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Partes e terceiros no processo civil.

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Agenda 11/11/2008 às 00:00

5. Para uma conceituação mais constitucionalizada da qualidade de parte no processo civil

É inquestionável a necessidade de revisitação da conceituação de partes e de terceiros no processo civil com base na principiologia constitucional que tutela o processo, especialmente com fundamentação nos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório.

Com a mudança de paradigma no plano do Direito para um estudo fundado mais no plano constitucional e de base principiológica, valorativa e transformadora, o positivismo jurídico tem sido superado, aos poucos, por aquilo que genericamente é denominado por parte da doutrina de pós-positivismo 80.

A expressão pós-positivismo é equívoca e poderá guardar vários significados, tendo em vista a sua ampla abertura conceitual. Contudo, a doutrina que tem enfrentado o tema faz a análise do assunto a partir da guinada do direito constitucional e da inserção dos seus princípios como diretrizes fundamentais da ordem jurídica democrática 81. O pós-positivismo abrangeria todas as concepções de pensamento que procuram valorizar os princípios como mandamentos de otimização de uma ordem jurídica democrática, pluralista e aberta de valores. As concepções mais atuais em torno do neoconstitucionalismo estão inseridas dentro do gênero pós-positivismo 82.

Antonio Carlos Diniz e Antônio Cavalcanti esclarecem que o pós-positivismo jurídico constitui, em linhas gerais, um novo paradigma no plano da teoria jurídica, que objetiva contestar as insuficiências, aporias e limitações do juspositivismo formalista tradicional. Afirmam que o próprio termo pós-positivismo, que também é conhecido como não-positivismo ou não-positivismo principiológico, é detentor de um status provisório e genérico, na sua categoria terminológica, e a sua utilização não é pacífica, inclusive entre os autores que partilham de suas teses axiais. Esclarecem, ainda, que as suas bases filosóficas são ecléticas e compõem uma constelação de autores, os quais mantêm ponto de contato com concepções de um Gustav Radbruch tardio e passam pelas influências da teoria da justiça de John Raws, além de incorporarem elementos da filosofia hermenêutica e as bases da teoria do discurso de Habermas. No quadro da concepção pós-positivista, afirmam que seriam destacáveis cinco aspectos: 1º) o deslocamento da agenda, com ênfase à importância dos princípios gerais do Direito e à dimensão argumentativa na compreensão da funcionalidade do direito no âmbito das sociedades democráticas atuais, bem como o aprofundamento no papel que deve ser desempenhado pela hermenêutica jurídica; 2º) a importância dos casos difíceis; 3º) o abrandamento da dicotomia descrição/prescrição; 4º) a busca de um lugar teórico para além do jusnaturalismo e do positivismo jurídico; 5º) o papel dos princípios na resolução dos casos difíceis 83.

Diz a doutrina, ao estudar o tema, que o pós-positivismo não visa à desconstrução da ordem jurídica, mas à superação do conhecimento convencional com base nas idéias de justiça e de legitimidade, inserindo, para tanto, os princípios constitucionais, expressos ou implícitos, como a síntese dos valores consagrados na ordem jurídica 84. A nova concepção tem influenciado decisivamente na constituição de uma hermenêutica constitucional inovadora.

A própria concepção de sistema jurídico sofre transformações: de sistema jurídico fechado e auto-suficiente para sistema jurídico aberto, móvel e composto de valores 85. A interpretação constitucional passa a ser pluralista, dentro daquilo que Peter Häberle denomina de sociedade aberta dos intérpretes da Constituição 86.

O pós-positivismo coloca o constitucionalismo em substituição ao positivismo legalista, com profundas mudanças em alguns parâmetros, entre elas convém destacar: valores constitucionais no lugar da concepção meramente formal em torno da norma jurídica; ponderação no lugar de mera subsunção e fortalecimento do Judiciário e dos Tribunais Constitucionais quanto à interpretação e aplicação da Constituição, em substituição à autonomia inquebrantável do legislador ordinário 87.

