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TPI decreta prisão de presidente em exercício

Agenda 25/03/2009 às 00:00

Tribunal Penal Internacional: durante o século XX a implementação de um Tribunal Penal Internacional não passava de um (longínquo) desideratum, que se imaginava quase que inalcançável. Mais celeremente do que muitos acreditavam, o TPI nasceu e passou a funcionar em 02 de julho de 2002. A tese de uma Justiça criminal universal ou global ganhou força inusitada especialmente a partir daquele momento (1999) em que o Juiz espanhol Baltazar Garzón decretou a prisão do general chileno Augusto Pinochet, que acabou não se sujeitando, entretanto, a nenhuma sanção penal, em razão da sua morte (ocorrida no final do ano de 2006). É certo, de qualquer modo, que os juízes ingleses proclamaram a não invocação da imunidade presidencial em alguns crimes. Mas o impulso mais contundente à emergente Justiça criminal global foi dado mesmo com a criação do TPI (que começou a funcionar em 2002).

Hoje (março de 2009) o TPI já computa a adesão de 108 países. Conta com competência para julgar os chamados crimes de lesa-humanidade, incluindo-se o genocídio e os crimes de guerra. [01]

O Tribunal foi aprovado em Roma, em julho de 1998 (cf. seu Estatuto/Tratado de Roma no site <www.derechos.net/doc/tpi.html>). [02] Cento e oito países, como já foi dito, já acataram a idéia do Tribunal, que tem sede em Holanda (Haia) e é composto de dezoito (18) juízes.

É um Tribunal independente, integrado por juristas (especialmente penalistas – do tribunal faz parte a juíza brasileira Sylvia Steiner), com o propósito de garantir julgamentos justos, respeitando-se o devido processo legal.

Um dos maiores entraves à criação do TPI foram os EUA (que não ratificaram o pacto de Roma até hoje). E já se posicionaram radicalmente contra ele. De todos os países presentes em Roma (em julho de 1998), apenas sete (naquele momento) recusaram o TPI: EUA, Israel, China, Iraque, Iêmen, Líbia e Catar.

Dia 04.03.09 – data histórica para o TPI: no dia 04.03.09 o Tribunal Penal Internacional, por decisão de um grupo de juízes (três), mandou expedir o primeiro mandado de prisão contra um Chefe de Estado em exercício: trata-se do sudanês Omar el Bashir (contra quem pesa a acusação de sete crimes de guerra e contra a humanidade, crimes que ocorreram na região da Darfur). Acatou-se parcialmente o pedido do Procurador Luis Moreno-Ocampo, afastando-se, por ora, o delito de genocídio. No dia 14 de julho de 2008 foi formulado o pedido de prisão cautelar contra Omar el Bashir, que é acusado de genocídio, crimes de guerra e crime contra a humanidade, que teria cometido desde 2003 (matando milhares de pessoas: a ONU estima em 300 mil, sendo 35 mil agricultores de três tribos). O objetivo invocado é pôr fim às atrocidades massivas, que estariam ocorrendo no maior país africano.

Não se sabe quando e se será preso o acusado (da prisão pode se encarregar qualquer país que subscreveu o Tratado de Roma ou qualquer país que pertence ao Conselho de Segurança da ONU, desde que o imputado ingresse num deles), de qualquer modo parece certo (pelos antecedentes já conhecidos: processos contra Slobodan Milosevic e Charles Taylor) que a era do extermínio impune deve estar chegando ao seu fim: a Justiça penal global está sendo chamada a cumprir o seu papel de proteção dos direitos humanos, mesmo contra atos tirânicos cometidos por pessoas de países que ainda não ratificaram o Tribunal (como é o caso do Sudão).

Até o final do século XX os chefes de Estado ou de Governo gozavam de impunidade praticamente absoluta (em relação a seus crimes, ainda que de guerra): tanto durante seu mandato como depois. Vigorava o conceito antigo de soberania assim como a imunidade do Chefe de Estado. Cada país cuidava dos seus delitos (ou não cuidava deles), sem nenhuma ingerência alheia. Esse panorama se alterou completamente nos últimos anos (final do século XX e começo do século XXI), principalmente depois da prisão do General Pinochet (em 1999). Espera-se que o Estado de Direito global continue cumprindo seu papel de guardião dos direitos humanos fundamentais.

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Tribunais "ad hoc" criados pela ONU: antes da criação do TPI (pelo Tratado de Roma) não havia nenhum Tribunal penal internacional permanente. Existiam os tribunais ad hoc (criados pela ONU), constituídos para julgamentos específicos. Esse é o caso do TPI-Y, ou seja, Tribunal Penal Internacional para a ex-Yugoslávia. Perante esse Tribunal respondia por vários delitos Milosevic, que morreu de infarto no ano de 2006, durante uma audiência no citado tribunal. Em julho de 2008 foi preso Radovan Karadzic, o monstro de Belgrado, que foi Presidente da República do Povo de Sérvia de Bósnia de 1991 a 1995. É acusado pelo TPI-Y porque teria cometido crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de violação da Convenção de Genebra. Somente na matança de Srebrenica foram mortos mais de oito mil pessoas (muçulmanos).

Em 01.03.09 mais um tribunal ad hoc foi instalado sob o comando da ONU: para o julgamento da morte (ocorrida em Beirute, em 2004) do Primeiro Ministro libanês Rafik Hariri. Quatro generais das forças armadas libanesas são acusados por essa morte. Já foram requisitados pelo Procurador Bellemare (para quem essa Corte especial seria a primeira contra o terrorismo mundial).

A Justiça criminal global juntamente com as Cortes Regionais de direitos humanos podem efetivamente mudar o cenário mundial de impunidade na área da violação dos direitos humanos.


Notas

  1. Sobre o Tribunal leia mais no site <www.derechos.org/nizkor/impu/tpi/>.
  2. Cf. CHOUKR, Fauzi; AMBOS, Kai (Orgs.) et. al. Tribunal penal internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; LAVIGNE, Arthur. Por que o tribunal. O Globo, Rio de Janeiro, p. 6, 16 fev. 2002.
Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. TPI decreta prisão de presidente em exercício. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2093, 25 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12506. Acesso em: 23 nov. 2024.

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