SUMÁRIO:
1. Introdução; 1. 1. Escorço histórico; 1. 2. Influxos da Lei n.º 11.232, de 2005 no Direito Processual do Trabalho; 2. A multa do art. 475-J do Código de Processo Civil; 2. 1. Considerações preliminares; 2. 2. Natureza jurídica da multa do art. 475-J; 2. 3. Imposição da multa do art. 475-J de ofício pelo juiz; 2. 4. Base de cálculo da multa. Pagamento parcial. Incidência única. 2. 5; Início do prazo do prazo para o pagamento de quantia certa. Contagem do prazo. Liquidez da sentença. Termo ou condição; 2. 6. Da necessidade de intimação pessoal do réu ou de seu advogado; 2. 7. A imposição da multa do art. 475-J no acordo judicial; 2. 8. A multa do art. 475-J e o processo de execução contra a Fazenda Pública; 3. O cumprimento da sentença condenatória do CPC e o processo do trabalho; 3. 1. O movimento pós-positivista; 3. 2. O conceito de lacunas no ordenamento jurídico; 3. 2. 1. A teoria tridimensional do direito e as lacuna no ordenamento jurídico; 3. 2. 2. O processo de colmatação das lacunas previsto pela Consolidação das Leis do Trabalho; 3. 2. 3. Da admissibilidade da colmatação de lacunas "contra legem"; 3. 3. A admissibilidade de decisão judicial "contra legem", sob a ótica dos princípios da duração razoável do processo, da celeridade processual, da segurança jurídica e da proporcionalidade; 3. 3. 1. Princípios da duração razoável do processo e da celeridade; 3. 3. 2. O princípio da segurança jurídica; 3. 3. 3. O princípio da proporcionalidade; 3. 3. 4. Considerações sobre a admissibilidade de decisão judicial "contra legem"; 4. O suposto "ancilosamento" da execução trabalhista e a aplicação da analogia "contra legem" do CPC; 5. Aplicabilidade no processo trabalhista da multa do art. 475-J do CPC; 6. Proposta de reforma da CLT; 7. Conclusões sistematizadas.1. Introdução.
A Lei n.º 11.232, publicada no órgão oficial de 23 de dezembro de 2005, em vigor a partir de 24 de junho de 2006, é proveniente do "Pacto de Estado em favor de um Poder Judiciário mais rápido e republicano", celebrado no Congresso Nacional, que dá continuidade à Reforma do Judiciário. A Lei n.º 11.232, de 2005, por paradoxal que pareça — diante da comoção causada no meio jurídico, já que a lei em tela foi recebida como uma verdadeira revolução no Direito Processual Civil — buscou inspiração no Direito Medieval, mais precisamente na executio per officium iudicis.
Em apertadíssima síntese, pode-se dizer que no Direito Românico havia uma concepção privatística do processo, ou seja, ele era encarado como uma espécie de negócio jurídico pelas partes, que elegiam um árbitro e se comprometiam a cumprir a solução por ele encontrada. No princípio, caso o devedor se recusasse a pagar a dívida, poderia haver uma execução privada sobre a sua própria pessoa, com a evolução histórica, passou a execução a incidir sobre o patrimônio do devedor mas tão-somente através de uma actio judicati, promovida perante um pretor.
Já na era cristã, o processo romano ganhou a feição publicística atual, permanecendo, por inércia, contudo, a velha actio judicati. Assim, até o final do Império Romano, na quadra da ordo iudiciorum privatorum, havia duas ações autônomas: a actio, equivalente à ação de conhecimento, e a actio judicati, equiparável à ação de execução contemporânea. [01] Todavia, o processo romano possuía características inquisitoriais, como os interditos, que não permitiam a chicana e a procrastinação do processo de execução, pois que, caso a impugnação da ação de execução fosse rejeitada, o devedor teria de pagar a dívida em dobro, podendo ainda o magistrado rejeitar liminarmente a contestação de má-fé. [02]
Esse procedimento, porém, desapareceu na esteira da queda do Império Romano, no Século V, ou seja, o Direito Germânico que se implantou, retrocedeu à época da justiça privada. No século XIII, contudo, capitaneada pelo glosador Martino de Fano, houve o ressurgimento da actio, com a oportunidade para a ampla cognição, sendo que a sentença de conhecimento condenatória ali proferida não necessitaria mais de uma actio judicati (ação de execução autônoma) para ser cumprida, uma vez que ela já representava um comando estatal, o cumprimento da sentença se dava per officium iudicis, com uma nova eficácia antes desconhecida, id est, sem permitir uma nova ação de execução e o contraditório.
