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A guerra fiscal e seus prejudiciais efeitos aos entes federados brasileiros

Agenda 14/04/2009 às 00:00

A guerra fiscal é autodestrutiva do modelo federativo pátrio posto que acarreta o enfraquecimento dos entes federados mais fracos, em detrimento daqueles que têm maior possibilidade de conceder incentivos fiscais.

I. Introdução. Instrumentos legais para concessão de incentivos fiscais:

Denominam-se incentivos fiscais os favores concedidos pelo Estado a particulares, desobrigando-os de recolherem determinados tributos, ou deferindo redução de alíquotas, em determinados casos, exigindo-se, ou não, uma contraprestação do contribuinte.

Em outras palavras, os incentivos fiscais têm por escopo exonerar o sujeito passivo da obrigação tributária do recolhimento de certo tributo, ou conceder redução da respectiva alíquota, por motivos de política fiscal empreendida pela Administração Tributária.

Tais incentivos podem ser deferidos com a exigência de determinada contraprestação pelo contribuinte - como, por exemplo, a construção de uma fábrica, ou a contratação de número determinado de empregados – ou não, tal como ocorreu recentemente com a redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na aquisição de veículos automotivos novos.

Dentre as espécies de incentivos fiscais, destacamos a remissão, a isenção e a imunidade.

Remissão é uma forma de extinção do crédito tributário, superveniente ao nascimento da obrigação. Na remissão, ocorre o fato gerador, tornando-se exigível o crédito tributário, todavia, o sujeito passivo, torna-se inadimplente perante o FISCO, que detém a prerrogativa de remir o crédito do particular.

A remissão nada mais é, portanto, do que a "dispensa legal de pagamento de tributo devido". [01]

Somente lei específica pode autorizar a concessão de remissão, conforme previsão expressa do Código Tributário Nacional, in verbis:

"Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo:

I - à situação econômica do sujeito passivo;

II - ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato;

III - à diminuta importância do crédito tributário;

IV - a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso;

V - a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante."

Note-se, portanto, que os requisitos para concessão da remissão são expressamente previstos no CTN e que a sua inobservância, por óbvio, acarretará a ilegalidade do ato e a responsabilização do agente nas esferas penal, civil e administrativa.

A exigência de lei específica, que vale também para praticamente todas as hipóteses de incentivos fiscais, está contida no art. 150, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988, que prevê:

"§ 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g." (Grifos Nossos)

a isenção, ao seu turno, exclui a exigibilidade do crédito tributário nas situações previstas em lei, via de regra, em face de interesse social ou econômico regional, setorial ou nacional.

Para alguns autores, entre os quais José Souto Maior Borges, Sacha Calmon Navarro Côelho e Luciano Amaro da Silva, a isenção exclui a própria obrigação tributária, impedindo a ocorrência do fato gerador e o consequente surgimento do tributo.

Salientam, para fundamentar tal posição, que não seria lógico admitir-se o nascimento de uma obrigação tributária fadada à extinção, em razão de isenção prevista em lei. Nesse caso, a isenção seria hipótese de não incidência do tributo.

Para outra corrente de doutrinadores e para o Supremo Tribunal Federal [02], que defendem a interpretação literal do Código Tributário Nacional, a isenção é hipótese de exclusão do crédito tributário, isto quer dizer que o tributo chega a existir, mas o crédito tributário é inexigível em face da isenção, incorrendo-se na contradição aludida no parágrafo anterior.

Defendendo o posicionamento supra, pede-se vênia para citar o ilustre Kiyoshi Harada [03], que apregoa:

"Isenção é causa excludente do crédito tributário. A obrigação tributária que surge com a ocorrência do fato gerador se estanca atingida em seus efeitos. No dizer de Ruy Barbosa Nogueira ‘isenção é a dispensa do tributo devido, feita por expressa disposição de lei".

Discordamos, data venia, do ilustre tributarista, entendendo, no particular, pela necessidade de dar-se interpretação lógico-sistemática ao CTN, para considerar que a isenção, apesar da previsão expressa do art. 175, do CTN, [04] ocorre antes mesmo da realização do fato gerador, portanto, constituindo causa de não-incidência do tributo.

