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A precarização das relações trabalhistas e os acidentes de trabalho.

O exemplo italiano

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Agenda 19/04/2009 às 00:00

O exemplo italiano serve para comprovar a relação intrínseca existente entre a precarização e a desregulamentação do Direito do Trabalho e o aumento no número de acidentes.

SUMÁRIO: 1. A precarização das relações de trabalho. 2. As conseqüências sobre a saúde e segurança do trabalhador. 2.1 Entrevistas. 2.2. Algumas medidas tomadas pelo Governo Prodi (2006-2008). 3. Conclusão. 4. Referências bibliográficas.


1.A precarização das relações de trabalho

A ordem jurídico-trabalhista italiana foi construída como um sistema de garantias, materiais e processuais, notavelmente avançado, visando proteger a dignidade, a liberdade e a segurança dos trabalhadores. A Constituição italiana de 1948 reconhece um papel central ao trabalho, em virtude da sua dúplice importância: trata-se de um meio para a satisfação das necessidades materiais e para o alcance de condições de bem-estar individual e social e, por outro lado, de um lugar privilegiado, embora não único, de expressão e realização da personalidade humana [01].

Após a promulgação da Constituição de 1948, que restaurou a ordem democrática no País, depois de décadas de vigência do regime fascista, foram emanados importantes diplomas legais em matéria trabalhista. Entre eles se destaca a Lei n. 300, de 20 de maio de 1970, conhecida como Estatuto dos Trabalhadores. A partir daí foram promulgadas outras leis no mesmo sentido, mas o número delas foi decrescendo ao longo do tempo. Além disso, sobretudo no decorrer na década de 1990 e no início do século presente, foi editada uma série de diplomas trabalhistas, - que não somente não realizam, como também se afastam radicalmente do ideário constitucional -, dos quais são exemplos mais recentes o Decreto-Legislativo (DL) n. 276, de 2003, e o DL n. 368, de 2001 [02].

O DL n. 276/2003, mais conhecido como "Decreto Biagi", do ponto de vista formal não introduziu mudanças na disciplina dos institutos fundamentais do Direito Individual e Coletivo do Trabalho, entre eles a proteção contra a dispensa imotivada [03]. Mas o mesmo não se pode dizer quanto à sua substância [04]. Ao longo dos seus 86 artigos, foi prevista uma série de tipos contratuais, que podem ser estabelecidos por tempo determinado e oferecem ao trabalhador um tratamento normativo inferior ao tradicional contrato empregatício, em termos de remuneração e tutelas (v.g., "contratto di lavoro intermittente", "contratto di inserimento", "contratto di lavoro a progetto" – sucessor da "collaborazione coordinata continuativa" ou trabalho parassubordinado, no setor privado -, "contratto di lavoro occasionale di tipo acessorio", etc.).

Demais disso, ampliou a possibilidade de se recorrer à terceirização de mão-de-obra, através do "contratto di somministrazione di lavoro" que, em dadas hipóteses, pode ser por tempo indeterminado. Cita-se, ainda, a maior flexibilização do contrato de trabalho em regime de tempo parcial - como a possibilidade da prestação de horas suplementares – eliminando as restrições impostas pelo DL n. 61/2000, que regula esse tipo contratual.

Importa tecer alguns comentários acerca da figura da parassubordinação. Ela foi definida pela primeira vez pelo art. 2°, da Lei n. 741, de 1959, e, posteriormente, foi prevista pelo art. 409, §3°, do Código de Processo Civil (CPC), com a reforma efetuada pela Lei n. 533, de 11 de agosto de 1973. O DL n. 276/2003, em seu art. 61, ao prever a figura do trabalho parassubordinado a projeto, faz referência ao art. 409, §3°, do CPC, mencionando expressamente as "relações de colaboração coordenada e continuada, prevalentemente pessoal e sem vínculo de subordinação", mais conhecidas como "co.co.co.".

De acordo com o "Decreto Biagi", as relações de trabalho parassubordinado, para serem válidas, devem se enquadrar em um "contrato de trabalho a projeto", o qual ficou conhecido como "co.co.pro." (colaboração coordenada continuada a projeto). Todavia, é excluída da nova disciplina uma série de hipóteses, como os colaboradores da Administração Pública, para os quais ainda é válida a estipulação de relações de colaboração continuada e coordenada fora do âmbito do contrato a projeto, e, assim, por tempo indeterminado.

Na essência, a diferença entre a "co.co.co." e a "co.co.pro." é que nessa última o tomador de serviços deve especificar o "projeto" em que o trabalhador irá atuar. Todavia, a noção de projeto é extremamente ampla, vaga e imprecisa, permitindo o enquadramento das mais diversas atividades e modalidades de execução. Além disso, não há no DL n. 276/03 uma norma que proíba a renovação continuada do "co.co.pro.", o que possibilita a "perpetuação" dessa forma contratual precária, por meio de uma série de renovações encadeadas uma à outra, indefinidamente, inclusive em relação a projetos ou programas análogos [05].

A posição das entidades sindicais obreiras, como a "Confederazione Generale Italiana del Lavoro" (CGIL), é contrária à parassubordinação, vez que os empregadores terão, evidentemente, todo o interesse em recorrer a esses colaboradores, cujo custo atualmente é cerca da metade daquele ligado à relação de emprego. O grande risco – que se está concretizando – é a multiplicação desses "falsos autônomos", que irão aumentar ainda mais as fileiras dos "trabalhadores pobres" ("working poors").

