5. Do Assédio Processual e da Litigância de Má-Fé
Há, em doutrina, algumas tentativas de se fazer distinção entre o assédio processual e a litigância de má-fé, mas o que se sucede, na verdade, é uma questão de intensidade, de grau propriamente dito, pois, a prática de apenas um ato que possa caracterizar a parte como litigante de má-fé ou mesmo a prática de ato atentatório à dignidade da justiça ou ao exercício da jurisdição (arts. 14, 17 e 600, do CPC), não seria suficiente, pela falta de reiteração, para caracterizar o assédio processual, mas, de outro lado, se a conduta da parte revela sucessivos atos que a enquadre como litigante de má-fé, pela repetição insistente e pelos presumíveis objetivos ilícitos, em manifesto prejuízo a parte adversária e ao exercício da jurisdição, aí sim, poderia ser classificada como assédio processual.
Não parece acertada a opinião, que vez ou outra se vê, de que o sujeito passivo da litigância de má-fé é a parte que litiga contra o assediador, ao passo que, no assédio processual as vítimas seriam a um só tempo, aquela e o Estado.
Em ambos os casos, tanto a parte que sofre as agressões diretamente, como o Estado, muitas vezes apenas indiretamente, já que não é ele propriamente o alvo escolhido pelo agressor, são sujeitos passivos da conduta reprovável, vez que os efeitos gerados, com distinção de grau (menor na litigância de má-fé e maior no assédio processual), atingem tanto os legítimos interesses da parte adversária, como os objetivos da prestação jurisdicional, e por extensão, o interesse público, já que é dever do Estado-juiz zelar pelo rápido andamento das causas (arts. 765 da CLT e 125, inc. II, do CPC) e de prestar jurisdição em tempo razoável (CF, art. 5º, inc. LXXVIII).
Tanto no assédio processual como na litigância de má-fé há uma considerável redução da efetividade e da celeridade do processo e da eficiência da prestação jurisdicional, colocando as instituições judiciárias em condição de impotência, diante das atitudes procrastinatórias do litigante, transmitindo à opinião pública a impressão de que o sistema judiciário não funciona a contento, é lento, é ineficiente e é incapaz de resolver seus próprios problemas internos, o que dirá os problemas dos jurisdicionados. 23
Processo rápido não existe em lugar nenhum do mundo, a não ser por exceção, mas não por definição e como regra geral, mas, de outro lado, prestação jurisdicional que demora demais, para que o bem da vida perseguido seja efetivamente entregue a quem tem razão, é inaceitável, e todo comportamento que venha a frustrar a garantia constitucional da razoável duração do processo deve ser combatida com rigor pelo Judiciário.
6. Da Finalidade da Reparação
Deve ser destacado, quando se conclui que há assédio processual, ensejando a fixação de reparação pelos prejuízos que dele deriva, que a vítima deve receber uma compensação pelo sofrimento proporcionado pela morosidade processual dolosamente provocada pelo seu ex adverso, e ainda, o caráter pedagógico e repressivo jacente à idéia de indenização dos prejuízos imateriais.
A fixação de indenização, nesse caso, acaba por constituir em instrumento destinado a tornar realidade a propalada e desejada efetividade processual, desestimulando a chicana e os atos tendentes a tornar demorada a prestação jurisdicional e a efetivação do comando emanado do provimento jurisdicional condenatório.
Abstratamente examinada a questão, tornando-se uma constante nas decisões de magistrados de primeiro e segundo graus de jurisdição, é previsível que servirá para desencorajar tanto aquele que foi condenado (para outros processos, futuros ou em andamento) como aos litigantes em geral, deixando de ser atraente retardar o cumprimento da obrigação reconhecida em definitivo em decisão judicial.
Tanto quanto em qualquer indenização que se arbitre por lesão a bens imateriais, ou seja, insuscetíveis de avaliação econômica, por se configurarem em situações jurídicas não patrimoniais, nem por isso órfão de tutela jurídica, a reparação por assédio processual cumpre três funções básicas: compensatória (para amenizar o sofrimento da vítima), pedagógica (ensinando ao infrator que o mesmo não deve agir desse modo, sob pena de sofrer um prejuízo material) e repressiva (tornando desinteressante ao infrator reiteração de conduta dessa ordem).
A relação processual se de um lado, não é exatamente um contrato, já que as partes e os demais participantes da mesma, claro que não apenas por esta razão, não estipulam voluntariamente direitos e obrigações processuais, a não ser excepcionalmente, mas, são jungidas, em regra, ao que prescreve o ordenamento jurídico, de outro lado, cria vínculos jurídicos, envolvendo os litigantes e o juiz, podendo atrair terceiros intervenientes, a depender de cada situação, todos devendo tratar-se reciprocamente com respeito, lealdade e consideração.
Em juízo se discutem fatos e direitos que têm origem numa relação jurídica contratual, em sua maioria, como se dá com o contrato de trabalho e os conflitos por ele gerados e submetidos à Justiça do Trabalho para solução, sendo dever dos contratantes guardarem, como se nota do art. 422, do Código Civil de 2002, durante a execução e na conclusão dos contratos (das obrigações deles derivadas) os princípios de probidade e boa-fé.