Na Idade Moderna, todavia, o incremento das relações comerciais fez surgir a necessidade da utilização dos títulos de crédito, que, por sua vez, não contavam com a autoridade da coisa julgada, mas precisavam de um método eficiente de execução que, ao mesmo tempo, garantisse a defesa do executado, ressurgindo, então, o instituto da actio judicati, cuja aplicabilidade, porém, não se estendia à execução das sentenças, permanecendo, então, dois modelos de execução distintos.
A Revolução Francesa, de 1789, contudo, com o fito de pôr cobro à "aristocracia da toga" do Antigo Regime, elevou o status da lei a um patamar inusitado, sob o argumento de assim se obter julgamentos imparciais. Tanto que Montesquieu chegou a dizer que no processo de elaboração das regras de direito os juízes não passam "da boca que pronuncia as palavras da lei, seres inanimados que não lhe podem moderar a força nem o rigor". [03] Passou-se, destarte, ao extremo oposto, ou seja, à tirania dos códigos, dos formalismos e do abstracionismo em relação ao direito subjetivo material.
Além disso, tendo em vista que o volume e a freqüência das execuções de títulos extrajudiciais era muito superior ao das execuções de sentença, o Código Napoleônico, nos primórdios do Século XIX, unificou o procedimento da execução. Este passou a ser o equivalente ao da actio judicati autônoma para ambos os títulos, sem, contudo, conferir ao juiz poderes inquisitivos para conduzir o processo de execução de forma célere, como na época do Direito Romano. Esse modelo se espraiou pela Europa Continental e foi mimetizado pelo legislador brasileiro, obrigando o credor a bater duas vezes na porta da Justiça para cobrar uma mesma dívida...
Atualmente, a execução no Direito Europeu vem passando por um progressivo processo de "desjudicialização" das atividades executivas. Em resumo, o juiz só interfere, incidentalmente, no processo executório para impedir um ataque aos direitos das partes. Nesse contexto, surgiu a Lei n.º 11.232, de 2005, oriunda de um anteprojeto proveniente de estudos elaborados pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual — nas pessoas dos juristas Athos Gusmão Carneiro, Sálvio de Figueiredo Teixeira, Petrônio Calmon Filho e Fátima Nancy Andrighi —, [04] com o objetivo de pôr cobro, ou pelo menos atenuar, a angústia do jurisdicionado que busca a solução do seu litígio junto ao Poder Judiciário da área cível e, após encarar todos os percalços inerentes à obtenção da sentença de cognição transitada em julgado, ainda sofre a frustração de descobrir que ela, por si só, não garante o bem da vida perseguido.
Vale dizer, antes da referida lei, teria novamente o jurisdicionado que ingressar com uma ação autônoma, desta vez executiva, para conseguir do Estado que este impusesse o cumprimento da obrigação ao devedor. A Lei n.º 11.232, de 2005 implantou no processo civil o assim chamado "processo sincrético", id est, nele já não mais existem três processos distintos para obrigar o devedor de quantia a quitar sua dívida — exceto quando se trate de execução contra a Fazenda Pública ou execução de prestação alimentícia. [05] Por outras palavras, o processo de conhecimento, o processo de liquidação da sentença e o processo de execução passaram a não mais representar três relações processuais distintas e autônomas, com as respectivas citações, o que há agora é um único processo, uma única citação [06][07]. Noutros termos, a Lei n.º 11.232, de 2005 representou uma verdadeira revolução no processo civil em termos de simplificação e agilidade na prestação jurisdicional.
1. 2. Influxos da Lei n.º 11.232, de 2005 no Direito Processual do Trabalho.
A Lei n.º 11.232, de 2005 significou um grande avanço no processo civil, no que toca à celeridade e a efetividade processuais, preconizadas pela Lex Legum. A tal ponto de, involuntária e reflexamente, impingir ao processo trabalhista, quando contrastado com o novo processo civil, a pecha de anacrônico.
De tal arte, diante da aludida reforma do processo civil, uma respeitabilíssima corrente de juristas de Direito Processual do Trabalho passou a pregar, tout court, a aplicação da nova execução do CPC ao processo do trabalho, ainda que existam vários dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho ou da Lei de Execução Fiscal, em vigor, regendo a mesma matéria.