O "Decreto Biagi", portanto, oferece à empresa uma série de possibilidades de utilizar um trabalhador sem precisar recorrer ao tradicional contrato de emprego por tempo indeterminado, esquivando-se, assim, de se submeter às "onerosas" tutelas e garantias legais, entre elas a necessidade de justificação da dispensa.

De fato, esse diploma introduziu uma série de contratos flexíveis e precários - alguns já presentes no ordenamento jurídico italiano, mas com estrutura e fisionomia totalmente diversas, e outros completamente desconhecidos - que permitem a massiva utilização da força de trabalho fora dos moldes do contrato de emprego "padrão". Criaram-se, ainda, determinadas figuras que permitem às empresas se segmentarem ou crescerem de "forma invisível", o que acaba por privar o trabalhador de várias garantias legalmente previstas [06].

O DL n. 368/2001, por sua vez, cuidou de "liberalizar" a pactuação de contratos por tempo determinado. Ao revogar as leis anteriores que regulamentavam a matéria, substituiu o sistema das hipóteses taxativas, permissivas da contratação a termo, por uma justificativa genérica, demasiadamente fluida e imprecisa. De fato, para a licitude da celebração de um contrato de emprego por tempo determinado, passaram a ser suficientes "razões de caráter técnico, produtivo, organizativo ou substitutivo" (art. 1º, §1º).

Tais diplomas causaram a restrição do campo de aplicação e da intensidade protetiva das normas trabalhistas, sobretudo por meio da ampliação e difusão de relações de trabalho precárias, não apenas no âmbito da parassubordinação, mas também no próprio seio do trabalho subordinado. Ao lado dessa redução formal do campo de incidência do Direito do Trabalho, há, ainda, um sério problema de efetividade das suas normas – o que restringe a sua incidência prática - em face da existência de considerável número de trabalhadores informais.

Os dados estatísticos revelam as conseqüências das reformas acima empreendidas sobre as relações de trabalho. As pesquisas do Instituto Nacional de Estatística da Itália (ISTAT), relativas a 2005, revelam que 50% das novas contratações no País ocorreu por meio de contratos por tempo determinado. O relatório publicado pela "Unioncamere" (Câmaras de Comércio da Itália), por sua vez, aponta uma redução no número de contratos por tempo indeterminado, que caíram de 60% do total das novas contratações, em 2001, para 46,3% em 2005 [07].

De fato, na Itália, sobretudo a partir da década de 1990, a palavra de ordem tem sido a flexibilização, através da suposta idéia de se transferir as tutelas da relação individual para o mercado de trabalho. As reformas realizadas, todavia, atingiram apenas parte do resultado prometido: o trabalhador certamente, nos dias atuais, encontra-se bem menos protegido na relação, mas não encontra também maiores tutelas no mercado.

O resultado foi a precarização das relações de trabalho no País. Como observado pelo juiz do trabalho Giuseppe Bronzini, atualmente o mercado de trabalho italiano é o mais flexível da Europa, marcado por uma infinidade de tipologias contratuais de recrutamento de mão-de-obra caracterizadas, invariavelmente, pela temporariedade do emprego. A isso se acrescenta a existência de um percentual de trabalho autônomo entre os mais altos do velho continente; autonomia esta que existe somente no plano formal e implica uma "vistosa subproteção" desses trabalhadores [08].

Como destaca a juíza Rita Sanlorenzo, o problema principal da Justiça do Trabalho atualmente na Itália é que "uma grande parte do mundo do trabalho está fora dela, não tem garantias a serem exercidas ou direitos para fazer valer". Não se trata apenas das situações de trabalho informal, privadas de qualquer proteção, vez que a sua inacessibilidade às tutelas é de fato, e não jurídica. Trata-se das formas de trabalho sub-tuteladas pelo Direito, como os trabalhadores precários. Estes nem mesmo podem continuar a serem denominados "atípicos" porque o legislador cuidou de conferir-lhes "as roupagens contratuais mais fantasiosas e prejudiciais", mas não o acesso às tutelas trabalhistas; deu-lhes um nome, mas não lhes atribuiu direitos e garantias suficientes. Essa fragmentação em dezenas de possibilidades de utilização do trabalhador humilha, antes de tudo, a sua dignidade como pessoa, a qual, ao contrário, deveria encontrar no trabalho uma das formas principais de realização [09].

Por meio dessa precarização não se alcançou o objetivo tão alardeado por seus defensores, isto é, o aumento da ocupação. De acordo com os índices publicados pelo ISTAT, com a entrada em vigor do DL n. 276/03 não foi observado um aumento da ocupação no País. Desse modo, resta demonstrado mais uma vez que não é a desregulamentação do Direito do Trabalho e a precarização que irão resolver o problema do desemprego; ao contrário, tendem somente a agravá-lo [10].


2

A questão da saúde e segurança no trabalho vem sendo objeto de grande debate na Itália. Recentemente um respeitável instituto, o Eurispes (Instituto de Estudos Políticos Econômicos e Sociais) publicou um relatório intitulado "Pior do que uma guerra", no qual revela que morreram mais pessoas por acidente de trabalho na Itália do que entre os soldados da coalizão ocidental no Iraque [11].

Ao longo do primeiro semestre de 2007, foram diversos os casos de acidentes de trabalho, muitos deles mortais, noticiados pela imprensa italiana. Os trabalhadores e sindicatos não permaneceram inertes, mas responderam com grandes mobilizações. Ilustrativamente, quando um operário perdeu a vida no porto de Gênova, os trabalhadores portuários reagiram prontamente, convocando uma greve imediata [12].

