais. Caso a declaração não seja verdadeira, a inscrição será cancelada, além das sanções administrativas, civis e penais cominadas. Os atos praticados pelo falso advogado são nulos e não podem ser convalidados.
A idoneidade moral é outro requisito para a inscrição. Seu conceito é indeterminado, mas determinável. Os parâmetros não são subjetivos. São incompatíveis com a idoneidade moral, por exemplo, os comportamentos do interessado que contaminem sua atividade profissional e desprestigie a advocacia, a demissão de servidor a bem do serviço público, a condenação por crime infamante que atinge a reputação de toda uma classe profissional, entre outras hipóteses. A inidoneidade moral para encontrar-se inscrito pode ser declarada mediante decisão do Conselho com no mínimo dois terços dos votos de todos que compõem o mesmo, assegurado ao interessado o direito de defesa amplo. Esse processo é de natureza administrativa, não se subordinando a eventual pena criminal. Havendo processo judicial contra o interessado, mesmo que não haja decisão transitada em julgado, pode ficar caracterizada a inidoneidade moral, podendo ser negada a inscrição se os fatos forem suficientes para configurá-la. De qualquer forma, após a reabilitação judicial deferida, está desimpedido para inscrever-se.
O último requisito para a inscrição é a prestação de compromisso solene perante o Conselho. Não se trata de mera formalidade que pode ser dispensada, sendo um elemento que integra a inscrição, a qual é considerada nula se o compromisso não for devidamente consignado em ata do Conselho. O compromisso é personalíssimo e indelegável, mesmo que por procuração. O Regulamento Geral, em seu art. 20, regula os termos do compromisso.
O advogado terá sua inscrição principal promovida pelo Conselho Seccional, no território onde o advogado declarar ter seu domicílio profissional. "Esse domicílio, que abrange o território do respectivo Estado-membro ou Distrito Federal, é de livre escolha do interessado, e não se vincula ao Conselho Seccional onde se localize o curso jurídico que lhe graduou ou onde prestou o Exame de Ordem". [56] Essa declaração do advogado deverá ser verdadeira, sob pena de constituir fraude à lei e acarretar, por conseqüência, as sanções legais. Na dúvida em onde declarar o domicílio, visto a pluralidade de centros de atividades, a lei presume ser o domicílio da pessoa física, o advogado, o local onde deva ter a inscrição principal.
O advogado pode exercer sua atividade fora da sede principal (Estado-membro) sem necessidade de inscrever-se em outro Conselho Seccional, porém em número limitado de causas (cinco causas por ano). Excedendo esse limite, o advogado é obrigado a promover sua inscrição suplementar nos Conselhos Seccionais onde atue, pois estará caracterizada a habitualidade de sua atuação em Conselhos onde não possui a inscrição principal.
Caso o advogado mude seu domicílio profissional para outra unidade da Federação, deverá requerer a transferência de sua inscrição para o Conselho Seccional correspondente. O pedido de inscrição suplementar e de transferência não podem ser negados pelo Conselho que o receber, em virtude do princípio da igualdade federativa dos Conselhos Seccionais.
Havendo vício ou ilegalidade na inscrição principal, suspende-se a tramitação do pedido de transferência ou de inscrição suplementar, devendo o fato ser representado ao Conselho Federal, o qual decidirá sobre a validade da inscrição principal.
A lei prevê hipóteses em que o advogado, por ato voluntário, pode e os casos em que deve licenciar-se, sendo, no período de seu licenciamento, desobrigado a pagar as anuidades. A licença pode ocorrer nas hipóteses em que o próprio advogado requer, com justificativa da pretensão, quando vier a exercer atividade incompatível com a advocacia por período temporário e quando sofrer doença mental curável.
O Estatuto regula ainda, em numerus clausus, as hipóteses de cancelamento da inscrição. O cancelamento é ato desconstitutivo, atingindo de forma definitiva a inscrição, desaparecendo o número de inscrição do advogado na OAB. O cancelamento pode ocorrer a pedido do advogado, quando for aplicada a pena máxima de exclusão, por falecimento do advogado, quando vier a exercer atividade incompatível com a advocacia em caráter definitivo, por perda de qualquer dos requisitos para a inscrição, quando for suspenso, pela terceira vez, pelo não-pagamento de anuidades distintas.
