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A decisão do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade difuso e a vinculação de sua fundamentação

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Agenda 05/03/2009 às 00:00

Diante dos novos anseios jurídicos pós-positivistas, não há dúvida acerca da maior compatibilidade com o Direito pátrio da força vinculante do precedente do STF mesmo em controle de constitucionalidade difuso.

Sumário: 1. Introdução – 2. Breves Reflexões acerca do controle de constitucionalidade – 2.1. Conceito – 2.2. Pressupostos – 2.2.1. Constituição Escrita – 2.2.2. Constituição Rígida – 2.2.3. Órgão Competente – 2.3. Antecedentes Históricos dos modelos de controle de constitucionalidade no mundo e no Brasil – 2.4. Controle de Constitucionalidade concentrado e difuso e os efeitos tradicionais de sua decisão – 2.5. As influências do neoconstitucionalismo no controle de constitucionalidade – 3. A necessidade de vinculação da fundamentação da decisão do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade difuso e sua maior coerência com o sistema jurídico – 3.1. A Função criativa da jurisdição - Refletindo sobre a teoria do precedente (a ratio decidendi) – 3.2. A repercussão Geral como pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário e a objetivação (dessubjetivação ou abstração) do controle "concreto" - 3.3. A suspensão da execução do ato declarado inconstitucional pelo Senado Federal. A mutação constitucional do art. 52, X, CR - 4. Conclusão - 5. Referências.


1. INTRODUÇÃO:

A Constituição da República Federativa do Brasil previu, em seu próprio texto, mecanismos para garantir sua superioridade. Deste modo, estabeleceu um sistema para sua autodefesa diante de omissões e atos emanados pelo próprio Poder Legislativo (leis) ou ainda pelo Poder Executivo (atos normativos) os quais possam violá-la.

Esse instrumento de proteção da supremacia constitucional é, justamente, o controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos que possui como escopo fundamental a fiscalização da compatibilidade daqueles atos em geral com a Carta Magna. Neste diapasão, a fim de manter uma coerência sistêmica, o ordenamento jurídico, escalonado que é, tem como base de validade para as demais regras a própria Constituição.

Assim, nos diversos países que adotam uma constituição formal e rígida [01], que a entendem como Paramount Law, e que estabelecem, ao menos, um órgão competente para julgar a sua harmonia com as regras inferiores existe esse processo de resguardo da preeminência constitucional. Neste turno, alguns Estados Democráticos positivaram, como modelo de fiscalização da constitucionalidade, o controle concentrado (principalmente os países da Europa), outros utilizaram o sistema difuso para a referida tutela (v.g., EUA), sem falar naqueles que adotaram uma forma híbrida, como é o caso do Brasil.

A matriz daquele controle incidental, exercido por todo e qualquer juiz ou tribunal, está intimamente relacionada com o Direito norte-americano e o seu judicial review of legislation e o leading case William Marbury "versus" James Madison. Portanto, a fiscalização da constitucionalidade das normas ficava a cargo do Poder Judiciário donde surgiu o célebre brocardo americano sintetizado pelo juiz Hughes: "we are under a Constituition but the constitution is what the judges say it is". [02]

Por outro lado, no que diz respeito à forma concentrada de proteção da magnitude da Lei Maior, ganha relevo os ensinamentos de Hans Kelsen e sua influência na Oktoberverfassung – Constituição Austríaca, promulgada em 1° de outubro de 1920. Frise-se, ainda, que este paradigma de controle concentrado de constitucionalidade não se confunde com o sistema difuso introduzido pelo judicial review americano.

Hodiernamente, vive-se um novo "movimento" caracterizado pela relevância dada aos princípios e, ipso facto, aos direitos fundamentais; pela proporcionalidade/razoabilidade como postulado normativo eficaz para a solução das antinomias envolvendo os valores constitucionais [03]; pela compreensão da Constituição como centro de todo ordenamento jurídico – Estado Constitucional de Direito – bem como a força normativa e vinculante de todas as suas normas; pela maior proximidade entre o direito e a moral [04]. Não se pode olvidar, também, a importante contribuição desta teoria – chamada de Neoconstitucionalismo – para a ampliação da jurisdição constitucional e o "protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a constituição" [05]. Portanto, não poderia o estudo do controle de constitucionalidade, diante deste mundo pós-positivista, ficar inerte aos avanços propostos pelo neoconstitucionalismo.

