I – INTRODUÇÃO
A vida acadêmica traz muitas reflexões sobre as inquietações na aplicação do direito na vida cotidiana. Dentre as várias reflexões, proponho um ensaio sobre a imparcialidade do Ministério Público, na tutela da sociedade em juízo ou fora dele.
O ensaio ora proposto tem a finalidade de submeter a teste as linhas de pensamento e maturação sobre o assunto, motivo pelo qual não há, nesse momento, a indicação bibliográfica em todas as circunstâncias. E isso ocorre por duas razões: a primeira é porque o objetivo é colocar em teste à classe jurídica e acadêmica o assunto, como já dito; e a segunda, porque não se vislumbra nos livros pesquisados o pensamento que aqui se põe em análise, nos exatos termos em que se defende.
A reflexão sobre a imparcialidade do Ministério Público teve início nos problemas ocorridos na atuação ministerial em juízo frente à clássica e quase unânime divisão que faz dessa atuação entre custos legis (fiscal da lei) e dominus litis (autor da demanda).
Com base nessa divisão, ocorrem vários problemas relacionados: 1) às prerrogativas do Ministério Público, em especial de assento à direita dos magistrados, na atuação como autor; 2) à intimação pessoal; 3) à aplicação de multa de embargos protelatórios ao Ministério Público; 4) à suspeição e impedimento dos membros do Parquet, na comparação das hipóteses com os magistrados; 5) à inconstitucionalidade das regras do CPC, que versam sobre impedimento e suspeição dos membros do Ministério Público, considerando a possibilidade de, antes de 1988, exercerem a advocacia privada e a defesa e consultoria do Estado (sentido lato), frente à vedação constitucional e atual de exercerem a advocacia, a atividade política e a defesa do Estado em juízo; 6) à produção de provas frente ao instituto da preclusão; 7) à validade das provas produzidas em sede de inquérito civil público e a possibilidade de repetição, quando levadas a juízo; 8) ao poder de iniciativa e de investigação do Ministério Público, frente à existência de demanda versando sobre o mesmo objeto, dentre outras.
Diante dessas reflexões, evidencia-se a necessidade de análise do perfil traçado para o Ministério Público pelo Código de Processo Civil, quando os membros do Mistério Público podiam exercer a advocacia privada, a defesa e a consultoria jurídica do Estado, e a atividade política; e pela nova ordem magna inaugurada em 1988, que trouxe um perfil constitucional para o Ministério Público de instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Essa posição constitucional do Ministério Público ainda não foi diretamente contrastada com o perfil traçado pela legislação infraconstitucional antes de 1988, em especial, com as reflexões acima elencadas.
Não se pretende neste ensaio esgotar todas as reflexões apontadas, mas apenas iniciá-las, para em processo de maturação e de dialética, buscar novas reflexões sobre o tema.
Aqui, buscar-se-á trazer alguns argumentos no que se refere à inconstitucionalidade das regras sobre suspeição e impedimento dos membros do Ministério Público que tiveram como fundamento a possibilidade de o membro do Ministério Público exercer a advocacia privada, a defesa e consultoria do Estado, situações hoje vedadas pela ordem constitucional vigente.
Com efeito, a clássica divisão difundida pela legislação e pela doutrina, em que confere tratamento de "parte" parcial [01] ao Ministério Público autor e a de custos legis à condição de sujeito imparcial, não encontra sustentação a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88.
Nesse sentido, defende-se que a possibilidade de exercer o direito de demanda ou de provocação do Poder Judiciário na defesa da sociedade (tutela coletiva) ou da ordem jurídica, não afasta do Ministério Público a condição de sujeito imparcial, que atua de ofício, em razão do princípio inquisitivo a ele aplicável, princípio este de pouca aplicação à magistratura.
Assim, defende-se que independentemente da posição assumida na relação processual, a atuação do Ministério Público é objetiva e permanente, em razão da missão institucional e do perfil constitucional, o que revela a necessidade de exercício livre de pressões e influências de qualquer natureza, que possa macular a imparcialidade desse sujeito processual.
