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A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e o direito brasileiro

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Agenda 23/03/2009 às 00:00

7.Os tratados internacionais de direitos humanos e a Emenda Constitucional n. 45/ 2004

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 60, como vimos, estabelece as exigências, formais e materiais, necessárias para a alteração de suas normas, por meio da denominada emenda constitucional (EC). Em dezembro de 2004, foi editada a EC n. 45, a qual, entre outras modificações, introduziu o §3º ao art. 5º, que prevê o seguinte:

"Art. 5o

(...)

§3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais" (sem grifos no original)

Assim, esse dispositivo passou a exigir que um tratado internacional de direitos humanos, para que seja incorporado à Constituição, seja previamente aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do mesmo procedimento exigido pelo art. 60 para a aprovação das emendas constitucionais.

Essa norma, portanto, veio a dificultar a incorporação constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Com efeito, se de acordo com a redação original da Constituição de 1988, notadamente do art. 5º, §2º, bastava a mera ratificação desses tratados, por meio de um Decreto Legislativo e de um Decreto presidencial, conforme o procedimento acima descrito, a partir da EC n. 45, este foi consideravelmente dificultado, através da imposição de um rito muito mais complexo [46].

Pode-se dizer, portanto, que o §3º do art. 5º, introduzido pela EC n. 45, restringiu o conteúdo e o alcance do §2º do mesmo artigo, previsto pela redação original da Carta Magna. De fato, tornou-se consideravelmente mais difícil a incorporação constitucional dos tratados de direitos humanos, indo de encontro às normas originárias da Carta Magna, notadamente o §2º do art. 5º, o §1º do mesmo artigo (que impõe a aplicabilidade imediata das normas de direitos e garantias fundamentais) e o art. 4º, II (que erige como princípio da República Federativa do Brasil a prevalência dos direitos humanos) [47].

Conforme já explicitado, a CF/88, em seu art. 60, §4º, IV, determina que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são "cláusulas pétreas", não podendo ser revogadas ou restringidas por meio de emenda constitucional. Considerando que os §§ 1º e 2º do art. 5º estão entre essas normas, isto é, são "cláusulas pétreas", eles não poderiam ter tido o seu conteúdo restringido pela EC n. 45. Nesse sentido, o §3º do art. 5º, introduzido por essa emenda, é inconstitucional, por violar o art. 60, §4º, IV.

Note-se que a existência de uma norma constitucional contrária à Carta Magna é perfeitamente possível, basta que a emenda constitucional não tenha obedecido às exigências formais ou materiais do art. 60 da CF/88, como nota José Afonso da Silva:

"Toda modificação constitucional, feita com desrespeito do procedimento especial estabelecido (iniciativa, votação, quórum etc.) ou de preceito que não possa ser objeto de emenda, padecerá de vício de inconstitucionalidade formal ou material, conforme o caso, e assim ficará sujeita ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário, tal como se dá com as leis ordinárias.". [48]

No mesmo sentido são as lições de Paulo Bonavides:

"Toda a Constituição pode ser emendada, salvo a matéria constante de exclusão em virtude dos limites expressos e tácitos postos à ação inovadora do constituinte de segundo grau, aquele dotado apenas de competência constituída ou derivada, isto é, que procede da vontade absoluta e soberana do constituinte originário. Os limites expressos cuja transgressão ocasiona a inconstitucionalidade da iniciativa da emenda (...) são aqueles contidos no §4º do art. 60 da Constituição.". [49]

Esse entendimento já foi adotado, inclusive, pelo STF, que, nos termos do art. 102, caput, da CF/88, é responsável pela "guarda da Constituição", garantindo a sua fiel aplicação e impedindo a sua violação. No julgamento da ADIn n. 939, o STF considerou que a EC n. 03, de 1993, que autorizou a criação do Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF), ao desrespeitar uma "cláusula pétrea" - a garantia individual fundamental do contribuinte, consistente no princípio da anterioridade tributária -, violou o art. 60, §4º, da CF/88. Tal emenda foi julgada, portanto, inconstitucional [50].