Esta regra, conquanto concebida para os contratos regulados pelo direito civil, pode e deve ser aplicada, porque não há incompatibilidade, em todas as modalidades contratuais, cujas fontes normativas regentes provêm de outros ramos do direito, como se sucede com o contrato de trabalho.
Destarte, se em juízo, depois de concluído o contrato de trabalho, ou mesmo se este ainda estiver em curso, discute-se a existência de direitos não satisfeitos, ou seja, o descumprimento de obrigações contratuais, por parte do trabalhador ou do empregador, parece razoável que se entenda que as partes da relação de direito material continuam obrigadas a se respeitarem, agindo com probidade e boa-fé.
Havendo excessos por parte de uma delas, quando atuando em juízo, impondo dano a bens imateriais a outra parte, causando-lhe sofrimento provocado pela angústia da espera, pela incerteza do resultado, pela insegurança quanto ao futuro, pela necessidade do bem sonegado, pela impossibilidade de realização de objetivos (que necessitam do cumprimento da obrigação pelo seu adversário na demanda), pelo adiamento de sonhos e expectativas, pelo tratamento de saúde que aguarda recursos, pelo presente do filho prometido e não cumprido e pela viagem com a família há tanto tempo planejada, entre tantas outras situações que poderiam ser imaginadas, mesmo depois de provado em juízo que seus direitos foram violados e mesmo recebendo provimento judicial favorável, parece certo que não se mostra justo deixar de apenar aquele que deu causa a todo esse sofrimento. 24
Afirmar que não se pode condenar em reparação dessa ordem porque a atuação em juízo se conforma com as normas processuais vigentes, repugna às idéias de justiça, dignidade humana e igualdade, verdadeiros valores consagrados pela ordem constitucional.
Jamais poderá ser aceito o entendimento de que a garantia do amplo direito de defesa justifica que se dêem tantas oportunidades a quem descumpre a lei, sem impor nenhuma sanção quando derrotado em sucessivas tentativas de retardar a prestação jurisdicional ou a efetivação dos provimentos jurisdicionais.
Outro aspecto que é conveniente ressaltar prende-se ao fato de que as obrigações oriundas do contrato de trabalho, cabíveis ao empregador, via de regra se revestem de natureza alimentar, na medida em que a principal delas, o pagamento da remuneração pelos serviços prestados, destina-se à satisfação de necessidades vitais do trabalhador e sua família (alimentação, vestuário, moradia, educação, saúde, lazer, higiene etc.).
A natureza alimentar do crédito trabalhista por certo não se compatibiliza com a conduta do empregador na sua atuação em juízo, visando retardar a entrega do bem da vida ao trabalhador que tem razão, sob pena de perder sua função e gerar danos irreparáveis ou de difícil reparação, o que exige maior rigor na repressão aos atos processuais com esse propósito. 25
Já não é sem tempo de a doutrina, igualmente, atuar nesta frente de batalha, buscando alternativas viáveis perante o ordenamento jurídico que possam penalizar aquele que impõe prejuízo ao outro litigante, por atos unicamente protelatórios. 26
7. Da Reparação Ex Officio
A imposição da obrigação de reparar os danos ao litigante que comete assédio processual não depende de requerimento do lesado, porque antes de visar compensar os transtornos causados a este, tem por escopo preservar e defender o exercício da jurisdição e a autoridade que deve ser creditada às decisões jurisdicionais.
Há o interesse público em coibir os excessos verificados em condutas contrárias à boa-fé, aos bons costumes, à moral e à ética e à lealdade processual, garantindo credibilidade e eficiência ao processo, enquanto instrumento da jurisdição, meio civilizado e democrático, necessário ao próprio exercício do poder jurisdicional pelo Estado-juiz.
É do interesse da coletividade que as normas legais e os contratos sejam cumpridos voluntariamente e que os inadimplementos encontrem resistência adequada e tempestiva no sistema processual, quando provocado pelos prejudicados, gerando segurança jurídica e garantindo a estabilidade das relações jurídicas.
Quando, ao inverso disso, as pessoas mal intencionadas percebem que é mais vantajoso descumprir suas obrigações legais e contratuais, porque o risco que correm se acionadas em juízo não é de grande monta, podendo usar e abusar de todas as faculdades processuais disponíveis no sistema para protelar o cumprimento da obrigação, sem que com isso sofram penalizações, instaura-se um clima de desconfiança na lei e nas instituições judiciárias, de verdadeira insegurança generalizada, reduzindo o nível de convivência pacífica e aumentando o grau de violência e de tentativas de se fazer justiça com as próprias mãos.
Como se observa, é do interesse da sociedade e do Estado que o litigante que reiteradamente age de má-fé, abusivamente ou imoderadamente, com o claro intuito de protelar a entrega da prestação jurisdicional ou o cumprimento de obrigações já reconhecidas em juízo, seja penalizado, não apenas com multas pecuniárias, mas compensando o sofrimento causado à outra parte por meio de uma quantia em dinheiro, que poderá ser arbitrada pelo juízo, independentemente requerimento expresso da vítima.