A carteira e o cartão emitidos pela OAB aos advogados devidamente inscritos constitui prova de identidade civil para todos os fins legais e não apenas para a atividade profissional. Os documentos assinados por advogado, no seu exercício profissional, devem conter a indicação do nome e do número de inscrição junto à OAB.
2.5 A sociedade de advogados
Outro aspecto do exercício da advocacia a ser analisado é a sociedade de advogados, que é regida, no Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, pelos artigos 15 a 17, também merecendo tratamento do Regulamento Geral e do Código de Ética e Disciplina, no que couber. Neste trabalho, limita-se a fazer uma analise sucinta sobre o tema proposto, apenas para se obter um esclarecimento superficial sobre a advocacia exercida em sociedade.
Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviços de advocacia, regularmente registrada no Conselho Seccional em cuja base territorial tiver sede. A sociedade caracteriza-se pela prática exclusiva da advocacia, não podendo exercer qualquer outra, com finalidade lucrativa ou não. Não podem, ainda, funcionar as sociedades que apresentem forma ou características mercantis e que adotem denominação fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia e que incluam sócio não inscrito ou totalmente proibido de advogar [...]. [57]
O registro das sociedades de advogados não pode ser feito em juntas comerciais e nem em cartórios de registro civil das pessoas jurídicas. Deve ser feito junto ao Conselho Seccional onde tiver sede. Após ter o registro de seus atos constitutivos aprovado, a sociedade adquire personalidade jurídica.
A razão social deve conter o nome de pelo menos um advogado responsável pela sociedade, de forma completa ou resumida, ou ainda seu sobrenome, podendo constar, também, o nome de mais de um e até mesmo de advogado sócio. Se, no ato constitutivo, houver previsão, há a possibilidade de se manter o nome de sócio falecido na razão social da sociedade.
Mesmo fazendo parte de uma sociedade, a atuação dos advogados é individual, devendo, as procurações, serem outorgadas de forma individual ao advogado que patrocina a causa, fazendo menção à sociedade da qual faz parte. Mesmo frente à referida individualidade, não é permitido que advogados de uma mesma sociedade representem, em juízo, clientes com interesses opostos.
As sociedades de advogados podem estabelecer filiais no território do mesmo ou de outro Conselho Seccional a que pertencem, devendo proceder à averbação do ato constitutivo no registro da sociedade e arquivado junto ao Conselho Seccional onde se instalar, cabendo aos sócios a inscrição suplementar. Ao advogado fica defeso fazer parte de mais de uma sociedade com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho.
Além da sociedade, quando a mesma não tiver condições de arcar com a responsabilidade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos e prejuízos causados aos clientes no exercício da atividade advocatícia, de forma dolosa ou culposa, por ação ou omissão. Essa responsabilidade não afasta a responsabilidade disciplinar em que possa incorrer por não ter zelado pela sociedade.
O advogado que passar a exercer atividade incompatível com a advocacia deverá solicitar o seu licenciamento, o qual deve ser averbado no registro da sociedade, que não sofre alteração em sua constituição. Mas se o caso for de cancelamento da inscrição, deverá ser excluído do quadro societário, alterando a constituição da sociedade.
2.6 O advogado empregado
Analisam-se, neste momento, alguns aspectos da atuação do advogado como empregado, sendo, ao tema, dedicado um capítulo pelo EAOAB, nos artigos 18 a 21, visto a grande quantidade de profissionais que se subordinam a um vínculo empregatício no país, não podendo ficar sem tutela legal os advogados que assim exercem seu mister.
Nessa relação de emprego, a legislação trabalhista aparece como supletiva da Lei n° 8.906/94 – EAOAB -, uma vez que o Estatuto é lei especial, derrogando lei geral. Os pressupostos dessa relação empregatícia são os mesmos do direito trabalhista comum.
O advogado que se encontra nessas condições mantém sua isenção técnica e sua independência, ou seja, o advogado preserva sua total autonomia no que tange ao modo de proceder em seus atos, meios utilizados, cumprimento de prazos e respeito às técnicas corretas, não sofrendo interferência do empregador e, no que tange à independência, tem-se que essa continua a ser absoluta, não sofrendo restrições frente à existência de uma relação empregatícia, pois sem essa independência profissional, não há advocacia. Quem decide se um ato será praticado é empregador, mas a sua realização é ato do advogado, que deve proceder de acordo com suas convicções e seus conhecimentos, sendo legítima a recusa de patrocínio de causas concernentes à lei ou direito cujas conseqüências lhe sejam aplicáveis de modo favorável ou desfavorável ou de qualquer pretensão do empregador que contrarie orientação sua manifestada anteriormente, sendo essa a disposição do Código de Ética e Disciplina.
