4. Da ofensa ao princípio da moralidade administrativa
De outro lado, percebe-se que a redação conferida à Emenda Constitucional nº 51/2006, sobretudo o favor imenso conferido pelo § 2º do art 2º da Emenda 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal, pode ser utilizada para fins políticos, e, por que não dizer eleitoreiros, o que agride, contundentemente, o princípio da moralidade administrativa, previsto pelo art. 37, caput, da Lei maior, o que não pode ser tolerado.
Assim é porque, ao admitir, por meio do seu art. 2º, parágrafo único, que profissionais que já ocupavam o posto de agente comunitário de saúde e participaram de qualquer tipo de seleção, independentemente de ter sido ela realizada pelo Poder Público ("outras instituições", mesmo entidades privadas! como contratantes de particulares para fornecimento de mão-de-obra terceirizada para a Administração Pública ou para prestação de serviços diretamente a comunidades, por intermédio de convênios), abre-se a possibilidade de que os agentes comunitários sejam instados a figurar como cabos eleitorais por terem sido incorporados no quadro de servidores da Administração, de forma efetiva, em detrimento de outros indivíduos, por vezes mais qualificados para o exercício da função, sem encontrar nenhum óbice à sua admissão, ao contrário, e por absurdo, tendo por fundamento mandamento constitucional. Quem, depois de receber um presentão de receber, sem esforço nem disputa em procedimento público, um emprego ou cargo público permanente, em meio ao cenário de desemprego e crise financeira vigente no país e no mundo, não irá servir como propagador dos interesses político-eleitorais dos que o contemplaram?
Pior ainda no caso da norma reformadora da Lei Orgânica Distrital, que ampliou (art. 2º, § 2º, Emenda 53/2008 à LODF) o já generoso leque aberto pelo art. 2º, par. único, da Emenda 51/2006 à Constituição Federal de 1988, presenteando alguns com um emprego permanente na Administração Pública do DF sem que sequer tenham sido aprovados em concurso público de provas ou títulos, em direta violação do art. 37, II, da Constituição Federal de 1988, agraciando médicos, cirurgiões-dentistas, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, farmacêuticos, terapeutas-ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos em enfermagem, técnicos em higiene dental, técnicos em prótese dental, auxiliares de enfermagem, auxiliares de consultório dentário, auxiliares de prótese dentária e auxiliares de laboratório, até os contratadados por organizações sociais, não pelo Estado diretamente.
Uma medida como essa afronta, às claras, o princípio da moralidade administrativa, com a dispensa do sacrossanto instituto do concurso público e do respeito aos princípios republicano e da igualdade.
José dos Santos Carvalho Filho leciona que o princípio da moralidade [16]:
impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Acrescentamos que tal forma de conta deve existir não somente nas relações entre a Administração e os administrados em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e os agentes públicos que a integram.
Impende registrar que a afronta à determinação de submissão aos moldes morais e éticos que devem pautar toda a atividade administrativa, mormente no que tange à observância da lisura nos procedimentos de aquisição de pessoal por meio de concurso público, é tipificada na Lei nº 8.429/1992, em seu art. 11, inciso V, senão vejamos:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
V - frustrar a licitude de concurso público;
(...).
5. Da ofensa ao pacto federativo pela Emenda 51/2006 à Constituição Federal
Outro óbice vislumbrado à aplicação da EC nº 51/2006 concerne à patente quebra do pacto federativo adotado no país, ao se levar adiante o intuito de determinar que somente lei federal poderá estabelecer o regime jurídico a ser adotado quando da contratação dos agentes comunitários de saúde, conforme determinado pelo malsinado dispositivo legal.
De fato, a repartição de competências na Constituição Federal de 1988 é cláusula ínsita ao pacto federativo, e deve ser respeitada, sob pena de se macular de inconstitucionalidade todos os atos que forem praticados em desacordo com o seu preceito. A imposição de que somente lei federal disporia sobre o regime jurídico a ser adotado quando do ingresso dos agentes comunitários de saúde na Administração Pública esbarraria em atentado ao pacto federativo (art. 18, c.c. art. 60, § 4º, I, da Constituição Federal de 1988), em face da descabida ingerência da União na gestão do sistema previdenciário do funcionalismo de cada entidade autônoma componente da Federação.