8. Conclusão
O objetivo desse texto, conforme explicitado em sua introdução, não é esgotar o assunto tratado, nem posicionar-se de forma definitiva sobre as mais variadas polêmicas que suscita, mas sim, contribuir, mesmo que timidamente, para enriquecer o debate sobre ele, que ultimamente tem surgido com maior intensidade entre os operadores jurídicos, notadamente depois da EC 45/2004, que acrescentou ao art. 5º, da Constituição, o inc. LXXVIII, garantido a todos a razoável duração do processo.
Nessa perspectiva, como recomendam os estudos de metodologia da pesquisa, aplicáveis a um texto que tenha a pretensão de ser minimamente científico, cumpre nesse fechamento apresentar algumas conclusões sobre os aspectos abordados no desenvolvimento da matéria.
O assédio processual, seguramente, não é o único responsável pela demora na prestação jurisdicional e pela efetivação das decisões judiciais, mas é uma das causas da morosidade da Justiça, tão indesejada pela sociedade quanto combatida pela ciência processual, favorecido pelo sistema legal vigorante, marcado por uma burocracia gigantesca, muitas vezes inútil, sob o pretexto de prestigiar a segurança jurídica, como se esta fosse mais importante que a produção de resultados justos, individual e coletivamente, pela atividade jurisdicional.
Aquele que tem o propósito de retardar a entrega da prestação jurisdicional ou a efetivação da decisão judicial alega e recorre quantas vezes quiser, sem qualquer constrangimento, ainda que sofra sucessivas derrotas, muitas vezes com teses que colidem com a Constituição e a lei, desprovidas de fundamentos consistentes e de um mínimo de razoabilidade e de possibilidade de êxito, até mesmo contra texto expresso de lei ou de jurisprudência sedimentada nos tribunais superiores, em incansável repetição de recursos sobre matérias já decididas milhares de vezes em sentido inverso ao sustentado.
No âmbito da Justiça do Trabalho percebe-se, em expressiva quantidade de casos, ilimitada tolerância com a litigância de má-fé e com o assédio processual, que muitas vezes abdica do poder de punir quem assim age, cujas decisões se escudam na invocação da garantia do devido processo constitucional, com seus corolários, quais sejam, o direito a ampla defesa e ao contraditório, quando, para o bem da Justiça, não se poderia permitir tantas oportunidade de participação no processo com escopos ilícitos, imorais ou contrários aos bons costumes e ao exercício da jurisdição.
Tratando-se de verbas de cunho alimentar, a chicana e a procrastinação do processo praticadas pelos empregadores em sua atuação em juízo, acarretam presumíveis e graves conseqüências ao trabalhador, que se vê privado de recursos para satisfazer suas necessidades mais prementes, adiando sonhos e a realização de objetivos, diminuindo expectativas e pondo em descrédito a própria Justiça do Trabalho e sua capacidade de pacificar, resolvendo tempestiva e adequadamente os litígios.
O assédio processual, como parece cristalino, sempre é praticado através do uso de meios processuais legais, e nem por isso, há óbice ao seu reconhecimento e a aplicação das penalidades cabíveis. Não são os meios empregados pelo assediador, mas o exagero e a ilicitude do resultado pretendido que devem ser coibidos com rigor.
Com efeito, o que caracteriza o assédio processual não é o exercício moderado dos direitos e faculdades processuais, mas o abuso e o excesso no emprego de meios legalmente contemplados pelo ordenamento jurídico, para a defesa de direitos ameaçados ou violados.
A condenação do assediador por assédio processual, semelhante ao que ocorre com a reparação do dano imaterial, na prática, cumpre três funções: compensatória, pedagógica e repressiva, tornando desinteressante ao infrator a reiteração de condutas desta ordem.
Os danos causados a outra parte no processo não precisam ser provados, já que não se trata de danos materiais, embora esses também possam estar presentes, mas são presumidos pela gravidade da conduta do assediador e pelo tempo que conseguiu ganhar, em prejuízo aos direitos daquele que tem razão, a quem se destina a tutela jurisdicional. Bens e interesses imateriais juridicamente protegidos, na maioria dos casos, são os atingidos pelo assédio processual.
O apenamento do litigante assediador não exige requerimento da vítima, mas pode ser imposto ex officio pelo juiz, já que o dano não se limita a esfera do ex adverso, mas atinge a própria confiabilidade, eficiência e credibilidade das instituições judiciárias, militando em desfavor da garantia constitucional da razoável duração do processo, havendo interesse público na punição do agressor.
Por derradeiro, a priori, não se pode estabelecer uma regra única que possa ser a base para a condenação por assédio processual, pois, somente as particularidades do caso concreto, aliadas aos elementos genéricos e abstratos daquele, poderão levar a um convencimento sólido sobre sua caracterização.