A metodologia do pós-positivismo inseriu a hermenêutica como o capítulo mais relevante para o novo direito constitucional, iniciando-se a superação da metodologia clássica, que pregava a interpretação-subsunção, por uma nova interpretação constitucional criativa: a interpretação-concretização 88. Paulo Bonavides arrola as principais conquistas resultantes da nova hermenêutica do constitucionalismo da segunda metade do século XX: a) elaboração científica de um novo Direito Constitucional; b) criação de uma teoria material da Constituição diversa da sustentada pelo jusnaturalismo ou pelo positivismo formalista; c) superação da visão meramente jusprivatista e juscivilista para uma concepção em torno do "direito público"; d) uma nova interpretação, mais ampla, da Constituição e uma nova interpretação, mais restrita, dos direitos fundamentais, ambas autônomas e em recíproca sintonia; e) inserção do princípio da proporcionalidade no direito constitucional, com a ampliação da incidência do direito constitucional para todas as áreas do direito; f) conversão dos princípios gerais do direito em princípios constitucionais com eficácia normativa; g) elaboração de uma concepção de pluridimensionalidade dos direitos fundamentais, antes concebidos somente no plano da subjetividade; h) expansão normativa do direito constitucional para todas as áreas do Direito; i) consagração da tese mais importante, (...) de que a Constituição é direito, e não idéia ou mero capítulo da Ciência Política, como inculcava a tese falsa de Burdeau e de outros constitucionalistas francesas filiados à linha da reflexão constitucional que se vinculava à ideologia já ultrapassada do liberalismo clássico 89 .

O neoconstitucionalismo é a denominação atribuída a uma nova forma de estudar, interpretar e aplicar a Constituição de modo emancipado e desmistificado. A finalidade é superar as barreiras impostas ao Estado Constitucional Democrático de Direito pelo positivismo meramente legalista, gerador de bloqueios ilegítimos ao projeto constitucional de transformação, com justiça, da realidade social.

Conforme esclarecido por Robert Alexy, o legalismo, em oposição ao constitucionalismo democrático, impõe: 1) a norma em vez do valor; b) a subsunção em vez da ponderação; 3) a independência do direito ordinário em vez da onipresença da Constituição; 4) a autonomia do legislador ordinário, dentro do marco da Constituição, no lugar da onipresença judicial fundada na Constituição, colocando o legislador sobre o Tribunal Constitucional Federal 90.

O neoconstitucionalismo objetiva superar justamente essas barreiras interpretativas impostas pelo positivismo legalista. Lenio Luiz Streck entende que a superação de tais obstáculos poderá ser viabilizada em três frentes: a) por intermédio da teoria das fontes, haja vista que a lei já não é mais a única fonte — a Constituição passa a ser fonte auto-aplicativa; b) por uma substancial alteração na teoria da norma, imposta pela nova concepção dos princípios, cuja problemática também tem relação com a própria fonte dos direitos; c) por uma radical mudança no plano hermenêutico-interpretativo, para passar do paradigma da interpretação para compreensão para a compreensão para a interpretação 91.

Esclarece Luís Roberto Barroso que o neoconstitucionalismo pode ser estudado em três aspectos. Primeiro, pelo aspecto histórico, com a análise das transformações do direito constitucional após a 2ª Grande Guerra Mundial, especialmente por força da Lei Fundamental de Bonn (1949) e das Constituições da Itália (1947), de Portugal (1976) e da Espanha (1978). Também merece ser citada a Constituição Federal do Brasil de 1988. Segundo, pelo aspecto filosófico, o que deve ser realizado pelo estudo das vertentes teóricas que compõem o pós-positivismo jurídico. Terceiro, pelo aspecto teórico, o qual engloba o estudo da força normativa da Constituição, da expansão da jurisdição constitucional e do desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional 92.

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O neoconstitucionalismo propõe, assim, a superação do paradigma do direito meramente reprodutor da realidade para um direito capaz de transformar a sociedade, nos termos do modelo constitucional previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (arts. 1º, 3º, 5º, 6º etc.). Essa superação deve ser realizada a partir do Estado Democrático de Direito, de forma a proporcionar o surgimento e a implementação de ordenamentos jurídicos constitucionalizados 93.

Propõe-se também a concepção da Constituição como sistema aberto de valores, dinâmico em suas estruturas e transformador da realidade social.

O plano da efetivação concreta dos direitos constitucionais, individuais e coletivos é o ponto central para o neoconstitucionalismo. A implementação material desses direitos, especialmente no plano coletivo, que é potencializado, transformará a realidade social, diminuindo as desigualdades quanto ao acesso aos bens e valores inerentes à vida e à dignidade da pessoa humana. Para isso, é imprescindível a construção de novos modelos explicativos, superando as amarras construídas em um passado de repressão e de liberdade limitada, por valores não mais subsistentes no cenário da sociedade atual.