Observe-se que o art. 23, II, do texto constitucional, dispõe que:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
(...)
Por sua vez, o art. 24, XII, da Carta de 1988, determina:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
(...)
Ao estabelecer que os agentes comunitários de saúde serão absorvidos pelo Poder Público respeitado o regime jurídico definido em lei federal, a EC nº 51/2006 autoriza a ingerência da União nos Estados, Distrito Federal e Municípios, extravasando, em muito, a sua competência constitucionalmente estabelecida, na medida em que afasta a possibilidade dos demais entes federativos de exercerem a sua atividade legiferante no que concerne à organização e cuidado da saúde no âmbito de suas atribuições.
Conclui-se, desta forma, pela inaplicabilidade da imposição de que somente a lei federal disporá sobre o regime jurídico a ser aplicado aos agentes comunitários de saúde.
O vício foi percebido pelo legislador federal ordinário, o qual, na baldada tentativa de corrigir a irreparável inconstitucionalidade da Emenda 51/2006 no particular, dispôs que o vínculo jurídico dos agentes de combates às endemias e comunitários de saúde seria celetista, salvo se Estados, Distrito Federal e Municípios resolvessem instituir o regime estatutário para esse pessoal.
Seria incompreensível e aberrantemente inconstitucional que os entes federados membros não pudessem mais sequer definir a natureza do vínculo e as correlatas normas de regência dos seus próprios servidores!
Sobre a competência de cada ente federativo para instituição do regime jurídico de seu próprio funcionalismo público, confirma Diógenes Gasparini:
A União, os Estados-Membros, os Municípios e, agora, também o Distrito Federal, como corolário da autonomia que lhes é assegurado pelo art. 18 da Constituição da República, podem dispor sobre a organização de seus servidores de modo muito abrangente, mediante as respectivas leis federal, estadual, distrital e municipal, quando escolherem o regime institucional ou estatutário para a eles se ligarem. Assim, cabe-lhes regular, no que respeita a seus servidores estatutários, a admissão, a promoção, os direitos, os deveres, a ação e o procedimento disciplinar, as penas cabíveis e a extinção do vínculo. Cada uma dessas entidades é, assim, autônoma para organizar seu pessoal. [...] A competência do Estado-Membro e do Distrito Federal para organizar seu pessoal é ampla, devendo o seu exercício observar os princípios estabelecidos na Constituição Federal, as disposições das respectivas Constituições e as normas nacionais relativas a servidores. Assim, nenhuma lei federal editada para organizar os servidores federais é aplicável aos servidores públicos estaduais, distritais e municipais. Em relação ao Município, ocorre o mesmo. Este, atendidas as disposições constitucionais federais, as normas nacionais e as de sua Lei Orgânica, tem liberdade para organizar seu pessoal, segundo o interesse local. De sorte que pode elaborar a lei de seus servidores sem qualquer ingerência das demais esferas de governo. [17]
A Constituição Federal consagrou a autonomia político-administrativa ao Distrito Federal como ente federativo (art. 18, caput) e lhe reservou as competências legislativas conferidas aos Estados e Municípios (art. 32, §1º, c/c art. 25, caput), do que segue que o DF se rege pelas leis que queira adotar, observados os princípios constitucionais mandatórios, motivo por que é da alçada da pessoa política distrital estatuir o regime jurídico de seus servidores públicos por meio de lei própria, afigurando-se inconstitucional e manifesta violação ao Pacto Federativo compeli-la a se sujeitar às normas legais editadas pela União, e pelas outras entidades federadas. Nesse sentido, reza a Lei Orgânica do Distrito Federal:
"Art. 15. Compete privativamente ao Distrito Federal:
.......................................................................