A argumentação para tanto, é que o Ministério Público, de acordo com a ordem Constitucional de 1988, sempre deverá estar acobertado pelo manto da imparcialidade, eis que importante não é o interesse subjetivo dos que momentaneamente possam estar sob sua tutela ou do próprio membro, mas, sim, os interesses objetivos da sociedade que se funda no regime democrático, no interesse primário da sociedade e na ordem constitucional, que se consolidam com o processo de maturação da moralidade democrática.
Diante disso, infere-se que o Ministério Público tutela coletivamente (lato senso) os interesses primários da sociedade, não incluindo a defesa de interesses associativos, de seus membros em particular ou familiares ou mesmo de amigos ou inimigos, salvo se tais interesses estiverem protegidos objetivamente na definição de direito coletivo, difuso ou individual homogêneo, de sorte que a imparcialidade da jurisdição é perfeitamente aplicável ao órgão ministerial.
II – APRESENTAÇÃO DO ESTUDO DA IMPARCIALIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ANÁLISE DOUTRINÁRIA, CONSTITUCIONAL E LEGAL
A classificação dos sujeitos processuais é de suma importância para se definir o regime jurídico, direitos, obrigações, ônus e consequências de cada posição ocupada no processo. Dentre as classificações existentes, a que interessa para este ensaio, é a que localiza os sujeitos do processo pelo seu nível de comprometimento e interesse pessoal com a causa, ou seja, pelo interesse jurídico existente no resultado do provimento jurisdicional, diferenciando-se daí os sujeitos em parciais e imparciais.
Com efeito, se o sujeito tem algum interesse subjetivo em causa, classifica-se como parcial, a exemplo: em regra, autores e réus; advogados e assistentes técnicos.
Entretanto, se o sujeito não tem qualquer interesse subjetivo, mas pelo contrário está equidistante e atua simplesmente na defesa de interesse coletivo (lato senso) e objetivo, é classificado como imparcial, tais como: juízes, peritos, tradutores, oficial de justiça, distribuidor, demais serventuários da justiça e, segundo a defesa que ora se põe em ensaio, o Ministério Público, independentemente da atuação que assuma na relação jurídica processual, seja como provocador da jurisdição, pelo princípio inquisitivo, seja como interventor em relação processual já instaurada para a defesa da ordem jurídica [02].
Deve-se aqui alertar para que não se confunda o poder de provocação da jurisdição – autor; com a parcialidade exercida na relação processual – parte. Em regra, autores e réus são parciais, porque estão na relação jurídica processual na defesa de seu próprio interesse, postulando uma posição de vantagem perante o Estado-Juiz.
Essa confusão, entre quem provoca a jurisdição e quem tem interesse subjetivo na causa, surge a partir do mandamento nuclear do princípio acusatório da ação, que, fundamentado no Estado Liberal, proclama que o juiz é inerte e está preso aos limites da lide postulada em juízo.
O princípio acusatório surge em contraposição ao princípio inquisitivo, como forma de limitar os abusos de poder exercidos pelos juízes, quando estes tinham o poder de provocação da própria jurisdição com a acusação, a defesa do acusado, a instrução probatória e o julgamento, fazendo das pessoas envolvidas objeto do processo e não sujeitos.
Com efeito, o poder de provocação dos interesses privados ficou afeto a quem tiver interesse jurídico, nos termos do art. 2º do CPC. Entretanto, na defesa de interesse público, não se pode relegar ao particular esse interesse, o que motiva a criação de outra magistratura sem atribuição de julgar, mas com poder de investigar e provocar, para postular as ofensas aos direitos.
Essa foi a experiência francesa, que concebeu a separação dos principais poderes pertencentes aos juízes, deixando-os com a atribuição de julgar, e atribuindo a outra magistratura (Ministério Público) os poderes de investigação e provocação do Poder Judiciário.