Em sentido contrário, outra corrente, não menos importante, entende que a reforma da execução do CPC não ser deve aplicada ao processo trabalhista, considerando que a CLT continua vigente e o seu sistema de execução não se concilia com o cumprimento de sentença previsto no CPC.
Pessoalmente, no colocamos numa posição intermédia, id est, ainda que reconheçamos, como não poderíamos deixar de fazê-lo, o notável avanço representado pela Lei n.º 11.232, de 2005 na modernização do CPC, encaramos com cautela a sua aplicação no processo trabalhista, id est, não a admitindo sempre que a CLT ou a LEF regular o mesmo assunto.
A nossa proposta neste artigo, diante da própria limitação deste veículo, é tão-somente estudar a multa do art. 475-J do Código de Processo Civil e a sua aplicabilidade no processo trabalhista. Não nos furtaremos, contudo, a tentar contribuir com nossa modesta opinião a respeito do debate que se trava entre as duas correntes doutrinárias referidas, mas apenas naquilo que disser respeito à aplicação da aludida multa.
2. A multa do art. 475-J do
Marinoni e Arenhart defendem que "a multa em exame tem natureza punitiva, aproximando-se da cláusula penal estabelecida em contrato. [...] Esta multa não tem caráter coercitivo, pois não constitui instrumento vocacionado a constranger o réu a cumprir a decisão, distanciando-se, desta forma, da multa prevista no art. 461, § 4.º, do CPC". [09] Muito embora os mesmos autores tenham reconhecido alhures que a multa do art. 475-J "...tem a finalidade de imprimir efetividade à condenação...". [10] De outro lado, Araken de Assis enfatiza que "o objetivo da multa pecuniária consiste em tornar vantajoso o cumprimento espontâneo e, na contrapartida, onerosa a execução para o devedor recalcitrante". [11]
Por sua vez, Cassio Scarpinella Bueno, com o qual nos alinhamos, entende que a multa em debate tem natureza predominantemente "coercitiva e não sancionatória" [12] No mesmo diapasão, Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga entendem que a multa em questão tem "...dupla finalidade: servir como contramotivo para o inadimplemento (coerção) e punir o inadimplemento (sanção)". [13]
Não se pode deslembrar que o procedimento especial do pagamento espontâneo da obrigação estabelecida na sentença condenatória, previsto no art. 475-J do CPC, se insere numa etapa antecedente à execução, [14] ou seja, até aí não houve o pedido de cumprimento da sentença pelo credor, o que marca o início da fase de execução cível. [15] A partir de então a situação processual do devedor piora, pois ele já está resistindo ao cumprimento da sentença. Tanto assim que deverá arcar com os honorários do advogado do credor na fase de execução, mas que podem ser reduzidos pela metade se a dívida executada for paga em três dias. [16]
Noutros termos, o que o legislador do art. 475-J pretende é induzir o devedor a cumprir a sentença condenatória espontaneamente, o efeito punitivo é apenas secundário. Até mesmo porque o mesmo Digesto prevê que o executado poderá ainda sofrer a multa por atentatório à dignidade da Justiça do art. 601, esta, sim, de caráter eminentemente sancionatório. [17]
2. 3. Imposição da multa do art. 475-J
de ofício pelo juiz.O
art. 475-J do Código de Processo Civil dispõe: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação". (Grifos nossos.) Pelo que se dessome dos próprios termos da lei, não há dúvidas de que não há necessidade de pedido expresso do credor ao juiz no sentido de que este imponha ao devedor a referida multa. Esta deverá ser cominada ao devedor, ex officio, pelo juiz, [18] uma vez que o seu objetivo, além, de fomentar a efetividade e a celeridade da prestação jurisdicional, é preservar a dignidade do Poder Judiciário, punindo os devedores que ignoram o comando sentencial.Nada obstante, isso não impede que as partes venham a transacionar nos autos no sentido de dilatar o prazo para o pagamento, [19] ou mesmo excluir a imposição da multa, considerando que o acordo judicial é baseado no princípio da autonomia da vontade privada das partes e favorece a paz social.
2. 4. Base de cálculo da multa. Pagamento parcial. Incidência única.
