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Uma questão de princípios.

Estudando a Lei nº 11.705/08 ("Lei seca" brasileira) pela óptica do pós-positivismo alexyano

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Agenda 15/11/2008 às 00:00

Resumo: O presente trabalho, apoiado nas teses desenvolvidas nas obras "Teoria dos direitos fundamentais" e "Teoria da argumentação jurídica", ambas do autor alemão Robert Alexy, analisará a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos dispositivos questionados da Lei 11.705/08, a "Lei Seca" brasileira, mediante estudo do contexto da problemática advinda da aplicação da nova Norma e dos argumentos apresentados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4103, ação esta que questiona a constitucionalidade do nosso objeto de estudo e aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal.

Palavras – Chave: Lei seca, constitucionalidade, Alexy, princípios, direitos fundamentais.

Abstract: The present work, supported in theses developed by Robert Alexy, german Ph.D. in Constitucional Right, in your fantastic books "Theory of fundamental rights" and "Theory of legal reasoning", will study the matter of constitutionality or unconstitutionality of the contested legal provisions in the stat 11.705/2008, the "brazilian volstead act". This investigation will take a look on the context in the problematic arising of the implementation of the new law and too will study the arguments presented in the Direct Action of unconstitutionality n. 4103, this action that questioned our object of study and awaiting trial in brazilian supreme court.

Keywords: Volstead act, constitutionality, Alexy, principles, fundamentals rights.

Sumário: 1. Introdução. - 2. A problemática da "Lei Seca" no contexto da Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy.3. O conceito semântico de norma e a tridimensionalidade da dogmática jurídica.4. A dimensão analítico-normativa: base para a construção de uma argumentação racional para fundamentação da constitucionalidade da Lei 11.705/08.5. A dimensão empírica das disposições da "Lei Seca". 6. Uma questão de princípios: a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4103.6.1 Lei de Colisão e a Máxima da Proporcionalidade. 6.2 ADI 4103: discussão das pretensões da ação.7. Considerações finais. 8. Referências Bibliográficas


1. Introdução

Originária da Medida Provisória n. 415 que, editada no começo do ano de 2008, versava sobre a proibição da vendagem de bebida alcoólica às margens de Rodovias Federais, a Lei 11.705/08, a famosa "Lei Seca", é fruto do esforço do Legislador ordinário atento à violência no trânsito de nossas cidades.

Com algumas emendas ao projeto original da MP, alteraram-se vários dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro impondo, nas palavras de seu art.1º, "penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool".

Tais penalidades, citadas pelo caput do artigo citado, são indubitavelmente as causadoras do grande desconforto que a aplicação da nova Lei tem causado. Para muitos, a multa de R$ 955,00 aos que tenham ingerido qualquer quantidade de álcool antes de assumirem a direção de um veículo e a detenção para aqueles que contiverem em seu organismo 6 decigramas ou mais de álcool por litro de sangue são irrazoáveis frente à cultura do brasileiro [01]. Ademais, a obrigatoriedade tácita de "produzir prova contra si mesmo" é outro fator prima facie contra legem.

Aliás, anota-se que adotando o parâmetro "severidade", a "Lei Seca" brasileira equipara-se com a de países islâmicos como Jordânia, Qatar e Emirados Árabes Unidos que também impõem a chamada "alcoolemia zero". A nova Norma, por assim dizer, caminha na contramão da tendência mundial que conduz para a flexibilização do binômio bebida-direção. Na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, permitem-se até oito decigramas de álcool por litro de sangue.

Tal "austeridade" aliada com os prejuízos econômicos decorrentes da diminuição do consumo e venda de bebidas alcoólicas no país, encaminhou a "Lei Seca" ao Pretório Excelso para análise em abstrato de sua constitucionalidade, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4103, impetrada pela Associação Brasileira dos Bares e Restaurantes.

