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A doutrina das provas ilícitas por derivação no direito norte-americano e brasileiro

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Agenda 19/04/2009 às 00:00

A Doutrina dos frutos da árvore envenenada "fruits of the poisonous tree" foi criada e aperfeiçoada pela Suprema Corte norte-americana a partir do julgamento do caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920) [01], em que a empresa Silverthorne Lumber tentou sonegar o pagamento de tributos federais. No combate à fraude, agentes federais copiaram de forma irregular os livros fiscais da referida empresa. A questão chegou ao conhecimento da Suprema Corte e se questionou, em síntese, se as provas derivadas de atos ilegais poderiam ser admitidas em juízo.

A Suprema Corte, ao analisar o caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920), formou o posicionamento no sentido de que, ao se permitir a utilização de evidências derivadas de atos ilegais, o Tribunal estaria encorajando os órgãos policiais a desrespeitar a 4ª Emenda da Constituição norte-americana. [02] Dessa forma, o tribunal decidiu pela inadmissibilidade das provas derivadas de provas obtidas ilicitamente.

Inicialmente, cumpre observar que a inspiração para a utilização da expressão "fruits of the poisonous tree" vem de uma passagem bíblica de São Mateus [03], que assim dispõe, in verbis:

"Even so every good tree bringeth forth good fruit; but a corrupt tree bringeth forth evil fruit. A good tree cannot bring forth evil fruit, neither (can) a corrupt tree bring forth good fruit. Every tree that bringeth not forth good fruits is hewn down, and cast into the fire. Wherefore by their fruits ye shall know them (Mathew 7:17-20)" (grifei).

Também é interessante destacar que, apesar do caso Silverthorne Lumber Co v. United States (1920) representar o início da doutrina dos frutos da árvore envenenada no direito norte-americano, somente em 1939, no famoso caso Nardone v. United States [04] é que se faz menção expressa, pela primeira vez, à terminologia "fruits of the poisonous tree". Cito trecho do julgado histórico:

"Argumentos sofisticados podem revelar um nexo de causalidade entre as provas obtidas por meio de interceptação telefônica ilegal e as provas obtidas licitamente pelos órgãos estatais. As a matter of good sense, however, such connection may have become so attenuated as to dissipate the taint. Por uma questão de bom senso, no entanto, a ligação pode se tornar tão tênue de forma a dissipar a mancha que macula a prova. A sensible way of dealing with such a situation -- fair to the intendment of 605, but fair also to the purposes of the criminal law -- ought to be within the reach of experienced trial judges.(...) o juiz deve dar oportunidade (...) para o acusado provar que uma parcela substancial do processo contra ele foi um dos frutos da árvore venenosa. This leaves ample opportunity to the Government to convince the trial court that its proof had an independent origin. Isto deixa uma ampla oportunidade para o aparato estatal convencer o juiz que a sua prova teve uma origem independente." (Tradução livre)

A Doutrina dos frutos da árvore envenenada [05], criação do direito norte-americano, apresenta 02 (duas) exceções significativas. Nessas hipóteses, serão admitidas as provas obtidas a partir de atos ilícitos se a relação entre a ação ilegal e a prova obtida for muito tênue (o que se chamou de "independent source" – fonte independente); ou quando as provas derivadas da ilícita puderem ser descobertas de outra maneira (o que se convencionou chamar de "inevitable discovery" – descoberta inevitável). [06]

A doutrina norte-americana do "fruits of the poisonous tree", na verdade, representa uma extensão da "exclusionary rule", ou regra de exclusão, que é um princípio do direito norte-americano que estabelece que a prova coletada e obtida em violação aos direitos constitucionais do réu será considerada inadmissível judicialmente. Tal princípio decorre da 5ª emenda da Constituição norte-americana e do princípio do devido processo legal. [07]

Sobre o princípio da "exclusionary rule", o Supremo Tribunal Federal [08], no julgamento do HC 82.788, rel. Min. Celso de Mello, julgado em 12.04.2005 e publicado em 02.06.2006, assim dispôs sobre a questão:

"A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do due process of law, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. A Exclusionary Rule consagrada pela jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos da América como limitação ao poder do Estado de produzir prova em sede processual penal. A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5º, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1º), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em conseqüência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do male captum, bene retentum" (grifei).

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A teoria norte-americana "fruits of the poisonous tree", na verdade, busca fazer uma ponte entre o vício da ilicitude da prova obtida com violação a regra de direito material e todas as demais provas produzidas a partir daquela. Trata-se do que se convencionou chamar de provas ilícitas por derivação. É o caso, por exemplo, da obtenção do local onde se encontra o produto do crime por meio da confissão do suspeito submetido à tortura. A admissão de provas idôneas a partir de práticas ilícitas, que ferem direitos subjetivos, muitas vezes até constitucionais, resultaria na legalização e no estímulo ao ilícito. [09]

Importante destacar a distinção entre as provas ilícitas e as provas ilegais e as ilegítimas. Alexandre de Moraes [10] assim dispõe sobre o tema:

"As provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois se configuram pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico" (grifei).