Em outra esteira, tradicionalmente, tem-se entendido que a decisão do Supremo Tribunal Federal, nestes processos de aferição da compatibilidade constitucional, gera efeitos diferentes a depender da modalidade de fiscalização adotada. Assim, tratando-se de controle de constitucionalidade concentrado, o julgamento do STF tem o condão de vincular os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, sem falar em sua eficácia erga omnes. Já no que diz respeito à forma difusa de resguardo da hegemonia constitucional, ao revés, a declaração da inconstitucionalidade restringe-se as partes litigantes, ainda que proferida pelo próprio guardião da Constituição.

Todavia, diante dos novos anseios jurídicos pós-positivistas, não há qualquer dúvida acerca da maior compatibilidade com o Direito pátrio da força vinculante do precedente do Supremo Tribunal Federal mesmo em controle de constitucionalidade difuso. Não se ignora o art. 52, X da CR [06] que possibilita este efeito ampliativo, contudo, mais acertados são aqueles que propõem a mutação constitucional deste preceptivo o qual, atualmente, na forma como é entendido, tem pouca aplicabilidade prática.

Diante disso, indubitável o necessário caminhar para uma evolução do Direito Constitucional, principalmente em relação à jurisdição constitucional. Neste turno, em tempos de função criativa da jurisdição, teoria do precedente, não há como negar o princípio do stare decisis [07]- [08] incidente na referida questão.


2. BREVES REFLEXÕES ACERCA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE:

Hans Kelsen, em sua obra Teoria Pura do Direito, já afirmava que "a ordem jurídica não é um sistema de ordens jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas" e "a Constituição representa o escalão de direito positivo mais elevado" [09]. Goza de tal posição, justamente, por ser fruto de um poder constituinte originário ao passo que as demais regras são inseridas pelos poderes por ela introduzidos (poderes constituídos).

Nesse sentido, o professor português J. J. Gomes Canotilho ensina que decorre deste posicionamento hierárquico superior a vinculação do legislador à constituição.

A vinculação do legislador à constituição sugere a indispensabilidade de as leis serem feitas pelo órgão, terem a forma e seguirem o procedimento nos termos constitucionalmente fixados. Sob o ponto de vista orgânico, formal e procedimental as leis não podem contrariar o princípio da constitucionalidade. A constituição é, além disso, um parâmetro material intrínseco dos actos legislativos, motivo pelo qual só serão válidas as leis materialmente conformes com a constituição. A proeminência ou supremacia da constituição manifesta-se, em terceiro lugar, na proibição de leis de alteração constitucional, salvo as leis de revisão elaboradas nos termos previstos pela própria Constituição [10].

Contudo, não existiria qualquer relevância prática a referida supremacia caso não houvesse um mecanismo de controle de tais normas infraconstitucionais. Diante disso, surgiu, nos diversos sistemas jurídicos, o controle de constitucionalidade buscando, justamente, a proteção da Carta Magna em face das regras elaboradas pelo parlamento ou ainda em relação aos atos normativos emanados do poder executivo.

Neste diapasão, este mecanismo de aferição da compatibilidade das leis e atos do poder público com a Constituição é imprescindível no Direito Constitucional Contemporâneo. Assim, utilizando as palavras de George Salomão Leite, define-se controle de constitucionalidade como "um processo exercido por um órgão estatal, concretizado através da realização de um juízo comparativo, é dizer, mediante uma análise acerca da compatibilidade de um ato praticado pelo Estado tendo como parâmetro a Constituição. Portanto, aquele que realiza referida atividade fiscalizatória põe ante a si um ato estatal e a Constituição, para saber da adequação daquele em face desta" [11].

Neste caminhar, ontologicamente, esse processo é uma garantia da tutela da magnitude da Lei Soberana já que esta traz, inclusive, princípios e regras que servem de fundamento para a organização do estado: disciplinando a sua forma; a forma e sistema de governo; seus objetivos fundamentais; a composição e competências de seus órgãos; as responsabilidades de seus dirigentes bem como as garantias e direitos fundamentais. A Lex Legum, então, em razão da substancialidade de suas normas, por decorrer de um poder constituinte originário e por ser também "a norma positiva ou normas positivas através das quais é regulada a produção das normas jurídicas gerais" [12], merece esse status de hegemonia e, a fim de viabilizá-lo, um mecanismo de controle.

