Como se sabe, a Lei 11.187/05 alterou a regra geral de utilização do recurso de agravo e determinou a obrigatoriedade da forma retida para as decisões interlocutórias, ressalvados os casos suscetíveis de causar lesão grave ou de difícil reparação, bem como nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que esta é recebida, quando então, excepcionalmente, será admitida a interposição por instrumento.
Se, por um lado, buscou a norma conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, não podemos nos olvidar, de outro, da exata função atribuída ao processo, que é a de dar efetividade às regras do direito material.
Assim é que, em razão dessa instrumentalidade, forma e conteúdo estão aqui, indissociavelmente, interligados, formando um todo único, numa relação de completude entre um e outro, entre o ser do direito e o processo de sua produção (Calmon de Passos).
Temos, portanto, um aparente conflito de princípios, cuja resolução, como se sabe, não ocorre em abstrato, de forma apriorística, mas em concreto, caso a caso.
Nessa esteira, se não vier a tornar sem efeito o direito material perseguido, então a norma contida no artigo 527, II deve prevalecer, caso contrário, se o processamento do agravo, na forma retida, resultar na ineficácia do próprio provimento, então o relator deverá permitir o seu processamento por instrumento.
Não basta, assim, tão-somente, que a parte demonstre o perigo de dano imediato que terá com a decisão agravada, é preciso que o próprio relator verifique (princípio da cooperação) a utilidade prática de reter o agravo.
Se negativa a resposta, ou seja, se, invariavelmente, restar prejudicada a análise do agravo retido por ocasião da apelação, então será o caso de analisar, desde logo, o recurso na forma instrumental.
Cumpre-se com isso a norma, não com base (apenas) na letra fria da lei, mas nos princípios informativos do processo.
No que tange a liminar, seja para suspender a decisão, seja para antecipar os efeitos da tutela recursal pretendida, não há correlação necessária entre o processamento do agravo por instrumento e sua concessão.
Vale dizer: o fato de o relator autorizar o processamento do instrumento não significa, necessariamente, que concederá a liminar.
Parece incongruente, porque se o relator percebeu o perigo de lesão grave e de difícil reparação quando analisou, num primeiro momento, a possibilidade de conversão do agravo em retido, não poderia, agora, deixar de conceder a liminar.
Mas acontece que são muitas as variáveis: a) pode ocorrer que o relator tenha autorizado o processamento do instrumento por não verificar, como dito acima, utilidade prática na retenção do agravo; b) pode ocorrer que, não obstante a verificação do periculum in mora, o relator não esteja firme quanto a plausibilidade do direito alegado, razão pela qual pode preferir pelo processamento do agravo, com o aporte das informações e da contraminuta; c) por fim, pela própria questão temporal, especialmente nos casos de decisões interlocutórias proferidas no início do processo, liminarmente, porque uma coisa é aguardar o trâmite do agravo de instrumento, mais célere; outra, bem diferente, o trâmite completo da processo em primeiro grau.
Enfim, o perigo de lesão verificado no curso do trâmite recursal não é o mesmo verificado no curso do processo. Neste último, em razão da sua amplitude própria, a parte terá de conviver com os efeitos da concessão (ou negativa) da liminar por um período muito maior do que conviveria no decorrer do agravo.
Em conclusão, pode-se afirmar que o que deve reger o processamento do agravo e, em última análise, a própria liminar, é a efetividade do provimento pretendido (princípio da utilidade). Esvaziado o conteúdo da irresignação caso a pretensão seja analisada apenas por ocasião do apelo (em preliminar), é mesmo o caso de autorizar o agravo na forma de instrumento. Caso contrário, a literalidade da lei deve prevalecer.