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Tutelas de urgência em sede de ação civil pública.

A busca pela efetividade na jurisdição coletiva

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Agenda 31/03/2009 às 00:00

2 AÇÃO CIVIL PÚBLICA - A LEI N.º 7.347/85

Este instituto foi criado pela Lei n.º 7.347, de 24 de junho de 1.985, a partir de um projeto de lei apresentado ao legislativo pelo Poder Executivo, encampando um estudo realizado por membros do Ministério Público paulista, que, por sua vez, tinham dado prosseguimento na discussão de um anteprojeto original, realizado pelos então professores ligados ao Departamento de Processo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco, Kazuo Watanabe e Waldemar Maris de Oliveira Júnior.

Contudo, já existia no legislativo um outro anteprojeto de lei, versando sobre o mesmo assunto, apresentado pelo então parlamentar paulista Flávio Bierrenbach, tendo como fonte os primeiros estudos dos catedráticos da USP acima referidos, com decisiva contribuição de José Carlos Barbosa Moreira.

Este último doutrinador havia sido nomeado relator da tese apresentada pelos catedráticos paulistas, no I Congresso Nacional de Direito Processual, em Porto Alegre (julho de 1983), quando então, ao dar seu parecer favorável a tal tese, apresentou sugestões que enriqueceram e modificaram o projeto original.

Contudo, no confronto entre esses dois projetos, prevaleceu o projeto do executivo, que se transformou na conhecida Lei n.º 7.647/85 – Lei da Ação Civil Pública.

No que diz respeito à nomenclatura desse instituto, ressalta Hugo Nigro Mazzilli (2006, p.67), que "(...) ação civil pública é a ação de objeto não penal proposta pelo Ministério Público." Mas o autor ressalta a impropriedade do termo utilizado pela Lei 7.347/85, para se referir ao tipo de ação coletiva de defesa dos interesses transindividuais.

O termo "ação civil pública" surgiu como forma de distingui-la da ação penal pública, e foi utilizado pelos autores do anteprojeto, transformado na Lei 7.347/8525. O Código de Defesa do Consumidor trouxe a expressão "ação coletiva", em seu art. 87, para se referir a ação que visa proteção de interesse transindividual, que no mesmo diploma seguem conceituados.

Assim, pode se dizer que é pública porque ajuizada pelo Ministério Público; civil, em razão da natureza de seu objeto (não-penal). Hugo Nigro Mazzilli (2006, p.68), conclui a respeito da utilização dos termos:

"Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o prisma doutrinário, será chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido proposta por associações civis, mais correto será denominá-la de ação coletiva. Sob o enfoque puramente legal, será ação civil pública qualquer ação movida com base na Lei n. 7.347/85, para defesa de interesses transindividuais, ainda que seu autor seja uma associação civil, um ente estatal ou o próprio Ministério Público, entre outros legitimados; será coletiva qualquer ação fundada nos arts. 81 e s. do CDC, que verse a defesa de interesses transindividuais."

De acordo com a melhor doutrina, a Lei 7.347/85, possui características predominantemente processuais, nada obstante a relativização entre as normas materiais e processuais, isso em razão de prever normas que objetivam a realização do direito material, como exemplo os dispositivos que tratam da competência, legitimação, recurso, coisa julgada, execução, e ainda, pela previsão da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 19, da LACP).

No mais, dispõe o art. 129, III, da Constituição Federal que trata de função

institucional do Ministério Público "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", dando tratamento constitucional a essa modalidade de ação coletiva.

Conforme o texto constitucional pode ser objeto da ação civil pública todos

os direitos ou interesses transindividuais, até mesmo os individuais homogêneos, cuja expressão surgiu com o Código de Defesa do Consumidor, posterior à Constituição Federal, e tidos como espécie dos direitos coletivos, lato sensu.

No entanto, anteriormente à Constituição Federal, somente os direitos ou interesses inseridos no art. 1º, da LACP, que eram tuteláveis por este instituto, quais sejam: meio ambiente, consumidor, bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Posteriormente, foi ampliado seu objeto, até mesmo com a inserção do inciso IV, pelo art. 110, do CDC, que dispõe: "a qualquer outro interesse difuso ou coletivo".

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Nesse sentido, cumpre salientar que a lei mais importante no que tange à construção de um sistema jurídico para a tutela dos interesses metaindividuais, a saber, foi a lei n. 8.078/90, chamada de Código de Defesa do Consumidor. Essa lei realizou alterações extremamente relevantes na LACP, modificando significativamente sua estrutura, trazendo disposições aplicáveis a todas as ações civis públicas existentes, e não somente àquelas que decorressem da defesa do consumidor.

