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A dispensa da empregada doméstica gestante como obstativa de direitos

I – A situação atual das empregadas domésticas gestantes

Por inúmeros fatores sociais, econômicos e até culturais, é comum a dispensa de empregadas domésticas gestantes quando informam o empregador o seu estado gravidico ou quando ficam limitadas fisicamente para a realização de determinados serviços. Na quase totalidade dos casos, ocorre a contratação de uma nova empregada.

Geralmente, a dispensa ocorre na medida em que o empregador doméstico não deseja firmar outro vínculo de trabalho doméstico no período em que a empregada gestante estiver de licença maternidade, e, conseqüentemente, assumir outros os encargos previdenciários e aqueles decorrentes da resilição de um dos contratos de trabalho com o retorno da empregada licenciada.

Por outro lado, todos temos conhecimento das dificuldades das empregadas gestantes dispensadas, sejam elas domésticas ou não, em conseguir uma nova colocação profissional.


II – Dissolução do contrato

Como todas as demais relações jurídicas, o contrato de trabalho nasce, desenvolve-se e chega ao seu termo final. A extinção normal do contrato ocorre pela cumprimento da obrigação.

Contudo, por vezes, o contrato de trabalho se extingue por causa supervenientes a sua formação (dissolução). Dissolução é gênero, do qual resolução, resilição e rescisão são espécies.

Em linha gerais, podemos dizer que a resolução refere-se ao não cumprimento das obrigações por uma das partes ou a condição resolutiva ou, ainda, a inexecução por motivo de força maior. A resilição, a extinção por vontade das partes, pode ser unilateral ou bilateral (distrato). Por fim, a rescisão refere-se a nulidade contratual.

Não havendo impedimento legal ou mesmo qualquer restrição, o empregador, assim com o empregado, pode dissolver o contrato de trabalho por sua vontade à qualquer tempo.


III – Inexistência de óbice legal

Inicialmente, com a promulgação da Constituição de 1988, havia dúvida sobre "estabilidade provisória" da empregada doméstica gestante.

Apesar dos argumentos apresentados por alguns jurislaboralista logo após o advento da Carta, o Direito do Trabalho brasileiro acabou por não reconheceu a empregada doméstica gestante a situação de estável ou, como alguns preferem, possuidora de uma garantia de emprego.

Atualmente, tanto a doutrina como a jurisprudência são praticamente unânimes nesse sentido.

A não extensão às empregadas domésticas da denominada "estabilidade" gestante encontra respaldo no princípio da legalidade (art. 5º, II, CF), somado aos preceitos elencados nos art. 10, II, b, do ADCT, e art. 7º, I, e parágrafo único, da Carta.

Devemos melhor expor essa temática.

Tanto o empregado, como empregador, e todas as demais pessoas não estão obrigados a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (princípio da legalidade). Trata-se de um princípio basilar do Estado Democrático de Direito.

O legislador constitucional delegou para as normas complementares regras de proteção da relação de emprego de caráter indenizatório e possíveis outros direitos de emprego contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa (art. 7º, I)

Em caráter transitório, fixou uma multa de 40% sobre o saldo do fundo de garantia por tempo de serviço para a rescisão do contrato por iniciativa do empregador e vedou a dispensa do empregado eleito para cargo de direção da comissão interna de prevenção de acidentes e da empregada gestante (art. 10, ADCT).

Por sua vez, as relações de emprego do empregado doméstico estão disciplinadas no parágrafo único do art. 7º, CF, e pela federal n. 5.859/72.

A fazer uma simples análise dos direitos dos empregados domésticos, verificamos que não há qualquer referência a proteção de dispensa prevista no art. 7º, I, CF, a qual, por sua vez, está disciplinada temporariamente pelo art. 10, ADCT.

Portanto, inaplicável às domésticas a "estabilidade" gestante do ordenamento jurídico trabalhista, remanescendo apenas o direito a licença gestante de cento e vinte dias (art. 7º, XVIII e parágrafo único, CF).

Em síntese, este é o raciocínio analítico jurídico utilizado para o caso apresentado.


IV – Principiologia do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho como ciência autônoma possui princípios próprios e específicos.

Renomados estudiosos, sem chegarem a um consenso, já se debruçaram sobre o estudo da principiologia trabalhista.