Infelizmente, as tentativas de investigação acerca deste importante tema, com o devido aporte metodológico-jurídico, tem sido muito esparsas na doutrina brasileira [02]. Nesse contexto, a maior dificuldade enfrentada pelos juristas que se aventuram nesse estudo é definir qual é "o lado correto da moeda" para poder então defendê-lo. Tal problemática, que é fundamental para desenvolvimento dessa pesquisa, encontrará sua melhor tentativa de resposta se fundamentada sobre as bases do pós-positivismo jurídico desenvolvido pelo alemão Robert Alexy, marco teórico desta investigação.

Grande mestre da Universidade de Kiel, Alexy é, ao lado do norte-americano Ronald Dworkin, grande expoente da corrente pós-positivista [03]. A par de não ter trabalhado em conjunto com Dworkin, as teses desses brilhantes autores são as mais difundidas na doutrina brasileira, tendo encaminhado esta ao desenvolvimento da idéia de "elevação dos princípios" a patamar de normas constitucionais formais e materiais. Assim, tanto o trabalho dworkinano quanto o alexyano tornaram-se base para o desenvolvimento do chamado "neocontistucionalismo", que influenciou e.g, a elaboração da última Carta Magna brasileira e do novo "Sistema de Jurisdição Constitucional", que como se nota no estudo da práxis jurisprudencial revaloriza a questão dos princípios na construção das decisões judiciais.

Dado este contexto, faz-se mister esclarecer que a opção do enfoque nas teses alexyanas para procedermos ao estudo da Lei 11.705/08, deu-se por uma maior identificação com as posições desse autor pós-positivista.

É interessante advertir que esse artigo não se ocupará de realizar nenhuma espécie de "interpretação gramatical/semântica" das disposições da "Lei Seca", buscando precipuamente compreender a sua sistemática e o problema da aplicabilidade e eficácia. Ao fim e como objetivo central, após percorrer a tridimensionalidade da dogmática jurídica [04] e de obter uma boa compreensão da "Lei de Colisão" e da "Máxima da Proporcionalidade [05]", teses apresentadas na Teoria dos Direitos Fundamentais desenvolvida por Robert Alexy, procuraremos fundamentar, se possível for, a constitucionalidade dos dispositivos contestados da Lei 11.705/08.


2. A problemática da "Lei Seca" no contexto da Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy.

A Teoria dos Direitos Fundamentais proposta por Alexy é uma teoria estrutural, na melhor tradição da escola alemã pós-positivista de Heller, Smend e Kauffman. Os pós-positivistas tradicionais quando da análise da gênese e da manutenção de Leis, levam em consideração todos os aspectos possíveis: históricos, filosóficos, sociológicos, jurídicos, jurisprudenciais, consuetudinários, dentre outros, diferenciando-se, portanto, das concepções pré-existentes como a "Política", de Schmidt, da "Sociológica" de Lassale, e, sobretudo, da jurídica de Kelsen. Heller, por exemplo, ao discorrer acerca das teses kelsenianas, falava de um "formalismo inteiramente sem substância ou vínculos" [06] e de um "caminho errôneo que nossa Teoria do Estado trilha há duas gerações, por acreditar ser necessário evitar todos os problemas sociológicos e éticos de nossa vida estatal".

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Por outro lado, buscando quebrar esse paradigma proposto, principalmente em Heller, Alexy assevera não ver no positivismo tanto de Kelsen, quanto de Jellinek ou Gerber, nenhuma incorreção. Anota o citado douto que: "os trabalhos dos cientistas do Direito puro são o que ainda podem livrar ao menos um pouco a ciência dos Direitos Fundamentais da retórica política e das idas e vindas das lutas ideológicas". Em verdade, o autor alemão propõe de forma mais racional um "modelo abrangente de teoria integrativa" que tenha como base o estruturalismo helleriano, mas sem se esquecer dos avanços conquistados pelo positivismo.

Isto posto, podemos analisar os vários aspectos que se extraem do espectro da "Lei Seca" de maneira mais condizente com o modelo proposto por Alexy.