A própria interpretação do texto constitucional no plano do neoconstitucionalismo deve ser compreendida a partir da sua aplicação (efetivação). Como disse Lenio Luiz Streck, a Constituição será o resultado de sua interpretação, que tem o seu conhecimento no plano do ato aplicativo como produto da intersubjetividade dos juristas que emerge da complexidade das relações sociais 94.

No neoconstitucionalismo, a interpretação da Constituição é também aberta e pluralista e a idéia que gira em torno da construção de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, conforme tese proposta por Peter Häberle 95, corresponde às novas posturas constitucionalistas, mantendo perfeita sintonia com a principiologia do Estado Democrático de Direito implantada na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º etc.).

A partir dessa visão nova em torno da Constituição, denominada por muitos de neoconstitucionalismo, Eduardo Cambi fala em um neoprocessualismo, cuja construção teria como premissas fundamentais: a relação da Constituição com o processo e a necessária filtragem constitucional do direito infraconstitucional; o direito fundamental à ordem jurídica justa, o direito fundamental ao processo justo; a visão publicística do processo; o direito fundamental à tutela jurisdicional; a instrumentalidade do processo e a construção de técnicas processuais adequadas à realização dos direitos materiais; a conciliação da instrumentalidade do processo com o garantismo constitucional 96.

Tudo isso impõe uma mudança de paradigma em relação à concepção de partes e de terceiros no direito processual civil. A interpretação aberta e flexível sobre partes e terceiros facilitará o ingresso em juízo e fomentará a participação no contraditório de todos os interessados, o que é fator de legitimação da própria atividade jurisdicional no Estado Democrático de Direito.

Com base em uma leitura constitucional — que é a que se configura como a mais legítima forma de interpretação do direito em uma sociedade democrática —, amplia-se a qualidade de parte no processo civil, como ampliam-se também as hipóteses de intervenção de terceiros.

Contudo, essa contextualização da qualidade de parte no processo civil exige a releitura da relação entre o direito processual e o direito material, de sorte que este sempre possa ser meio útil e eficaz para viabilizar a aplicabilidade concreta daquele.

Para a conceituação constitucionalizada da qualidade de parte em processo civil, torna-se imprescindível considerar o princípio do acesso à justiça previsto no art. 5º, XXXV, da CF/88, em todas as suas dimensões, bem como considerar, ainda, todas as diretrizes do princípio constitucional do contraditório como direito-dever de participação e colaboração na preparação do provimento como fator de legitimação do processo e da prestação jurisdicional.

Em razão da magnitude constitucional dos princípios do acesso à justiça e do contraditório e, por não lhes ser compatível interpretação restritiva, não há fixar critérios rígidos para a aferição da qualidade de parte e de terceiro no processo civil.


Conclusões

1. A compreensão a respeito dos institutos partes e terceiros no processo civil é tema fundamental e de importância vasta para a prestação jurisdicional.

2. Coisa julgada e seus limites subjetivos, litispendência, perempção, continência, competência em razão da pessoa, elementos e condições da ação, pressupostos processuais subjetivos etc., para serem bem compreendidos, dependem do conhecimento da qualidade de parte e de terceiro no direito processual.

3. Na fase sincretista ou privatista do direito processual, não havia uma conceituação sistematizada de partes e de terceiros no processo civil, de sorte que a confusão até então existente entre direito material e direito processual impedia uma conceituação processual de parte e de terceiro e, por isso, os conceitos relativos a tais institutos estavam diretamente ligados à relação jurídica material.

4. Na fase autonomista ou conceitual do direito processual surge o conceito processual de parte e de terceiros, mas de forma fechada, com base no método meramente técnico-jurídico, o que se dava em razão do distanciamento do direito processual do direito material, provocado pelo método da introspecção implantado nessa fase e pela postura da doutrina que, em sua maioria, rejeitava a dimensão material de parte como critério para conceituar parte no plano do direito processual.

5. Na fase instrumentalista do direito processual, em que os critérios metodológicos são abertos e flexíveis, atualmente em crise, o conceito de parte e de terceiros sofreu e vem sofrendo mutações, mas ainda há forte influência dos resquícios deixados pela postura exclusivamente formal, fechada e técnica da fase autonomista.