Diversos autores já se pronunciaram no sentido da inconstitucionalidade do §3º do art. 5º, introduzido pela EC n. 45/2004 [51], em que pesem opiniões em sentido contrário [52]. Ingo Wolfgang Sarlet observa que não são poucas as manifestações sustentando a violação de cláusulas pétreas por parte da EC n. 45, em diversos aspectos, acompanhadas, inclusive de ações diretas de inconstitucionalidade, como foi o caso, por exemplo, da controvérsia relativa ao controle externo da Magistratura e do Ministério Público e da federalização da competência para o julgamento dos casos de grave violação dos direitos humanos [53]. De fato, como nota Michelli Pfaffenseller, há, indubitavelmente:

"(...) uma controvérsia entre o disposto no §3º do art. 5º e a legitimidade do Poder Constituído que o estabeleceu. Isto porque a obrigatoriedade da adoção do rito das emendas constitucionais à internalização dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos certamente dificultaria a ratificação de determinados pactos, obstaculizando a ampliação do rol de Direitos Humanos o que, sem sombra de dúvida, vai de encontro à soberana vontade popular." [54].

Desse modo, o §3º do art. 5º representou um verdadeiro "retrocesso em relação à inteligência que já pairava sobre o texto constitucional a partir do §2º do art. 5º" [55]. De fato, esse dispositivo, como nota Giuliana Redin, "restringiu a abrangência do §2º do mesmo artigo", pois "qualquer tratado internacional sobre direitos humanos que não tenha merecido o quórum qualificado atribuído à emenda constitucional, seria, não obstante seu conteúdo constitucional, tratado como norma infraconstitucional". Por essa razão, "o §3º do art. 5º da CF/88 representa um retrocesso político/jurídico institucionalizado, pois engessa o sistema de recepção de tratado jus cogens, indo na contramão de uma direção interpretativa do direito emancipatória, includente e democrática" [56].

Desse modo, a EC n. 45, ao introduzir o §3º no art. 5º violou o princípio da proibição do retrocesso. Esse princípio, como demonstra Ingo Wolfgang Sarlet, é consagrado implicitamente pela CF/88, decorrendo, notadamente, dos seguintes princípios constitucionais expressos: o princípio do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput), que impõe um patamar mínimo de segurança jurídica, o qual implica necessariamente a proteção da confiança e a manutenção de um nível mínimo de segurança contra medidas retroativas; o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), que exige a satisfação, por meio de prestações positivas, de uma existência digna para todos, implicando, em sua perspectiva negativa, a inviabilidade de medidas que fiquem aquém desse patamar; o princípio da máxima efetividade das normas definidoras de direitos fundamentais (art. 5º, §1º), que impõe a otimização da eficácia do direito à segurança jurídica e da sua tutela e, nesse sentido, exige a proteção contra medidas de caráter retrocessivo [57].

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O autor conclui, assim, que a proibição do retrocesso em matéria de direitos fundamentais assume "feições de verdadeiro princípio constitucional fundamental implícito" e, em favor do seu reconhecimento, "não parecem subsistir maiores dúvidas, já que cada vez mais isoladas as vozes que se posicionam contrariamente ao instituto" [58].

De fato, por meio da EC n. 45, o poder constituinte derivado colocou a Carta Magna brasileira na contramão da história, não apenas em relação aos países desenvolvidos, mas, inclusive, aos próprios países da América Latina, como revela Valério Mazzuoli: "vários países latino-americanos têm concedido status normativo constitucional aos tratados de proteção dos direitos humanos". A EC n. 45/2004 representou, portanto, um "atraso de muitos anos em relação às demais Constituições dos países latino-americanos e do resto do mundo, no que diz respeito à eficácia interna das normas internacionais de proteção dos direitos humanos." [59]. O autor conclui:

"Por tudo isso, pode-se inferir que o recém criado §3º do art. 5º da Constituição seria mais condizente com a atual realidade das demais Constituições latino-americanas, bem como de diversas outras Constituições do mundo, se determinasse expressamente que todos os tratados de direitos humanos pelo Brasil ratificados têm hierarquia constitucional, aplicação imediata, e ainda prevalência sobre as normas constitucionais no caso de serem suas disposições mais benéficas ao ser humano." [60].