XIII - dispor sobre a organização do quadro de seus servidores; instituição de planos de carreira, na administração direta, autarquias e fundações públicas do Distrito Federal; remuneração e regime jurídico único dos servidores;" (grifamos)
Calha a lição de José Afonso da Silva:
"Já observamos noutro lugar que a Federação brasileira adotou o sistema de execução dos serviços, que consiste no fato de cada entidade autônoma (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) executar seus serviços públicos diretos com seus próprios servidores. Por isso existem quadros de servidores federais, quadros de servidores estaduais, quadros de servidores distritais e quadros de servidores municipais. Todas essas entidades têm autonomia para estabelecer a organização e o regime jurídico de seus servidores, mas todas elas adstritas à observância dos princípios a esse respeito estatuídos nos arts. 37 a 42 da Constituição." [18]
Com efeito, embora o Distrito Federal tenha competência para legislar sobre o regime jurídico de seus servidores, ainda não editou o seu estatuto próprio, haja vista que, por força da Lei distrital nº 197 [19], de 04 de dezembro de 1991, entendeu por bem aplicar, no que couber, o texto original da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores civis da União, de suas autarquias e fundações públicas federais, de sorte que o estatuto federal adquiriu o status de lei local no âmbito do DF.
Ocorre que, desde então, a Lei federal nº 8.112/90 sofreu sucessivas alterações em seu texto original, cujos dispositivos modificados ou acrescentados não têm automática aplicabilidade no ordenamento jurídico distrital enquanto não recepcionados por lei própria editada pelo DF, o que ainda não sucedeu.
Estender ao Distrito Federal regra de regime jurídico fixado por leis editadas por outros entes federativos viola a autonomia constitucional, legislativa e administrativa do DF, consubstanciando atentado ao pacto federativo.
O tema é tão intuitivo e sabido no âmbito de doutrina e jurisprudência que se pede vênia para declinar de maiores digressões na matéria. Daí que padece de inconstitucionalidade o estabelecimento de regras federais para dispor sobre o vínculo funcional de servidores de outros entes federados, a macular a Emenda 51/2006 nesse particular.
6. Da ineficácia das Leis distritais n. 3.870/2006 e 3.716/2005 e da vigência da redação original do art. 39, caput, da Constituição Federal: regime jurídico único estatutário para os servidores públicos
Outra questão primacial envolvida na espécie concerne à ineficácia do disposto nas Leis distritais n. 3.870/2006 e 3.716/2005, que seriam o fundamento legal das contratações permanentes pretendidas dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias, dentre outros abrangidos pela Emenda 53 à Lei Orgânica do Distrito Federal.
Ora, esses diplomas legais capitulam, em diversas de suas disposições, que o regime jurídico dos agentes comunitários de saúde e de combate às endemias seria o celetista, prevendo o ingresso das pessoas em emprego público.
Pois bem. Pesa contra a contratação ou a prorrogação de contratos porventura já formalizados a impossibilidade de convolação de vínculo celetista para o pessoal da Administração Pública direta, autárquica e fundacional do DF, por força da redação ora vigente (repristinada por força do teor de decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade) do caput do art. 39, da Constituição Federal:
Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.
Com efeito, tem-se que, com o julgamento da ADI nº 2135, de relatoria da eminente Ministra Ellen Gracie, não mais é permitido o regime misto no âmbito da Administração Pública, sendo possível, com o restabelecimento do texto original do art. 39, caput, previsto pelo constituinte originário, somente a instituição de regime jurídico único para os seus servidores, abolindo as demais formas de contratação diversas do vínculo estatutário.
Isso porque, como o regime jurídico é único, havendo servidores que não podem ser regidos pelo vínculo celetista, como decidiu o Supremo Tribunal Federal para o pessoal das agências reguladoras, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, incluindo-se também as carreiras que desempenham atividades exclusivas de Estado, como polícia, diplomacia, advocacia pública, fiscalização, arrecadação tributária, segue que os demais agentes públicos devem reger-se pelo regime estatutário.