No dia 16 de fevereiro de 2007, como forma de protesto pela segurança no trabalho, foi realizada uma greve geral na Úmbria, que é a segunda região italiana onde ocorrem mais acidentes. A greve foi proclamada conjuntamente pelas três centrais sindicais – CGIL, "Confederazione Italiana Sindacati Lavoratori" (CISL) e "Unione Italiana del Lavoro" (UIL) – após a morte de quatro trabalhadores em uma refinaria. Os sindicatos afirmaram que era "apenas o início de um ano de grandes mobilizações". O movimento provocou a manifestação das autoridades. O Presidente da República, Giorgio Napolitano, afirmou que os acidentes de trabalho mortais são "uma chaga a ser extirpada" [13]. O Ministro do Trabalho, Cesare Damiano, asseverou que "a batalha por um trabalho seguro e digno requer boas leis, boas práticas, atenta prevenção e vigilância, contratação, formação e informação dos trabalhadores e dos empresários. Mas requer, antes de tudo, uma grande mobilização civil e cultural à qual devem contribuir todos, a partir do movimento sindical" [14].

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No ano de 2006, a CGIL, maior confederação sindical da Itália, completou 100 anos de existência, publicando, nessa oportunidade, um interessante estudo sobre o trabalho informal e o trabalho precário. Neste se destaca a intrínseca relação entre a informalidade, a precariedade e a saúde e segurança do trabalhador. De acordo com os dados divulgados pelo ISTAT, há, na Itália, 4 milhões de trabalhadores irregulares e mais de 4,5 milhões de precários, situação que tende a se agravar. Trata-se de "trabalhadores que todo dia não são apenas mal-tratados e explorados, mas que arriscam a vida" [15].

A expressão "trabalho precário" é utilizada para designar todas as formas de utilização da força de trabalho diversas do contrato de emprego por tempo indeterminado, tais como os contratos a termo, a parassubordinação, a terceirização, os contratos de associação em participação com contribuição exclusiva de trabalho, etc. [16].

Assim, uma das causas principais que explica o grande número de acidentes de trabalho é a precariedade, conforme revela uma pesquisa recente -, intitulada "A análise dos dados sobre os acidentes de trabalho. A incidência das transformações do trabalho" -, que é promovida pelo "Istituto di Ricerche Economiche e Sociali" (IRES) [17]. Como destaca Daniele di Nunzio, sociólogo e pesquisador do IRES, "há um nexo estreito entre a ânsia e o acidente de trabalho: o trabalhador precário, concentrando-se em preocupações como renda, manter o posto de trabalho, respeito de direitos basilares, entre outras, não dá importância à saúde e à segurança, as quais são colocadas em segundo plano". Outra conclusão relevante é que "o trabalho por tempo indeterminado implica uma maior consciência dos riscos aos quais se está exposto". O pesquisador destaca que:

"O trabalho atípico se caracteriza por uma tendência de crescimento constante no número de acidentes de trabalho: em relação a 2002, aumentaram em 28,2%, no caso dos colaboradores [parassubordinados], e em 30,9%, no caso dos trabalhadores temporários. (...) No caso dos colaboradores, a maior parte dos acidentes de trabalho se concentra nos serviços (3.609): principalmente nas atividades imobiliárias e nos serviços às empresas (1.158), em seguida, no setor dos transportes e das comunicações (690) e no comércio (609) (Inail, 2005). Os resultados de uma pesquisa do Ires indicam quais são os aspectos sobre os quais os trabalhadores atípicos se consideram mais insatisfeitos no confronto com as outras tipologias contratuais: o respeito dos direitos (71,4% dos entrevistados), as atividades desenvolvidas (61,9%) e as funções atribuídas (55,0%). Evidencia-se um crescimento do nível de risco em relação ao aumento da flexibilidade contratual: os trabalhadores atípicos são expostos em maior medida a níveis máximos de risco para a saúde física, que corresponde ao valor de 33,5%, contra 30,4% dos trabalhadores por tempo determinado, e 24,2% daqueles por tempo indeterminado. Além disso, os trabalhadores atípicos tendem a subestimar algumas tipologias de riscos, como aqueles advindos do ambiente de trabalho, porque contam com menor experiência no contexto laborativo, com menor controle médico e com menor formação, ao que se acrescenta o problema da urgência ocupacional e do medo de perder o posto de trabalho, frente ao qual os riscos para a saúde passam para segundo plano". (grifos nossos) [18].

O pesquisador observa, ainda, que os obreiros ditos atípicos, como os parassubordinados, têm menor experiência no trabalho exercido e as empresas lhes propiciam menores condições de segurança, em comparação com os empregados do seu quadro permanente. Além disso, os parassubordinados recebem menor formação e treinamento por parte daquelas, o que ajuda também a aumentar a probabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho:

"Observando os dados do centro-norte [da Itália] se observa que os cursos são ministrados principalmente para os empregados (82% dos quais receberam formação), em seguida para os empresários (7,2%), para os autônomos (6,3%), e, por fim, para os colaboradores a projeto (3,1%). Ainda no centro-norte, o nível de formação dos mais jovens é frustrante: a faixa de idade mais formada é aquela entre 35 e 44 anos, com 32%, e se reduz a menos de 15% para aqueles com menos de 29 anos. No que tange ao sul do País, as empresas formadoras estão muito abaixo da média nacional. Logo, permanecem em situação de desvantagem os trabalhadores mais sujeitos a riscos, e a formação continua em segundo plano exatamente nas categorias e nos setores que mais necessitam dela." [19]

De acordo com os dados fornecidos pela CGIL, o Governo Berlusconi (2001-2006), além de nada ter feito para combater o trabalho informal, em muitos aspectos o encorajou, enfraquecendo os diversos sistemas de fiscalização do INPS ("Istituto Nazionale di Previdenza Sociale"), do INAIL ("Istituto Nazionale per l’Assicurazione contro gli Infortuni sul Lavoro") e do Ministério do Trabalho. Além de numerosos cortes de pessoal e da redução dos recursos, promoveu uma vasta "contra-reforma" das normas sobre a repressão dos ilícitos em matéria trabalhista, por meio do Decreto Legislativo n. 124, de 2004 [20]. É memorável a declaração do Primeiro-Ministro Silvio Berlusconi sobre o trabalho informal, interpretada como verdadeira instigação e incentivo à sua utilização pelos empresários e trabalhadores italianos, o que gerou imensas críticas por parte de políticos, sindicalistas e, inclusive, empresários do País [21].