2.2. Pressupostos:

Faz-se mister esclarecer, ainda, que nem todo Estado Democrático possui um processo tendente a fiscalizar a harmonia das leis infraconstitucionais com a Norma Fundamental. Deste modo, v.g., na Inglaterra vigora o princípio da supremacia do parlamento (Supremacy of the Parliament) de modo que não se admite quaisquer fiscalizações dos seus atos. Portanto, para existir controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos é indispensável a presença de alguns requisitos tais como: Constituição escrita, rígida e suprema bem como a previsão de órgão competente para o exame da (in)constitucionalidade.

2.2.1. Constituição Escrita:

A doutrina tem classificado as Constituições quanto à sua forma em escrita e não-escrita ou costumeira. Pelas primeiras, entendem-se como aquelas formadas por um conjunto de normas estabelecidas num único documento escrito. Neste sentido, o doutor Dirley da Cunha Júnior sublinha que a "Constituição escrita, ou instrumental, é aquela cujas normas – todas escritas – são codificadas e sistematizadas em texto único e solene, elaborado racionalmente por um órgão constituinte" [13].

As não-escritas, por sua vez, são aquelas formadas em textos espargidos, id est, suas normas que "não estão plasmadas em texto único, mas que se revelam através dos costumes, da jurisprudência e até mesmo em textos constitucionais escritos, porém esparsos" [14]. Os defensores dela entendem que, o direito, como já sustentava Savgny, longe de ser uma arbitrária criação da vontade estatal, era produto do Volksgeist, do qual o costume é a manifestação mais autêntica, livre e direta [15].

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Para a viabilidade do controle de constitucionalidade, contudo, é importante que a Carta Política tenha observado o critério formal e escrito, pois, caso contrário, a proteção da Constituição ficaria impossibilitada. Além disso, as Constituições costumeiras, do ponto de vista jurídico, são flexíveis quanto à consistência não observando, inclusive, outro pressuposto do controle de constitucionalidade.

2.2.2. Constituição Rígida:

Outra classificação da Lex Superior, proposta pela doutrina constitucional, gira em torno da sua estabilidade, consistência ou mutabilidade. Neste sentido, as Constituições podem ser rígidas, flexíveis, semi-rígida ou semi-flexível [16] e, além disso, há quem acrescente a imutabilidade da Lei Maior. Esta, portanto, é uma criação teórica onde o poder constituinte não admite possibilidades de alteração em seu texto original. Frise-se que, atualmente, as Constituições Imutáveis encontram algum relevo apenas no aspecto científico, pois, do ponto de vista prático, tais modelos constitucionais são meras recordações da história.

As Constituições flexíveis, por sua vez, são aquelas que podem ser modificadas sem um mecanismo diferenciado. Nesta raia, o processo para transformação dos dispositivos constitucionais assemelha-se ao das leis infraconstitucionais. Por este turno, neste modelo não há como falar em "Lei Maior" já que legislação posterior pode revogar norma constitucional. Sendo assim, o conceito de superioridade das regras constitucionais fica prejudicado tornando impossível a referida aferição de compatibilidade das normas.

É, portanto, pressuposto para o controle de constitucionalidade dos atos normativos a existência de uma Constituição Rígida, que é entendida como "as constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas" [17]. Enfatize-se, então, que, no aspecto formal, é essa característica que proporciona o grau de Norma Jurídica Fundamental e Suprema. Diante disso, como vimos, o controle de constitucionalidade tem, precisamente, como alvo principal a preservação da primazia constitucional. Nessa esteira, poder-se-á cogitar controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos nos estados que adotarem constituições rígidas [18].

Sendo "garantia de tutela da magnitude da Lei Soberana", o controle de constitucionalidade de determinada norma subentende, materialmente, a rigidez constitucional e, via de conseqüência, sua supremacia. Por isso mesmo, a declaração de inconstitucionalidade substancial de uma lei, exempli gratia, só será possível em face da magnitude da Carta Política – pressuposta em razão da sua característica rígida.