Acerca dessa conclusão, vale citar o entendimento da grande administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro (negrito nosso):
Como o artigo 39, com a nova redação, foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 2.135/DF (julgamento do Plenário em 2-08-07), volta a aplicar-se a redação original, com a exigência de regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública direta, autarquias e fundações públicas. Embora tenhamos entendido, em edições anteriores, que esse regime pode ser o estatutário ou celetista, reformulamos agora tal entendimento, para defender a tese de que o regime estatutário é que deve ser adotado, tendo em vista que as carreiras típicas de Estado não podem submeter-se a regime celetista, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADI 2.310 (pertinente ao pessoal das agências reguladoras). Ainda que para atividades-meio o regime celetista fosse aceitável, o vínculo de natureza estatutária se impõe em decorrência da exigência de que o regime jurídico seja único. [20]
Acerca do regime jurídico único admoesta Marçal Justen Filho (negrito não original):
A decisão adotada pelo STF produz efeitos vinculantes para o futuro. Isso significa que, a partir de 2 de agosto de 2007, foi restabelecida a eficácia da redação original do art. 39, caput, da CF/88. Portanto, restabeleceu-se o regime único em face do futuro. Seguindo a orientação consagrada no passado, esse regime único é aquele de direito público [...] Cabe apenas uma advertência, no sentido de que não será cabível a admissão de novos empregados públicos no âmbito da Administração direta, autárquica e de fundações públicas se e enquanto permanecer vigente a decisão liminar adotada na ADIn 2.135. [21]
Por conseguinte, é inconstitucional qualquer outra forma de implementação de regime jurídico voltado aos servidores públicos, não havendo mais a possibilidade de se instituir o regime celetista para os novos funcionários, nem mesmo os agentes comunitários de saúde.
Esta conclusão afeta especialmente o Distrito Federal, na medida em que foi editada, no âmbito local, a Lei nº 3.179/2005, alterada pela Lei nº 3.780/2006, cujo conteúdo estabelece a contratação de agentes comunitários regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, conforme o art. 1º, caput, abaixo transcrito:
"Art. 1º. Fica criada a Tabela Especial de Emprego Comunitário do Distrito Federal, composta dos empregos de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Vigilância Ambiental em Saúde, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos termos do §13 do art. 40 da Constituição Federal, vinculada à Secretaria de Estado de Saúde, os quantitativos estabelecidos no Anexo I desta Lei.
§1º As atribuições dos empregados ora criados por esta Lei serão definidas em regulamento a ser editado pelas Secretarias de Estado de Gestão Administrativa, e de Saúde.
§2º. Para os efeitos desta Lei, entende-se por Agente de Vigilância Ambiental em Saúde aquele que, entre as atribuições definidas no regulamento previsto no parágrafo anterior, desempenha atividades de combate a endemias".
Deflui que as duas leis distritais em comento padecem de inconstitucionalidade, quando capitulam que a Administração Pública do DF (na vigência do regime jurídico único, por força do regrado no caput do art. 39 da Constituição Federal de 1988, em sua vigente redação original repristinada por força dos efeitos do controle concentrado de constitucionalidade procedido pelo Supremo Tribunal Federal) promoverá a contratação de pessoal celetista, haja vista que o único regime passível de admissão de servidores é o estatutário, enquanto vigorar a decisão liminar proferida na ADI n. 2.135, do Supremo Tribunal Federal.
Por isso que se entende que não é possível a contratação de pessoal em regime celetista na Administração Pública enquanto o Supremo Tribunal Federal mantiver a suspensão da vigência da redação conferida ao caput do art. 39 pela Emenda n. 19 à Constituição Federal de 1988, independentemente, portanto, do desfecho das ações diretas de inconstitucionalidade em curso ou julgadas perante o egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, as quais, sem dúvida, não fora a existência da própria ADI n. 2.135, do Supremo Tribunal Federal, desaconselhariam, também, a contratação de celetistas, por outros fundamentos, todavia.
Não se pode endossar, data maxima venia, a tese no sentido de que a Emenda n. 51/2006 à Constituição Federal de 1988, ao utilizar o termo "contratados", teria de antemão instituído o regime celetista, que estaria supostamente atrelado à idéia de contratação, de vínculo contratual, distinto do estatutário, nem que, em conseqüência, ter-se-ia uma exceção ao regime jurídico único determinado pelo caput do art. 39 da Constituição Federal de 1988.
Explica-se. É que a própria Constituição Federal utiliza o termo contratação para se referir a servidores com vínculo estatutário, e não celetista ou contratual. É o caso do pessoal contratado por tempo determinado, previsto no art. 37, IX, para os quais a Justiça do Trabalho, como exaustivamente consabido, é incompetente para processar as ações decorrentes da aludida contratação temporária pelo Estado, dado o vínculo legal que une esses servidores ao Estado. Não são, pois, celetistas, apesar de a Constituição Federal aludir a que "IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público". Contratados, portanto, não significa dizer pessoal celetista ou com liame contratual, portanto, na nomenclatura adotada pela própria Lei Fundamental.