Com relação ao problema dos acidentes de trabalho, é importante ressaltar que "após o grande número de acidentes de trabalho nos anos 1960-1970 devidos ao boom econômico, a partir do final dos anos 90 se assiste a uma tendência de diminuição do fenômeno acidentário". Todavia, em sentido contrário, "aumentam os acidentes de trabalho dos extracomunitários, que de 2001 a 2004 passaram de cerca 70.000 a 111.000 eventos; assim como aumenta o número de acidentes de trabalho dos denominados trabalhadores atípicos (temporários, terceirizados, colaboradores a projeto, como queira se denominar), os quais no intervalo de dois anos duplicaram, passando de 11.000 a 20.000" [22].

De fato, o número de acidentes de trabalho na Itália, no ano de 2005, caiu em 2,8%, em relação a 2004, e 7,1%, em relação a 2000. No entanto, como observa Daniele di Nunzio "essa queda não deve ser confundida com um aumento geral da segurança, pois há setores e tipologias de trabalhadores cujos riscos de sofrer acidentes de trabalho aumentaram nesse período. A análise dessa desigual distribuição dos riscos permite identificar algumas dificuldades estruturais do nosso País: a presença de tipologias de trabalhadores mais expostos a risco (imigrantes, jovens); a precariedade das relações de trabalho, que cria um trabalhador ‘inseguro’; a fragmentação do sistema produtivo; a presença de trabalho informal" [23].

Com efeito, entre os anos de 2002 e 2005, houve um aumento no número de acidentes de trabalho entre os trabalhadores parassubordinados e entre aqueles temporários ("lavoratori interinali"). Com relação à formação específica fornecida pela empresa ao trabalhador, quanto à segurança no trabalho (riscos e medidas de proteção), a pesquisa revelou que 64,4% dos obreiros contratados por tempo indeterminado entrevistados receberam essa formação, ao passo que apenas 47,7% dos trabalhadores atípicos a receberam. Além disso, enquanto 42,9% dos trabalhadores por tempo indeterminado participaram da eleição do representante dos trabalhadores para a segurança na empresa (RLS), apenas 15% dos atípicosparticiparam [24].

A fragmentação das empresas em unidades menores também contribuiu para agravar o número de acidentes, o qual, nas empresas com menos de 15 empregados, é mais do que o dobro do que naquelas com mais de 250 obreiros. Nas empresas de construção civil com menos de 30 empregados, o número de acidentes é quatro vezes maior do que naquelas com mais de 250 obreiros. Um dos fatores que contribui para isso é o fato de que entre as empresas menores é bem mais baixo o percentual daquelas que ministram aos seus trabalhadores uma formação específica sobre os riscos e as medidas de proteção e que lhes propiciam consultas com o médico do trabalho (o qual faz visitas periódicas às empresas, para verificar se as normas de segurança estão sendo respeitadas e para realizar exames médicos nos trabalhadores).

Com base nos resultados da pesquisa em tela, o IRES propõe como medidas para reduzir o número de acidentes de trabalho na Itália: "estabilidade nas relações de trabalho e a introdução de tutelas para os trabalhadores parassubordinados e a formação e informação dos trabalhadores, atribuindo ao ‘conhecimento’ um valor indispensável para reduzir o número de acidentes de trabalho". É essencial a "luta contra a precariedade": "o trabalho estável deve se tornar o horizonte comum para um desenvolvimento que aposta no capital humano". Essas duas medidas "são indispensáveis para enfrentar os problemas evidenciados e devem ser acompanhadas por políticas relacionadas ao mercado de trabalho, à imigração, aos jovens e pelo reforço da concertação territorial". Essa última deve ser "capaz de incluir nos percursos de tutela também os trabalhadores mais isolados, aqueles das pequenas empresas e os precários, onde o sindicato é ausente e onde a insegurança é mais difusa" [25].

Os dados das pesquisas acima citadas demonstram claramente que a garantia da saúde e da segurança do trabalhador está intrinsecamente ligada às demais garantias trabalhistas. Com efeito, os obreiros atípicos e precários (como os parassubordinados), ao lado dos informais, são aqueles que gozam das piores condições de saúde e segurança no trabalho, o que é comprovado pelo maior número de acidentes de trabalho, inclusive mortais, por eles sofridos. Por isso se afirma que a segurança no trabalho está diretamente vinculada à segurança do trabalho.

2.1 Entrevistas

Restou comprovada, assim, a relação direta entre precarização/desregulamentação do Direito do Trabalho e aumento no número de acidentes e, em sentido contrário, garantia do emprego/direitos trabalhistas e segurança e saúde do trabalhador. Para evidenciar ainda mais essa relação intrínseca, trazemos abaixo alguns trechos de duas entrevistas que fizemos, em Roma, com dois profissionais italianos que atuam em áreas relacionadas ao tema em análise.