2.2.3. Órgão Competente:

Basicamente, as maiores divergências acerca dos modelos de controle de constitucionalidade (difuso e concentrado) giram em torno deste requisito [19]. Todavia, ponto em comum entre toda e qualquer espécie desta tutela é a previsão de, pelo menos, um órgão competente para examinar a compatibilidade do ato e o paradigma constitucional. Assim, a própria Norma Superior estabelece o(s) sujeito(s) competente(s) para o exame da sua harmonia.

Sublinhe-se, então, que este controle poderá ser exercido por órgão da estrutura do Poder Judiciário ou, ainda, situar-se fora de qualquer um dos poderes. Em razão desta diferença, os autores vêm classificando os modelos de justiça constitucional. Neste sentido, torna-se imprescindível as lições do mestre Gomes Canotilho:

Sob o ponto de vista organizatório, os modelos de justiça constitucional reconduzem-se a dois grandes tipos: (1) o modelo unitário; (2) o modelo de separação. Segundo o modelo unitário, a justiça constitucional não tem autonomia organizativo-institucional, considerando-se que todos os tribunais têm o direito e o dever de, no âmbito das acções e recursos submetidos a decisão do juiz, aferir a conformidade constitucional do acto normativo aplicável ao feito submetido a decisão judicial. (...) No chamado modelo de separação a justiça constitucional é, sob o ponto de vista organizativo, confiada a um Tribunal especificamente competente para as «questões constitucionais» e institucionalmente separado dos outros tribunais [20].

Sendo assim, o importante é a previsão de um órgão, seja ele parte do Poder Judiciário ou não, competente para a análise da simetria entre os atos normativos em geral e a Constituição. Diante disso, não há como cogitar a possibilidade de controle de constitucionalidade na ausência de tal disposição.

2.3. Antecedentes Históricos dos modelos de controle de constitucionalidade no mundo e no Brasil:

O marco normativo do controle de constitucionalidade das leis foi a interpretação dada à regra positivada no artigo VI, cláusula 2° da Constituição dos Estados Unidos da América [21], de 17 de setembro de 1787. Este dispositivo, portanto, é considerado por muitos autores como a principal contribuição daquele país, aliado ao federalismo [22]. Assim, o sistema jurídico americano é o precursor do controle de constitucionalidade.

Isso porque, fundamentando naquele preceptivo, o Justice John Marshall, no leading case William Marbury vs. James Madison, deixou de aplicar lei ofensiva a Norma Fundamental, aplicando esta. "Se, pois, os tribunais não devem perder de vista a Constituição, e se a Constituição é superior a qualquer ato ordinário do Poder Legislativo, a Constituição e não a lei ordinária há de reger o caso, a que ambas dizem respeito." [23]

Neste sentido, o especialista em American Legal System Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy sustenta a importância daquela demanda e sua contribuição como fonte da proteção da superioridade constitucional:

O caso Marbury v. Madison, de 1803, deu início a modelo de controle de constitucionalidade substancializando percepção que nos dá conta de que nulas são as leis que afrontam os textos constitucionais, isto é a law repugnant to the Constitution is void, nos dizeres do Chief Justice John Marshall em 1803. O caso Marbury v. Madison foi a maior contribuição norte-americana ao Direito Constitucional. Declarou o princípio da supremacia do poder judiciário. Indicou o judicial review ou controle pelo judiciário da constitucionalidade das leis [24].

O julgamento, portanto, deste "caso líder" contribuiu significativamente para a doutrina americana do judicial review of legislation – controle de compatibilidade das leis e atos do poder público em face da Constituição, realizado pelos juízes e tribunais incidentalmente num processo judicial. Diante disso, nítida a equivalência deste judicial review com o controle de constitucionalidade difuso ou incidenter tantum, onde os magistrados também avaliam, de ofício ou provocado, diante de um caso concreto, a conformidade dos atos normativos com a Constituição.

Nesse caminhar, verifica-se que a matriz do sistema difuso de tutela constitucional está intimamente relacionada com o Direito Americano. Imprescindível salientar, ainda, que nos Estados Unidos a decisão da Supreme Court, em razão do princípio do stare decisis, vincula todos de modo que a lei declarada inconstitucional torna-se "dead law" dando, então, maior coerência ao ordenamento.