A razão da exigência do valor líquido da condenação para que se possa impor a multa do art. 475-J é intuitiva, haja vista que esta foi estabelecida no percentual de 10% sobre uma base de cálculo específica, qual seja "o montante da condenação". Aí entendido como o principal mais juros de mora, correção monetária, honorários de advogado e demais acréscimos decorrentes da condenação. [20] Assim, o valor final da multa poderá ser irrisório, razoável ou expressivo, a depender do montante da condenação, o que, à primeira vista, pode parecer injusto mas, por outro lado, se respeita o princípio da proporcionalidade da pena. [21]
Além disso, observe-se que, se o pagamento se der parcialmente, a multa em questão incidirá tão-somente sobre o saldo remanescente e não sobre o montante total da condenação. [22]
Ademais, não se confunde a multa do art. 475-J com a multa diária (astreinte), prevista no § 4.º do art. 461 do CPC, porquanto, como vimos acima, a primeira tem duplo propósito: coercitivo e punitivo, enquanto que a segunda tem por alvo principal o cumprimento específico de obrigação de fazer ou não fazer. Desse modo, a multa do art. 475-J pelo não pagamento da quantia no prazo de quinze dias só incidirá uma única vez. [23]
2. 5. Início do prazo para o pagamento de quantia certa. Contagem do prazo.
No que tange ao início do prazo de quinze dias, para o pagamento da quantia certa fixada em sentença, existe uma corrente entendendo que, se houve apelação do réu, recebida tão-somente como efeito devolutivo, este deverá depositar o valor da condenação, no prazo de quinze dias, a contar da publicação da sentença, haja vista que o aludido prazo coincide com o da apelação. Isso porque a sentença sujeita à apelação, recebida com efeito meramente devolutivo, já possuiria eficácia condenatória. A propósito, Marinoni e Arenhart sustentam que "a multa — não obstante tenha natureza punitiva — tem a finalidade de imprimir efetividade à condenação. Cair no equívoco de admitir que a multa somente pode incidir depois do trânsito em julgado implica em ignorar o fato de que ela também objetiva dar efetividade à sentença condenatória e que essa pode produzir efeitos antes da formação da coisa julgada material. Na realidade, querer que a multa incida apenas depois do trânsito em julgado revela a velha e confusa subordinação do efeito sentencial à coisa julgada material ou, em termos mais claros, a falta de percepção de que o efeito da sentença é independente da coisa julgada material". [24]
Adotando uma posição mais moderada a respeito do prazo de quinze dias para pagamento, sob pena de incidência da multa em testilha, Cassio Scarpinella Bueno escreveu que "...o devedor tem de pagar a quantia identificada na sentença, assim que ela estiver liquidada e não contiver nenhuma condição suspensiva, isto é, assim que ela tiver aptidão de produzir seus regulares efeitos. De forma bem direta: desde que a sentença tenha transitado em julgado ou desde que o credor requeira sua ‘execução provisória’, o devedor tem de pagar". [25]
Ernane Fidélis dos Santos, porém, ensina que a penalidade "...se aplica apenas na hipótese de execução definitiva, já que a provisória é opção do credor, que poderá preferir não usar da faculdade". [26][27] Comunga do mesmo pensamento Humberto Theodoro Júnior, ao defender que a multa do art. 475-J "não se aplica à execução provisória, que só se dá por iniciativa e por conta e risco do credor, não passando, portanto, de faculdade ou livre opção de sua parte". [28] Ernane Fidélis dos Santos agrega que "acontecendo, todavia, de haver trânsito em julgado no correr da execução provisória, inicia-se o prazo para pagamento voluntário, sob pena de aplicação da multa". [29]
Nessa mesma linha, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini sustentam que "o dispositivo não deixa claro se a multa aplica-se ao descumprimento da condenação ainda provisória (isso é, aquela sujeita a recurso sem efeito suspensivo) ou apenas da condenação já definitiva (isso é, depois do trânsito em julgado). Mas, como a disposição menciona o ‘pagamento’ — e não o simples depósito em juízo — sob pena de multa, é possível supor que a multa incida apenas no descumprimento da sentença já definitiva. Não seria razoável impor o cumprimento, sob pena de multa, de uma sentença ainda passível de mudança". [30]
Por sua vez, Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira e Paula Sarno Braga trazem novos argumentos quanto à impossibilidade de imposição de multa na execução provisória, considerando que a "...a multa [...] tem a missão de forçar o cumprimento espontâneo da decisão" e este "...pode significar aceitação da decisão e, portanto, eventual recurso que o devedor/executado tenha interposto pode ser considerado inadmissível, pela prática de ato incompatível com a vontade de recorrer (art. 503 do CPC). [...] Além do mais, se a multa tem caráter punitivo pelo descumprimento de uma obrigação, como exigi-la se a obrigação ainda não é certa, pendente que está de confirmação no julgamento do recurso?". [31]
Ficamos com a última posição, por entendê-la ser a mais razoável, diante da imprecisão do art. 475-J, que não estabelece, de forma clara e precisa, quando se inicia o prazo para pagamento do valor da condenação. Entendemos que o tempus iudicati de quinze dias para o pagamento da quantia certa, fixada em sentença ou no "módulo de liquidação", só se iniciará a partir do momento em que decorrer o prazo para recorrer-se da sentença ou da decisão que fixar o valor líquido da condenação, id est, depois de transitada em julgado a decisão. Afinal a execução deverá ser sempre baseada em título de obrigação certa, líquida e exigível. [32] A propósito, oart. 475-J do Código de Processo Civil é expresso quanto à necessidade de liquidez da sentença, de modo a possibilitar o pagamento pelo devedor: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento...". (Sublinhamos.)