Prosseguindo com o tema, insta acentuarmos que, ainda que seja adotado o posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca da natureza jurídica da isenção como dispensa legal de tributo devido, não se pode confundir esse instituto com a remissão.

É que na remissão, o tributo é devido e há o perdão da dívida pelo sujeito ativo da obrigação tributária, tratando-se, portanto, de espécie exonerativa externa ao desenho da obrigação tributária, porquanto não se aloja nem nas hipóteses, nem nas consequências das normas de tributação.

Já na isenção, não há necessariamente um tributo devido, posto que mesmo levando-se em consideração tal instituto como hipótese de incidência do crédito tributário, a sua inexigibilidade ocorre ato contínuo ao nascimento da obrigação, de forma que o tributo não chega a ser, efetivamente, devido. [05]

A imunidade, por sua vez, é hipótese de não incidência de tributo, assim como a isenção, da qual se diferencia por ser prevista necessariamente na Constituição.

Outrossim, enquanto a isenção deve ser prevista em lei específica, a imunidade é matéria atinente à constituição.

Nada impede, contudo, que o Poder Constituinte Derivado Reformador preveja novas hipóteses de imunidade, pois o assunto não é cláusula pétrea.

Uma nota importante ao presente artigo diz respeito à evolução histórica do alcance dos incentivos fiscais.

Na Antiguidade e até a Época Medieval, os incentivos fiscais eram deferidos tomando-se como parâmetro a pessoa a quem iriam beneficiar, isto é, apenas os membros das classes mais importantes, por exemplo, nobres e clérigos, eram beneficiados pelo Estado.

Com a Revolução Francesa e os seus ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, houve uma ruptura com o paradigma então reinante, para moralizar, ainda que não totalmente, a concessão de incentivos fiscais.

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Hodiernamente, admite-se que os incentivos fiscais devem ser deferidos de acordo com motivos sociais, filantrópicos, políticos, administrativos, econômicos e para fomento da educação e cultura, proibindo-se que sejam levadas em consideração apenas as qualidades do sujeito passivo, sob pena de solapar-se o Princípio da Isonomia (exceto quando houver motivo justificável, por exemplo, hipossuficiência econômica, para fins de pagamento de Imposto de Renda de Pessoa Física).


II. Incentivos Fiscais e Competição Tributária:

Lamentavelmente, os apontamentos teóricos descritos no item anterior – no que toca aos motivos para deferimento de incentivos fiscais –, na prática, não seguidos pelo Estado incorrendo-se, muitas vezes, na concessão indiscriminada daqueles.

É o caso da Guerra Fiscal, a ser estudada mais detalhadamente no item a seguir.

No momento, importa consignar que o sistema competitivo não é benéfico ao Estado, porquanto acarreta perda de receitas e ferimento às normas legais.

Constatada a ineficiência da competição tributária, algumas soluções têm sido apontadas para controlá-la ou minimizar seus efeitos. A solução clássica sugere a intervenção do ente central, mais forte economicamente, no controle dos entes locais (Municípios) e Regionais (estados), o que faz ressurgir a questão do conflito entre centralização versus descentralização.

Dentre os argumentos favoráveis à centralização, podemos destacar: maior coerência e eficiência da política de âmbito nacional; surgimento de um ente mais forte que possa apaziguar os demais; e a possibilidade de maior harmonização entre os diversos níveis de governo.

Tocantemente às vantagens da descentralização, realce para: proximidade dos entes locais ao povo; maior efetividade na cobrança aos governantes, em vista do contexto de proximidade do povo para com esses; obtenção de campo de experiência na condução de políticas públicas, as quais podem ser implantadas, a princípio, em determinado ente local, para posterior extensão a todos os demais, caso aprovadas.

Como nota peculiar desse duelo entre centralização versus descentralização, pensamos que o ideal seria buscar um sistema harmônico, em que os entes locais e regionais possam exercer suas autonomias sem ingerência indevida do ente central, ao qual, entretanto, devem recair maiores atribuições e prerrogativas, posto que representa a unidade.

Um dos fatores que, atualmente, mais propicia a competição tributária é a má distribuição de receitas no bojo do sistema federativo, o qual, como não poderia deixar de ser, exerce papel fundamental na prevenção daquela, de maneira que, quando não distribui harmonicamente as receitas aos entes federados, está incentivando a busca de maior arrecadação por vias transversas, afinal, no regime capitalista em que vivemos, a omissão dos governantes também pode ser desastrosa na condução de políticas públicas.