6. Ainda não foi formulada adequadamente a conceituação de partes e de terceiros com base nos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório, havendo a necessidade de revisitação da visão instrumentalista do direito processual com base na teoria dos direitos e garantias constitucionais fundamentais, eixo sob o qual deve ser estudado, reformado e aplicado o direito processual em tempos atuais.

7. O princípio do acesso à justiça é garantia constitucional fundamental prevista no art. 5º, XXXV, da CF, cuja natureza jurídica é pluridimensional, o que abrangeria, entre vários outros institutos, o direito de ação, o direito de defesa e a intervenção de terceiros no processo civil.

8. Com base no art. 5º, XXXV, da CF, o rol das hipóteses de intervenção de terceiros no processo civil é meramente exemplificativo.

9. Também com base no art. 5º, XXXV, da CF, o interesse jurídico que justifica a assistência deve ser concebido de forma aberta e flexível, de forma a abranger o interesse institucional e outros interesses legítimos.

10. O direito material deve sempre ser considerado para aferição das dimensões da qualidade de parte no processo civil, bem como para a aferição dos limites e diretrizes da própria intervenção, o que não exclui outras hipóteses de intervenção com base em interesse legítimo.

11. O princípio do contraditório, previsto expressamente no art. 5º, LV, da CF/88, surgiu inicialmente no processo civil ligado ao direito de defesa; depois evoluiu para abranger o direito de informação e de participação tanto do demandado quanto do demandante. Na seqüência, evoluiu mais ainda para abranger o direito de participação na fase de preparação do provimento de todos aqueles que poderão vir a sofrer os efeitos da decisão. Mais recentemente, por força de novos estudos, está sendo construída também a idéia de contraditório como direito-dever de participação e de cooperação com a prestação jurisdicional. O Estado-Juiz é atingido, de forma a impor-lhe deveres de provocar e de garantir a manifestação de todos os interessados em relação a todas as questões ventiladas no processo, o que configuraria fator de legitimação do processo e da própria prestação jurisdicional.

12. Terceiros desinteressados são aqueles que não têm qualquer tipo de interesse na prestação jurisdicional ou no processo, seja jurídico em sentido estrito, seja interesse legítimo, fático ou jurídico.

13. Terceiros interessados são aqueles que possuem interesse jurídico em sentido restrito ou interesse jurídico em sentido amplo no desfecho da demanda, bem como aqueles que possuem interesses legítimos, fáticos ou jurídicos, sendo terceiros porque não são titulares da relação jurídica material deduzida em juízo e não estão autorizados legalmente para a defesa em juízo, em nome próprio, da relação jurídica material já deduzida judicialmente por outrem.

14. Por força dos princípios do acesso à justiça e do contraditório, como garantias constitucionais fundamentais, cinco dimensões da qualidade de parte no processo civil poderão ser aferidas, o que não exclui a possibilidade de outras existirem: a) partes em sentido material, que são os titulares da relação jurídica material deduzida em juízo e, em comparecendo em juízo, serão os legitimados ordinários e serão também os que sofrerão os limites subjetivos da coisa julgada; b) partes na demanda, que são os que figuram no pólo ativo (demandante ou autor) ou passivo (demandado ou réu) da demanda posta em juízo, sendo que em regra serão eles os legitimados ordinários, mas poderão ser também legitimados extraordinários, caso haja autorização legal para a defesa em nome próprio de direito alheio; c) partes em sentido processual são todos aqueles que participam do contraditório de forma que possam influir na decisão judicial, tratando-se da conceituação mais ampla de parte e, por isso, ela abrangeria o demandante e o demandado no processo, os terceiros intervenientes, o Ministério Público como órgão interveniente; d) parte para fins de auxílio técnico-jurídico das decisões judiciais (nova dimensão processual da qualidade de parte), que abrangeria a atuação do amicus curiae (amigo da corte ou do tribunal), figura hoje em ascensão no sistema processual brasileiro e que assume a qualidade de parte no processo civil porque tem independência em relação ao julgador e porque também poderá influenciar técnica e juridicamente a decisão judicial; e) parte para fins de impugnação das decisões judiciais, por recurso ou outro meio idôneo, o que abrangeria todos aqueles que venham a ser atingidos por uma decisão judicial ou que estejam autorizados para defesa de determinados interesses e, por isso, poderão impugnar por recurso, ou por outro meio idôneo e adequado, decisões prejudiciais a tais interesses.