A primeira entrevista foi realizada com Piero Leonesio, que é Secretário Nacional da FILLEA ("Federação Italiana dos Trabalhadores dos Setores da Madeira, Construção Civil e Afins", a qual é filiada à CGIL) e Responsável pela Segurança no Trabalho no Setor das Construções. O entrevistado revela que, no setor pelo qual é responsável (que abrange não apenas os trabalhadores da construção civil, mas também os que trabalham com a madeira, como os carpinteiros), o número de acidentes de trabalho mortais, em todo o território italiano, foi de 215 em 2003; 231 em 2004 (aumentou 7,5%, em relação a 2003, sendo que no sul do País as vítimas dobraram); 191 em 2005 e 258 em 2006 [26]. Na maioria dos casos, a causa imediata é a queda de andaimes.

O entrevistado ressalta que esses números se referem apenas aos acidentes mortais, que são aqueles mais visíveis e que causam maior impacto. Todavia, por trás dessas centenas de mortos, há milhares de trabalhadores (é um número altíssimo) que sofrem acidentes graves, mas não entram nessa estatística. Segundo ele, há quatro causas principais para esse aumento no número de acidentes. A primeira delas são as normas que permitem o trabalho precário:

"O trabalho se torna cada vez mais provisório, mais descontínuo, com menores direitos e garantias (por exemplo, contratos a termo, em tempo parcial, trabalho temporário, parassubordinado, etc.). A pessoa não recebe uma formação, uma aprendizagem sobre o trabalho que vai exercer (por exemplo, o jovem começa a trabalhar como pedreiro sem nunca tê-lo feito antes e o empregador não lhe ensina). Os empregadores não se interessam em investir na formação do trabalhador porque ele está ali provisoriamente. Os ritmos de trabalho são mais intensos e descontínuos. Antes, na Itália, trabalhava-se toda a vida para a mesma empresa: começava-se jovem e nela se aposentava; hoje, a situação é muito diversa." [27]

A segunda causa são as normas sobre a segurança no trabalho. As regras atuais monetarizam o risco, o que permite às empresas abaixarem os níveis de segurança. Se ocorre um acidente, a empresa só paga uma multa, não responde penalmente. A Lei de Delegação n. 123/2007, para a elaboração do "Testo Unico sulla Sicurezza sul Lavoro", prevê normas mais precisas e sanções premiais para que as empresas regularizem a sua situação.

A terceira causa são as subempreitadas ("subappalti"). Uma grande empresa firma um contrato de empreitada (v.g., com um ente público) de alto valor. Ela prova que respeita as normas de saúde e segurança. Só que o trabalho não será efetuado por ela, que subcontrata a obra (às vezes, realizam-se diversas subcontratações em cadeia). E as empresas menores, que realmente irão realizar a obra, não respeitam as normas de saúde e segurança, pois isso representa um custo com o qual elas não têm condições de arcar. Aí ocorrem os acidentes com os trabalhadores dessas últimas [28].

Até então as empresas grandes não respondiam por tais acidentes. Mas a Lei n. 123/2007 introduziu, em seu art. 3°, uma regra de responsabilidade solidária do tomador de serviços, juntamente com o empreiteiro e com os eventuais subempreiteiros, em relação a "todos os danos pelos quais o trabalhador, empregado do empreiteiro ou do subempreiteiro, não resulte indenizado pelo INAIL". Trata-se de uma regra de responsabilidade bastante forte, que se aplica tanto ao trabalho regular, quanto àquele irregular. Espera-se que ela induza os sujeitos que recorrem a empreitadas e subempreitadas a selecionarem empresários sérios, que respeitem as normas, que adotem efetivas medidas de prevenção e tutela da segurança no trabalho e que não recorram ao trabalho informal [29]. De fato, a responsabilidade solidária tem a vantagem de transferir para as empresas o controle recíproco do cumprimento das normas trabalhistas [30].

A quarta causa é o trabalho informal ("lavoro nero") e, intrinsecamente ligado a este, a imigração clandestina. De fato, grande parte dos trabalhadores informais é composta por imigrantes clandestinos e a maioria deles vem da Albânia, da Romênia, que agora faz parte da União Européia, e do norte da África. Nesse sentido, o entrevistado ressalta que:

"Um dos fenômenos da construção civil é uma quantidade altíssima de trabalhadores informais, que formalmente não são trabalhadores, mas que trabalham tanto como os outros, até mesmo mais do que os outros. Esses trabalhadores em grande parte são imigrantes, que vêm dos países da Europa Oriental e também dos países do norte da África. São trabalhadores que por vezes chegam sem a permissão de residência, em condições de dificuldade econômica e são explorados, trabalhando nos canteiros de obras. Logo, é um fenômeno muito comum, difuso. Além disso, o trabalhador imigrante é, sem dúvida, um trabalhador mais sujeito à chantagem do patrão. Primeiramente, porque ele tem o problema da permissão de residência. Em segundo lugar, porque tem um problema enorme que é a questão econômica e, logo, ele é mais disponível a fazer trabalho extraordinário, é mais disponível a trabalhar em condições por vezes de menor segurança, não possui a cultura da segurança e existem empresas que exploram essa situação" [31].