Em um dos mais completos estudos sobre o tema, Américo Plá Rodrigues enumera os princípios do Direito do Trabalho como sendo: protetor (in dubio pro operario; norma mais favorável e a condição mais benéfica); da irrenunciabilidade de direitos; da continuidade da relação de emprego; da primazia da realidade, da razoabilidade e da boa-fé.

Arnaldo Süssekind elenca como princípio específico do Direito do Trabalho: o princípio de proteção do trabalhador, o qual gera outros: o princípio in dubio pro operario; norma mais favorável; condição mais benéfica; primazia da realidade; integralidade e da intangibilidade do salário. Consagrados constitucionalmente, temos: o princípio da não-discriminação; da continuidade da relação de emprego; irredutibilidade do salário. Também menciona a importância do princípio da boa-fé no direito do trabalho.

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Entre os trabalhos sobre a principiologia do Direito do Trabalho, também devemos mencionar o do prof. Luiz de Pinho Pedreira da Silva, no qual apresenta os seguintes princípios: proteção; in dubio pro operario; norma mais favorável; da condição mais benéfica; irrenunciabilidade de direitos; continuidade; igualdade de tratamento; razoabilidade; primazia da realidade.

Para o nosso estudo, destacamos os princípios da continuidade, da razoabilidade e da boa-fé.


V – A dispensa obstativa

Como premissa do nosso trabalho, devemos esclarecer o instituto da dispensa obstativa.

A dispensa obstativa ocorre quando o empregador dissolve o contrato de trabalho com o intuito de prejudicar o empregado na aquisição de direitos, os quais passariam a existir caso o contrato mantivesse o seu curso natural.

No Direito do Trabalho, presume-se obstativa a dispensa que impede o empregado de adquirir a estabilidade decenal (art. 499, § 3º, CLT). O Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a presunção mencionada se configura aos nove anos de serviços (En. n. 26, TST).

Ao fazer referência ao dispositivo da CLT, Francisco Antonio de Oliveira afirma que esse artigo foi inspirado pelo art. 120 do Código Civil.

A legislação civil, ao tratar da condição como elemento acidental do negócio jurídico, considera verificada a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela parte a quem aproveita o seu implemento. Do mesmo modo, tem-se não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele que aproveita o seu implemento (art. 120, CC).


VI - O direito obstado

No caso de empregada doméstica, o valor do salário-maternidade corresponderá ao do último salário-de-contribuição, sendo devido, em regra geral, pelo prazo de cento e vinte dias (art. 7º, XVIII, CF), no período de vinte e oito dias antes e noventa e dois dias depois do parto (art. 71, Lei n. 8.213/91), a ser pago diretamente pelo Instituto Nacional da Seguridade Social (art. 73).

Contudo, o salário-maternidade somente é devido pela previdência social enquanto existir a relação de emprego (art. 97, Decreto n. 3.048, 06.05.99).


VII – A presunção de dispensa obstativa da emprega doméstica gestante

Não pretendemos aqui ressuscitar a velha discussão sobre a aplicabilidade ou não do previsto no art. 7º, I, CF, e art. 10, II, b, ADCT à empregada doméstica, mas sim apresentar outras reflexões.

Com a resilição do contrato por iniciativa do empregador, a empregada doméstica gestante, em não conseguindo um novo emprego, deixa de usufruir do direito a licença gestante de cento e vinte dias e, conseqüentemente, não perceberá o salário-maternidade.

Temos para nós que nesses casos há uma presunção de dispensa obstativa, a qual, não desconfigurada, deve ser convertida em indenização a ser paga pelo empregador.

O fato de o empregador contratar uma nova empregada doméstica, ratifica essa presunção.

Nessa linha de raciocínio, o direito obstado convertido em indenização deverá corresponder ao salário-maternidade não percebido (art. 1.059, CC).

Tal afirmativa decorre do confronto do caso fático com os princípios continuidade das relações de trabalho, da razoabilidade e da boa-fé do Direito do Trabalho.

Analisemos tal assertiva.

O princípio da continuidade é aquele em virtude do qual o contrato de trabalho perdura até que sobrevenham circunstâncias previstas pelas partes ou em lei como idôneas para fazê-lo cessar. Tais circunstâncias podem ser, por exemplo, um pedido de demissão, uma despedida, um termo.

Para compreendermos este princípio devemos partir da base que o contrato de trabalho é um contrato de trato sucessivo, ou seja, que a relação de emprego não se esgota mediante a realização instantâneas de certo ato, mas perdura no tempo. A relação empregatícia não é efêmera, mas pressupõe uma vinculação que se prolonga. É um princípio que milita a favor do empregado.