No caso brasileiro, a repartição de receitas não atende ao ideal [06], o que tem justificado, no campo político, a concessão de incentivos fiscais de forma indiscriminada por Municípios e estados, consubstanciando-se a propalada "Guerra Fiscal", acerca da qual passaremos a nos ater.


III. Da Guerra Fiscal.

Guerra Fiscal é a concessão indiscriminada de incentivos fiscais, pelos entes de uma federação específica, visando a atrair empresas para determinado território, ou como leciona Ricardo Pires Calciolari [07]:"A chamada Guerra Fiscal é conceituada como a exacerbação de práticas competitivas entre entes de uma mesma federação, em busca de investimentos privados."

Do conceito trazido ao lume podemos extrair as seguintes características da Guerra Fiscal:

a) Consiste na concessão indiscriminada, exacerbada, de incentivos fiscais:

A primeira característica da Guerra Fiscal diz respeito à ilegalidade do ato que defere o benefício fiscal.

Somente considera-se ato enquadrado como de "Guerra Fiscal" aquele que defere benefício fiscal sem atentar para os requisitos legais, como, por exemplo, a inexistência de convênio autorizador, elaborado no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), em matéria de ICMS.

Em sentido contrário, se o ato observa os requisitos legais pertinentes, não pode ser qualificado como indiscriminado, logo, fugindo ao conceito de Guerra Fiscal ora proposto.

b) Finalidade de atrair investimentos privados para o ente concedente:

A finalidade da Guerra Fiscal é atrair empresas para o território do ente concedente do benefício ilegal, isto é, pretende-se aumentar os investimentos privados, mesmo ao arrepio das previsões legais.

Note-se que a marca peculiar para enquadramento do ato concessivo no conceito de "Guerra Fiscal" continua sendo a sua ilegalidade, a qual, entrementes, tem uma finalidade específica, que é atrair investimentos privados para o ente concedente.

Trata-se, portanto, de uma troca de favores. O Ente federado renuncia a determinado tributo, mediante um dos diferentes meios de incentivos fiscais (isenção, remissão, redução de alíquotas, etc.), enquanto que o beneficiário compromete-se a realizar investimentos pré-determinados, como forma de compensação.

c) Os entes concedentes integram a mesma federação:

O conceito de Guerra Fiscal aqui proposto restringe àquela ao âmbito nacional, de forma que estariam nela enquadrados apenas os incentivos fiscais ilegais, com finalidade de atrair investimentos privados, realizados por entes de uma mesma federação.

Isto quer dizer que se toma a conjuntura nacional para caracterização da Guerra Fiscal.

Nada impediria, todavia, ao nosso sentir, em estudo mais amplo, que se considerasse a Guerra Fiscal Internacional, praticada entre distintos Estados – entes de direito público internacional –. Exemplos não faltam, como ocorre, aliás, com a concessão indiscriminada de benefícios agrícolas pelos E.E.U.U., em flagrante prejuízo ao mercado dos países em desenvolvimento.

Todavia, como o âmbito deste artigo não permite maiores divagações nesse sentido e uma vez que se pretende, aqui, analisar os efeitos da Guerra Fiscal no modelo federativo brasileiro, iremos nos abster dessa discussão.

III.2 Os efeitos prejudiciais da Guerra Fiscal e suas conseqüências:

A Guerra Fiscal mostra-se extremamente prejudicial aos entes mais fracos economicamente porque inexiste incentivo fiscal que por eles possa ser concedido e que não possa ser contrabalançado por um ente mais forte.

Ademais, os estados e Municípios mais "abastados" oferecem, via de regra, outras vantagens às empresas que pretendem se instalar em seus territórios.

Desta forma, além de concorrer com maior "predisposição" dos entes mais fortes economicamente para conceder incentivos fiscais, os Estados Membros e Municípios menos desenvolvidos têm que lutar contra outros fatores que influenciam as empresas em sua escolha pelo local ideal de instalação, tais como: maior proximidade com o mercado de consumo; melhor malha de transportes (estradas, portos, aeroportos); e mão de obra mais qualificada.