No que tange especificamente ao trabalho precário, o entrevistado observou que "o problema do trabalho precário é um problema que afeta todo o País; nos últimos anos, em razão de normas legais introduzidas pelo Governo Berlusconi, aumentou muitíssimo a utilização do trabalho precário". Ao ser perguntado acerca da possível relação existente entre esse último e os acidentes de trabalho, ele respondeu que:

"Existe uma relação estreita, direta, isto é, no sentido de que foi verificado, é comprovado pelos dados, que um trabalhador precário é um trabalhador que é menos seguro. Primeiramente, porque não tem um período de formação adequado. Em segundo lugar, porque tem uma relação episódica com o trabalho e, logo, não tem a experiência necessária que pode te dar o fato de você trabalhar vinte anos no mesmo lugar. O terceiro fator é que claramente a precariedade empurra o trabalhador, por necessidade, a aceitar riscos maiores, que um outro trabalhador não aceitaria. (...). Logo, há um nexo estreito, direto, entre o acidente de trabalho e a precariedade: quanto mais aumenta a precariedade, mais ocorrem os acidentes. (...) Basta ver os dados dos últimos anos: a partir do momento em que foi introduzida a precariedade, aumentaram conseqüentemente os acidentes." [32]

Solicitado a precisar com mais exatidão o momento em que foi "introduzida a precariedade", o entrevistado esclarece:

"É o período em que ocorreu a reforma do mercado de trabalho, isto é, quando se passou do tradicional conceito de trabalho por tempo indeterminado a essa loucura do tempo determinado, em virtude do qual você pode entrar em uma empresa através das várias formas de assunção, que vão do contrato de colaboração a projeto ao contrato por tempo determinado, que é aquele mais utilizado. Você tem uma condição de trabalho precária, o que vale para todos os setores, o que vale para os jovens, você é contratado apenas por um período de tempo. Os mesmos contratos depois são continuamente renovados. De fato, uma das normas de que nós pedimos a revogação é exatamente esta, dizendo, isto é, que, se devem existir contratos a termo, eles devem abranger apenas algumas tipologias de trabalho, por exemplo, uma empresa que por um mês tem um aumento na produção e, logo, a temporariedade da assunção é justificada por essa característica, mas se é uma empresa que apresenta uma tendência normal, contínua, de trabalho não pode contratar cinco meses um, depois cinco meses um outro, para fazer o mesmo trabalho, para depois chamar aquele novamente, isto é, torna-se apenas uma exploração, sem garantias. E essa é a chaga que temos na Itália, que o Governo deveria mudar e pela qual temos uma negociação aberta entre sindicatos e Governo. Esperamos que seja modificada, em benefício dos jovens, sobretudo, pois são aqueles em situação de maior risco." [33]

O entrevistado também observou que os países europeus, como os escandinavos, que contam com a presença bem menor do trabalho informal e do trabalho precário, são aqueles que apresentam as melhores condições de saúde e de segurança no trabalho. Quando questionado se seria útil, para ajudar a combater o problema do aumento dos acidentes de trabalho, a mudança das normas que desregulamentaram o Direito do Trabalho, como o DL n. 276/2003, cuja revogação é defendida pela CGIL, ele respondeu o seguinte:

"Certamente. São necessárias duas coisas. É necessária a revogação do Decreto Biagi, que é um empenho que a CGIL assumiu. E, logo, é necessário passar do conceito de trabalho precário ao conceito de trabalho estável, que é a normalidade das condições de trabalho e que existiu na Itália nos últimos trinta anos. Isso não significa que não possa existir uma flexibilidade no trabalho, que é ligada também à tipologia, por exemplo, eu devo exercer alguns trabalhos talvez mais flexíveis: em alguns períodos eu trabalho mais, em outros períodos eu trabalho menos porque depende do fluxo do trabalho, mas conto com uma estabilidade no trabalho, isto é, devo ser uma pessoa que sabe que ingressa em uma empresa e lá permanece e, logo, pode criar uma condição de vida. Digo essas coisas em relação aos jovens, sobretudo, porque é claro que o problema se relaciona às gerações futuras, pois que, atenção, o precário é caracterizado por três elementos: o primeiro é o que acabei de dizer, é um trabalhador instável e, assim, um trabalhador que enfrenta grandes dificuldades para construir uma condição social, porque não tem dinheiro, porque não tem os meios, porque não sabe quando e quanto trabalha. Segundo: ele paga poucas contribuições previdenciárias e, assim, arrisca de chegar a uma idade avançada e não ter a possibilidade de se aposentar ou se aposenta com proventos baixíssimos, o que é um problema grandíssimo. Terceiro: é um trabalhador sujeito às chantagens patronais, porque no momento em que ele se encontra na empresa com um contrato de seis meses, depois desses seis meses é a empresa que decide se o mantém ou não, o mantém se renova o contrato, e, logo, é um trabalhador pouco mobilizado sindicalmente, que se engaja pouco em lutas, que não defende os seus direitos, porque não pode fazê-lo, pois arrisca o trabalho. Essa é a primeira questão, que se relaciona ao mundo das regras do mercado de trabalho. A outra questão enorme é a questão das normas sobre a segurança. (...) São necessárias, assim, duas medidas: luta contra a precariedade, com normas diversas das atuais, e luta contra a insegurança no trabalho, contra as mortes, com leis mais adequadas." [34]

A segunda entrevista foi realizada com Giancarlo Mottola, que é médico do trabalho ("medico del lavoro", que é denominado "medico competente" pelo Decreto Legislativo n. 626, de 1994). Ele exerce a sua função nas empresas em que a legislação aplicável (notadamente o DL n. 626/94, com as sucessivas modificações) exige que um médico do trabalho faça consultas preventivas e periódicas em todos os trabalhadores que apresentem riscos específicos nas várias funções. Segundo o entrevistado, a finalidade maior da sua profissão é verificar a idoneidade do trabalhador para o exercício da sua função específica, averiguando se existem eventuais contra-indicações ou limitações. Além disso, ele visita os locais de trabalho para assegurar que as condições higiênico-sanitárias exigidas por lei estão sendo cumpridas pela empresa, colaborando, nesse sentido, com o representante dos trabalhadores sobre as questões da segurança na empresa. O entrevistado ressalta a ligação direta entre o trabalho informal e as condições de saúde e segurança:

"Quando há trabalho informal, por definição, as empresas não se encontram em regularidade com nada, e, logo, não pensam na saúde e na segurança dos trabalhadores. E na construção civil e na agricultura, o fenômeno é mais grave, porque se recorre muito ao trabalho informal, se recorre muito aos extracomunitários vindos para a Itália nos últimos anos, sobretudo norte-africanos e também albaneses, romenos, poloneses, entre outros, que contam claramente com nenhuma ou com poucas medidas de proteção à saúde e à segurança, porque trabalham em empresas irregulares, que abrem e fecham continuamente e, assim, é muito difícil controlá-las. Eu diria que houve uma mudança social muito grande. (...) E isso você pode ver nas cidades; se você sai em Roma, às seis e meia da manhã, como eu faço para ir trabalhar, e passa pelo Anel Rodoviário, pode ver aquele fenômeno que na Itália não se via há anos, que é o ‘caporalato’, isto é, vê os donos das pequenas empresas de construção civil que param no Anel, há uma fila de romenos, poloneses, e escolhem a cada dia uma pessoa que vai trabalhar nos canteiros de obra. É uma seleção que é feita a cada dia. Isso se chama ‘caporalato’, que já tinha quase desaparecido na Itália, mas que retornou com grande força nos últimos anos. Em Roma eu o vejo na construção civil, mas estive em Avezzano, que é uma pequena cidade agrícola, na região de Abruzzo, e de manhã é a mesma coisa na agricultura (...) Certamente esses trabalhadores não contam com nenhuma proteção, de nenhum tipo (...) não se respeitam as normas de saúde, de higiene e demais condições de trabalho" [35].

O entrevistado ressalta também o grande aumento do trabalho parassubordinado nos últimos anos, sobretudo no setor de serviços, e que tais trabalhadores, em comparação com os empregados, gozam de uma tutela legal bastante inferior quanto à saúde e à segurança, como o fato de não serem examinados pelo médico do trabalho:

"Está aumentando muitíssimo, ao menos na minha experiência, no setor terciário, dos serviços, a co.co.pro. E claramente este é um trabalho menos tutelado. Do ponto de vista do DL n. 626, um co.co.pro., não sendo um empregado, não recebe a tutela legal, porque o DL n. 626 é uma lei que tutela a saúde e a segurança dos empregados (...). por lei o co.co.pro. é trabalhador autônomo, ainda que trabalhe 8 horas por dia na empresa, de fato é como se fosse um profissional liberal. Logo, não se aplica a eles toda uma série de medidas que o empregador deve implementar para a saúde e a segurança dos seus trabalhadores. Por exemplo, no meu caso, o co.co.pro não é examinado pelo médico do trabalho, porque é um trabalhador autônomo. Eu não posso examinar um trabalhador que não é empregado de uma empresa. Assim, por exemplo, o co.co.pro trabalha talvez 8 horas, faz o mesmo trabalho de uma outra pessoa que trabalha ao lado dele, no mesmo escritório, mas de fato o co.co.pro. não é examinado, ao passo que o empregado, ao contrário, sim." [36]

O entrevistado observa que, em razão de os parassubordinados permanecerem na empresa apenas temporariamente, o empregador tem um interesse muito menor em lhes conferir a formação adequada quanto aos riscos e às medidas de prevenção atinentes à saúde e à segurança no trabalho:

"Os contratos são muito breves, um mês, três meses, seis meses, logo às vezes não há nem mesmo o tempo organizativo de fazer essas coisas. Mas disso se aproveita o empregador, isto é, o fato de que não há tempo para organizar essas coisas, pois mudam continuamente os trabalhadores, lhe permite eludir, evadir uma série de obrigações que de todo modo teria que cumprir. Mesmo sobre a formação e informação é muito discutível, mas em teoria também os co.co.pro. deveriam ser formados e informados. Mesmo sendo trabalhadores autônomos, se fazem um trabalho específico com riscos deveriam ter uma base de informação e de formação (...) essas medidas já não são integralmente respeitadas com relação aos empregados, imagina em relação a um trabalhador que tem um contrato de seis meses, não o fazem, certamente. Informação, formação, consultas médicas, tudo isso não lhes é de fato aplicado (...) Sobre os co.co.pro., colaboradores a projeto, a lei é muito vaga. Diz que lhes devem ser garantidos aspectos de saúde e segurança, mas não diz quais, permanece muito genérica, vaga. De fato, existem freqüentemente discussões entre os médicos do trabalho nos congressos sobre o que é necessário fazer com esses trabalhadores, o que não se deve fazer. Porque de fato o status do co.co.pro. é de trabalhador autônomo. Eu não posso examinar um trabalhador autônomo, não tenho o direito de examiná-lo. Não posso colocar as mãos em uma pessoa se não obrigado pela lei, entende? Além disso, ele é ainda menos tutelado porque os co.co.pro. não são remunerados nos dias em que estão doentes, logo se ele fica doente, por um motivo qualquer, e falta ao trabalho, não é coberto pelo seguro do Serviço Sanitário Nacional. Se ele fica doente, a empresa não o remunera naquele período, e, assim, fica completamente descoberto (...) Certamente eles são menos controlados e tutelados. São mais precários" [37].