Desse modo, se a sentença de cognição não for líquida, será primeiro necessário que seja ultrapassada a "etapa de liquidação", assim, só após o trânsito em julgado da decisão que fixar o valor da condenação no pagamento de quantia correrá o prazo para o respectivo pagamento. [33]
De tal arte, sendo o advogado intimado da publicação da sentença, terá o prazo de quinze para apelar, [34] não o fazendo, automaticamente, a sentença transita em julgado. Assim, ele terá de comunicar ao seu constituinte que este tem mais quinze dias para providenciar o pagamento estabelecido na condenação, sob pena da incidência da multa em foco.
Caso se trate de decisão proferida na "fase de liquidação", da mesma forma, o causídico terá o prazo de quinze dias para agravar de instrumento a decisão, [35] assim não procedendo, esta transita em julgado, e ele deverá informar ao seu cliente que este tem quinze dias para quitar o débito, sob pena de sofrer a multa em estudo.
Não se olvide que, em caso de recurso à instância revisora, a parte será cientificada da baixa dos autos, só começando a correr daí o prazo para o pagamento espontâneo. Isso por impossibilidade prática, haja vista que a execução deve ser processada no juízo de origem.
Por sua vez, lembra Araken de Assis que o credor deverá comprovar que se realizou o termo ou condição naquelas relações jurídicas que o exigirem: "A pretensão a executar pressupõe o inadimplemento da condenação. A exigibilidade, por sua vez, depende da liquidez (in illiquidis mora non fit). Por outro lado, a condenação talvez verse relação jurídica sujeita a termo ou condição (art. 572), [36] e, neste caso, o vitorioso aguardará o implemento desses eventos, no requerimento executivo, alegará e provará os fatos correspondentes". [37]
De tal sorte, sustentamos que a interpretação do art. 457-J, oferecida pela corrente a qual seguimos, ou seja, a defensora de que o prazo de quinze dias só começa a fluir após o trânsito em julgado da sentença líquida, atende ao objetivo de coagir o devedor a pagar o débito estabelecido em sentença de forma definitiva, ao tempo que evita, ad exemplum, que o réu, condenado em uma indenização milionária por danos morais, tenha de comprometer o seu capital de giro — ou mesmo contrair empréstimos a escorchantes juros bancários — para depositar em juízo um determinado valor, sob pena de incidência de multa de 10% sobre o montante da condenação. Isso porquanto o montante da condenação poderá ser reduzido, ou mesmo extirpado da condenação, pela instância revisora. Não se esqueça, outrossim, que a norma sancionadora deve ser interpretada restritivamente: Poenalia sunt restrigenda.
Alfim, observe-se que o prazo em discussão será contado na forma do art. 184 do CPC [38]. [39]
2. 6. Da necessidade de intimação pessoal do réu ou de seu advogado.
Existem três entendimentos quanto ao ato de comunicação do devedor em relação ao prazo de quinze dias para realizar o pagamento, sob pena da multa do art. 475-J. Uns entendem que a intimação do devedor deve ser pessoal, [40] outros que basta a intimação do seu advogado pelo órgão oficial [41] e, finalmente, há os que defendem não haver sequer necessidade de intimação, haja vista que, quando transitada a sentença condenatória líquida, a parte já sabe que terá quinze dias para fazer o pagamento, corrente à qual nos filiamos. O espaço aqui não nos permite analisar, minuciosamente, cada uma das posições, por isso nos concentraremos apenas na última, remetendo o leitor para as fontes citadas na notas de rodapé.