Além disso, não podemos olvidar que, ao deferir incentivos fiscais indiscriminados, o ente concedente está renunciando a receitas que poderiam facilmente perceber acaso não houvesse essa disputa sem regras.

Ademais, também se está infringindo a lei.

Quanto a este último ponto, insta acentuar que o agente político que defere incentivo fiscal sem observar as disposições legais e regulamentares, comete ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 10, VII, da Lei nº 8.429/92, in verbis:

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;"

O dispositivo legal é, portanto, bastante claro. Comete ato de improbidade o sujeito que concede benefício fiscal sem observar as disposições legais e regulamentares.

A penalidade pode variar desde a perda de bens e valores, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e multa civil, até a proibição de contratar com o Poder Público, conforme art. 12, II, da Lei de Improbidade.

Talvez se questão da concessão indiscriminada de incentivos fiscais fosse levada a sério, com a punição na seara civil (por ato de improbidade administrativa) dos agentes políticos que insistissem em desrespeitar a lei, deferindo incentivos fiscais de forma indiscriminada, já tivéssemos acabado com prática tão abusiva.

Entretanto, enquanto as sanções se limitarem a penalidades pecuniárias aos entes concedentes, dificilmente o problema será solucionado.

Apesar de todas as críticas à Guerra Fiscal, há quem a defenda, conforme se depreende do posicionamento do tributarista Hugo de Brito Machado [08], que expõe:

"Os jornais de maior circulação no território nacional, editados em São Paulo, constantemente veiculam artigos nos quais são empregadas expressões como "guerra fiscal", "guerra fiscal suicida", ou outras de sentido ainda mais pejorativo, para combater a iniciativa de estados que se atrevem a conceder isenção ou outra forma de incentivo fiscal no âmbito do ICMS. Os defensores da tese paulista sustentam que conceder isenção do ICMS sacrifica a arrecadação, já precária, dos Estados Membros. Configura verdadeiro suicídio para o tesouro nacional.

A tese, porém, só é válida para os Estados industrializados, ou mais exatamente, para São Paulo. Neste aliás, é impossível conceder isenção para indústria nova, porque em seu território já existe indústria de tudo. Para os Estados onde não existe indústria, é inteiramente infundada. Nestes a instalação de uma indústria atraída pela isenção, além de não implicar renúncia à arrecadação, promove o aumento desta por via indireta, na medida em que aumenta a rena e o consequente poder de compra, com a oferta de novos empregos."

Olvidou o ilustre mestre que diminuição de desigualdades regionais não é Guerra Fiscal. A proteção a Regiões (veja-se bem, a Regiões) menos desenvolvidas é princípio constitucional, que se legitima, portanto, na vontade popular (CF de 1988, art. 1º, parágrafo único).

Afirmar, todavia, que a Guerra Fiscal está inserida no contexto de diminuição das desigualdades regionais é dar interpretação equivocada, data venia, ao texto constitucional, que em momento algum autoriza tais conclusões.

Ademais, ao revés do que apregoado pelo ilustre mestre, os efeitos da Guerra Fiscal são mais prejudiciais aos entes menos abastados do que aos Estados-Membros mais fortes economicamente pelos motivos já vistos, notadamente a maior capacidade econômica para deferir incentivos fiscais e maior predisposição estrutural para receber empresas em seus territórios.

Portanto, a Guerra Fiscal não é benéfica para ninguém.

Felizmente, também há quem seja contrário à Guerra Fiscal, como, por exemplo, o Deputado Federal Aldo Rebelo [09], que defende:

"A Guerra Fiscal travada pelos estados para atrair empresas é uma prova contundente dessa "guerra de todos contra todos" em que mergulha a sociedade quando o Estado abdica de suas funções de coordenação e arbitragem dos interesses em conflito.

Não podemos condenar o dirigente estadual pelos seus esforços em atrair investimentos produtivos. Queremos apenas chamar a atenção para dois fatos:

1º - Chegamos até essa situação pela absoluta incapacidade do governo federal de equacionar em bases corretas a questão regional. A ausência de uma política de desenvolvimento regional e de instrumentos efetivos para sua implementação leva os estados a disputarem entre si novos investimentos, através de instrumentos impróprios, ineficazes e inconstitucionais, como é o caso da presente "guerra fiscal";

2º Nesta guerra não haverá vencedores. Todos sairão perdendo, pois não há incentivo de um estado mais pobre que não possa ser contrabalançado por um estado mais rico (...)