Nesse contexto, vê-se que a nova Lei, dado um viés normativista, apresentar-se-á como uma Norma severa, recheada de enunciados com disposições restritivas das liberdades inerentes aos cidadãos: seja a de ir e vir, seja a de comércio, seja a de vontade. De outra feita, analisando-se a Lei do ponto de vista sociológico, denotar-se-á um embaraçamento ao gozo do Lazer daquelas pessoas que bebem apenas uma "cervejinha" como forma de se "interagir socialmente" e que após a tal "interação moderada" precisarão dirigir para retornar às suas casas com mais "facilidade" [07]. Pode-se ainda tomar a Lei por um prisma econômico onde, pelo menos à primeira vista, ter-se-á impressão de que proporciona um grande prejuízo decorrente da diminuição do consumo de bebida alcoólica e da redução do lucro de uma série de pessoas jurídicas [08] que exploram esse ramo comercial.

Portanto, após realizados tais exames prima facie muitos fatores nos levarão a crer que a "Lei Seca" é demasiado onerosa para figurar no sistema jurídico nacional. Será isso uma verdade?

Tomando-se como base a Teoria dos Direitos Fundamentais de Alexy, deve-se necessariamente levar em conta o caráter principiológico das normas, considerando todos os sopesamentos necessários para alcançar juízos deontológicos que de fato solucionem casos concretos. Tais "sopesamentos" são um conjunto de juízos iniciais, "à primeira vista", somados à minuciosa análise da práxis jurisprudencial e dos princípios decorrentes da Constituição para perfeita verificação da compatibilidade vertical das disposições normativas examinadas. Tal processo de análise tão bem estruturado pode modificar consideravelmente a visão sobre a "Lei Seca" e construir um entendimento que permita que a nova Lei figure em nosso sistema e produza todos os efeitos, ou quase todos, a que se propõe.

Assim, podemos afirmar que apesar de termos enunciado apenas os aspectos "negativos" da Lei, existem ‘n’ fundamentações a favor da mesma, erigidas sobre outros princípios constitucionais que refutem os prejuízos ora apontados. Basta pouco para pensarmos em uma gama de argumentos que possibilitem anotarmos uma série de aspectos positivos, no entanto o escopo de preservação da vida diz tudo sobre a importância destas novas disposições legais.

Dada essa conjuntura, faz-se primordial adquirir uma compreensão maior acerca dessa polêmica, analisando-se o caráter sistemático das disposições normativas da "Lei Seca", sobretudo para podermos inseri-la no âmbito dos Direitos Fundamentais. O mestre Alexy nos ensina, em sua teoria da dogmática jurídica [09], que podemos fazer tal inserção utilizando-se de uma "fundamentação racional de juízos concretos de dever-ser". Em verdade, deve-se recorrer à "dogmática dos Direitos Fundamentais" como instrumento para permitir o enquadramento de várias das disposições normativas da Lei 11.705/08 na seara dos Direitos Fundamentais por meio das "normas atribuídas".

Uma norma atribuída é aquela à qual se atribui determinada valoração que modifica seu espectro inicial. Uma norma atribuída será válida, e será uma norma de Direito Fundamental, se, para tal atribuição à norma diretamente estabelecida pelo texto constitucional, for possível uma correta fundamentação referida a Direitos Fundamentais. Esse exercício argumentativo torna tais disposições inquebrantáveis, sendo o mesmo autorizado pela CF/88 no § 2º do seu art.5º. O citado parágrafo informa que os Direitos expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, daí dizer que a argumentação jurídica para incluir Direitos Fundamentais advindos de Lei ordinária passa pelo crivo de uma teoria de princípios.

Pondera-se que uma interpretação à primeira vista da "Lei Seca" não nos permitiria jamais concebê-la como um conjunto de normas de caráter duplo [10], quer dizer, como disposições de Direito que contenham em seu corpo tanto uma regra quanto um princípio [11]". Menos ainda, poderíamos considerá-la como conjunto de Direitos Fundamentais.