O controle de constitucionalidade concentrado, de outra banda, tem sua gênese relacionada ao brilhantismo de Hans Kelsen. O mestre de Viena, pois, no seu projeto de Constituição Austríaca, criou um sistema de análise da compatibilidade das leis com seu fundamento de validade maior diferente daquele adotado pelos americanos. Frise-se, de logo, que este modelo é adotado em significativos países europeus como, v.g., na Alemanha, Itália, Áustria, Espanha, Bélgica etc.

Nesta espécie de controle, a fiscalização da simetria entre os atos normativos e a própria Constituição é realizada por um Tribunal Constitucional. Neste diapasão, no ordenamento austríaco não é atribuído a um juiz ou tribunal o poder-dever de examinar essa compatibilidade de sorte que tal prerrogativa estava sob a égide exclusiva do Verfassungsgerichtshof [25].

Deste modo, os países, que adotaram esta forma de verificar a constitucionalidade das leis, instituíram Tribunais com tal objetivo. Enfatize-se, também, que eles não fazem parte da estrutura judiciária, em regra, sendo um órgão autônomo e independente de quaisquer dos poderes, como vimos. Isso porque "a concepção kelseniana diverge substancialmente da judicial review americana: o controlo constitucional não é propriamente uma fiscalização judicial, mas uma função constitucional autónoma que tendencialmente se pode caracterizar como função de legislação negativa". [26]

Vale dizer, ainda, que para muitos estudiosos da justiça constitucional, aqueles países adotaram o controle de constitucionalidade abstrato com objetivo de suas decisões possuírem força erga omnes. Isso porque, como não gozam do princípio do stare decisis, o controle difuso levaria a relevantes prejuízos como a possibilidade de uma lei ser declarada inconstitucional por um juiz e constitucional por outro ou, ainda, acarretar numa ampliação significativa de demandas, já que uma mesma lei, mesmo que já afirmada inconstitucional, seria objeto de novas discussões em outras causas; podendo, inclusive, ser considerada constitucional, como vimos. Deste modo, não há dúvidas da potencial insegurança e desigualdade causada com a não vinculação das decisões das Supremas Cortes em controle de constitucionalidade difuso.

O Brasil adotou um sistema misto de controle de constitucionalidade de modo que a verificação da compatibilidade constitucional de uma lei ou ato normativo opera-se tanto de forma concentrada perante o STF bem como de forma difusa através da fiscalização de todos os magistrados incidentalmente a uma questão principal. Todavia, nem sempre foi assim! A Constituição Imperial, por exemplo, não adotou nenhuma forma de controle de constitucionalidade, ao contrário, positivou o princípio da supremacia do parlamento [27].

Foi, portanto, com a constituição de 1891 que o controle de constitucionalidade esteve positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Essa Lex Major, fortemente influenciada pela república americana, [28] estabeleceu a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal Federal "quando se questionar sobre a validade, ou a aplicação de tratados e leis federais, e a decisão do Tribunal do Estado for contra ela" (art. 59,§ 1°, a). Com a nova ordem de 1934, algumas inovações ocorreram neste sistema de verificação da harmonia das leis, assim, e.g., o senado poderia suspender a execução, no todo ou em parte, do ato normativo declarado inconstitucional bem como a possibilidade da representação interventiva onde o procurador geral da república ingressava com ação no STF nos casos de violação dos princípios constitucionais sensíveis [29].

A Constituição do "Estado Novo", outorgada em 1937, por seu turno, estabeleceu o princípio da reserva do plenário e a possibilidade do Poder Executivo tornar sem efeito a declaração de inconstitucionalidade, se cada uma das Câmaras assim deliberassem por dois terços dos votos [30]. Com o advento da Carta Política de 1946, tal impureza foi expurgada do novel ordenamento constitucional. Nesta Lei Maior, ainda, teve início o controle de constitucionalidade concentrado no Brasil. Todavia, este não foi introduzida no texto original sendo incorporada através da emenda constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965.

A Norma Fundamental de 1967, alterada pela emenda de 1969, não introduziu profundas modificações no modelo de controle de constitucionalidade brasileiro (já híbrido). Entretanto, com as inovações introduzidas nesta Carta, possibilitou-se ao procurador geral a propositura de representação com objetivo de interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, julgada pelo STF [31]. Além disso, possibilitou o deferimento de medida liminar em sede de controle de constitucionalidade concentrado como determinava o art. 119, I, p [32].