É verdade que historicamente o Ministério Público não teve origem na função jurisdicional, mas paulatinamente houve aproximação das funções ministeriais e jurisdicionais.
Esse contexto histórico teve início no ano de 1790 (século XVIII), na França, com a criação de duas magistraturas ministeriais: o "comissário do rei", que tinha a incumbência de velar pela aplicação da lei e pela execução das decisões proferidas; e o "acusador público", que tinha função de sustentar a acusação diante dos tribunais [03].
Essa criação histórica permitiu a rápida percepção das semelhanças e diferenças da atuação dos juízes e membros do Ministério Público, razão pela qual a estrutura de cargos inerentes à aplicação judicial do direito passou a ser conhecida pelas expressões, magistrature débout (magistratura de pé) e les gens du roi (as pessoas do rei, que funcionavam como procuradores do monarca) e a magistrature assise (magistratura sentada) [04].
Com essa aproximação das funções estatais, não demorou muito para que os procuradores do rei adquirissem a condição de magistrados, primeiro com a prerrogativa de assento sobre o assoalho, que deu origem ao termo Parquet [05] e depois passaram a ter assento sobre o estrado, ao lado da magistratura sentada [06], que representa a jurisdição.
Eis as razões que indicam as aproximações e semelhanças entre as magistraturas, que em defesa da ordem jurídica, do Estado Democrático e dos interesses coletivos e individuais indisponíveis e da dignidade humana, devem ser invariavelmente imparciais, sob pena de comprometer a aplicação da justiça.
As semelhanças e aproximações institucionais não retiram as particularidades inerentes entre os dois ofícios, que historicamente foram se afirmando em nosso país [07]. Entretanto, evidenciam que o ofício ministerial e o judicial são complementares, com a iniciativa e o poder investigatório de um lado, e o julgamento, de outro, revelando a imparcialidade como ponto comum e indissociável entre eles.
Essa idéia de complementação trouxe para a jurisdição a adoção do princípio acusatório e o abandono parcial do princípio inquisitivo, entregando ao ofício ministerial a incumbência de aplicação do princípio inquisitivo, no que se refere a acusação, a defesa e a produção de provas; e ao ofício jurisdicional o julgamento.
A aplicação do princípio acusatório não eliminou o princípio inquisitivo, ocorrendo hipóteses em que este tem aplicação, seja como exceção na jurisdição, seja como regra no Ministério Público, como é o caso: 1) dos juízes, como autor, em habeas corpus; inventário após a omissão dos interessados no prazo estipulado (CPC, art. 989); ofensa aos direitos da criança e do adolescente, resguardados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 13 de julho de 1990) - ECA [08], remessa de ofício; (CPC, art. 475) medidas de apoio na tutela de urgência (CPC, art. 461, §5º); execução de ofício na justiça do trabalho etc. [09]; e 2) dos membros do Ministério Público, em juízo, na intervenção processual, como fiscal da lei, em caso de proteção dos interesses primários da sociedade e como dono da lide, na propositura de demandas, na posição de autor; e fora de juízo na produção de provas sem a intervenção judicial, como notificação para apresentar documentos, para oitiva de testemunha etc.
Ora, se a atuação judicial de ofício não transforma o juiz em sujeito parcial, ainda que na condição de provocador da jurisdição, por que razão transformaria o Ministério Público? Nesse diapasão, defende-se que o Ministério Público, ainda que na posição processual de demandante (autor) ou demandado (réu), é sempre sujeito imparcial. Parte da doutrina mesmo que de forma confusa demonstra de forma tímida a posição aqui defendida, como é o caso de Antônio Carlos Marcato, Código de Processo Civil Interpretado, p. 386 – que assevera a sujeição do membro do Ministério Público à arguição de parcialidade na defesa de interesse de incapaz (art. 82, I do CPC e art. 127 da CF) e de Antônio Carlos Cintra, Cândido Rangel Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover que aceitavam em edições anteriores a necessidade de imparcialidade do membro Ministério Público em razão dos interesses postulados em sede de ação civil pública em defesa dos interesses difusos [10].
