O arcabouço legal brasileiro disponibiliza à Administração Pública municipal – enquanto titular dos serviços públicos de saneamento básico – uma série de modelos para sua gestão. Em linhas gerais, a prestação pode ser gerenciada exclusivamente pelo setor público, pelo setor privado, ou por ambos.
A prestação de serviços de saneamento básico é eminentemete pública quando é incumbida: a) ao próprio ente titular da atividade – município – , através da administração direta ou de autarquia e empresa estatal criada para este fim; b) a empresas públicas estaduais, como ocorre em grande parte dos municípios catarinenses – por intermédio de contratos e/ou convênios; c) a empresas regionais – pertencentes a um conjunto de municípios – através da figura dos consórcios.
Enquanto a cargo direto da Administração Pública, o panorama atual da prestação de serviços de saneamento básico revela as dificuldades enfrentadas pelo Poder Público para custear, executar e ampliar a estrutura necessária à prestação de atividades relacionadas ao saneamento básico em qualquer situação, seja quando a empresa estadual é encarregada da execução, seja na retomada da atividade pelos municípios, ou quando a própria atividade já vem sendo gerida por autarquias ou empresas estatais municipais.
Toma-se, por exemplo, o panorama de Santa Catarina. Em 2008, a Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental daquele Estado aglutinou uma série de dados oficiais, editando-os sob o título Diagnóstico do Saneamento em Santa Catarina [01]. De acordo com o documento, o abastecimento de água no Estado só alcança 81,17% da população, ao passo que a rede coletora de esgoto atende apenas 9,69% da população. De acordo com dados divulgados pela Secretaria do Estado do Desenvolvimento Sustentável, compilados pela ABES-SC, são necessários mais de R$ 5 bilhões para suprir o déficit no saneamento em Santa Catarina.
Tanto a falta de expertise como a escassez de recursos públicos para investimentos nas referidas atividades conduziram a um quadro de extrema deficiência no setor, problema que se estende em todo o território nacional [02]
Não fosse só, municípios com baixo consumo e com população de reduzida renda per capita enfrentam restrições e dificuldades ainda maiores para custear, com recursos próprios, serviços como potabilização, abastecimento e distribuição de água, coleta e tratamento de resíduos líquidos e sólidos, limpeza urbana, dentre outros.
Por todos esses motivos, em muitos casos é inviável a criação de autarquias e empresas estatais para a expansão da estrutura administrativa e sua posterior manutenção, o que leva a desencorajar os gestores de assumir a prestação direta da atividade. Essas autarquias e empresas estatais acabam sem recursos para fazer os investimentos necessários, bem como não conseguem viabilizar financiamentos vultosos, dados os limites de crédito que lhes são impingidos.
Sob esse contexto, a prestação indireta dos serviços de saneamento básico, por intermédio de empresas privadas, parece ser a melhor opção que se descortina para os municípios, dado que elas realizam o aporte de capital necessário para a expansão das atividades.
O modelo contratual existente que viabiliza juridicamente a prestação exclusiva por empresas privadas é a concessão simples de serviços públicos, disciplinada pelas Leis nº 8.987/95, nº 9.074/95 e nº 11.445/07. Pela concessão simples, a Administração municipal outorga ao particular o exercício da prestação dos serviços de saneamento básico, retendo, para si, a titularidade do serviço. O concessionário encarrega-se de fazer, com recursos próprios ou captados em seu nome, os investimentos necessários para ampliar e melhorar a prestação das atividades [03]. Metas e padrões de desempenho podem ser discriminados no contrato, de modo que o concessionário seja juridicamente obrigado a manter o serviço público delegado adequado, atendendo não só a metas quantitativas (de número de usuários atendidos), como também qualitativas (tomando-se em consideração a quantidade final de resíduos tratados, a utilização de tecnologia de ponta na prestação da atividade, mensurando-se o grau de satisfação do consumidor, etc.).
Na concessão comum não é necessário que o município faça qualquer aporte de recursos para o desempenho da atividade. Ao contrário, na hipótese de ser promissor ou economicamente interessante o mercado local, pode ser viável, com amparo no art. 15 da Lei nº 8.987/95 – Lei de Concessões – que o município selecione o concessionário, combinando, entre fatores como melhor técnica e menor tarifa, o maior lance por outorga à Administração [04]. Em outras palavras: o vencedor da licitação, além de realizar os investimentos para a expansão dos serviços, poderá ainda, dependendo do edital, pagar quantia ao município para receber a delegação. O município é beneficiado com os investimentos na expansão do serviço e com advento de receita, que pode ser aplicada noutras áreas. Vale lembrar que a hipótese haverá de ser analisada com vistas às peculiaridades do caso concreto.