A Lei n° 9.527/97 dispôs que as normas protetivas do advogado empregado não se aplicam aos advogados públicos (da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados e dos Municípios). O Conselho Federal da OAB, então, propôs uma ADIn alegando afronta ao princípio constitucional da igualdade, entendendo, o STF, que as empresas públicas e as sociedades de economia mista que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, sendo aplicáveis os artigos 18 a 21 do EAOAB quanto aos seus advogados empregados.
Os atos dos advogados empregados, ou seja, o serviços por eles prestados, são exclusivamente realizados em decorrência da relação de emprego e não do interesse pessoal do empregador. Esse, se necessitar de serviços de advocacia para defesa de interesses que não sejam empresariais e quiser que o patrocínio seja do advogado empregado, deverá pagar a esse último os honorários habituais, que não se confundem com a remuneração ordinária que recebe em sua relação empregatícia com a empresa.
Uma questão tormentosa e de difícil solução é o salário mínimo profissional do advogado. Resultou, no Estatuto, uma gradação de competência para fixar o salário mínimo do advogado empregado, aplicando a posterior na falta da anterior. Assim, é fixado por convenção coletiva do trabalho. Não havendo convenção coletiva ou acordo coletivo, prevalece o acordo individual. Não havendo esse último também, o salário mínimo é fixado por sentença normativa da Justiça do Trabalho em decorrência de dissídio instaurado entre o empregador e os advogados empregados.
A jornada de trabalho diária do advogado empregado será de quatro horas contínuas e de vinte horas semanais, não podendo ser excedida, salvo se houver acordo ou convenção coletiva estabelecendo de modo diverso, ou ainda em caso de dedicação exclusiva do advogado, podendo ser alterada, então, a jornada de trabalho. O período de trabalho é considerado como o tempo em que o advogado encontra-se à disposição do empregador. As horas que excederem a jornada normal de trabalho deverão ser acrescidas de hora extra e até mesmo como trabalho noturno.
Por dedicação exclusiva entende-se o regime de trabalho que for expressamente previsto no contrato individual de trabalho, sendo remuneradas como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a jornada normal de oito horas diárias, por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal.
[...]
[...] eventualmente, as horas de serviço prestadas pelo advogado no período das vinte horas de um dia até às cinco horas do dia seguinte serão remuneradas como noturnas, acrescidas de adicional de vinte e cinco por cento. [58]
Nas causas em que for parte o empregador, o advogado empregado terá direito aos honorários de sucumbência, sendo qualquer disposição em contrário nula. Entretanto, o STF suspendeu a validade desse dispositivo, considerando legais os acordos feitos entre o advogado e o empregador no sentido de renunciar aos honorários de sucumbência em favor desse último. Em se tratando de advogado empregado em sociedade, o referidos honorários deverão ser partilhados entre o mesmo e a sociedade, da forma que acordarem. Os defensores públicos não poderão receber honorários de sucumbência e os advogados públicos somente poderão recebê-los quando a legislação específica assim o permitir.
2.7 Os honorários advocatícios
"Honorários advocatícios é a remuneração do profissional pela prestação de serviços advocatícios ao cliente". [59]
O Estatuto dispõe em seus artigos 22 a 26 sobre os honorários advocatícios, aos quais o advogado faz jus pela prestação de serviços que realiza ao patrocinar uma causa, cabendo a esse profissional fixar o valor de seu mister, obedecendo aos limites estabelecidos pela legislação.
O exercício da advocacia é considerado prestação de serviços, devendo o advogado fixar livremente sua remuneração pelo serviço prestado. Entretanto, devem observar os critérios e limites de moderação previstos no Código de Ética e Disciplina e nas tabelas de honorários estabelecidas pelos Conselhos Seccionais. [60]
A assistência judiciária gratuita é dever do Estado, ficando a cargo da defensoria pública. Nos Estados onde não houver a referida assistência judiciária, os advogados poderão ser indicados para patrocinar as causas de pessoas necessitadas que não disponham de recursos financeiros para arcar com as despesas processuais e advocatícias, tendo os honorários fixados pelo magistrado, os quais devem ser pagos pelo Estado.