A classificação dos sujeitos segundo a parcialidade, como já afirmado, é extremamente relevante, eis que dependendo da situação será possível ou não arguir a exceção de imparcialidade (impedimento e suspeição), analisar e conhecer os limites, os poderes e as responsabilidades que cabe a cada sujeito na relação processual.
Já a classificação da atuação do Ministério Público segundo a atuação em fiscal da lei e dono da lide não tem fundamento convincente, vez que a lei [11] atribui ao Ministério Público legitimidade para atuar ativamente no processo ainda que figure na relação processual como "órgão interveniente", com quase todos os poderes, deveres, obrigações e ônus atribuídos ao dono da lide, evidenciando a inutilidade da classificação que correlaciona o critério de "órgão agente" ao de "parte" ou "órgão interveniente" ao de "não parte".
Nesse sentido, tem-se que o Ministério Público, seja como agente (dono da lide) ou interveniente (fiscal da lei), requer ou produz provas, arrazoa, contra-arrazoa, excepciona, recorre, requer a improcedência ou a procedência do pedido etc. Por outras palavras, ainda que a atuação seja como custus legis, a atividade processual não se limita a exarar pareceres meramente opinativos, ao contrário, na condição de órgão interveniente permanece com ampla iniciativa probatória e recursal.
Essas inúmeras possibilidades, de atuação em processos em que Ministério Público não exercita o poder de demanda, trazem como reflexão duas situações que, prima facie, não poderiam estar desatreladas, quais sejam: o poder de agir (atuando na instrução da causa com poderes de investigação e/ou recorrendo), sem que o autor tenha interesse subjetivo na causa. Situação que não é tratada na doutrina majoritária, conforme se argumenta no presente ensaio.
A principal diferença de atuação do Ministério Público, na condição de dominus litis e custus legis, é o poder de iniciar a demanda, já que na primeira hipótese este poder é exercitado pelo Parquet e na segunda hipótese por outro legitimado qualquer. Seguindo esse raciocínio, vislumbra-se que não há razão para diferenciar o sujeito em razão da provocação inicial ou não da jurisdição, em parcial e imparcial. Logo porque as possibilidades da prática de atos processuais são equivalentes nas duas situações.
Se há algum critério para diferenciar a atuação do Ministério Público como fiscal da lei ou dono da lide é o exercício do poder de demanda. Caso, contrário, ter-se-ia que admitir o Ministério Público como sujeito imparcial, na atuação como fiscal da lei, na prática dos atos de requerer, recorrer, produzir provas etc., e como sujeito parcial, na atuação como dono da lide, o que se revela sem nexo lógico. Da mesma forma não se pode cogitar que o Ministério Público, na atuação de fiscal da lei, seja sujeito imparcial quando exara pareceres e como sujeito parcial, quando requer, recorre, produz provas etc. Reflexões como essas ajudam a desmistificar a o dogma dessa classificação.
Nesse sentido, deve-se deslocar a discussão da parcialidade ou não do Ministério Público da classificação adotada de fiscal da lei e dono da lide para o perfil institucional a partir da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, que posiciona o Ministério Público na condição de sujeito imparcial, mesmo que circunstancialmente esteja em juízo na defesa de uma pessoa (incapaz, índio etc.).
Estabelecidas as idéias básicas que reposiciona o entendimento do Ministério Público, como sujeito imparcial, ainda que na condição de autor, várias outras consequencias surgem, conforme apontadas no início, relacionadas às prerrogativas do Ministério Público, à intimação pessoal; à aplicação de multa de embargos protelatórios; à suspeição e impedimento; à produção e validade de provas; ao poder de iniciativa e de investigação do Ministério Público dentre outras.