Alexy nos informa que para que ao texto de Lei ordinária possa ser atribuída força de Direitos Fundamentais, deve-se ter como base para a argumentação jurídica dessa possibilidade fática uma teoria principiológica desses Direitos. Quanto a isso não há a menor dúvida, dada a exegese clara que se pode fazer da leitura do § 2º do art. 5º da CF/88. Portanto, devemos ficar atentos a esse importante enunciado de nossa Carta Magna para utilizá-lo como instrumento de uma fundamentação racional que culmine com a conclusão de que a Lei 11.705/08 é, não só plenamente compatível com a ordem constitucional vigente, como também que se trata de uma Lei basilar para a tutela de vários Direitos Fundamentais já estabelecidos.


3. O conceito semântico de norma e a tridimensionalidade da dogmática jurídica.

O conceito de norma, no âmbito da dogmática jurídica, sempre foi motivo de muita polêmica. Alexy, sempre atento a essas problemáticas de difícil solução, desenvolve para a Ciência do Direito a idéia do conceito semântico de norma que, segundo o douto professor, é a conceituação mais abrangente e capaz de dar conta de qualquer teoria de validade da norma, seja esta uma teoria sociológica, jurídica, ética, dentre outras.

A base do conceito semântico está na diferenciação entre "Norma" e "enunciado normativo". Um enunciado normativo é uma frase que por meio de categorias deônticas descreve uma conduta a qual denominamos "norma". Já "norma" é a conduta descrita em um enunciado normativo ou por "via diversa" (enunciados indicativos e imperativos).

Cabe asseverar aqui, que muitas vezes uma norma vem expressa em outras formas que não um enunciado normativo, como por exemplo, enunciados indicativos ou imperativos. Porém, estes são sempre redutíveis à forma "tradicional" de apresentação das normas, portanto, esses outros modos são, em verdade, gênero da espécie "enunciados normativos".

Esclareça-se que para a verificação dessa compatibilidade gênero-espécie, deve-se reescrever a frase indicativa ou imperativa usando as categorias deônticas básicas. Por exemplo, o art. 4º da Lei 11.705/08 apresenta um enunciado indicativo: "Competem à Polícia Rodoviária Federal a fiscalização e a aplicação das multas previstas nos arts. 2º e 3º desta Lei." O texto pode ser reescrito sem perder o sentido da seguinte forma: É proibido a qualquer um que não a Polícia Rodoviária Federal a fiscalização e a aplicação das multas previstas nos arts. 2º e 3º desta Lei. Com essa reescritura prova-se a mencionada "compatibilidade".

Tal "possibilidade substitutiva" é fator essencial na diferenciação dos chamados enunciados descritivos das demais espécies, uma vez que estes não tem nenhuma força legal e jamais serão reescritos usando as já mencionadas categorias básicas. Exemplo é o art.1º da estudada Lei que não pode ser reescrito usando categorias deônticas sem alteração do sentido: o mencionado artigo diz que: Art. 1º: "Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool (...)". Por óbvio, esse enunciado apenas descreve a que se destina o texto legal não tendo nenhuma força cogente e não sendo, portanto, norma em si.

Em nosso contexto, faz-se necessária essa compreensão acerca da diferenciação entre "norma" e "enunciado normativo" para podermos aplicar ao nosso estudo e também para entendermos a distinção que Alexy faz entre "disposições de Direitos Fundamentais" e "Direitos Fundamentais". Para o mestre de Kiel, essa distinção ganha fundamentação quanto ao aspecto formal, ou seja, quanto à forma de positivação. Assim, as "disposições" seriam enunciados normativos e os Direitos Fundamentais "normas". Isso quer dizer que no Título II de nossa Carta Magna estão contidos uma série de enunciados normativos que versam sobre Direitos Fundamentais, mas ao longo de toda a Constituição temos insculpidos Direitos Fundamentais que não necessariamente estão abrangidos pelas "disposições de Direitos Fundamentais".