Por fim, Alexandre de Moraes [11] conclui:

"A regra deve ser a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, que só excepcionalmente deverão ser admitidas em juízo, em respeito às liberdades públicas e ao princípio da dignidade da pessoa humana na colheita de provas e na própria persecução penal do Estado"

Na década de 80, no caso Nix v. Williams (1984), aplicou-se uma exceção ao princípio da "exclusionary rule". Williams foi preso pelo assassinato de uma garota de 10 anos de idade, cujo corpo foi deixado às margens de uma rodovia vicinal. Agentes da polícia local e grupos voluntários realizavam uma grande busca pelo corpo da criança. Durante a realização das buscas, depois de responder a um apelo de um policial, Williams prestou depoimento para a polícia, sem a presença de seu advogado e ajudou a localizar o corpo da criança. A grande questão que chegou a Suprema Corte norte-americana foi se a prova que resultou na prisão de Williams deveria ou não ser excluída do julgamento, tendo em vista que foi obtida ilegalmente, uma vez que Williams estava sem advogado e não lhe foi dito que tudo que dissesse poderia ser utilizado contra ele no Tribunal. A Suprema Corte, ao analisar o caso, decidiu que não se aplicaria a doutrina dos frutos da árvore envenenada na hipótese, pois estaria presente uma exceção, qual seja, a de que a prova (o corpo da criança assassinada) seria inevitavelmente descoberta, também chamada de "inevitable discovery doctrine". A Corte firmou o posicionamento de que a "exclusionary rule" não se aplicaria no caso, uma vez que estava claro que as equipes de buscas voluntárias descobririam, mais cedo ou mais tarde, a localização do corpo da criança, independente do depoimento de Williams. [12]

Outra decisão da Suprema Corte norte-americana envolvendo a doutrina dos frutos da árvore envenenada ocorreu no caso Segura v. United States (1984). O caso tem início quando agentes de polícia de combate às drogas de Nova York realizavam uma vigilância no intuito de prender traficantes de drogas. Os policiais observaram o momento exato que COLON deixou um pacote suspeito para PARRA no estacionamento de um restaurante, enquanto outros comparsas, SEGURA e VIDAL, aguardavam no interior do restaurante. Os agentes de polícia decidiram, então, seguir PARRA e VIDAL até o apartamento deles e os detiveram nas proximidades do local. PARRA e VIDAL tinham em seu poder cocaína.

Depois da prisão, PARRA e VIDAL foram avisados de seus direitos constitucionais. VIDAL admitiu que comprou a cocaína de SEGURA e confirmou que COLON tinha feito a entrega da droga no restaurante. Logo em seguida, os policiais foram autorizados pelo Ministério Público local a prender os criminosos. No entanto, o promotor avisou que o mandado de busca e apreensão no apartamento dos envolvidos só estaria disponível no dia seguinte, devido a problemas burocráticos. Dessa forma, recomendou que os agentes mantivessem o apartamento suspeito isolado para evitar a destruição das provas. [13]

No início da noite do mesmo dia, os agentes de polícia levaram SEGURA até o apartamento suspeito e mandou que ele batesse na porta. Quando COLON abriu a porta do apartamento, os policiais entraram na residência sem requisição ou permissão. Os agentes realizaram uma 1ª busca ilegal no apartamento e observaram, a grosso modo, a existência de equipamentos destinados à fabricação de drogas. COLON então foi preso e ambos foram levados à custódia. Dois policiais permaneceram no apartamento esperando a chegada do mandado de busca e apreensão e somente após 19 horas depois da primeira incursão ilegal no apartamento é que o mandado de busca e apreensão chegou. [14]

Durante a realização de uma 2ª busca e apreensão no apartamento, agora com mandado judicial, os agentes de polícia descobriram cocaína e gravações de transações comerciais envolvendo narcóticos. Os itens encontrados foram apreendidos. Inconformados com a busca ilegal, os acusados SEGURA e COLON apresentaram, perante a Corte de Justiça local, uma petição em que pediam a supressão das provas obtidas ilegalmente. A Corte de apelação entendeu, na ocasião, que apenas as provas obtidas na 1ª busca sem mandado seriam consideradas ilícitas e que as provas apreendidas na 2ª busca e apreensão seriam consideradas válidas. Os acusados foram então condenados por tráfico de drogas. [15]

A Suprema Corte dos Estados Unidos, ao enfrentar o caso Segura v. United States (1984), firmou o entendimento de que a "exclusionary rule" ou regra da exclusão não atinge apenas a prova obtida como resultado direto da 1ª busca e apreensão ilegal, mas também as outras provas obtidas como resultado direto da busca e apreensão ilegal, em decorrência das provas terem sido derivadas de uma ilegalidade (vide Nardone v. United States). [16]

No entanto, o Tribunal norte-americano ensinou que não se aplica a doutrina dos frutos da árvore envenenada, se a ligação entre a conduta ilegal da polícia e a descoberta de outras provas for tão tênue a ponto de dissipar a mácula de ilicitude causada pela prova inicial.