Com a Guerra Fiscal, os estados abrem mão exatamente dos recursos que poderiam torná-los mais competitivos no médio e longo prazo."

Na verdade, a Guerra Fiscal consubstancia um grave ferimento à política de incentivos fiscais preconizada na Constituição e pelo Congresso Nacional.

Com efeito, é que a própria Lei Complementar nº 24/75 prevê que a concessão de incentivos fiscais do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – maior alvo da Guerra Fiscal- deve ser precedida de autorização do CONFAZ (mediante Convênio). Além disso, deve observar a forma de Lei Complementar (CF, art. 155, parágrafo 2º, XII, "g").

Nesse sentido, o precedente do STF que passo a citar:

"EMENTA: Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Caráter normativo autônomo e abstrato dos dispositivos impugnados. Possibilidade de sua submissão ao controle abstrato de constitucionalidade. Precedentes. 3. ICMS. Guerra fiscal. Artigo 2º da Lei nº 10.689/1993 do Estado do Paraná. Dispositivo que traduz permissão legal para que o Estado do Paraná, por meio de seu Poder Executivo, desencadeie a denominada "guerra fiscal", repelida por larga jurisprudência deste Tribunal. Precedentes. 4. Artigo 50, XXXII e XXXIII, e §§ 36, 37 e 38 do Decreto Estadual nº 5.141/2001. Ausência de convênio interestadual para a concessão de benefícios fiscais. Violação ao art. 155, §2º, XII,g, da CF/88. A ausência de convênio interestadual viola o art. 155, § 2º, incisos IV, V e VI, da CF. A Constituição é clara ao vedar aos Estados e ao Distrito Federal a fixação de alíquotas internas em patamares inferiores àquele instituído pelo Senado para a alíquota interestadual. Violação ao art. 152 da CF/88, que constitui o princípio da não-diferenciação ou da uniformidade tributária, que veda aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer diferença tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino. 5. Medida cautelar deferida. (STF, ADI-MC 3936 / PR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Dj Data: 19/09/2007, grifei)

Não se proíbe, portanto, de forma absoluta, a possibilidade de deferimento de incentivos fiscais do ICMS, mas são criados determinados requisitos, a serem observados pelos estados, como forma de resguardar o modelo federativo.

Inobservar tais requisitos é incidir na malsinada Guerra Fiscal, a qual acarreta perda a todos. Ao ente federado que insiste em conceder os incentivos de forma indiscriminada, porque implica renúncia indevida de receitas; aos demais, posto que saem perdendo na batalha pelo crescimento sustentável.

Por fim, registre-se que o tributo existente no Brasil que mais possibilita a Guerra Fiscal é o ICMS, apesar das previsões legais e constitucionais estudadas.

Todavia, é perfeitamente possível que a Guerra Fiscal abarque outros tributos, podendo afetar dois Municípios, com concessão de isenção de IPTU, por exemplo, ou entes de esferas distintas de Governo (Guerra Fiscal Vertical), como sói acontecer, em concreto, quando determinado Estado-Membro defere isenção de ICMS, mas um Município, em contraponto, concede igual benefício a título de IPTU.

Sob qualquer pretexto, entretanto, a Guerra Fiscal é maléfica ao modelo federativo brasileiro e deve ser combatida.


IV. Conclusões:

A Guerra Fiscal é a concessão indiscriminada de incentivos fiscais, pelos entes de determinada federação, visando a atrair empresas e investimentos para seus territórios e é maléfica aos entes federados.

Aos entes mais abastados, porque implica renúncia de receitas que seriam úteis em outras circunstâncias e por consubstanciar ferimento à Constituição Federal de 1988 (art. 155, parágrafo 2º, XII, "g") e à Lei Complementar nº 24/75, além de constituir ato de improbidade administrativa previsto no art. 10, VII, da Lei nº 8.429/92.