Existem alguns critérios que os advogados devem observar na fixação dos honorários, os quais são encontrados no artigo 36 do Código de Ética e Disciplina. São eles: moderação, bom senso, prestígio profissional, qualificação, reputação, valor da causa, condição econômica dos clientes, entre outros.
Os honorários podem ser classificados em três espécies. Eles podem ser convencionados, quando acordados por escrito com o cliente. Podem ser, também, arbitrados judicialmente, quando fixados judicialmente, na inexistência de acordo ou pela ocorrência de desentendimento entre o advogado e o cliente. E há os honorários de sucumbência, que são fixados em sentença em favor da parte, pertencendo ao advogado.
Se não houver estipulação em contrário, os honorários devem ser pagos na quantia de um terço logo no início da prestação de serviços, um terço na decisão de primeira instância e o restante no final da ação.
Frente à impossibilidade de o cliente arcar com as despesas de um processo, pode, excepcionalmente, ficar estabelecido em contato de honorários o pacto quota litis, ou seja, no eventual sucesso da causa, o advogado obtém participação em pecúnia sobre o montante da mesma, sendo permitido o pagamento de honorários com bens do cliente apenas em situações excepcionais. Mas o advogado não pode obter vantagem excessiva em relação ao cliente, pois ocorre enriquecimento ilícito, cometendo infração ética o advogado que assim proceder. Desta forma, todo o montante de honorários que o advogado receber não pode ser maior que a vantagem do cliente.
Os honorários advocatícios, quer acordados entre advogado e cliente, quer arbitrados judicialmente ou ainda de sucumbência, constituem crédito privilegiado em favor do advogado, podendo ser promovida a execução desse crédito nos mesmos autos em que o advogado tenha atuado, sendo, portanto, um título executivo.
Quanto aos honorários de sucumbência, tem-se que "receber os honorários relativos à sucumbência é direito do advogado", [61] entendendo, o STF, que é permitida a livre estipulação entre o advogado e o cliente, o que possibilita ao advogado dispor desses honorários, mediante contrato escrito.
O direito de acionar aquele que deve os honorários advocatícios prescreve em cinco anos, contando o início desse prazo a partir do vencimento do contrato, se houver; quando fixados judicialmente (arbitrados ou de sucumbência), a partir do trânsito em julgado da decisão que os fixar; se vier a ser contratado para a prestação de serviço extrajudicial, o prazo será contado a partir do término do serviço; havendo desistência de uma das partes ou transação, começa-se a contá-lo a partir da homologação; e no caso de renúncia do mandato por parte do advogado ou sua revogação por vontade do cliente, o início do prazo é a data desses fatos.
2.8 As incompatibilidades e os impedimentos
A liberdade de profissão é um direito que toda pessoa detém. Todavia, em decorrência de certas situações, pode acontecer que o exercício de duas ou mais atividades profissionais não seja passível de coexistência, visto haver contrariedade entre elas. No âmbito do exercício da advocacia, são as incompatibilidades (permanentes ou temporárias) e os impedimentos, tratadas pelos artigos 27 a 30 do EAOAB.
Conceitua-se incompatibilidade como a proibição plena do exercício da advocacia, podendo ser ela permanente (cancelamento da inscrição) ou temporária (licenciamento da inscrição).
O impedimento enseja apenas a proibição parcial do exercício profissional do advogado, permitindo-se o seu exercício com certas restrições. Havendo incompatibilidade, o profissional não poderá advogar em nenhuma situação, mesmo em causa própria. [62]
Visto ser a incompatibilidade a proibição absoluta e o impedimento a proibição relativa do exercício da advocacia, passa-se a enumerar as hipóteses de cada uma das espécies, esclarecendo os casos em que o advogado encontra-se totalmente proibido de exercer seu mister e os casos em que pode laborar com certas restrições.