Entretanto, para o presente ensaio, eleger-se-ão questões relacionadas ao impedimento e suspeição do Ministério Público, como as primeiras reflexões, sem abandonar a possibilidade de análise das demais.
Prescreve o artigo 138, inciso I do CPC [12] que os casos de impedimento [13] e suspeição [14] do Ministério Público são os mesmos dos juízes, quando atua na condição de fiscal da lei. Entretanto, quando atua como autor, aplicam-se apenas alguns casos de suspeição, quais sejam: se amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; se alguma das partes for credora ou devedora do membro do Ministério Público, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; se herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; e se receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio.
De forma inversa, não se aplicaria ao Ministério Público, na condição de autor, todos os casos de impedimento. Já na hipótese de suspeição, aplicar-se-ia apenas uma hipótese, qual seja: se interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes, o que se revela absurdo frente à nova ordem constitucional traçada e só faz sentido quando o Ministério Público tinha a incumbência de defesa do Estado, de defensor dos que não tinham condições de acessar o Judiciário e os membros podiam advogar.
O artigo 138, I do CPC preconiza exatamente essa antiga idéia, porém, o mandamento do dispositivo há de ser interpretado à luz das alterações históricas ocorridas no ordenamento jurídico, em especial, na ordem constitucional.
Sob esse prisma resta claro que o dispositivo em questão não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por evidente afronta aos dispositivos que tratam sobre o Ministério Público e que o colocam como protetor dos direitos fundamentais.
Não convivem com a idéia de parcialidade os mandamentos constitucionais em relação ao Ministério Público que: 1) o elegem como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (127 da CRFB/88); 2) lhe asseguram autonomia orçamentária, funcional e administrativa (127, §§ 2º a 6º); lhe confiam a defesa de interesses objetivos e coletivos, como: a promoção da ação penal, da ação civil pública, do inquérito civil público e os poderes investigatórios – requisições, notificações, condução coercitiva de testemunha etc. (129, §§ e incisos).
Do mesmo modo a parcialidade do Ministério Público não se compatibiliza com os mandamentos constitucionais que conferem aos integrantes da carreira: 1) as garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (128, § 5º, inciso I, alíneas "a" a "c"); e 2) as vedações de: a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais; b) exercer a advocacia; c) participar de sociedade comercial, na forma da lei; d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério; e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei; e) exercer atividade político-partidária; e f) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei (128, § 5º, inciso II, alíneas "a" a "f").
Tais regras e garantias têm o objetivo de garantir a imparcialidade do juiz e dos membros do Ministério Público, razão pela qual em relação às garantias e vedações, o legislador constituinte não fez qualquer ressalva quanto à aplicabilidade de seus preceitos aos membros ministeriais, independentemente da posição que assumem na relação jurídica processual.
No mesmo sentido são os mandamentos nucleares dos princípios que garantem a imparcialidade do Ministério Público, como o princípio do promotor natural e o da imparcialidade.
O princípio do promotor natural também tem fundamento na imparcialidade ou na vedação de preferências e privilégios na atuação ministerial, o qual pode ser analisado sob dois aspectos: o primeiro é a vedação de indicação do membro do Ministério Público, eis que as atribuições ministeriais estão previamente estabelecidas pela Constituição, em especial, nos artigos 127 e ss. e o segundo é a garantia da imparcialidade institucional (autonomia orçamentária e financeira etc.) e dos membros (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade de subsídios, suspeição impedimento, vedações etc.).
Nesse sentido, observa-se que a escolha pessoal de um membro do Ministério Público para atuar em determinada investigação ou processo judicial conduz invariavelmente a nulidade absoluta do processo ou dos atos praticados, salvo as designações discricionárias, que não se confundem com aquelas efetuadas e cessadas ad nutum, que têm razões arbitrárias.