15. Em decorrência da ampla abrangência do princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CF) e por força da dimensão publicística do direito processual e tendo em vista, ainda, a relevância do contraditório para o direito processual, entendemos que o juiz, considerando a relevância fática e jurídica das questões ventiladas no processo em curso, poderá, de ofício, provocar, por decisão fundamentada, em se considerando oportuna, a intervenção de terceiros interessados no processo — trata-se aqui da denominada intervenção iussu iudicis.

16. Há a necessidade de revisitação da conceituação de partes e de terceiros no processo civil à luz da principiologia constitucional que tutela o processo, especialmente os princípios do acesso à justiça e do princípio do contraditório, o que impõe uma interpretação aberta daqueles institutos, de forma a facilitar o ingresso em juízo e a participação no processo pelo contraditório.

17. Com base na principiologia constitucional, decorrente especialmente dos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório, não é suficiente mais classificar parte como sendo aquele que pede e aquele em face de quem é formulado o pedido em juízo.

18. Impõe-se, assim, uma classificação mais pluralista e aberta da qualidade de parte no processo civil, o que não interfere nos efeitos diretos da decisão judicial e nos limites subjetivos da coisa julgada, pois as partes atingidas diretamente por esses efeitos são justamente aquelas que são as titulares da relação jurídica material, figurando geralmente como parte demandante ou parte demandada no processo, salvo nos casos de substituição processual, que depende de autorização legal (art. 6º do CPC).

19. Não há apresentar critérios fechados quanto às dimensões da qualidade de parte no processo civil, tampouco como apontar critérios rígidos para a aferição de interesse que justifique a intervenção de terceiros, pois a complexidade das relações sociais e as peculiaridades de cada caso concreto impedem que sejam estabelecidas diretrizes rígidas, incompatíveis com a principiologia constitucional, especialmente com o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF) e com o princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF).

20. A qualidade de parte no processo civil poderá ser adquirida: a) pela propositura da ação; b) pela citação do demandado; c) pelo comparecimento espontâneo do demandado; d) pela citação do terceiro interessado; e) pela intervenção espontânea; f) pela intervenção de terceiro provocada pelo juiz (intervenção de terceiros iussu iuducis); g) pela intimação pessoal do membro do Ministério Público; h) pela sucessão processual voluntária (art. 42 do CPC) ou obrigatória (art. 43 do CPC); i) pelo recurso ou por meio impugnativo incidental idôneo de terceiro.

21. A inserção da boa-fé objetiva no processo civil, que se fundamentaria especialmente no princípio constitucional do contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), bem como em vários dispositivos do CPC (art. 14, II, 339, 125 etc.), poderá gerar verdadeira mudança de paradigma no direito processual civil e nos seus institutos estruturais e fundamentais, de forma a alterar até mesmo (isso especialmente em razão dos deveres anexos de conduta que essa principiologia impõe) a regra fechada sobre a distribuição do ônus da prova prevista no art. 333 do CPC.

22. Por força da leitura constitucional do processo civil à luz da garantia constitucional do contraditório, impõe-se também a revisitação dos institutos da substituição processual e da coisa julgada para fixar o critério secundum eventum litis para a coisa julgada em relação ao titular do direito que foi substituído no processo, de forma que, nesses casos, somente deverá ocorrer coisa julgada para o titular do direito que não tenha participado do contraditório se a decisão lhe venha a ser favorável, conforme orientação já prevista no art. 103 do CDC, em sede de coisa julgada coletiva.

23. A visão mais constitucionalizada da qualidade de parte no processo civil, amparada, teoricamente, no pós-positivismo jurídico e no neoconstitucionalismo, é atualmente premissa fundamental para a própria evolução do instituto, constituindo-se também em fator de legitimação da própria função jurisdicional no Estado Democrático de Direito.

Sobre o autor
Gregório Assagra de Almeida

Promotor de Justiça e Professor Universitário. Mestre e Doutor em Direito pela PUC-SP. Professor do Mestrado da Universidade de Itaúna. Diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Jurista consultor do Ministério da Justiça na reforma do sistema de tutela coletiva.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Gregório Assagra. Partes e terceiros no processo civil.: Cinco dimensões da qualidade de parte à luz dos princípios constitucionais do acesso à justiça e do contraditório. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1959, 11 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11952. Acesso em: 24 nov. 2024.

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