No entanto, considerando que o §3º do art. 5º já se encontra em vigor e não se vislumbra uma reforma do seu texto em breve, o autor propõe conferir-se ao dispositivo uma interpretação conforme à Constituição, consoante os princípios garantidores da dignidade da pessoa humana e da prevalência dos direitos humanos, por ela consagrados [61]. Primeiramente, a interpretação do dispositivo em tela não pode, de modo algum, prejudicar o entendimento que vinha sendo seguido por boa parte da doutrina brasileira em relação ao §2º do mesmo art. 5º. Cabe ao aplicador do Direito "a responsabilidade de fazer garantir as conquistas de um Estado Democrático que não pode retroceder diante de formalismos que não mais se afinam a uma perspectiva internacional de proteção da pessoa humana." [62].

Assim, deve-se excluir a exegese de que os tratados internacionais de direitos humanos não aprovados pelo quórum especial previsto no §3º do art. 5º equivaleriam a lei ordinária. Esse entendimento implicaria deixar à livre escolha do Poder Legislativo atribuir ou não a esses tratados equivalência às emendas constitucionais. Isso possibilitaria que instrumentos com igual conteúdo principiológico e igual fundamento ético – a proteção dos direitos humanos – fossem tratados de forma diversa, ocupando hierarquia distinta na ordem jurídica nacional, o que é inadmissível.

O único entendimento capaz de conferir validade ao §3º do art. 5º é aquele que o concilia com o §2º do mesmo artigo e com os citados princípios constitucionais. Assim, os tratados internacionais de direitos humanos, uma vez ratificados pelo Brasil, já detêm, materialmente, o status constitucional, por força do §2º do art. 5º. Caso eles venham a ser aprovados pelo procedimento previsto no §3º do art. 5º, além de materialmente constitucionais, serão também formalmente constitucionais, pois equivalentes às emendas constitucionais [63]. E qual a diferença entre as duas situações, segundo o citado autor?

No primeiro caso, sendo as normas do tratado materialmente constitucionais, elas não têm o condão de reformar a Constituição, de modo que eventual conflito deve ser solucionado pelo princípio da norma mais favorável ao ser humano, consagrado pelo art. 4º, II, da CF/88, que impõe a "prevalência dos direitos humanos". Já no segundo caso, as normas do tratado, sendo também formalmente constitucionais, reformam a Constituição, como o fazem as emendas constitucionais. É óbvio que essa reforma tem limites, que são aqueles impostos à atuação do Poder Constituinte derivado, como o respeito às cláusulas pétreas (art. 60, § 4º). Caso não violem esses limites, as normas do tratado, no segundo caso, podem alterar as normas constitucionais, pois que equivalentes a uma emenda constitucional, o que não ocorre no primeiro caso.

A segunda diferença reside nos efeitos advindos da denúncia. Uma vez ratificado um tratado internacional de direitos humanos, as suas normas têm, automaticamente, status constitucional, integrando o elenco dos direitos fundamentais previstos pela Carta Magna. Sendo tais direitos cláusulas pétreas, como vimos, essas normas também o são, de modo que não poderão mais ser revogadas, nem mesmo por uma futura reforma constitucional. Assim, nos dois casos acima citados, uma eventual denúncia do tratado feita pelo Presidente da República não produziria efeitos internamente, pois as suas normas continuariam em vigor no ordenamento nacional. Todavia, segundo o citado autor, externamente, isto é, no plano internacional, os efeitos produzidos são diversos.