Concluiu o Excelso Tribunal norte-americano que, como a polícia já tinha uma fonte independente para a descoberta das provas (v. caso Silverthorne Lumber Co. v. United States) e os agentes de polícia já sabiam da existência de drogas no apartamento, o fato da 1ª busca ter sido realizada de forma ilegal2. seria totalmente irrelevante para a admissibilidade das provas derivadas, não se aplicando, no caso, a doutrina dos frutos da árvore venenosa. [17]

No Brasil, o Supremo Tribunal Federal [18] também tem adotado a exceção à Doutrina dos frutos da árvore envenenada, a chamada doutrina das provas absolutamente independentes (independent source). Neste sentido, cito trecho do HC nº 74.599/SP, da lavra do Ministro Ilmar Galvão:

"HABEAS CORPUS. PROVA ILÍCITA. ESCUTA TELEFÔNICA. FRUITS OF THE POISONOUS TREE. NÃO-ACOLHIMENTO. Não cabe anular-se a decisão condenatória com base na alegação de haver a prisão em flagrante resultado de informação obtida por meio de censura telefônica deferida judicialmente. É que a interceptação telefônica - prova tida por ilícita até a edição da Lei nº 9.296, de 24.07.96, e que contaminava as demais provas que dela se originavam - não foi a prova exclusiva que desencadeou o procedimento penal, mas somente veio a corroborar as outras licitamente obtidas pela equipe de investigação policial. Habeas corpus indeferido." (grifei).

Outra questão tormentosa é a utilização de uma prova Ilícita pelo réu para provar sua própria inocência em processo judicial criminal. Paulo Rangel é favorável a utilização da prova ilícita, nesse caso, aplicando-se a teoria ou doutrina da exclusão da ilicitude, onde a conduta do réu é amparada pelo direito e não pode ser considerada ilícita, uma vez que o mesmo estaria agindo sob uma excludente de ilicitude, o chamado estado de necessidade. [19]

O Supremo Tribunal Federal também entende que, excepcionalmente, nos casos de notória e extrema gravidade, as provas ilícitas podem ser admitidas em juízo, por força do princípio da proporcionalidade. Sendo assim, o STF acha cabível a aplicação do princípio da proporcionalidade em favor do réu, quando se tratar de uma causa excludente de ilicitude ou, ainda, nos casos de aplicação do princípio da proporcionalidade em hipóteses de legítima defesa própria ou de terceiros. [20]

O Saudoso MIRABETE afirmou que o STF tem entendido que, na falta de regulamentação específica, vigora no ordenamento jurídico pátrio a doutrina dos frutos da árvore envenenada, que implica a nulidade das provas derivadas da prova obtida ilicitamente, inclusive com o entendimento de que a prova considerada ilícita deve ser desentranhada dos autos. No entanto, não se tem decretado a nulidade do processo em que há provas ilícitas, se há nos autos outras provas que levaram à condenação. [21]

Passa-se, agora, a se fazer uma breve análise do ordenamento jurídico brasileiro. A Carta Magna de 1988, em seu art. 5º, LVI, assim dispõe, in verbis, a respeito das provas ilícitas:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos." [22]

Também não se pode deixar de mencionar a recente alteração no Código de Processo Penal promovida pela lei 11.690/2008, que dispõe expressamente sobre as provas derivadas das Ilícitas:

"Art. 157.  São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1º  São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras(Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2º  Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 3º  Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.  (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008) [23] (grifei).

Por todo o exposto, sem a pretensão de se esgotar o tema, percebe-se que o direito pátrio adotou a doutrina dos frutos da árvore envenenada, criação da Suprema Corte norte-americana. Reconhece-se, ainda, que as recentes alterações promovidas no Código de Processo Penal introduzidas pela Lei nº 11.680/2008 só vieram a corroborar a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal a respeito do assunto.

Por fim, ao discorrer sobre as recentes alterações promovidas pela Lei nº 11.690/2008, Luiz Flávio Gomes assim leciona:

"Como se vê, o tema das provas ilícitas tem total afinidade com o dos direitos fundamentais da pessoa. Todas as regras que disciplinam a obtenção das provas são, evidentemente, voltadas para os órgãos persecutórios do Estado, que não podem conquistar nenhuma prova violando as limitações constitucionais e legais existentes. Descobrir a verdade dos fatos ocorridos é função do Estado, mas isso não pode ser feito a qualquer custo" [24] (grifei).

Sobre o autor
Bruno Fontenele Cabral

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Administração Pública pela UnB. Professor do Curso Ênfase e do Grancursos Online. Autor de 129 artigos e 12 livros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABRAL, Bruno Fontenele. A doutrina das provas ilícitas por derivação no direito norte-americano e brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2118, 19 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12658. Acesso em: 18 nov. 2024.

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