Após atribuir ao princípio da continuidade as projeções (preferência pelos contratos de duração indeferida; amplitude para a admissão das transformações do contrato; facilidade para manter o contrato, apesar dos descumprimentos ou nulidades em que se haja incorrido; resistência em admitir a rescisão unilateral do contrato, por vontade patronal; interpretação das interrupções dos contratos como simples suspensões; manutenção do contrato nos casos de substituição do empregador), o professor Américo Pla conclui que observando e resumindo este conjunto de projeções, podemos dizer que a continuidade se sobrepõe à fraude, à variação, à infração, à arbitrariedade, à interrupção e à substituição.

Por sua vez, o princípio da razoabilidade consiste na afirmação essencial de que o ser humano, em suas relações trabalhistas, procede e deve proceder conforme à razão. Possui um caráter subjetivo na avaliação e aplicação no caso fático.

O princípio da razoabilidade encontra suas bases na teoria da lógica do razóavel, de Recaséns Siches e Perelman, como na jurisprudência sociológica norte-americana, desenvolvida no final do século XIX pelo juiz Holmes, na Corte Suprema dos Estados Unidos, deitando raízes ainda na doutrina alemã da jurisprudência dos interesses, a que se propagou, no campo do direito, essa espécie de lógica, já estudada na filosofia, como recorda Diogo Figueiredo, que acrescenta: ‘Sob o influxo dessas duas linhas de pensamento a preocupação formalista foi cedendo ao primado dos interesses tutelados. A superação do formalismo axiológico e do mecanismo decisional em Direito ficam a dever à lógica do razoável, que pôs em evidência que o aplicador da lei, seja o administrador, seja o Juiz, não pode desligar-se olimpicamente do resultado de sua decisão e entender que cumpriu o seu dever com a simples aplicação silogística da lei aos fatos: sua tarefa é criativa por natureza pois, com ela, ambos integram a ordem jurídica.

Com efeito, à luz da razoabilidade, os atos administrativos, bem como os jurisdicionais, ganham pela justificação teleológica, concretizam o Direito e dão-lhe vida, ao realizarem, efetivamente, a proteção e a promoção dos interesses por ele destacados e garantidos em tese.

À luz da razoabilidade, o Direito, em sua aplicação administrativa ou jurisdicional contenciosa, não se exaure num ato puramente técnico, neutro e mecânico; não se esgota no racional nem prescinde de valorações e de estimativas: a aplicação da vontade da lei se faz por atos humanos, interessados e aptos a impor os valores por ele estabelecidos em abstrato’.

O princípio da razoabilidade representa óbice ao abuso do jus variandi (ato abusivo), tendo fácil visualização nos casos de aplicação de punição excessiva ou transferência de função ou horário com a finalidade de prejudicar direitos ou o cumprimento do contrato de trabalho.

Por fim, talvez não como um princípio específico do Direito do Trabalho, mas sim do Direito – princípio geral –, ainda temos princípio da boa-fé, pelo qual as partes sempre devem cumprir as suas obrigações contratuais com fidelidade e boa-fé.

Sempre se teve boa-fé no sentido de expressar a intenção pura, isenta de dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio ou executa o ato, certa de que está agindo na conformidade do direito, conseqüentemente, protegida pelos preceitos legais.

Desta forma, quem age de boa-fé, está capacitado de que o ato de que é agente, ou do qual participa, está sendo executado dentro do justo e do legal.

É, assim, evidentemente, a justa opinião, leal e sincera, que se tem a respeito do fato ou do ato, que se vai praticar, opinião esta tida sem malícia e sem fraude, porque, se se diz justo, é que está escoimada de qualquer vício, que lhe empane a pureza da intenção.

Protege a lei todo aquele que age de boa-fé, quer resilindo o ato, em que se prejudicou, quer mantendo aquele que deve ser respeitado, pela bonae fidei actiones.

É assim que a boa-fé provada ou deduzida de fatos que mostram sua existência, justifica a ação pessoal, pela qual se leva à consideração do juiz o pedido para que se anule o ato praticado, ou se integre aquele que agiu de boa-fé no direito, que se assegurou, quando de sua execução.