Isto posto, para avançarmos com nosso exercício intelectual, deve-se dar atenção a teoria da dogmática alexyana quanto à questão da tridimensionalidade. O brilhante autor alemão, vê na dogmática jurídica uma das mais importantes ferramentas na construção da fundamentação racional das decisões judiciais e nesse sentido é que Ele busca não desprezar totalmente o trabalho construído pelo positivismo, uma vez que tal corrente foi a que mais se preocupou com o desenvolvimento desse campo da Ciência do Direito.

Neste quadro de apego à dogmática, Alexy lança a tese da "tridimensionalidade da dogmática jurídica", que é uma das pilastras desta investigação. O mesmo autor aponta três dimensões: a analítica, a empírica e a normativa. Ressalta que tais não são estanques e se interconectam apesar de cada uma ter seu campo material distinto da outra.

A dimensão analítica cuidará de analisar a estrutura do Direito, dando um tratamento lógico a este. É uma dimensão pragmática, pois cuida de analisar o Direito enquanto sistema. O autor [12] assevera que:

"O espectro de tal dimensão estende-se desde a análise dos conceitos elementares passando por construções jurídicas até o exame da estrutura do sistema jurídico e da fundamentação no âmbito dos Direitos Fundamentais."

A dimensão empírica é a dimensão da eficácia, da "cognição do Direito positivo válido" e da "aplicação de premissas empíricas na argumentação jurídica".

Por último, tem-se a dimensão normativa que é a que se preocupa com a crítica da práxis jurisprudencial e da análise da melhor exegese para aplicação ao caso concreto.

Essas três dimensões, portanto, são a estrutura da dogmática jurídica alexyana. O autor faz a seguinte e importante consideração acerca de sua teoria [13]:

"A dogmática jurídica é em grande medida a tentativa de dar uma resposta racionalmente fundamentada a questões axiológicas que foram deixadas em aberto pelo material normativo previamente determinado. Isso faz com que a dogmática jurídica seja confrontada com o problema da possibilidade de fundamentação racional dos juízos de valor."

Desse modo, é fundamental uma boa compreensão desse assunto para uma construção que vise uma maior completude no âmbito dos estudos da Ciência do Direito.


4. A dimensão analítico-normativa: base para a construção de uma argumentação racional para fundamentação da constitucionalidade da Lei 11.705/08.

Como visto, cada dimensão da dogmática jurídica tem seu campo material distinto. Analisando a dimensão analítica, o investigador preocupar-se-á com a estrutura do Direito, procurando considerar fatos elementares que constituem a lógica de determinado Sistema. Quando transitar para a normativa adotará uma visão teleológica tendo por escopo a aplicação do Direito advindo dali ao caso concreto.

Dada essa configuração, percebe-se que os primas analítico e normativo se inter-relacionam necessariamente para a construção fundamentativa, por exemplo, na defesa da constitucionalidade de determinada norma. Pode-se dizer que da dimensão analítica produz-se a "lógica do sistema" cabendo então à dimensão normativa dar a este o melhor uso.

Isto posto, podemos passar a falar então da existência de uma "hiperdimensão" que abarcaria tanto a esfera analítica quanto a normativa. Quando da explanação acerca desses campos de estudo Alexy não faz menção a "hiperdimensão" aqui mencionada, porém deixa claro a relação muito tênue entre os objetos de avaliação de ambas as dimensões. Sendo assim, a percepção e investigação acerca dessa "nova dimensão" abre um novo leque de possibilidades para a construção de um argumento racional acerca da constitucionalidade dos enunciados normativos da "Lei Seca". Deve-se estudar tais disposições legais levando em consideração todo o Sistema que as sustenta. Isso significa que o estudo da Lei passa por um exame de todas as influências [14] que a circundam, tanto do Poder Político quanto dos Poderes Econômico e Social.

É nessa hiperdimensão, portanto, que os trabalhos dos doutrinadores exercem maior influência tanto no exercício da Jurisdição quanto da atuação Legiferante. São eles os maiores responsáveis por identificar as necessidades que e.g. a Mutação Constitucional, dentre tantos fenômenos que modificam a estrutura de determinado sistema, impõe. As características do trabalho doutrinário permitem uma melhor análise da "lógica do sistema" que possibilitam a indicação de melhores opções para o exercício intelectual tanto do Poder Legislativo quanto do Judiciário.