Alguns operadores do Direito têm defendido que o princípio do devido processo legal exigiria a intimação pessoal do réu para que este viesse a tomar ciência de que deveria pagar o débito, sob pena de arcar com a multa do art. 475-J. Tal posição, data venia, não se coaduna com o espírito que anima a Reforma do CPC. O que esta pretende é imprimir celeridade e simplicidade ao processo e não criar mais um ato de comunicação judicial, com todos os seus notórios inconvenientes, apenas para que o devedor cumpra com a sua obrigação. O réu, presume-se, já sabe que tem uma dívida a ser cumprida no momento em que a sentença é publicada, se ele não apela da decisão conclui-se que com ela se conformou.
Por outro lado, a execução deve ser processada no juízo de origem, [42] assim, na hipótese de apresentação de recurso à superior instância, apenas quando os autos estiverem disponíveis poderá o devedor proceder o pagamento. Vale dizer, só nesse caso, o prazo do art. 475-J começa a fluir tão-somente a partir da intimação do advogado no diário oficial da baixa dos autos. Nesse sentido, leia-se o ensino de Humberto Theodoro Júnior: "Se o trânsito em julgado ocorre em instância superior (em grau de recurso), enquanto os autos não baixarem à instância de origem, o prazo de 15 dias não correrá, por embaraço judicial. Será contado a partir da intimação às partes, da chegada do processo ao juízo da causa". [43]
Ora, se o seu advogado não informa a parte a respeito da publicação da sentença, de modo que ela desta possa recorrer, ou de que todas as possibilidade de impetrar recursos viáveis já foram esgotadas, é sinal de incúria ou mesmo de deslealdade do causídico, que deverá responder pelos danos que causar ao seu cliente. Noutros termos, uma modernização legislativa, data venia, não pode ser prejudicada por um excesso de preocupação com a figura do devedor, este deverá sofrer as conseqüências por sua culpa in eligendo e in vigilando em relação ao profissional que contratou.
Desse modo, se não houver recurso, passados quinze dias do trânsito em julgado da decisão que fixa o montante da condenação, incide uma multa de 10% sobre este valor. Por sinal, advoga Humberto Theodoro Júnior que existe "...um prazo legal para cumprimento voluntário pelo devedor, que corre independentemente de citação ou intimação do devedor. A sentença condenatória líquida, ou a decisão de liquidação da condenação genérica, abrem, por si só, o prazo de 15 dias para o pagamento do valor da prestação devida. É do trânsito em julgado que se conta dito prazo, pois é daí que a sentença se torna exeqüível". [44] Nesse mesmo diapasão, Athos Gusmão Carneiro sustenta: "No plano teórico, a intimação da sentença condenatória ao advogado do réu é o que basta a que o réu seja considerado como plenamente ciente da ‘ordem’ de pagamento. No plano pragmático, a exigência representará uma ‘ressurreição’, sob outra roupagem, dos formalismos, demoras e percalços que a nova sistemática quis eliminar do mundo processual". [45]
A esse respeito, veja-se este recentíssimo aresto do Superior Tribunal de Justiça, verdadeiro leading case, no qual se decide, pela primeira vez nos tribunais superiores, sobre a desnecessidade de nova intimação do devedor para que se inicie o prazo para o cumprimento da sentença: "RECURSO ESPECIAL N.º 954.859 - RS (2007/0119225-2) RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS. EMENTA: LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA. DESNECESSIDADE. 1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início o prazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor. 2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida, pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la. 3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sob pena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%". [46]
2. 7.
A imposição da multa do art. 475-J no acordo judicial.A aplicação da multa do art. 475-J quando houver descumprimento de acordo judicial só se justifica quando não constar do seu próprio bojo, o que é raríssimo, uma multa por inadimplemento do acordo, sob pena de se incorrer em bis in idem. [47]
2. 8. A
multa do art. 475-J e o processo de execução contra a Fazenda Pública.O procedimento de cumprimento de sentença e, por conseguinte, a multa do art. 475-J não se aplicam às execuções contra a Fazenda Pública, pois que a Reforma do CPC não eliminou o processo de execução autônomo contra esta, previsto nos artigos 730 e 731 do CPC. [48] A Fazenda Pública continua a ser citada para responder a um processo de execução independente em relação ao de conhecimento. [49] Além disso, o pagamento dar-se-á na ordem de apresentação do precatório. [50][51]