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O avanço da PEC nº 457/2005 frente aos fundamentos da República Federativa do Brasil

Agenda 03/06/2009 às 00:00

Atualmente tramita no Congresso Nacional Proposta de Emenda Constitucional que visa elevar de 70 (setenta) para 75 (setenta e cinco) anos a idade da aposentadoria compulsória dos servidores públicos.

Com efeito, existem vários juristas manifestando-se a respeito, sendo que os principais argumentos daqueles que se opõem à referida emenda constitucional são a necessidade de renovação dos quadros do funcionalismo público e, principalmente, a necessidade de combater-se a estagnação do judiciário

Segundo essa corrente de pensamento, se a PEC fosse aprovada, o judiciário permaneceria sujeito às decisões dos mesmos magistrados por um tempo maior, ou seja, havendo uma continuidade maior dos julgadores em seus cargos, estes continuariam a decidir acompanhando determinada linha de pensamento, de modo que a evolução das jurisprudências dos tribunais ocorreria de forma ainda mais lenta do que nos dias atuais, não conseguindo o judiciário acompanhar a evolução da sociedade a que pretende servir.

Noutro diapasão, os que se posicionam a favor da aprovação da PEC 457/2005 afirmam que a alteração proposta facilitaria a obtenção da estabilidade financeira e atuarial [01] da previdência, postulados básicos do Direito Previdenciário, pois teríamos um tempo maior de recolhimento de contribuições previdenciárias e um período menor de gozo de benefícios em face àqueles funcionários públicos que optassem por continuar no cargo até o limite de idade. Apontam ainda, dois grandes fatores em prol da alteração constitucional: a elevação da expectativa de vida dos brasileiros e a economia que seria gerada para os cofres públicos, pois a administração pública, ao manter um funcionário por mais cinco anos no exercício de suas funções, deixa de ter que contratar outro para substituí-lo, economizando importe equivalente à remuneração de cinco anos daquele funcionário.

Feitas essas primeiras considerações, devemos observar que a matéria tratada é de direito constitucional, com repercussões tanto no direito previdenciário quanto no direito do trabalho. Pode parecer desnecessária essa observação, mas na verdade é de suma importância, até porque parece ter passada despercebida por boa parte daqueles que escreveram sobre o tema.

Primeiro é importante observarmos o cunho constitucional da matéria, para que possamos atentar para o fato de que a aprovação da PEC 457/2005 vem dar maior efetividade aos fundamentos da República Federativa do Brasil, em especial àqueles contidos no art. 1º, III (dignidade da pessoa humana) e IV (valores sociais do trabalho), da CRFB/88, isso porque se elevando a idade para a aposentadoria compulsória do funcionalismo público, permite-se que o cidadão possa gozar dos valores sociais do trabalho, que em certa medida podem ser percebidos pelo reconhecimento no seio da sociedade do trabalho prestado por aquele servidor, permitindo que aquele cidadão se sinta útil à comunidade e preserve assim sua dignidade enquanto pessoa humana, com significativo ganho em relação à sua auto-estima. Ainda a esse respeito, devemos observar que se o servidor laborou em determinado cargo por toda sua vida profissional e é compelido a aposentar-se, certamente terá sérias dificuldades em conseguir outra ocupação, pois o mercado de trabalho está cada vez mais concorrido, apresentando grande preconceito em relação á produtividade do idoso, de modo que a aposentadoria compulsória consiste em verdadeiro óbice ao exercício do direito constitucionalmente assegurado ao trabalho [02], configurando grave violação aos direitos fundamentais individuais.

Num segundo momento, devemos atentar para a relação existente entre o direito previdenciário e o direito do trabalho, pois esses ramos do direito apresentam grande similitude, o que nos permite estudar alguns aspectos de um partindo de institutos do outro.

Indispensável notarmos que apesar de todos os aspectos convergentes, o direito previdenciário e o direito do trabalho revelam-se deveras contrapostos, tanto que o primeiro está situado no direito público, ao passo que o segundo é considerado pela maioria da doutrina como de direito privado, o que nos impõe um dever de cautela ao estudarmos esses ramos do direito em conjunto.

Em relação ao direito do trabalho, devemos observar que esse ramo tem como princípio a perenidade da prestação de serviço, ou seja, o contrato de trabalho deve estender-se no tempo, de sorte que a prestação de serviços possui grande valor social e por isso seu exercício deve ser protegido de rupturas injustificáveis, sendo estimulado da melhor forma possível.

Ora, proibir que ocupantes de cargos públicos continuem a exercer seu trabalho simplesmente porque atingiram determinada idade vai de encontro não só ao disposto no art. 1º, IV c/c art. 5º, XIII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas fere toda a sistemática jurídica relacionada ao trabalho.

