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O papel atual do Senado na federação brasileira

Agenda 15/05/2009 às 00:00

Contexto histórico do Estado federal e do Senado

Quando um estudioso do Direito dedica-se a compreender o fenômeno globalização, normalmente o faz pela perspectiva da Teoria do Estado. Sobressaem-se, nesse estudo, elementos como soberania, território, intervenção do Estado na sociedade e a própria justificação da sua existência, entre muitos outros.

Uma constatação rápida é a de que esse processo exige um perfil cada vez mais flexível dos Estados. Suas posturas mais imperiais são fragilizadas por conta da necessidade de diálogo com as forças (externas e internas) com que se relaciona. Milton Santos expressa, com maior autoridade, que o mundo se torna fluido graças ao poder transformador da informação e do capital. Todas as formas de organização social e econômica se intrometem e superpõem, formando o contexto mundializado no qual as fronteiras se tornam porosas para o dinheiro e para a informação. O território deixa de ter fronteiras rígidas, o que enfraquece e muda a natureza dos Estados nacionais (SANTOS, 2000, p. 66).

Junto à consolidação dessa tendência, verifica-se também que o modelo de Estado federativo tem se apresentado como uma proposta sobrevivente às diversas transformações experimentadas na história ocidental.

Enquanto a confederação de Estados, hoje, quase não oferece mais algum interesse como um tipo de ligação entre Estados – acabou sendo substituída pela formação moderna de organizações internacionais – o Estado federal preservou a sua importância. Como exemplos pode-se (sic) mencionar: EUA, Rússia, (...) Alemanha, Índia, Áustria, Austrália, Canadá, Iugoslávia, África do Sul, Brasil, Argentina. Também existem Estados que formalmente não constituem Estados federais, mas que permitem, sim, uma independência relativa de suas regiões, como a Itália e a Espanha. Mesmo um Estado unitário clássico como, por exemplo, a França, tende hoje, de acordo com algumas concepções, a uma descentralização. (DOEHRING, 2008, p. 124-125).

Aquela premissa de inevitável flexibilização do Estado e essa última constatação revelam um curioso paradoxo quando se observa que, diferentemente de uma confederação e de um Estado unitário, uma federação pressupõe uma estrutura mais rígida, haja vista a necessária homogeneização normativa dos entes que a compõem.

O citado Karl Doehring pontua que os Estados federais passam por uma situação delicada e de difícil solução, já que a proposta de descentralização das decisões importantes – especialmente por parte dos governos estaduais – esbarra no fato de que muitas questões consideráveis não podem ser tratadas pelas administrações regionais. Tomam-se como exemplo, além de questões técnicas e de regulação como proteção ambiental, tráfego aéreo, serviços de telecomunicações etc., outras pautas culturais, igualmente afetadas pela crescente interdependência entre países e empresas, como exigências relativas à formação profissional e educacional.

Como corolário dessa tensão inerente ao pacto federativo – inclusive no Brasil – tem-se a dificuldade permanente de encontrar um equilíbrio entre autonomias regionais e regras de validade geral. Talvez o choque entre as autonomias dos Estados e os interesses da União não seja mais evidente neste país por conta da deficiência de representação que aqueles entes possuem. É exatamente isso que se pretende avaliar neste ensaio.


Para que Senado?

Longe de uma pretensão de originalidade, descreve-se aqui em poucas linhas porque muitos argumentos originais de existência do Senado não subsistem no Brasil:

A idade mais elevada exigida para o cargo de senador evitaria que a juventude da Câmara dos Deputados destituísse as importantes decisões nacionais da necessária experiência – Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, mais de 52% dos deputados eleitos em 2006 estão na faixa dos 45 aos 59 anos. Essa média seria um indicativo de imaturidade?

Os mandatos dos senadores com o dobro de tempo, em que se alternam as candidaturas para um e dois terços da composição, seria um imperativo de segurança jurídica, já que a renovação completa dos membros do parlamento resultaria numa revolução do pensamento dominante – O mesmo sistema de renovação parcial pode ser adotado pela Câmara Federal. Outrossim, há uma enorme ocorrência de reeleição entre os deputados federais.

A defesa das pautas dos governos estaduais perante o federal – Quem acompanha o cotidiano do cenário político brasileiro sabe que isso não ocorre. Os parlamentares seguem, nas votações, muito mais a orientação partidária que a dos governos dos seus Estados, especialmente quando não fazem parte da mesma aliança. Analisando a função dos deputados, eles também não teriam a mesma incumbência?

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O balanceamento do poder entre Estados de população diferente – Uma simples expressão matemática poderia remediar a disparidade, apenas aperfeiçoando o que já existe na Câmara para limitar a quantidade de representantes para mais e para menos.

Essa crise de referencial, certamente, é uma forte contribuição para entender que o pacto federativo, no Brasil, não é o mesmo desde sua origem, tendo passado por muitas oscilações em termos de solidez. Nos termos de André Regis, "se o federalismo brasileiro foi, em uma época, robusto, no sentido de que os governadores tinham ao seu dispor muitos recursos políticos, hoje não é bem assim" (REGIS, 2009, p. 30).