A atual ordem constitucional, por sua vez, manteve, com inovações, esse sistema híbrido de controle de constitucionalidade. Vale dizer, também, que aquela representação interpretativa foi extinta, em que pese à forma abstrata de tutela ter sido ampliada. Nesta esteira, a própria quantidade de ações com tal objetivo foi majorada, sem falar, na ampliação da legitimidade para a propositura desses processos objetivos de (in)constitucionalidade [33].

2.4. Controle de Constitucionalidade concentrado e difuso e os efeitos tradicionais de sua decisão:

Nesta análise, verificam-se inúmeras diferenças, não só pela origem, entre os modelos austríaco e estadunidense. Por este turno, não se coadunam no que tange: (I) à legitimidade para a propositura da demanda constitucional; (II) ao titular do julgamento; (III) à forma do desenvolvimento do controle e, nem mesmo, (IV) aos efeitos das decisões.

No parâmetro da "revisão judicial", sabe-se que (I) qualquer cidadão americano, diante de uma lide principal, poderia questionar a constitucionalidade de determinada norma. Entretanto, vedava-se o exame jurisdicional em abstrato do ato normativo, já que "o direito de declarar a inconstitucionalidade das leis surge porque uma delas, invocada por uma das partes como fundamento do seu direito, está em conflito com a lei fundamental. Essa faculdade, que é o dever mais importante e delicado da Corte, não lhe é atribuída como um poder de revisão da obra legislativa" [34].

A legitimidade ad causam na Alemanha, ao revés, para o controle abstrato, por exemplo, limita-se ao governo federal (Bundesregierung), governo dos estados (Landesregierungen) e, também, um terço do parlamento [35]. Assim, na típica tutela concentrada, como o processo gira em torno apenas da constitucionalidade ou não da lei, sem que exista qualquer controvérsia, esses órgãos políticos é que são legitimados. Importante esclarecer, todavia, que os magistrados poderão, numa lide posta a eles, provocar a jurisdição constitucional a fim de o Bundesverfassungsgericht [36] decida sobre a constitucionalidade.

Infere-se, como dito, que no ordenamento jurídico dos EUA, (II) o titular do julgamento da compatibilidade constitucional é o próprio Poder Judiciário, realizado por qualquer juiz. De outra banda, no controle de constitucionalidade concentrado, apenas um único órgão é quem tem a atribuição de decidir tal harmonia o qual, em regra, não faz parte da estrutura de quaisquer dos poderes.

Frise-se, também, que no exemplo estadunidense, (III) a forma de proteção da supremacia constitucional se desenvolve diante de um caso concreto e, por isso mesmo, de forma incidental. Neste caso, uma parte pretende (ou resiste) determinado bem da vida e, para tanto, sustenta a inconstitucionalidade da lei. Já no parâmetro europeu, a questão principal é apenas a constitucionalidade do ato normativo de modo que não existe um processo subjetivo visando à busca de quaisquer direitos.

Por fim, distinguem-se tais modelos (IV) quanto aos efeitos, pois no controle de constitucionalidade difuso, tradicionalmente, tem se afirmado sua eficácia entre as partes e no europeu, o julgamento da inconstitucionalidade vale para todos. Não é demais esclarecer, como já afirmado, que a decisão da Suprema Corte Americana vale para todos já que é a Guardiã do Texto Magno. Esse entendimento, inclusive, tem sido importado pela literatura constitucional brasileira contemporânea, justamente, pela coerência jurídica do stare decisis da decisão do STF em controle de constitucionalidade difuso.

2.5. As influências do neoconstitucionalismo no controle de constitucionalidade:

O Direito Constitucional contemporâneo é marcado por inúmeras teorias que redirecionam as características da ciência jurídica. Esse novo método de entender o Direito é chamado de neoconstitucionalismo. Neste sentido, as normas constitucionais ganharam força vinculante de modo que a Constituição deixou de ser vista como uma mera carta de intenções, passando a impor coercitivamente suas ordenações. Assim, os dispositivos constitucionais são verdadeiras normas jurídicas e, ipso facto, imperativas, de sorte que não se submetem às liberalidades legislativas para atribuir-lhes tal característica. Ao contrário, o Poder Legislativo é o primeiro destinatário da legalidade [37], pois se sujeita as disposições estabelecidas no Texto Maior.