No caso de o tratado não ter sido aprovado pelo rito do §3º do art. 5º, uma vez realizada a denúncia, o Estado brasileiro não mais responde pelo seu cumprimento no âmbito internacional, embora, no âmbito interno, as suas normas permaneçam em pleno vigor. Todavia, no caso de o tratado ter sido aprovado pelo mencionado rito, o Presidente da República não pode denunciá-lo e, caso o faça, pode ser responsabilizado, devendo tal denúncia ser declarada ineficaz. Assim, mesmo que o tratado preveja expressamente a possibilidade da sua denúncia, esta não poderá ser realizada pelo Presidente unilateralmente, nem sequer através de Projeto de Denúncia aprovado pelo Congresso Nacional com o mesmo quórum exigido pelo §3º do art. 5º para a aprovação do tratado [64].

Esse entendimento também é adotado por Flávia Piovesan, nos seguintes termos:

"Com o advento do §3º do art. 5º surgem duas categorias de tratados internacionais de proteção de direitos humanos: a) os materialmente constitucionais; e b) os material e formalmente constitucionais. Frise-se: todos os tratados de direitos humanos são materialmente constitucionais, por força do §2º do art. 5º. Para além de serem materialmente constitucionais, poderão, a partir do §3º do mesmo dispositivo, acrescer a qualidade de formalmente constitucionais, equiparando-se a emendas à Constituição, no âmbito formal." [65].

Ingo Wolfgang Sarlet ressalta que se deve atribuir ao §3º do art. 5º uma interpretação que "lhe assegura um sentido útil e não necessariamente retrocessivo, valorizando o regime jurídico-constitucional dos tratados de direitos humanos anteriores e posteriores à vigência da EC 45". Assim, as normas dos tratados anteriores, por força do §2º do art. 5º, devem ser tidas como materialmente constitucionais. Com relação aos tratados posteriores, em qualquer hipótese, eles também devem ser tidos como tal, pois "todos os direitos fundamentais (incorporados, ou não, por emenda constitucional) possuem status materialmente constitucional" de modo que não poderão "ser objeto de abolição direta por uma emenda constitucional". A única diferença – e aí reside o significado do §3º do art. 5º - é que os tratados que forem aprovados pelo procedimento neste previsto serão também formalmente constitucionais. Nesse sentido, eles "não apenas reformam a própria Constituição", mas também tornam impossível "uma posterior denúncia do tratado", sob pena "da responsabilização até mesmo interna se esta vier a ocorrer" [66].

Todavia, em homenagem ao princípio da eventualidade, caso se considere constitucional o §3º do art. 5º, introduzido pela EC n. 45, mas não se atribua a ele a interpretação conforme à Constituição acima explicitada, esse dispositivo não pode ser aplicado à Convenção n. 158 da OIT, como veremos.

A CF/88, em seu art. 5º, XXXVI, prevê o princípio da irretroatividade das normas, ao rezar que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada". Esse dispositivo, sendo uma garantia fundamental, é também uma "cláusula pétrea", estando sob o manto da intangibilidade. Assim, na ordem jurídica brasileira, a norma somente pode ter efeitos imediatos, não retroativos, regendo apenas situações vivenciadas após a sua vigência.

A Convenção n. 158 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n. 68, de 1992, e promulgada pelo Decreto n. 1.855, de 1996. Desse modo, ela foi incorporada à ordem jurídica brasileira - mais precisamente à Constituição de 1988, como vimos - antes da aprovação da EC n. 45, de 2004. No momento em que essa emenda entrou em vigor, a incorporação constitucional da Convenção n. 158 já havia sido consumada. Dessa forma, exigir que essa Convenção seja novamente aprovada pelo Congresso Nacional, dessa vez seguindo as formalidades do §3º do art. 5º, para que tenha status constitucional, é defender a aplicação retroativa da EC n. 45, em clara violação ao princípio da irretroatividade. Este deve ser necessariamente observado por todas as normas, sejam elas constitucionais – advindas do Poder Constituinte Derivado – ou infraconstitucionais.