Após a CF/88, outras leis esparsas ampliaram as hipóteses de propositura da ação civil pública para a defesa de interesses transindividuais. Entre elas, podemos citar:

- Lei nº 7.853/89 – proteção das Pessoas Portadoras de Deficiência;

- Lei n.º 7.913/89 – proteção aos Investidores no Mercado de Valores Mobiliários;

- Lei n.º 8.069/90 – ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente;

- Lei n.º 8.884/94 – proteção das pessoas atingidas por danos de ordem

econômica e à economia

- Lei n.º 10.257/01 – proteção dos danos à ordem urbanística;

- Lei n.º 10.741/03 – Estatuto do Idoso

Percebe-se, portanto, que este instituto processual tem se modificado ao longo do tempo, seguindo as mudanças do próprio direito, já que este é dinâmico, e nunca deixa de se modificar e de se atualizar.

Ademais, com a edição da LACP, havia apenas previsão da legitimidade do Ministério Público para propositura da ação civil pública. Contudo, com o aprimoramento desse instituto, ampliou-se, pelo CDC, tanto seu objeto como o rol de legitimados pra propô-la, foi inserido a possibilidade do litisconsórcio entre os ministérios Público federal e o estadual, bem como foi criado a figura do ajustamento de conduta.

Os legitimados ativos estão elencados no art. 5º, da Lei 7.347/85, onde se verifica o fenômeno da legitimação extraordinária, pois os legitimados desse artigo substituem o grupo lesionado, ou para alguns, legitimação autônoma. Além disso, também se trata de legitimação concorrente, já que todos os entes arrolados podem propor a ação. Ainda serão legitimados os dispostos no art. 82, do CDC, em razão da interação entre os dois institutos (art. 21, LACP e 90, do CDC).

Novamente o ensinamento da professora Ada Pellegrini é pertinente (GRINOVER, 2005, p. 268):

"A constituição de 1988, contudo, ampliou sobremaneira os estreitos limites do art. 6.º do Código de Processo Civil, que vinha sendo criticado pela doutrina por impedir, com o seu individualismo, o acesso ao Poder Judiciário (sobretudo para a defesa de interesses difusos e coletivos). O caminho evolutivo havia se iniciado pela implantação legislativa da denominada ‘ação civil pública’ em defesa do meio-ambiente e dos consumidores, à qual a lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, legitimou, além do Ministério Público e de outros órgãos do Poder Público, as associações civis representativas; e foi depois incrementado pela Constituição de 1988, que abriu a legitimação a diversas entidades para a defesa de direitos supra-individuais (art. 5.º, incs. XXI e LXX; art. 129, inc. III e § 1.º, art. 103, etc.). O Código de Defesa do Consumidor seguiu a mesma orientação (art. 82, c/c art. 81, par. ún.)."

Atualmente, já se defende a tese que a legitimação para a defesa dos interesses transindividuais é residual, pois a legislação infraconstitucional já confere aos legitimados ativos a possibilidade de defenderem quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos.

Assim, conclui-se não existir taxatividade no rol de bens jurídicos que podem ser tutelados pela ação civil pública ou coletiva. Neste sentido afirma Hugo Nigro Mazzilli (2006, p. 122):

"Inexiste taxatividade de objeto para a defesa judicial de interesses transindividuais. Por isso, além das hipóteses já expressamente previstas em diversas leis (defesa do meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, crianças e adolescentes, pessoas portadoras de deficiência, investidores lesados no mercado de valores mobiliários, ordem econômica, economia, economia popular, ordem urbanística) – quaisquer outros interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos podem em tese ser defendidos em juízo por meio da tutela coletiva, tanto pelo Ministério Público como pelos demais co-legitimados do art. 5.º da LACP e art. 82 do CDC".

In fine, pode-se concluir que a Lei n.º 7.347/85 foi o início, o embrião da defesa judicial de interesses transindividuais. E como todo embrião, o processo natural é o seu desenvolvimento, ou seja, ao longo do tempo vem sendo alargado a abrangência desta tutela.

2.2 A ação civil pública como instrumento eficaz de exercício da cidadania no plano coletivo.

A tutela jurisdicional clássica ou tradicional, fundada no CPC, não se apresentou apta à proteção desses valores transindividuais, de interesse comum da sociedade, eis que nítida e exclusivamente individualista, seguindo as próprias influências do Código Civil de 1916, que por sua vez foi inspirado nos pilares dogmáticos do iluminismo, colocando o homem individualmente considerado como centro do mundo.