Diante disso, ganha significativa notoriedade a jurisdição constitucional e o predomínio dos juízes em relação ao legislador na função de intérpretes da Constituição. Historicamente, todavia, prestigiava-se o Poder Legislativo justamente em razão citado princípio da Supremacy of the Parliament. Contudo, como enfaticamente salientado, atualmente a Carta Política é que goza de supremacia vinculando tudo e a todos. Neste diapasão, o brilhante Luís Roberto Barroso, tratando da expansão da jurisdição constitucional, esclarece:

Antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legislativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da concepção francesa da lei como expressão da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também um novo modelo, inspirado pela experiência americana: o da supremacia da Constituição. A fórmula envolvia a constitucionalização dos direitos fundamentais, que ficavam imunizados em relação ao processo político majoritário: sua proteção passava a caber ao Judiciário. Inúmeros países europeus vieram a adotar um modelo próprio de controle de constitucionalidade, associado à criação de tribunais constitucionais. Assim se passou, inicialmente, na Alemanha (1951) e na Itália (1956) [38].

Nessa esteira, o controle de constitucionalidade, com a ampliação da jurisdição constitucional, possui imprescindível relevância e seu estudo merece, neste contexto, alçar vôos para avanços significativos a fim de maximizar a proeminência constitucional. Isso porque a Norma Fundamental, suprema e vinculante que é, está no ápice do ordenamento jurídico sendo, então, indispensável um mecanismo apto a protegê-la com rigorosa eficiência.

No Direito Constitucional Contemporâneo, portanto, têm sido prevalentes as normas-princípios em face das normas-regras, priorizando os direitos fundamentais. Destaca-se que, no passado, os princípios eram vistos como "idéias básicas e centrais que serviam como fonte de inspiração dos operadores do direito, funcionando como alicerce das normas subseqüentes. Como meras linhas diretoras de conduta, teriam a função de orientar a interpretação do ordenamento, sem que a eles próprios, necessariamente e independentemente de qualquer outra norma, fosse reconhecida força coercitiva" [39]. Todavia, em tempos de neoconstitucionalismo, não há falar em ignorar o seu caráter imperativo. Assim, tanto as regras como os princípios são normas jurídicas [40].

Vale dizer, ainda, que embora os princípios e as regras façam parte do gênero norma jurídica, eles não se confundem. Conforme os ensinamentos de Robert Alexy, há diversos critérios para distingui-los como, por exemplo, o critério da generalidade onde princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo. Todavia, sustenta o autor alemão:

O ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. [41]

Outrossim, Ronald Dworkin, em seu discurso anti-positivista, denomina princípio um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência da justiça ou eqüidade ou alguma outra dimensão da moralidade [42]. Assim, verifica-se a forte crítica ao positivismo jurídico, negando, justamente, a separação entre Direito e Moral. Neste sentido, nossa Magna Carta caminha com harmonia ao Direito Constitucional Contemporâneo unindo, muitas vezes, aqueles ramos, como ocorreu, e.g., ao positivar o princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput) e a garantia instrumental da ação popular que visa anular ato lesivo à moralidade (art. 5°, LXXIII).

Por este caminhar, os princípios têm grande importância principalmente para a solução dos chamados hard cases, bem como para designar os direitos fundamentais de modo que contribui expressivamente para a solução de grandes conflitos acerca da constitucionalidade dos atos normativos em geral. As Constituições do pós Segunda Guerra Mundial trouxeram inúmeros valores relativos aos direitos fundamentais, ou seja, positivaram verdadeiras declarações de direitos humanos. Assim, o constituinte se preocupou em incorporar valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais [43]. Em nossa Lei das Leis, ainda, vedou-se a abolição desses direitos em que pese à imprecisa redação do art. 60, § 4°, IV, CR [44].

O atual Texto Maior brasileiro, destarte, prestigiou aqueles direitos de sorte que não os enumerou taxativamente, conforme se infere do art. 5°, §2° [45]. Além disso, o art. 5°, §3° da Constituição da República – acrescentado pela emenda constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004 – estabelece que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Os tratados de direitos humanos recebidos com este quorum, portanto, serão encarados como normas da Constituição [46].