Destarte, na eventual hipótese de se considerar válido o §3º do art. 5º, introduzido pela EC n. 45 [67], deve-se reconhecer que as exigências nele previstas se aplicam apenas aos tratados internacionais de direitos humanos posteriores à sua vigência e não àqueles que haviam sido ratificados anteriormente, como é o caso da Convenção n. 158. Esse entendimento é compartilhado por André Ramos Tavares [68] e por Valério de Oliveira Mazzuoli, o qual observa o seguinte:

"Como o §2º do art. 5º da Constituição já atribui índole e nível constitucional para todos os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da Emenda n. 45, isso significa que apenas aqueles instrumentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil passará a ser parte depois da entrada em vigor da referida emenda é que necessitarão ser aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus respectivos membros, para serem equivalentes às emendas constitucionais. (...) o §3º do art. 5º não pode abranger situações pretéritas (como as normas constitucionais em geral também não podem), não podendo ter jamais efeito ex tunc, e, portanto, poderá somente ser aplicado aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados posteriormente à data de sua entrada em vigor (8 de dezembro de 2004).". (grifos nossos). [69]

Flávia Piovesan também adota esse entendimento, afirmando que o §3º do art. 5º, não retirou o status de norma materialmente constitucional dos tratados ratificados anteriormente à EC n. 45, mas, sim, apenas trouxe a possibilidade de sua constitucionalização formal, por meio do procedimento previsto no dispositivo. De fato, segundo a autora, "não seria razoável sustentar que os tratados de direitos humanos já ratificados fossem recepcionados como lei federal, enquanto os demais adquirissem hierarquia constitucional exclusivamente em virtude de seu quórum de aprovação." [70].

Do mesmo modo, Ingo Wolfgang Sarlet nota que não é correto argumentar "que o simples fato de os tratados posteriores à EC 45 poderem (ou deverem, a depender da posição adotada) ser aprovados por emenda constitucional, conduziria inexoravelmente a uma decisão em prol da hierarquia meramente legal dos tratados anteriores". Desse modo, é inafastável a conclusão de que "os tratados anteriores, já por força do art. 5º, §2º, da CF, possuem hierarquia materialmente constitucional" [71].

No mesmo sentido, Alexandre Miguel destaca que o §3º do art. 5º somente pode ter eficácia "ex nunc": "a Emenda Constitucional que introduziu a ‘nova regra’ opera efeitos prospectivos. Portanto, os tratados de direitos humanos anteriormente ratificados pelo Estado brasileiro, já detêm, por força mesma do §2º, status constitucional, sendo dispensado passar pelo Congresso, para a sabatina do §3º" [72].

Alguns autores, por outro lado, invocam a teoria da recepção para defender a manutenção da hierarquia constitucional dos tratados de direitos humanos anteriores à EC n. 45. Um exemplo típico da aplicação dessa teoria é quando uma lei ordinária, anterior à Constituição, é com ela materialmente compatível, de modo que será por ela recepcionada, ainda que a matéria de que trata, de acordo com a nova ordem constitucional, deva ser regulada por lei complementar. A lei ordinária é, assim, recepcionada pela nova Constituição como lei complementar, somente podendo ser alterada ou revogada por um diploma legal desse tipo. Foi o que ocorreu, ilustrativamente, com a Lei n. 5.172/66, conhecida como Código Tributário Nacional, em razão de veicular matéria reservada à lei complementar pelo art. 146 da CF/88.