A aplicação dos princípios do juiz natural e do promotor natural são representações constitucionais do Estado Democrático de Direito, visto que estando os cargos, as regras de distribuição e os procedimentos previamente definidos em lei (devido processo legal), busca-se eliminar as influências externas e internas na definição de juízes ou membros do Ministério Público para atuarem em casos determinados, eliminando elementos subjetivos e de parcialidade, tão cultivados em regimes ditatoriais.
No mesmo sentido é o princípio da imparcialidade, que busca eliminar a tendência humana de proteger ou privilegiar aqueles mais próximos ou que sob algum aspecto interessa ao juiz ou membro do Ministério Público.
Além da finalidade do princípio da imparcialidade de eliminar qualquer poder de influência tendente a patrocinar ou embaraçar uma das partes, tem como objetivo manter o equilíbrio, a igualdade de tratamento, possibilitar aos envolvidos os mesmos meio de defesa ou ataque e garantir que a demanda, a acusação, a instrução probatória, a defesa e o julgamento estejam dentro dos parâmetros da justiça e da legalidade.
O Ministério Público é regido pelo princípio da imparcialidade em qualquer de suas atribuições, que atribui poderes não insertos na competência de autor/réu ordinário, tais como: a promoção de diligências, requisição de documentos, certidões e informações de qualquer repartição pública; expedição de notificações; acompanhamento de atos investigatórios; requisição de informações; inquirição às testemunhas etc.
Nesse diapasão, verifica-se a presença indissociável do princípio da imparcialidade em relação à instituição do Ministério Público, qualificando-a como sujeito imparcial de qualquer relação jurídica processual, sem qualquer enquadramento como parte do processo.
Apesar da confusão existente na doutrina entre as definições de parte [15] e sujeito, que podem coincidir com a posição de parte no processo, mas de conceituação e premissas distintas. A relação entre sujeito e parte pode ser a assim entendida: toda parte é sujeito do processo, mas nem todo sujeito é parte.
Assim, quando a doutrina fala em "parte imparcial", revela-se uma contradição terminológica, pois, se de um lado a acepção da palavra "parte" conduz à idéia de integração a um contexto maior – aquele que toma parte de; por outro lado, a noção de imparcial é exatamente inversa - traz a idéia "daquele que não toma parte de", "que não é parcial" [16].
Nesse contexto, o termo correto a ser utilizado é "sujeito parcial" para designar os integrantes da relação processual deduzida em juízo, que estão vinculados subjetivamente ao objeto da relação jurídica substancial primária ou secundária [17]; e "sujeito imparcial" para designar os sujeitos da relação processual que não apresentam qualquer vínculo subjetivo com o objeto do processo.
Eis as razões que se põe no presente ensaio, para demonstrar a incoerência da utilização da palavra "parte" para indicar a posição processo do Ministério Público. Com efeito, a partir desse ponto do ensaio serão utilizados os termos "sujeito imparcial demandante" ou "sujeito imparcial interveniente", como forma de adaptação à compreensão, para designar os processos em que o Ministério Público está presente, iniciando ou intervindo.
O raciocínio, aqui defendido, afasta, portanto, o entendimento doutrinário de que o Ministério Público pode tutelar duas ordens distintas de interesses, quais sejam: o interesse subjetivo (circunstância em que estaria na defesa de uma pessoa, por exemplo, de um trabalhador incapaz) e o interesse objetivo (quando atua na estrita observância do direito objetivo).
Neste ensaio, a defesa do Ministério Público é sempre objetiva da sociedade e a classificação é sempre de sujeito imparcial, que ora age como demandante com a provocação direta e inicial do poder judiciário; e ora age como interveniente, com a intervenção no curso do processo em razão de interesse público e coletivo envolvido, após o início da relação jurídico processual por outro sujeito.
A parcialidade do Ministério Público é um vício e não algo que se classifica segundo critérios de legalidade. Não se pode conceber, após a ordem constitucional de 1988, que a imparcialidade do Órgão Ministerial seja aferida pela demanda, com a inauguração da relação processual ou com a movimentação ativa na relação processual já instaurada por outro sujeito.