Nesta senda, os direitos fundamentais em inúmeros casos servem de paradigma para a verificação da constitucionalidade ou não de uma lei. Assim, as convenções internacionais que versem sobre direitos humanos, normas constitucionais que são, poderão servir de parâmetro para declaração de inconstitucionalidade de uma regra. Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal, no habeas corpus n° 95.967-MS, relatada pela Ministra Ellen Gracie, entendeu que a única possibilidade de prisão civil no direito brasileiro é a do devedor de alimentos, justamente em razão do Pacto de São José da Costa Rica admitir apenas essa hipótese [47].

Ademais, as técnicas de decisões em controle de constitucionalidade também têm sido influenciadas por essas ideologias. Enfatize-se, ainda, a forte colaboração da doutrina e jurisprudência alemã na maneira do STF decidir sobre (in)constitucionalidade. À guisa de exemplos, destacam-se as técnicas da interpretação conforme a Constituição, da declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, do apelo ao legislador e, ainda, da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade. Pela primeira, entende-se que nos casos de normas plurissignificativas, adotar-se-á a interpretação compatível com a Constituição – declara-se, então, inconstitucionais os demais entendimentos incompatíveis. A declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, por outro lado, é a técnica decisória utilizada para afirmar inconstitucional a aplicação da lei deixando intacto o texto normativo [48].

Quando, entretanto, o Tribunal pronuncia pela constitucionalidade de determinada lei afirmando, todavia, a necessidade da edição de nova regra, sob pena de transmutação para inconstitucionalidade, estar-se-á diante do apelo ao legislador (Appellentscheidung). "Assim, embora a Corte reconheça a constitucionalidade da lei, recomenda que o legislador formule – às vezes até assinalando um prazo – disposição complementar de natureza corretiva." [49] A declaração de inconstitucionalidade sem a pronúncia de nulidade, por sua vez, ocorre quando caso fosse proferidos os efeitos da inconstitucionalidade o estado de violação constitucional seria majorado. Nítido, então, as novas formas de decisão em controle de constitucionalidade estabelecidas nesse novel Direito Constitucional.

Outra grande contribuição do neoconstitucionalismo para o controle de constitucionalidade diz respeito à máxima da proporcionalidade (Verhältnismässigkeitsprinzip) ou da proibição de excesso (Übermassverbot). Este postulado – decorrente, para os alemães, do próprio Estado de Direito ou, para os americanos, do devido processo legal (substantive due processo of law) – impõe que a atividade legislativa seja adequada, necessária e proporcional em sentido estrito. Neste sentido, Alexy afirma que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento do sopesamento propriamente dito), decorre logicamente da natureza dos princípios e, conforme o Tribunal Constitucional Alemão, da própria essência dos direitos fundamentais. Assim, salienta Gilmar Mendes que "uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o Bundesverfassungsgericht, ‘se se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas’" [50]. Grande contribuição, portanto, para a vedação de excessos legislativos foi introduzida por este postulado no Direito Constitucional contemporâneo de modo que muitas normas já foram declaradas inconstitucionais por exorbitarem o razoável [51].

Em arremate, conforme Ana Paula de Barcellos, "um dos traços fundamentais do constitucionalismo atual á a normatividade das disposições constitucionais, sua superioridade hierárquica e centralidade no sistema e, do ponto de vista material, a incorporação de valores e opções políticas, dentre as quais se destacam, em primeiro plano, aquelas relacionadas com os direitos fundamentais" [52]. Esse novo modelo, portanto, influencia significativamente o controle de constitucionalidade. Neste caminhar, tendo as normas constitucionais força vinculante é possível, inclusive, o controle de inconstitucionalidade por omissão; muitas vezes, também, os princípios dos direitos fundamentais são mecanismos importantes para aferição da compatibilidade das leis e atos normativos com a Constituição. Frise-se, ainda, que a força atual do controle de constitucionalidade também deriva deste novo método de entender o direito. Por conseguinte, clarividente as contribuições do neoconstitucionalismo para o controle de constitucionalidade (supremacia da constituição, sua força vinculante, controle das omissões, primazia deontológica, importância dos direitos fundamentais, técnicas de decisão, proporcionalidade e o combate aos excessos inconstitucionais etc.).

Sobre o autor
Marcel Santos Mutim

Advogado. Pós-graduando em Direito do Estado pelo JusPodivm e Faculdade Baiana de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MUTIM, Marcel Santos. A decisão do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade difuso e a vinculação de sua fundamentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2073, 5 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12413. Acesso em: 25 dez. 2024.

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