As regras do nosso CPC se voltam tão somente ao encaminhamento de "soluções para a denominada de lide individual, existente relativamente ao direito individual de pessoas físicas e jurídicas", conforme a arguta observação de Nelson Nery Júnior (2001, p.555). Enfim, se prestam a dirimir conflitos intersubjetivos.

Esse individualismo do CPC é notado de forma clara na legitimidade para a causa – vedando a defesa, em nome próprio, de direito alheio (art.6º) – e na regulamentação dos efeitos da coisa julgada (art.467), que somente atingem as partes envolvidas no litígio.

Não se pode deixar de perceber, entretanto, que essa tutela individualista não se apresenta hábil e idônea para promover a solução de conflitos decorrentes de algumas relações que atingem à coletividade, repercutindo na esfera de interesses de uma gama incontável de pessoas, transcendendo a individualidade do ser.

Exsurge, assim, com grande importância social a "possibilidade de tutelar esses direitos de forma mais eficaz, por intermédio da outorga de legitimidade a determinados órgãos", atingindo, até mesmo, direitos individuais, cuja proteção também é admitida pela via coletiva, na lúcida ponderação de Eduardo Arruda Alvim (1999, p.686).

Em sede legislativa, as Leis nº 7.347/85 – LACP e 8.078/90 – CDC se entrelaçam, se unem, de forma a dar o sustentáculo e apresentar o modus faciendi da tutela jurisdicional coletiva, constituindo-se em verdadeiro Código de Processo Civil coletivo.Tem-se, nesta linha de raciocínio, a ação civil pública como instrumento disponibilizado pelo ordenamento para a tutela jurisdicional coletiva, contando com regras próprias e admitindo (art.19, LACP) a aplicação das regras do CPC apenas subsidiariamente, desde que não subverta suas regras voltadas para a proteção da coletividade.

Por isso, Aluisio Gonçalves de Castro Mendes (2002, p. 23) sintetiza que a "ação coletiva é utilizada em contraposição às ações individuais, mas com um sentido peculiar, que pode ser encontrado a partir da existência de uma pluralidade de pessoas, que são as titulares dos interesses ou direitos em litígio".

Edis Milaré (2002, p. 858 e 859), por sua vez, bem demonstra a intenção do legislador quanto à natureza jurídica da LACP:

"É notória a inadequação dos esquemas clássicos da legitimação, consagrados no código processual vigente, para a efetiva tutela dos denominados interesses difusos. Igualmente impróprio, para sua proteção o modelo individualista de lei processual vigente no tocante à real eficácia do comando emergente da sentença, aos limites da coisa julgada, aos controles necessários pra evitar abusos, aos poderes de direção do juiz. O próprio conceito de reparação pelo dano provocado, e a destinação dessa reparação, não encontram solução na lei material"

Desta forma, percebe-se a intenção do legislador em conceber, através dessa lei, regras procedimentais, formas processuais para possibilitar o acesso à justiça no que tange à defesa dos direitos e interesses metaindividuais, visto que o sistema jurídico-processual não se harmonizava com as características desses bens jurídicos.

Quanto à providência jurisdicional a ser solicitada pela ação civil pública na defesa do seu objeto (interesses metaindividuais), entende-se que, precipuamente, se deverá pleitear medida de caráter cominatório, concernente em impor, ao autor da ofensa, obrigação de fazer ou de não fazer, sob pena de, em caso de descumprimento, se aplicar multa diária, e, na hipótese de não ser possível tal prestação, dar-se-á lugar á condenação pecuniária. É o que se depreende da interpretação dos artigos 3° e 11 da LACP, transcritos abaixo:

"Art. 3°- A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer".

"Art. 11 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.’

Vislumbra-se, via de conseqüência, que a ACP é o mecanismo efetivo para a defesa de lesão ou ameaça de lesão à coletividade, grupos ou determinada quantidade de indivíduos. É, pois, um instrumento de caráter constitucional destinado à tutela de todos os interesses metaindividuais existentes.

É a forma pela qual o Direito Processual foi dotado para enfrentar a revolução industrial, as transformações axiológicas e tecnológicas, a influência do Biodireito e da biotecnologia, a massificação e a própria globalização das relações humanas e mercantis, na sociedade contemporânea – aberta, plural, multifacetária, e complexa.

Sobre o autor
Marcelo Lima Nunes

Promotor de Justiça no Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Marcelo Lima. Tutelas de urgência em sede de ação civil pública.: A busca pela efetividade na jurisdição coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2099, 31 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12512. Acesso em: 18 nov. 2024.

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