A incompatibilidade, isto é, a proibição total de exercer a advocacia, incide sobre:
I – chefes do Poder Executivo e membros das mesas do Poder Legislativo (e os substitutos legais);
II – membros do Poder Judiciário e demais pessoas que exerçam função de julgamento em órgãos de deliberação coletiva da Administração Pública direta ou indireta, além dos membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. O STF, em medida liminar, entendeu que o dispositivo não se aplica aos membros da Justiça Eleitoral a aos juizes suplentes não remunerados;
III – ocupantes de cargos ou funções de direção, salvo administração acadêmica, ensino jurídico e aqueles que não detenham poder relevante de decisão;
IV – ocupantes de função ou cargo em qualquer órgão do Poder Judiciário, abrangendo todos os seus auxiliares, bem os que prestam serviços notariais e de registro;
V – ocupantes de cargos vinculados à atividade policial;
VI – os militares que estejam na ativa;
VII – ocupantes de atividades de lançamento, arrecadação e fiscalização tributária;
VIII – qualquer pessoa que exerça função de direção ou gerência em instituições financeiras, sendo elas públicas ou privadas.
Quanto ao tempo de permanência da incompatibilidade, tem-se que essa vige até o afastamento ou desligamento total do advogado, ou sua aposentadoria, exoneração ou demissão do cargo, podendo, então, solicitar nova inscrição. Quanto à possibilidade de Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Públicos e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional poderem exercer a advocacia, tem-se que são legitimados para o exercício da advocacia, desde que quando vinculada à função que exerçam e durante o tempo de sua investidura.
Os impedimentos, ou seja, a proibição parcial de exercer a advocacia, recaem sobre:
I – servidores da Administração Pública direta, indireta e fundacional, contra a própria Fazenda Pública que os remunere ou à qual a entidade empregadora esteja vinculada;
II – os membros do Poder Legislativo, em seus diferentes níveis contra ou a favor de qualquer pessoa jurídica de direito público, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas, entidades paraestatais ou empresas concessionárias ou permissionárias de serviço público.
2.9 As infrações e as sanções disciplinares
Enquanto as regras deontológicas, ou seja, os deveres éticos impostos aos advogados, são delineações da forma como esse profissional deve atuar, as infrações disciplinares regulamentadas em lei são as condutas que o mesmo deve abster-se de realizar.
Diferentemente dos deveres éticos, que configuram conduta positiva ou comportamento desejado, encartados no Código de Ética, as infrações disciplinares caracterizam-se pela conduta negativa, pelo comportamento indesejado, que devem ser reprimidos. Sob a perspectiva da tradicional classificação das normas, são imperativas as que cuidam dos deveres, e proibitivas as que tratam das infrações disciplinares. [63]
Uma vez que as infrações disciplinares são normas que restringem direito, isto é, restringem o direito de atuação do advogado, balizando seu campo de atuação dentro de limites éticos dessa profissão, são taxativamente indicadas em texto legal (EAOAB), não deixando para o Código de Ética essa missão, visando, com essa tipificação das infrações, a garantia do devido processo legal quando o Estado tiver de usar de seu poder sancionatório contra atos indevidos praticados por advogados. As infrações disciplinares não comportam interpretações extensivas ou analógicas, constituindo-se apenas nas indicadas pelo Estatuto, considerando-se, logicamente, as possíveis indeterminações de conceitos que podem surgir em função da evolução dos comportamentos profissionais, devendo haver uma adaptação às mudanças que, inexoravelmente, acontecem.
As infrações disciplinares são tipificadas no artigo 34 do EAOAB, incluindo, o parágrafo único desse dispositivo, mais três condutas incompatíveis. Essas infrações podem ser agrupadas em três espécies, conforme o nível de gravidade da conduta do advogado, sendo punidas com censura, suspensão e exclusão, além de multa, que é uma sanção disciplinar acessória.
Só os advogados, ou seja, bacharéis inscritos na OAB, cometem infrações disciplinares. Os não inscritos, que atuam como se advogados fossem e cometem tais infrações, sujeitam-se à legislação penal comum, por se tratar de exercício ilegal da profissão.