Na atuação judicial do Ministério Público como sujeito imparcial demandante, há questões que parecem tutela individual e outras que são claramente tutela coletiva, porém isso não transforma a classificação jurídica de sujeito imparcial, para sujeito parcial.
São atuações do Ministério Público que podem trazer a falsa sensação de parcialidade e tutela de interesse individual: a) representação de incapazes, sempre que lhe faltarem ou estiverem ausentes os representantes legais (art. 793 da CLT); b) tutela de incapazes por falta de anotação em CTPS; c) suscitar conflito de Competência, d) ação de nulidade de casamento; e) ação de dissolução de sociedade civil etc. De outra banda são atuações claramente coletivas: 1) instauração de instância em dissídio coletivo, nos casos de suspensão do trabalho; 2); ação civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos dos trabalhadores; 3) Ação Declaratória de Inconstitucionalidade etc.
Na atuação do Ministério Público como sujeito imparcial interveniente, há as hipóteses em que haja interesse público: a) de indígena envolvido, sob pena de nulidade do processo – arts 129, V, da CRFB/88, 6º, c, VII, da LC 75/93 e art. 246, caput e parágrafo único, do CPC – ; b) emitir parecer nos processos judiciais ou administrativos em que figure o interesse público; c) recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, nos casos em que entender necessário, bem como quando pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho; d) funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário; e) participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da paralisação de serviços de qualquer natureza; f) requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos processos e para a melhor solução das lides trabalhistas etc., por inteligência dos artigos 82, incisos I, II e III, e 1.105 do CPC e artigo 83 da LC 75/93.
As atuações acima exemplificadas, como demandante ou interveniente, não têm qualquer implicação na classificação do Ministério Público como sujeito imparcial, eis que lhe é legítimo postular, produzir todos os meios de provas juridicamente admissíveis, requerer medidas e diligências, recorrer etc., em estrita observância do direito objetivo, desvinculado de qualquer interesse substancial em causa, atuando imparcialmente.
Na proposição de ação civil pública, a posição de Cintra, Grinover e Dinamarco era a de atuação do Ministério Público como sujeito imparcial, pela estrita observância do direito objetivo (como custos legis, desvinculado de qualquer interesse substancial em causa, atuando imparcialmente), nos termos da CRFB/88, art. 129, inc. III; LOMP e lei n. 8.625/93, art. 25, inc. IV [18]. Porém, nas últimas edições, infelizmente houve alteração de entendimento, sem qualquer registro ao motivo da alteração [19].
Ressalta-se, por oportuno, que não se está a defender a falta de interesse do Ministério Público nas causas por ele patrocinadas, a uma sentença de mérito favorável ao pleito, apenas está a afirmar que o interesse é objetivo e tem base nos valores fundamentais do Estado Democrático de Direito, sem qualquer vínculo subjetivo na lide, sob pena de nulidade do processo ou dos atos processuais, se for o caso.
Como já afirmado alhures, para o Ministério Público o interesse é sempre coletivo e objetivo, ainda que a atuação seja para tutelar um jurisdicionado específico, como é o caso de indígenas e incapazes, eis que a defesa é da ordem constitucional, sob o prisma da dignidade humana e da sociedade.
As conclusões acerca do assunto saltam aos olhos até por razões simples, já que o Ministério Público pode requerer a improcedência do pedido independente de sua atuação, se na condição de sujeito imparcial demandante ou interveniente, bem como porque não se vislumbra diferenças de poderes e direitos na atuação ministerial em processo judicial como dono da lide (demandante), que não seja admitida como fiscal da lei (interveniente), a não ser quanto ao fato de iniciar ou não a relação processual.
Por outra escrita, a atuação do Ministério Público só se justifica, ainda que a tutela seja aparentemente individual, se for para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CRFB/88), e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CRFB/88).