Corroborando com tais princípios, o texto legal declara a nulos pleno direito os atos praticados com o objetivo de impedir ou fraudar direitos trabalhistas (art. 9º, CLT) e as alterações contratuais prejudiciais aos direitos dos empregados (art. 468).


VIII - Decisões dos Tribunais

Após exaustiva pesquisa jurisprudencial, verificamos que a Justiça do Trabalho se manifestou sobre a matéria aqui analisada. No entanto, sem adotar um posicionamento único.

"Empregada doméstica despedida sem justa causa no curso da gestação faz jus ao pagamento de 120 dias de salários, indenização correspondente à licença à gestante (CR, art. 7º, inciso XVIII)" (TRT-12ª Reg., 2ª T, Proc. RO-5976/94; Rel. Juiz Moreira Cacciari; BJ abr/97).

"Ainda que não se reconheça o direito à indenização pela estabilidade, em caso de trabalhadora doméstica, nada impede que seja deferido o salário-maternidade, pois, no pedido maior encontra-se embutido o menor. É desnecessário pleito expresso nesse sentido ante o princípio da ultrapetição que se aplica ao processo do trabalho, desde que a causa de pedir não possua autonomia, estando imbricada ao pedido principal, de modo que os princípios do contraditório e da ampla defesa, de berço constitucional, sejam atendidos integralmente. Aplicação do brocardo conhecido: quem pede o mais, sempre, pede o menos. Recurso provido em parte, no particular". (TRT-9ª Reg., 2ª T, Proc. RO-10.876/95; Rel. Juiz Ney Freitas; DJ-PR de 17.01.97).

"Empregada doméstica - Resilição do contrato de trabalho - Estado Gravídico - Salário-maternidade - Indevida a indenização do período referente à licença-gestante. Através de uma interpretação sistêmica dos arts. 15, 71 e 73 da Lei nº 8.213/91, não faz jus a empregada doméstica à indenização do salário-maternidade, referente ao período da licença à gestante (120 dias), uma vez que o ato potestativo do empregador de romper o contrato de trabalho não inviabiliza a concessão do referido benefício, ainda mais quando ficar comprovado nos autos que o direito a ele ainda não passa de uma mera expectativa." (TRT - 12ª R - 2ª T - Ac. nº 10773/99 - Rel. Juiz Dilnei Ângelo Biléssimo - DJSC 19.10.99 - pág. 103)" .

"Salário-maternidade - Trabalhador doméstico. O fato da Previdência Social não condicionar o pagamento do salário maternidade a prazo de carência, e nem mesmo à permanência no emprego da empregada doméstica, o gozo desse benefício ocorre sem prejuízo da continuidade do vínculo por norma constitucional." (TRT - 12ª R - 1ª T -Ac. 9.761/99 - Rel. Juiz Luiz Fernando Cabeda -DJSC 24.09.99 - pág. 192)".


Conclusão

Feitas essas elucidações, consideramos que a resilição contratual por iniciativa do empregador, no caso de empregada doméstica gestante, é obstativa, já que a dispensa imotivada implica em um fator impeditivo a manutenção do contrato de trabalho à época que antecede o parto (início da licença gestante), pois se o contrato mantivesse o seu curso natural e as partes agissem de boa-fé, dentro de uma razoabilidade, a empregada adquiria o direito à licença gestante, passando a perceber o salário-maternidade.

A contratação de uma nova empregada doméstica evidencia a intenção do empregador em frustrar direitos.

De qualquer forma, a dispensa obstativa da empregada gestante somente representa uma presunção juris tantum. E se assim entendido, o direito frustrado, salários-maternidade não percebidos, deve ser convertido em perdas e danos a ser pago pelo empregador.


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TEIXEIRA FILHO, João de Lima. Repertório de Jurisprudência Trabalhista. São Paulo: Renovar, vol. VII.

Sobre os autores
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

advogado, professor de Direito da Faculdade Mackenzie, ex-procurador chefe do Município de Mauá, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

Francisco Ferreira Jorge Neto

Juiz do Trabalho em São Paulo, mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP, professor convidado da pós-graduação lato sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Escreveu vários livros sobre Direito do Trabalho. Foi professor concursado do Instituto Municipal de Ensino Superior de São Caetano do Sul (IMES).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa; JORGE NETO, Francisco Ferreira. A dispensa da empregada doméstica gestante como obstativa de direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1200. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado pelo Suplemento Trabalhista LTr, 79/2000.

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