Para compreensão de cada espécie de sanção disciplinar, toma-se a elucidação de Haroldo Paranhos Cardella sobre as mesmas.
a) censura: é a mais branda das sanções, podendo ser reduzida a uma simples advertência, quando existirem circunstâncias atenuantes (falta cometida na defesa de prerrogativa, ausência de punição disciplinar, exercício assíduo de mandato ou cargo em órgão da OAB e prestação de relevantes serviços à advocacia ou à causa pública);
b) suspensão: é a sanção que impede o exercício profissional em todo o território nacional, podendo ser por prazo determinado (o qual pode variar entre trinta dias e doze meses) e por prazo indeterminado, até que satisfaça a exigência legal. Exemplos: até que salde o débito junto à tesouraria da Ordem, até que seja aprovado em novas provas de habilitação, até que preste contas ao cliente ...;
c) exclusão: é aplicável às condutas infracionais mais graves, tornando o advogado infrator passível de eliminação do quadro de inscritos da OAB. Para a aplicação da medida extrema, entretanto, é imprescindível a votação favorável de dois terços dos membros do Conselho Seccional competente;
d) multa: é a sanção disciplinar de caráter sempre cumulativo, fixada em montante que varia de uma anuidade a no máximo dez vezes esse valor, quando existirem circunstâncias agravantes. Não se admite, contudo, sua aplicação isoladamente. [64]
2.9.1 Infrações disciplinares puníveis com censura
As infrações que forem punidas com censura não podem ser objeto de publicidade. É possível a sua conversão em mera advertência quando estiver presente uma circunstância atenuante, por esta se entendendo "o cometimento de falta disciplinar pelo advogado na defesa de prerrogativa profissional, sendo primário, tendo exercido algum cargo ou função na OAB ou prestado relevantes serviços à advocacia ou a qualquer causa de ordem pública". [65] Essa conversão da censura em advertência tem o efeito de não ficar registrado nos antecedentes (assentamentos) do advogado essa última, ao contrário do que ocorre com a primeira.
Isto posto, tem-se que as infrações passíveis da punição de censura são as condutas previstas no Estatuto, nos incisos I ao XVI e XXIX do art.34, além das violações constantes no Código de Ética e Disciplina. As previstas no EAOAB são:
I – exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu exercício aos não inscritos, proibidos ou impedidos;
II – manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos no EAOAB;
III – valer-se de agenciador de causas, mediante participação nos honorários a receber;
IV – angariar ou captar causas, com ou sem intervenção de terceiros;
V – assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado;
VI – advogar contra literal disposição de lei, presumindo-se a boa-fé quando fundamentado na inconstitucionalidade, na injustiça da lei ou em pronunciamento judicial anterior;
VII – violar, sem justa causa, sigilo profissional;
VIII – estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário;
IX – prejudicar, por culpa grave, interesse confiado ao seu patrocínio;
X – acarretar, conscientemente, por ato próprio, a anulação ou a nulidade do processo em que funcione;
XI – abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia;
XII – recusar-se a prestar, sem justo motivo, assistência jurídica, quando nomeado em virtude de impossibilidade de Defensoria Pública;
XIII – fazer publicar na imprensa, desnecessária e habitualmente, alegações forenses ou relativas a causas pendentes;
XIV – deturpar o teor de dispositivo de lei, de citação doutrinária ou de julgado, bem como de depoimentos, documentos e alegações da parte contrária, para confundir o adversário ou iludir o juiz da causa;
XV – fazer, em nome do constituinte, sem autorização escrita deste, imputação a terceiros de fato definido como crime;
XVI – deixar de cumprir, no prazo estabelecido, determinação emanada do órgão ou de autoridade da Ordem, em matéria de competência desta, depois de regularmente notificado;
XXIX – praticar, o estagiário (inscrito na OAB como tal), ato excedente à sua habilitação.
2.9.2 Infrações disciplinares puníveis com suspensão
As infrações punidas com suspensão estão previstas pelo Estatuto no art. 34, incisos XVII a XXV, além de casos de reincidência em qualquer infração disciplinar, sendo elas:
XVII – prestar concurso a clientes ou a terceiros para a realização de ato contrário à lei ou destinado a fraudá-la;
XVIII – solicitar ou receber de constituinte qualquer importância para aplicação ilícita ou desonesta;
XIX – receber valores, da parte contrária ou de terceiro, relacionados com o objeto do mandato, sem expressa autorização do constituinte;
XX – locupletar-se (apropriar-se indevidamente), por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou por pessoa interposta;
XXI – recusar-se, injustificadamente, a prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele;
XXII – reter, abusivamente, ou extraviar autos recebidos com vista ou em confiança;
XXIII – deixar de pagar as contribuições, multas e preços de serviços devidos à OAB, depois de regularmente notificado a fazê-lo;
XXIV – incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;
XXV – manter conduta incompatível com a advocacia.