O impacto positivo da atuação privada em atividades de saneamento básico é notório. De acordo com o jornal Valor Econômico, a maior participação do setor privado por meio das concessões (em 2007 foram assinados 12 novos contratos, e até setembro de 2008, mais 6) foi uma das grandes responsáveis pelo aumento de aproximadamente três pontos percentuais na proporção de domicílios brasileiros atendidos por rede de esgoto, em apenas um ano [05]. A Associação Brasileira de Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto – ABCON, contabiliza pelo menos 54 concessionárias em atuação no território nacional, que atende a municípios de todos os portes.
As concessionárias privadas são responsáveis por um investimento médio, por habitante, de R$ 39,08 (trinta e nove reais e oito centavos) ao ano no período de 2000 a 2005. As empresas públicas estaduais investiram, na mesma razão, uma média de R$ 21,55 (vinte e um reais e cinquenta e cinco centavos), enquanto que as empresas públicas municipais, apenas R$ 10,21 (dez reais e vinte e um centavos). Em suma, as empresas privadas investem em média, quase o dobro das companhias estaduais e 4 vezes o valor dos investimentos das empresas municipais [06].
Afora a possibilidade de se aferir receita pública com a outorga, bem como o significativo aumento de investimentos proporcionados pelas concessionárias privadas, o modelo de concessão simples disponibiliza uma série de importantes ferramentas jurídicas absolutamente atendedoras dos interesses públicos em jogo. Toma-se, por exemplo, a possibilidade de se eleger o concessionário exclusivamente pelo critério da menor tarifa a ser cobrada dos usuários, bem como a criação de condições para estabelecer a remuneração e a cobrança dos serviços públicos de acordo com o desempenho do particular [07].
No mais, quando se está diante de população de baixa renda, existe previsão legislativa, na Lei nº 11.445/07, de concessão de subsídios diretos, tarifários ou internos, nos termos de seu art. 31.
Muitas das resistências havidas em relação à concessão de serviços públicos devem-se à equivocada idéia de que por ela o município abdica dos poderes inerentes à titularidade do serviço, o que poderia comprometer a prestação da atividade. A verdade é que o município delega, pela concessão, apenas sua prestação, mantendo consigo a titularidade. Através dos mecanismos de regulação especialmente concebidos para estas espécies de atividades na Lei de Saneamento Básico, o município ou a entidade regulatória garante o cumprimento das condições e metas estabelecidas, define as tarifas, previne e reprime o abuso do poder econômico, edita normas, dentre outras prerrogativas.
Por fim, dentre o último dos modelos de gestão inicialmente mencionados, está o sistema misto, ou público-privado. A Lei nº 11.079/04 disciplina, no território nacional, as parcerias público-privadas, que nada mais são que concessões de serviços públicos que envolvam contraprestação pecuniária pública [08].
Na concessão comum, analisada nas linhas precedentes, o concessionário é remunerado, básica e especialmente, através das tarifas cobradas diretamente pelos usuários [09]. Nas concessões por parcerias público-privadas, o Estado participa, integral ou parcialmente, da remuneração do concessionário.
As parcerias público-privadas subdividem-se em concessões patrocinadas e concessões administrativas. As concessões patrocinadas são aquelas em que a Administração paga ao concessionário contraprestação pecuniária ao lado das tarifas cobradas dos usuários do serviço público, de modo a complementar a remuneração do particular. Destina-se, sobretudo, às atividades de saneamento básico financeiramente insustentáveis, onde existe o plausível risco do concessionário assumir uma atividade deficitária. Para, portanto, viabilizar os investimentos particulares e aproveitar o ganho de eficiência da atividade empresarial privada nos serviços de saneamento básico que seriam, a princípio, desinteressantes ao mercado, o Poder Público garante o pagamento de determinada demanda.
Já nas concessões administrativas a Administração Pública faz as vezes do usuário para efeito de custeio, de modo a remunerar, integralmente, o parceiro privado. É o modelo ideal para as atividades que não comportam cobrança direta de tarifas dos usuários, seja pela impossibilidade de se identificar uma relação contratual entre o tomador e o prestador do serviço, ou pelos interesses sociais envolvidos na questão. A Administração concede a prestação do serviço ao parceiro privado, e, no lugar do usuário ou beneficiário direto da atividade, aquela própria remunera o concessionário na exata proporção dos serviços prestados.
Enfim, a retomada do serviço de saneamento básico possibilita a escolha de modelos de gestão distintos. A opção menos onerosa para os municípios é a concessão comum, dado que nela todos os investimentos são realizados pela empresa privada, que presta o serviço por conta e risco, sem necessidade de aporte público. Já na parceria público-privada, quer na modalidade concessão patrocinada, quer na modalidade concessão administrativa, há, ao menos, a possibilidade de os municípios remunerarem diretamente a empresa privada, além da tarifa já cobrada dos munícipes. Para que a retomada do serviço traduza ganho em eficiência é imperativo que os municípios cotejem as alternativas disponíveis, considerando suas especificidades concretas.