Quanto aos Estados Membros e Municípios menos fortes economicamente, são prejudicados duplamente pela Guerra Fiscal, a uma pois não têm condições de competir com aqueles mais abastados, dotados de predisposição financeira para contrabalançar qualquer incentivo concedido à sua revelia; a duas, porque não detêm predisposição estrutural (boas estradas, portos, aeroportos, mão de obra qualificada e proximidade ao mercado consumidor) para competir por investimentos privados, o que induz à conclusão de que qualquer incentivo que desejem conceder deve ser de grande monta, de forma a minimizar tais dificuldades.

A concessão de incentivos fiscais de ICMS – vertente mais notória da Guerra Fiscal no federalismo brasileiro, quando indiscriminada – somente é possível com prévia autorização dos estados e Distrito Federal, via convênio e por meio de Lei Complementar, nos termos da LC nº 24/75 e da Constituição Federal de 1988.

A Guerra Fiscal é autodestrutiva do modelo federativo pátrio posto que acarreta o enfraquecimento dos entes federados mais fracos, em detrimento daqueles que possuem melhores condições econômicas e, portanto, maior possibilidade de conceder incentivos fiscais.


V. Referências Bibliográficas:

AMARO, Luciano. "Direito Tributário Brasileiro". São Paulo: Editora Saraiva, 1999, 485p.

BASTOS, Celso Ribeiro. "Por uma nova Federação". São Paulo: Editora RT, 1995 165p.

CALCIOLARI. Ricardo Pires. "Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil.". Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/publicacoes-esaf/caderno-financas/CFP7/CFP_n7_art1.pdf. Acessado em 23/03/2009.

CÔELHO. Sacha Calmon Navarro. "Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária". São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 204.

HARADA, Kiyoshi Harada. "Direito Tributário". São Paulo: Editora Atlas, 11ª edição, 2003, p. 471.

MACHADO. Hugo de Brito. "A Guerra Fiscal". Disponível em www.temi.com.br/artigos/guerra.html. Acessado em 03/03/2001.

PEREIRA NETO. Luiz Gonzaga. "Algumas considerações sobre a Reforma Tributária." Disponível em http://jus.com.br/artigos/11967.

REBELO, Aldo. "A Guerra Fiscal e Reforma Tributária." Disponível em www.camara.gov.br/aldorebelo/publicacoes/TRIBUT.html. Acessado em: 20/12/2003.

ZIPELLIUS, Reinhold. "Teoria Geral do Estado." Trad. Karin Praefke-Aires, Lisboa: Editora Calouste Gulbenkian, 1997, 599p.


Notas

I - a isenção;

II - a anistia."

  1. CÔELHO. Sacha Calmon Navarro. "Teoria Geral do Tributo e da Exoneração Tributária". São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982, p. 204.
  2. Dentre outros, no RE nº 97.455-RS.
  3. HARADA, Kiyoshi Harada. "Direito Tributário". São Paulo: Editora Atlas, 11ª edição, 2003, p. 471.
  4. CTN. "Art. 175. Excluem o crédito tributário:
  5. Evidentemente, estamos nos referindo à isenção total, que abrange todo o crédito tributário e não à parcial.
  6. Já tivemos a oportunidade de escrever poucas linhas a respeito do assunto no artigo: "Algumas considerações sobre a Reforma Tributária." Disponível em http://jus.com.br/artigos/11967.
  7. CALCIOLARI. Ricardo Pires. "Aspectos Jurídicos da Guerra Fiscal no Brasil.". Disponível em: http://www.esaf.fazenda.gov.br/esafsite/publicacoes-esaf/caderno-financas/CFP7/CFP_n7_art1.pdf. Acessado em 23/03/2009.
  8. MACHADO. Hugo de Brito. "A Guerra Fiscal". Disponível em www.temi.com.br/artigos/guerra.html. Acessado em 03/03/2001.
  9. REBELO, Aldo. "A Guerra Fiscal e Reforma Tributária." Disponível em www.camara.gov.br/aldorebelo/publicacoes/TRIBUT.html. Acessado em: 20/12/2003.
Sobre o autor
Luiz Gonzaga Pereira Neto

Advogado da União em João Pessoa. Pós-Graduando em Direito Público. Professor Universitário e de Cursinhos Preparatórios para Concursos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA NETO, Luiz Gonzaga. A guerra fiscal e seus prejudiciais efeitos aos entes federados brasileiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2113, 14 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12629. Acesso em: 23 dez. 2024.

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