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Não valem aqui os argumentos a respeito da necessidade de alteração de posicionamentos no judiciário, tampouco que a partir de determinada idade o funcionário poderia comprometer a eficiência do serviço público, pois como é de conhecimento geral, não só a expectativa de vida do brasileiro [03], mas também a qualidade de vida foi elevada a patamares desconhecidos pelo homem, o que resulta em vários profissionais de elevada idade que ostentam plena capacidade de trabalho, que é potencializada pela larga experiência adquirida através dos anos de exercício funcional. Impedir essas pessoas de trabalharem com base em argumentos generalistas não só é injusto, como irracional, violando o princípio constitucional da igualdade [04], pois como é de conhecimento comum no meio jurídico, a igualdade deve ser perseguida tratando-se de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais, o que é ignorado com a estipulação de uma idade limite para o exercício de função pública.

Realmente existem profissionais que não têm condições de exercer um cargo público até elevada idade, mas caso o servidor apresente incapacidade para o exercício de suas funções, já existem vários mecanismos para solucionar a questão. Um bom exemplo é a readaptação [05].

Nesse sentido, melhor do que impedir que todas as pessoas continuem a exercer funções que sempre desempenharam e continuam a desempenhar com eficiência com base exclusivamente em sua idade, é criar mecanismos que adaptem essas pessoas para novas atividades quando necessário ou ainda, que imponham a esses profissionais a inatividade, mas de forma fundamentada, com base em sua efetiva incapacidade e não apenas porque atingiram determinada idade.

Outrossim, nunca é demais lembrar que a alteração proposta é limitada à aposentadoria compulsória, ou seja, aquela que é imposta ao servidor e que acarreta em proventos de inatividade proporcionais ao tempo de serviço, não operando qualquer alteração em relação à aposentadoria voluntária, que é aquela na qual o servidor opta pela inatividade após preencher determinados requisitos, que continuará a permitir que o servidor aposente por invalidez, por tempo de contribuição [06] ou por idade [07].

Verifica-se, pois, que resta sobejamente claro que a PEC 457/2005 apenas possibilitará àqueles servidores públicos que tenham condições de exercer suas funções que continuem a executá-las por um prazo maior, desde que assim queiram, em nada alterando a situação daqueles que se apresentem incapacitados para o cumprimento de suas obrigações ou queiram passar à inatividade mais cedo, mantendo-se a possibilidade de aposentadoria voluntária inalterada.

Por fim, acreditamos que a PEC em análise apenas confere maior efetividade aos fundamentos da República Federativa do Brasil e que, se aprovado, o novo texto do art. 40, §1º, II da Norma Fundamental atenderá melhor à sistemática da Constituição, dando maior efetividade aos princípios mencionados, que somente seriam inteiramente respeitados se não houvesse qualquer limite etário para o exercício de cargos públicos, o que deveria ser restringido por mecanismos de maior conformidade com os princípios fundamentais de nossa República, pois como dispuseram os constituintes de 88: "representantes do povo brasileiro, (...) para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a segurança, o bem estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos..."


Notas

  1. Estabilidade financeira refere-se à obtenção de saldo positivo, ou seja, devem-se possuir mais ativos do que passivos. Já a estabilidade atuarial pretende manter a viabilidade do sistema securitário a longo prazo, buscando criar benefícios e a forma do cálculo de seus proventos, bem como a captação de recursos, levando-se em conta toda as variantes que possam influenciar a viabilidade dos planos a longo prazo, ou seja, trata-se da criação de regras a serem elaboradas tendo em conta o maior número de variantes possível e tendo sempre em mira a manutenção da Previdência Social a longo prazo.
  2. Art. 5º, XIII da CRFB/88: "é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer".
  3. Segundo tábua de mortalidade do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) a expectativa de vida do brasileiro foi elevada de 60,32 anos de idade em 1.990 para 73,4 anos de idade em 2.009. Disponível em www.ibge.gov.br.
  4. Art. 5º, caput, da CRFB/88: "Todos são iguais perante a lei..."
  5. "Readaptação é a investidura do servidor em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física ou mental verificada em inspeção médica." (art. 24, caput, da Lei 8.112/90).
  6. Para aposentar por tempo de contribuição, o servidor deverá possuir 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e pelo menos 5 (cinco) anos no cargo em que se dará a aposentadoria, devendo contar ainda com 60 (sessenta) anos de idade e 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade e 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher. (art. 40, §1º, III, a, da CRFB/88).
  7. Para aposentar por idade, o servidor deverá possuir 10 (dez) anos de efetivo exercício no serviço público e pelo menos 5 (cinco) anos no cargo em que se dará a aposentadoria, contando ainda com 65 (sessenta e cinco) anos de idade se homem, e 60 (sessenta) anos de idade, se mulher. Importante lembrarmos que a idade poderá ser reduzida em 5 (cinco) anos em favor dos professores que comprovem exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio. (art. 40, §1º, III, b e §5º, da CRFB/88).
Sobre o autor
Rodrigo César de Moraes

Especialista em Direito Público. Integrante do corpo docente do UNIFOR-MG (Centro Universitário de Formiga/MG), professor titular de Direito Previdenciário no Curso de Direito e de Direito do Trabalho e Previdenciário I e II nos Cursos de Administração de Empresas e Ciências Contábeis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Rodrigo César. O avanço da PEC nº 457/2005 frente aos fundamentos da República Federativa do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2163, 3 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12919. Acesso em: 6 nov. 2024.

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