Jasson Hibiner Amaral propõe a aplicação analógica dessa teoria à situação gerada pela EC n. 45. Os tratados internacionais de direitos humanos assinados antes da sua vigência, que foram submetidos ao devido procedimento estabelecido à época da sua ratificação e que, assim, adquiriram status constitucional por força do §2º do art. 5º, seriam recepcionados pela ordem constitucional alterada pela EC n. 45 com o status de emenda constitucional [73]. José Carlos Francisco também adota esse entendimento, ressaltando que a recepção é um "princípio geral de Direito Constitucional (que independe de previsão expressa)" [74]. No mesmo sentido, embora não mencionando expressamente a teoria da recepção, veja-se os seguintes acórdãos, proferidos pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, respectivamente:

"Assim, é constitucionalmente possível que um tratado internacional retire do ordenamento jurídico pátrio as exceções ou as restrições aos direitos fundamentais, mesmo que tais exceções ou restrições estejam previstas no rol do art. 5º da Constituição Federal, pois, como antes referido, o que é vedado não é a alteração do art. 5º, mas a abolição dos direitos e garantias fundamentais, estejam eles onde estiverem (CF/88, art. 60, §4º, IV), sendo que a sua ampliação, longe de estar vedada, está na verdade expressamente autorizada, exatamente pela redação do dispositivo que recusa a taxatividade ou o numerus clausus (CF/88, §2º do art. 5º). E assim era desde a redação original da vigente Constituição Federal, com muito mais razão será agora com a edição da Emenda Constitucional n. 45/2004, que acrescentou o §3º ao art. 5º da CF/88, com o que os tratados internacionais ganharam clara e expressamente, força de Emenda Constitucional." (grifos nossos) [75].

"Recentemente, a Emenda Constitucional n. 45/2004 dispôs na redação que deu ao §3º do art. 5º da Constituição que: ‘Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais’. Embora não tenha ocorrido a aprovação com o quorum mencionado, forçoso é convir que está aí sinalizada a posição mais correta na exegese a respeito da legislação em comento." (grifos nossos) [76].

Por todo o exposto, resta claro que a EC n. 45, de 2004, em nada veio a alterar o entendimento defendido neste trabalho, qual seja, o de que a Convenção n. 158 da OIT foi incorporada à ordem jurídica brasileira com a hierarquia de norma constitucional e que a sua denúncia é um ato absolutamente inválido, entendimento que esperamos seja acolhido pelo Egrégio STF, no julgamento da ADIn n. 1625.

Por fim, há de ressaltar a possibilidade de ajuizamento de mandado de injunção. Como vimos, o STF, no julgamento da ADIn n. 1480, considerou o art. 7º, I, da CF/88, uma norma de eficácia limitada, dependente de regulamentação por lei complementar. Na hipótese de a ADIn n. 1625 ser julgada improcedente, considerando-se válida a denúncia da Convenção n. 158, uma solução interessante é a impetração de mandado de injunção (art. 5º, LXXI, da CF/88) perante o STF. O objetivo desse remédio constitucional é permitir que o Poder Judiciário possa suprir a omissão do Poder Legislativo, formulando a regra integrativa para o caso concreto, e, assim, permitindo o exercício do direito. O STF já havia se pronunciado no sentido de que, julgado procedente o remédio, cabia-lhe apenas dar ciência da omissão ao órgão por ela responsável.

Todavia, com a alteração da sua composição, recentemente o STF mudou de entendimento no julgamento de alguns mandados de injunção (v.g., MI n. 670/ES, MI n. 708/DF e MI n.712/PA). Tratava-se do direito de greve do servidor público (art. 37, VII, da CF/88), ao qual se conferiu efetividade, ordenando a aplicação da Lei n. 7783/89 (que regula o exercício da greve no setor privado), enquanto não for editada lei específica. Desse modo, poder-se-ia também impetrar o mesmo remédio para que o STF confira efetividade ao direito à proteção contra a dispensa imotivada (art. 7º, I, da CF/88), até que sobreviesse a lei regulamentadora.

Sobre a autora
Lorena Vasconcelos Porto

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Lorena Vasconcelos. A Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho e o direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2091, 23 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12501. Acesso em: 5 nov. 2024.

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