Ainda que se admitisse a tese, ter-se-ia "contratados" ou "contratação" como termo reservado para celetistas, ao que se contraporia o vocábulo "admissão" ou "admitidos" para servidores públicos com vínculo estatutário, o que se considerada apenas para argumentar (a Carta Federal utiliza os termos admissão e contratação de pessoal no art. 169, § 1º. A Lei de Improbidade Administrativa refere-se aos dois termos). Mas ainda que fosse assim, então a Constituição Federal teria falado em admissão de pessoal para servidores com vínculo estatutário.
Mais diretamente, ao reportar-se especificamente aos titulares de cargos efetivos (prevendo a extensão a eles de direitos do pessoal celetista), a Constituição Federal dispõe expressamente que eles serão admitidos:
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Certo. Disso deflui que a tese divergente estaria correta, ao estabelecer que os agentes comunitários teriam vínculo celetista? Não. Se é verdade que os servidores públicos estatutários são admitidos, cumpre trazer à colação o disposto no próprio art. 198, da Constituição Federal, com a redação determinada pela Emenda n. 51/2006:
§ 4º Os gestores locais do sistema único de saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. .(Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006)
Poder-se-ia sustentar, com mais força do que a tese contrária do vínculo celetista, que a própria redação definitiva da Constituição Federal previu que os agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias seriam admitidos, isto é, recrutados para vínculo estatutário com o Estado, pois o termo admissão é reservado na Constituição Federal, pelo menos como reflui claramente da passagem do dispositivo do art. 39, § 3º, aos servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo.
Por isso, o mero fato de o art. 2º, caput, da Emenda 51/2006 à Constituição Federal, ter previsto que os mesmos agentes públicos seriam contratados, transportando-se, todavia, para a redação definitiva da Carta, que esses servidores seriam admitidos (art. 198, § 4º, CF 1988), não autoriza concluir quanto à natureza do vínculo, se estatutário ou legal, ou se celetista ou contratual. Haveria uma incongruência e uma contradição no próprio seio da Constituição Federal, pois os termos admissão e contratação foram empregados para os mesmos servidores. A Constituição pretendeu que eles fossem celetistas ou estatutários, afinal?
Na verdade, a conclusão que se afigura mais escorreita é de que o Legislador Constituinte Federal não quis definir o vínculo funcional no seio da Constituição Federal, tanto que o art. 198, § 5º, da Carta Republicana, assevera, com meridiana clareza, que "lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 51, de 2006).
Ora, se a própria Constituição prescreve que o regime jurídico (se celetista ou estatutário) desses servidores seria definido pela legislação infraconstitucional, como se pode asseverar que a própria Constituição Federal teria predeterminado a natureza do vínculo, ainda mais porque os termos admitidos (estatutários) e contratados (celetistas) são usados ao mesmo tempo para se referir aos mesmos servidores?
Não há maior dificuldade para se concuir que a natureza do vínculo não foi objeto de definição na Carta, mas foi remetido ao legislador ordinário.
Em virtude disso, resta prejudicada a tese de que o vínculo supostamente celetista teria sido definido na própria Constituição Federal e que, por isso, seria necessária uma interpretação harmonizadora com o art. 39, caput, da Carta Magna, ao prever o regime jurídico único para todos os servidores.
Conclui-se que, não tendo sido definida a natureza do vínculo na própria Constituição Federal, mas somente na legislação infraconstitucional, segue que esses servidores não mais poderão ser contratados por regime celetista, como previsto, de forma inconstitucional, pelas Leis distritais 3.870/2006 e 3.716/2005, as quais não podem respaldar mais nenhuma contratação ou prorrogação contratual celetista nem o preenchimento de empregos públicos, não fossem os outros argumentos de inconstitucionalidade adrede expostos. Voltou a vigorar para toda a Administração Pública direta, autárquica e fundacional o regime jurídico único de direito público, estatutário para todas as admissões de pessoal, por força da retroaludida decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
O juízo é de que as Leis distritais 3.870/2006 e 3.716/2005 afiguram-se inconstitucionais e não podem estribar nenhuma contratação pelo Estado, sob pena de ofensa, passível de reclamação constitucional ao Supremo Tribunal Federal, ao decidido na ADI 2.135.