O entrevistado destaca também que, quando um empregado trabalha em uma empresa por tempo indeterminado, é possível ao médico do trabalho acompanhar melhor as suas condições de saúde e segurança, detectar uma eventual doença profissional, pois conhece bem o seu quadro clínico anterior. Ao contrário, isso não é possível de ser feito com os trabalhadores precários (v.g., por tempo determinado):

"Toda vez que um trabalhador muda continuamente o trabalho, em alguns períodos é examinado, em outros períodos não, em algumas empresas, sim, em outras, não. Logo, toda a sua história clínica é muito difícil de ser reconstruída. É muito mais difícil, por exemplo, reconhecer uma doença profissional no caso desses trabalhadores, exatamente porque talvez existam lacunas, períodos em que não foram examinados, ou não se entende que tipo de trabalho eles exerceram em determinados períodos de tempo. É claro que o trabalhador que está fixo em uma empresa, que faz sempre o mesmo trabalho, de certo modo há uma maior documentação sobre ele, é mais fácil o reconhecimento de uma doença profissional." [38]

Ele ressalta, ainda, com relação aos trabalhadores precários (v.g., parassubordinados, contratados por tempo determinado, terceirizados), que, pelo fato de eles permanecem na empresa, em regra, por um período determinado, esta acaba enxergando-o como algo "descartável", plenamente "fungível", preocupando-se ainda menos com as suas condições de saúde e segurança.

Desse modo, a desregulamentação trabalhista efetuada sob a égide do Governo Berlusconi, na qual se destaca o Decreto Biagi, produz conseqüências negativas também no plano da saúde e segurança do trabalhador. Restam, assim, comprometidas a própria vida e a integridade física, que são direitos fundamentais, assegurados constitucionalmente.

2.2 Algumas medidas tomadas pelo Governo Prodi (2006-2008)

As eleições parlamentares realizadas em abril de 2006 na Itália marcaram a derrota do Governo de centro-direita, até então no poder com o Primeiro-Ministro Silvio Berlusconi, e a vitória da coalizão de centro-esquerda, tendo sido escolhido como Premier Romano Prodi. Em razão da orientação política do Governo Prodi, já se esperava dele um tratamento diverso das questões trabalhistas em relação ao Governo anterior, isto é, em sentido contrário à precarização e à desregulamentação [39]. Algumas medidas nesse sentido foram tomadas, cumprindo-nos citar, embora sucintamente, aquelas relacionadas à melhoria das condições de saúde e segurança no trabalho.

Em 2006, foi editado o "Decreto Bersani" (DL n. 223/2006, convertido na Lei n. 248/2006), que contempla importantes medidas de combate ao trabalho informal, sobretudo no setor da construção civil, onde o fenômeno é mais comum, sendo uma das causas do grande número de acidentes de trabalho ali verificados [40].

O diploma prevê, para o setor de construção civil: a suspensão das obras no caso de utilização de trabalho irregular em medida igual ou superior a 20% da mão-de-obra ou no caso de violações reiteradas das normas sobre a duração do trabalho e em matéria de tutela da saúde e segurança; a exigência de que os trabalhadores utilizem um crachá de identificação, o que facilita também a função estatal de fiscalização; a obrigação para o empregador de comunicar aos órgãos administrativos interessados (INPS, INAIL e os Centros para o Emprego) a assunção do trabalhador um dia antes do início da vigência do contrato de trabalho. As duas primeiras medidas foram estendidas a todas as atividades empresariais pela Lei n. 123/2007 (arts. 5° e 6°), não se limitando mais apenas ao setor da construção civil. A terceira medida (obrigação de comunicação) já havia sido estendida a todos os empregadores pela "Legge Finanziaria" de 2007 (Lei n. 296, de 27 de dezembro de 2006, relativa às disposições para a formação do balanço anual e plurianual do Estado).

O Governo aprovou, em abril de 2007, um Projeto de Lei Delegada relativo ao "Texto único em matéria de tutela da saúde e da segurança nos locais de trabalho" [41]. A pressão exercida pelas entidades sindicais, obviamente, foi determinante para essa aprovação. Os sindicatos puderam influenciar, também, o conteúdo do texto aprovado, por meio de intensos debates e discussões que o precederam. O objetivo do projeto é aumentar o nível de segurança, não apenas na construção civil, mas em todos os ambientes de trabalho. Ele foi aprovado pelo Parlamento, tornando-se a Lei de Delegação n. 123, de 03 de agosto de 2007 [42].

Em janeiro de 2008, no entanto, o então Primeiro-Ministro Romano Prodi renunciou, em razão de não contar com apoio suficiente do Senado italiano. Nas eleições parlamentares realizadas em abril de 2008 saiu vitoriosa a coalizão de centro-direita, tendo sido escolhido como novo "Premier" Silvio Berlusconi. Desse modo, embora o Governo Prodi tenha buscado inverter a tendência desregulamentadora, tomando algumas medidas de proteção ao trabalhador, não foi possível aprofundá-las e dar-lhes prosseguimento, em virtude da sua curta duração (2006-2008).

Sobre a autora
Lorena Vasconcelos Porto

Doutora em Direito do Trabalho pela Universidade de Roma II. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-Minas. Especialista em Direito do Trabalho e Previdência Social pela Universidade de Roma II. Bacharel em Direito pela UFMG. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PORTO, Lorena Vasconcelos. A precarização das relações trabalhistas e os acidentes de trabalho.: O exemplo italiano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2118, 19 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12648. Acesso em: 23 dez. 2024.

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