Quanto ao inciso XXV, o EAOAB menciona, em seu parágrafo único, algumas condutas incompatíveis com a advocacia, sendo elas a prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei; a incontinência pública e escandalosa e; a embriaguez ou a toxicomania habituais. Porém, as condutas incompatíveis com a advocacia não constituem numerus clausus, devendo ser apreciada a conduta do advogado em cada situação concreta.
2.9.3 Infrações disciplinares puníveis com exclusão
São puníveis com exclusão os advogados que realizarem as infrações previstas nos incisos XXVI, XXVII e XXVIII do art. 34 do Estatuto e também quando lhe forem aplicados a pena de suspensão por três vezes. São elas:
XXVI – fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição na OAB;
XXVII – tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia;
XXVIII – praticar crime infamante.
2.9.4 Reincidência
O advogado que pratica uma infração disciplinar, punível com censura ou suspensão, e posteriormente comete outra, independentemente da forma de punição, lhe é aplicada a punição de suspensão. Assim, a reincidência na prática de qualquer infração disciplinar conduz a suspensão do advogado. Nesse sentido, tem-se o exemplo esclarecedor de Haroldo Paranhos Cardella, onde "(censura + censura = suspensão); (censura + suspensão = suspensão); (suspensão + censura = suspensão)". [66]
Com a suspensão, o advogado encontra-se proibido de exercer sua atividade em todo o território nacional por um prazo que pode variar de trinta dias a doze meses, ou então, conforme o caso, permanecer nessa situação até que pratique determinada conduta, como, por exemplo, prestar contas ao cliente, submeter-se a novas provas de habilitação, entre outras.
Mas a reincidência também pode acarretar a exclusão. Isto ocorre quando for aplicada a sanção de suspensão por três vezes ao advogado, sendo, na seqüência, excluído. Conforme decisões do Conselho Federal da OAB, há necessidade de um processo específico para que seja aplicada a sanção da exclusão, o qual só pode ser instaurado após o trânsito em julgado da terceira suspensão, assegurando o amplo direito de defesa ao advogado.
2.9.5 Reabilitação
O advogado punido por qualquer sanção (censura, suspensão ou exclusão) poderá requerer sua reabilitação. Todavia, para que assim proceda, deverá aguardar o prazo de um ano do cumprimento da sanção e apresentar provas de bom comportamento.
Entretanto, se a punição disciplinar for conseqüência da prática de um crime, a reabilitação depende da correspondente reabilitação criminal, deferida pelo Poder Judiciário, de acordo com o que estabelece o art. 41 do EAOAB.
2.9.6 Prescrição
A OAB tem o direito, dentro de um certo prazo, de punir administrativamente os advogados que cometerem infrações disciplinares. Ultrapassado esse prazo, ocorre a extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição, sendo essa "a perda do direito de punir, por quem não cumpriu, no devido tempo, os prazos para a apuração dos fatos e para o seu respectivo julgamento". [67] A prescrição deve ser reconhecida de ofício pela OAB, acarretando o arquivamento do processo disciplinar. O prazo prescricional é de cinco anos contados a partir da constatação oficial do fato, ou seja, a comunicação oficial de sua ocorrência ao Tribunal de Ética e Disciplina, ou ao Conselho Seccional, ou ainda, em casos excepcionais, ao Conselho Federal da OAB.
Há, também, outra forma de prescrição, denominada prescrição intercorrente, que ocorre quando existe um processo instaurado e, por inércia do titular do direito de punir, há paralisação do mesmo por mais de três anos, devendo ser arquivado de ofício ou a requerimento da parte. A responsabilidade pela paralisação, que acarreta a prescrição intercorrente, deverá ser apurada, devendo o órgão da OAB responsável pelo processo tomar sempre muito cuidado com o andamento dos feitos disciplinares.
A prescrição pode ser interrompida nos casos estabelecidos pelos incisos do parágrafo segundo do art. 43 do EAOAB. Então, a prescrição interrompe-se pela instauração de processo disciplinar, pela notificação válida feita diretamente ao representado ou pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da OAB. Com a interrupção, os prazos são zerados e começam a correr novamente.