Nesse sentido, a evolução da doutrina depende de uma melhor compreensão do campo analítico-normativo do Sistema jurídico a que se propõe analisar. Esse exercício exegético é primordial para a evolução dos Sistemas Democráticos de Direito, uma vez que o trabalho doutrinário se baseia na estruturação de argumentos coerentes.

Dadas essas considerações, deve-se se estar atento para o fato que as disposições da recente Lei 11.705/08, sob a ótica da hiperdimensão ora estudada, se inserem em um contexto de controvertida discussão em todos os níveis de Poder e Influência, posto que afetará diretamente inúmeros Direitos Fundamentais mas ao mesmo tempo protegerá uma gama considerável desta mesma espécie de Direitos, chegando-se então ao problema primordial deste trabalho: os sopesamentos. Neste tópico, não se faz adequada a análise de tais ponderações quanto aos conflitos entre Direitos Fundamentais que, no entanto, será realizada logo adiante.

Interessante, no entanto, posto que estamos no estudo da hiperdimensão, é trazer à baila a técnica de decisão judicial, acolhida pelo Supremo Tribunal Federal desde o ano de 1994, denominada "norma ainda constitucional" ou "da inconstitucionalidade progressiva". Como anota Marcelo Novelino [15], Procurador Federal e Mestre em Direito Público, citando o voto de Relatoria do Ministro Moreira Alves no Habeas Corpus n. 70.514 julgado em 23.03.1994, afirma que uma decisão declaratória da situação denominada "norma ainda constitucional" considera que:

"uma lei, em virtude das circunstâncias de fato, pode vir a ser inconstitucional, não o sendo, porém, enquanto essas circunstâncias de fato, não se apresentarem com a intensidade necessária para que se tornem inconstitucionais". (grifo nosso)

Ainda nessa esteira de pensamento, Novelino [16] traz à colação decisão exarada pelo Ministro Celso de Mello que, em seu voto, cita o ensinamento de Gilmar Mendes, atual Presidente da Suprema Corte Brasileira, acerca do assunto. Mendes assevera que: [a norma ainda constitucional está situada] " entre os estados de plena constitucionalidade ou de absoluta inconstitucionalidade". Ademais, o mesmo autor aponta as redações do art. 27 da Lei n.9.868/99, que regula o processo e julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade, e do art. 11 da Lei n. 9.882/99, que regula o procedimento da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, que prevêem expressamente a modulação temporal dos efeitos da decisão, o que significa sobremaneira a aplicação da técnica ora ensinada, daí também denominar tal técnica "inconstitucionalidade progressiva", quer dizer progressivamente a Lei torna-se inconstitucional.

Posto tudo isso, vemos que a base para a construção de uma argumentação a favor ou contra a Constitucionalidade de determinado Instituto ou Lei é o estudo de todas as imbricações existentes naquilo que passamos aqui a denominar como "hiperdimensão", uma vez que a análise sistemática-teleológica a que esta permite o pesquisador a enfrentar dá a este uma compreensão muito mais abrangente de qualquer Sistema que estude. Nesse quadro, a análise da dimensão empírica do Direito surge apenas como instrumento de uma técnica judicial que se aventure e.g. a construir um "Direito Fundamental Completo" [17].

Sobre o autor
Marlon Carvalho de Sousa Rocha

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado de Mato Grosso.<br>Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Educacional Damásio de Jesus.<br>Servidor público do Judiciário Federal Trabalhista (TRT da 23ª Região)<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Marlon Carvalho Sousa. Uma questão de princípios.: Estudando a Lei nº 11.705/08 ("Lei seca" brasileira) pela óptica do pós-positivismo alexyano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1963, 15 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11974. Acesso em: 23 dez. 2024.

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