Apesar dessa abordagem destrutivista, não se pretende minar a importância do Senado Federal, desde que calcada na justificativa apresentada ainda no início deste trabalho: o equilíbrio das forças entre os entes federativos.


Uma função para o Senado Federal

Para não adentrar num debate ético – mais subjetivo – traz-se a opinião dos economistas políticos que defendem que um Estado burocratizado que não se reestrutura, gastando muito para manter estruturas ineficientes, só encontra caminho no aumento da arrecadação, comprometendo o próprio desenvolvimento do país.

Não se pretende esconder que este trabalho (de perscrutar o fundamento atual de manutenção da onerosa máquina senatorial) motiva-se também pela incômoda sensação, vinda da sociedade, de que há uma péssima relação custo-benefício, haja vista a debilidade de representação parlamentar.

A intenção de cunho positivo destas linhas é reforçar que, já que existe um programa constitucional de repartição de competências, há de se fortalecer a federação para que cada ente que a compõe possa desempenhá-las com a suficiente autonomia.

Entretanto, ainda que esse discurso seja facilmente encontrado no ambiente do Congresso Nacional, o que Manoel Gonçalves Ferreira Filho percebe é que o papel do Senado foi distorcido pelo sistema eleitoral brasileiro. A disputa travada num quadro partidário faz com que os senadores atuem de acordo com a pauta de seus respectivos partidos, normalmente em função de um posicionamento favorável ou contrário aos projetos da Presidência da República (FERREIRA FILHO, 2009, pp. 294-295). Isso acontece porque o chefe de Estado/governo tem um peso político alto demais no Brasil, exigindo um contrapeso que acaba polarizando muitos interesses em apenas duas forças.

Não se ousa discutir que, do ponto de vista formal, o Senado Federal é órgão da União. Por outro lado, entretanto, seria bastante mais apropriado que estivesse empenhado na função de representar os Estados, ainda que tal desiderato o levasse a fazer frente aos interesses do poder central. Para ser ainda mais preciso, essa postura não deveria configurar-se como exceção, mas sim como uma regra, já que a defesa dos interesses dos Estados – sob a perspectiva conflituosa que foi exposta anteriormente – pressupõe a tensão permanente no que concerne ao alcance de suas autonomias.

Revelar o Senado como um palco de lutas daqueles entes federativos requer, ainda, uma outra percepção. A despeito dos momentos de contraponto entre o poder central e os poderes regionais, há ainda aqueles outros nos quais o foco será a disputa dos próprios Estados entre si.

Para que não reste dúvida alguma sobre a complexidade do papel do Senado, sugere-se refletir sobre as inúmeras matérias em que, inevitavelmente, ambos os conflitos – Estados x União e Estados entre si – ocorrerão ao mesmo tempo.

Na tentativa de aproximar essa visão da realidade, propõe-se uma provável sustentação nos contornos de Estado cooperativo que já são experimentados pelo Brasil já há bastante tempo. Neste "novo" modelo de Estado – que não substitui a forma federativa – as funções dos órgãos centrais e as dos órgãos dos Estados-Membros completam-se reciprocamente, formando uma unidade de ação que remete a um conceito de Estado global já estudado alhures (ZIPPELIUS, 1997, p. 512).

Harmonizar as tarefas que visam ao bem estar social implica num processo de aceitação de compromissos por parte da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.

Haveria melhor espaço para esse diálogo que um Senado focado na missão definida a partir dos parâmetros aqui expostos?

Seria mais prudente ainda, para o melhor desempenho de sua função, que o Senado Federal limitasse sua atuação à deliberação sobre matérias relacionadas às questões de federalismo aqui apresentadas. A ideia é retirar da pauta daquela casa, por exemplo, proposições legislativas em Direito Penal, Civil, Consumerista, enfim, tudo aquilo que não diga respeito às agendas dos Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal.

Como foi dito logo acima, as práticas de cooperação, por aqui, são experimentos. Diz-se desse modo pelo simples fato de que as repartições de competência entre os entes federativos andam longe da desejada solidez. Em outras palavras, o pacto federativo que foi instituído há duas décadas ainda é um assunto muito mal resolvido. Talvez, se a Constituição da República – tão antropomorfizada – pudesse dizer às instituições políticas o que lhes falta para atingirem plena maturidade, diria: decidam quem deve fazer o quê; o resto virá por si só.


Referências

DOEHRING, Karl. Teoria do Estado. Trad. Gustavo Castro Alves Araújo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Princípios fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

REGIS, André. O novo federalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Gen/Forense, 2009.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. São Paulo: Record, 2000.

ZIPPELIUS, Reinhold. Teoria geral do estado. 3. ed. Trad. Karin Praefke Aires Coutinho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.

Sobre o autor
Rodrigo Chaves

Editor da Revista Jus Navigandi; analista judiciário; doutorando em direito público pela Aix-Marseille Université (França).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Rodrigo Chaves. O papel atual do Senado na federação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2144, 15 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12866. Acesso em: 26 dez. 2024.

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