Notas
- Disponível em: http://www.abes-sc.org.br/novosite/images/documentos/SaneamentoPAC.pdf
- Apesar de todo esforço e competência técnica da Companhia Catarinense de Água e Saneamento, a própria entidade confessa a dificuldade financeira vivenciada. O site da empresa veicula a informação de que no ano de 2006 foram destinados tão-somente R$ 76,8 milhões de reais para obras de melhoria e ampliação da rede de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos (Informações extraídas de http://www.casan.com.br/index.php?sys=6).
- NIEBUHR, Pedro de Menezes. Parcerias Público-Privadas: Perspectiva Constitucional Brasileira. Belo Horizonte: Forum, 2008. p. 100.
- O co-subscritor do presente informativo, Pedro de Menezes Niebuhr, já teve a oportunidade de esclarecer, no livro "O Princípio da Competitividade na Licitação Pública" que os critérios para julgamento das propostas prescritos na Lei nº 8.666/936, dividem a licitação pública em tipos, que levam em conta o menor preço, a melhor técnica, e a técnica e preço (NIEBUHR, Pedro de Menezes. O Princípio da Competitividade na Licitação Pública. Florianópolis: Obra Jurídica, 2004. p. 22).
- Disponível em: http://www.aesbe.org.br/aesbe/pages/noticia/exibirLeitura.do?id=988
- Dados do Ministério das Cidades – SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – PMSS. Disponível em: http://www.abcon.com.br/index.php/100
- Lei nº 11.445/07, Art. 30. Observado o disposto no art. 29 desta Lei, a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento básico poderá levar em consideração os seguintes fatores:
- NIEBUHR, Pedro de Menezes. Risco Econômico e Receita Pública nas Parcerias Público-Privadas. In Direito e Processo: Estudos em homenagem ao Desembargador Norberto Ungaretti. Florianópolis: Conceito Editorial, 2007. p. 316).
- NIEBUHR, Pedro de Menezes. Licenciamento ambiental nas parcerias público-privadas. Boletim de Licitações e Contratos. Ano 4, nº 38, junho de 2008. Curitiba: Governet, 2008. p. 537.
Vale, também, observar os números divulgados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano 2006, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. De acordo com os indicadores, de 1990 a 2004 o Brasil teve um crescimento de apenas 4% no índice da população com acesso sustentável à saneamento melhorado, que passou a atingir 75% da população. Trata-se de taxa de crescimento muito abaixo de vizinhos como Equador, Paraguai e Peru. Em termos relativos, o percentual da população com acesso à saneamento melhorado fica atrás de Argentina, Chile e Uruguai, cujas benfeitorias em saneamento alcançam a pelo menos 91% da população (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2006, p. 305-306).
Nas concessões públicas, o rol dos tipos de licitação - ou critérios que norteiam o julgamento das propostas -, é ampliado, especialmente, pelos arts. 15 da Lei nº 8.987/95, e art. 12 da Lei nº 11.079/04.
I - categorias de usuários, distribuídas por faixas ou quantidades crescentes de utilização ou de consumo;
II - padrões de uso ou de qualidade requeridos;
III - quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço, visando à garantia de objetivos sociais, como a preservação da saúde pública, o adequado atendimento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente;
IV - custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas;
V - ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços, em períodos distintos; e
VI - capacidade de pagamento dos consumidores.
Art. 35. As taxas ou tarifas decorrentes da prestação de serviço público de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos urbanos devem levar em conta a adequada destinação dos resíduos coletados e poderão considerar:
I - o nível de renda da população da área atendida;
II - as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edificadas;
III - o peso ou o volume médio coletado por habitante ou por domicílio.
Art. 36. A cobrança pela prestação do serviço público de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas deve levar em conta, em cada lote urbano, os percentuais de impermeabilização e a existência de dispositivos de amortecimento ou de retenção de água de chuva, bem como poderá considerar:
I - o nível de renda da população da área atendida;
II - as características dos lotes urbanos e as áreas que podem ser neles edificadas.
Art. 38. As revisões tarifárias compreenderão a reavaliação das condições da prestação dos serviços e das tarifas praticadas e poderão ser:
§ 2º Poderão ser estabelecidos mecanismos tarifários de indução à eficiência, inclusive fatores de produtividade, assim como de antecipação de metas de expansão e qualidade dos serviços.
§ 3º Os fatores de produtividade poderão ser definidos com base em indicadores de outras empresas do setor.