SUMÁRIO. INTRODUÇÃO; 1. UM PASSEIO RÁPIDO PELA VIDA DE RUI BARBOSA; 2. RUI BARBOSA E A DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS; 2.1. A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO E A AMPLITUDE DA NOÇÃO DE DIREITOS INDIVIDUAIS; 2.2. RUI BARBOSA: LIBERAL OU SOCIALISTA? 2.3. AS RELAÇÕES DE TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO ESTADO; 2.4. RUI BARBOSA E O DIREITO TUTELAR DO TRABALHO; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO.
Falar de Rui Barbosa não é tarefa fácil, por conta da grandeza de sua vida e de sua obra e pelas influências, ainda atuais, de seu pensamento.Todos se referem a ele como o destemido liberal e memorável jurista, o "Águia de Haia", defensor das prerrogativas do indivíduo, orador apaixonado.
Rui Barbosa influenciou bastante o Direito em seu tempo. Suas manifestações foram das mais diversas, desde o direito à educação, passando pela questão abolicionista, casamento civil institucionalizado, todos ainda no Império.
Foi o principal elaborador do projeto que se converteu na Constituição Republicana de 1891, inspirada no modelo norte-americano. Elaborou, também, parecer no projeto do Código Civil, gerando grande polêmica na época.
Suas colaborações tanto no Direito Público quanto no Direito Privado são inegáveis. Sua principal colaboração, talvez, por assim dizer, está no fato de sua luta incansável pela formação de uma jurisdição constitucional no país, de fazer valer efetivamente os valores constitucionais que ajudou a positivar.
Sempre se referem às suas idéias de cunho liberal. Pouco se fala, no entanto, de seus discursos e de seus pensamentos sobre a chamada "questão social". A respeito do assunto, JOSAPHAT MARINHO explica que "do seu pensamento voltado para a questão social, pouca relevância se dá. Há, mesmo, os que o querem situar no plano conservador, uns para o elogiarem, outros para o criticarem" (2001:37).
O presente trabalho, portanto, bastante resumido e sem maiores pretensões, tentará mostrar a evolução do pensamento de Rui, com enfoque na questão social por ele levantada, notadamente a situação da classe operária, abordando o que se pode chamar de gênese do Direito do Trabalho.
Para tanto, primeiramente, um breve relato sobre a vida de Rui e, em seguida, a análise de suas contribuições, baseada, principalmente, na sua conferência proferida em 20 de março de 1919, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, para uma platéia de operários; conferência essa que resume e contempla o pensamento do autor sobre o assunto.
1. UM PASSEIO RÁPIDO PELA VIDA DE RUI BARBOSA
Nasceu no dia 5 de novembro de 1849, em Salvador, e com 12 anos realizou os seus estudos secundários no Ginásio Baiano, ganhando a medalha de ouro do Arcebispo da Bahia, época em que conheceu Castro Alves e Urbano Duarte.
Em 1866, quando ainda contava com 16 anos, entrou na Faculdade de Direito do Recife. Consta que depois de levar um "R" do lente Drummond resolveu mudar para a Faculdade de São Paulo, juntamente com Castro Alves. Moraram os dois juntos por algum tempo, oportunidade em que participou de intensa manifestação estudantil, jornalística e abolicionista, tornando-se, em seguida, em 1870, bacharel em Direito.
Em 1871, voltou para a Bahia e ali começou a advogar brilhantemente no júri e a escrever no Diário da Bahia, cotidianamente. Dois anos depois, logo após o retorno de uma viagem a Europa, assumiu a direção do Diário da Bahia.
Tornou-se deputado à Assembléia Legislativa Provincial da Bahia no ano de 1877 e, no seguinte, à Assembléia Geral da Corte, fazendo parte do Partido Liberal. Como parlamentar, atuou fortemente, durante a década de 80 do século XIX, em defesa da campanha abolicionista. Pregava, ao mesmo tempo, as idéias federalistas, inspiradas no modelo norte-americano.
Um ano após a abolição da escravatura, o "movimento revolucionário republicano" tomou o poder e instaurou um novo regime político no Brasil. Nomeado por Deodoro da Fonseca chefe do Governo Provisório, Ministro e Secretário da Fazenda, passou quatorze meses no poder, e segundo JOÃO MANGABEIRA (1995:26) foi sagrado o grande estadista da República e o maior dos nossos Ministros da Fazenda. Em 1890, elaborou-se o projeto de Constituição na casa de Rui, e em 19 dezembro ele defendeu e sustentou a Carta no Congresso Constituinte. Pregava a idéia de que com a lei, pela lei e dentro da lei, este era o programa da República, porque fora da lei não havia salvação.
Em 1893, depois da Revolta de Custódio de Melo, refugiou-se em Buenos Aires, depois em Lisboa e, por último, em Londres, lugares de onde escreveu vários artigos para jornais. De volta ao país, em 1902 elaborou parecer crítico ao projeto do Código Civil e passou a advogar casos de grande repercussão, como o patrocínio do direito do Amazonas ao território do Acre, com belíssimas sustentações na Corte Suprema.
Candidatou-se, pela primeira vez, em 1905, à Presidência da República, recusada em favor de Afonso Pena. A segunda vez, em 1909; a terceira, 1913; a quarta, 1919; todas contra a sua vontade.
Representou o Brasil em Haia em 1907, local de onde recebeu a alcunha de "Águia de Haia", por conta de sua brilhante atuação. Em 1918, recusou o convite de Rodrigues Alves para chefe da delegação brasileira ao Congresso de Paz, em Paris. Recusou, mais uma vez, em 1920, a representar o Brasil na Liga das Nações. No ano seguinte, recusou o cargo de Juiz Permanente da Corte de Haia, sob a alegativa de impossibilidades pessoais de exercer o cargo. Não obstante, foi eleito por unanimidade.
Faleceu Rui Barbosa em 1923, em Petrópolis, Rio de Janeiro.
2. RUI BARBOSA E A DEFESA DOS DIREITOS SOCIAIS.
Rui Barbosa viveu em uma época em que no mundo ocidental predominavam as idéias liberais, de cunho estritamente individualista. O capitalismo como sistema econômico e a expansão das economias e do imperialismo contextualizavam o momento. Fábricas e mais fábricas surgiam na Europa e nos Estados Unidos. O êxodo rural se intensificava e uma massa de trabalhadores deixava o campo em busca de (sub)emprego nas grandes cidades.
A industrialização crescente e a urbanização chegaram ao Brasil com maior expressão e intensidade somente depois de 1930. Bem antes disso, enquanto o continente europeu passava pela Revolução Industrial, em pleno século XIX, no Brasil Rui Barbosa ainda lutava pela abolição dos escravos, pregando os mesmos ideais liberais e os direitos humanos já consagrados, adaptando-os à realidade brasileira. Defendia, sobretudo, a justiça. E por isso dizia:
quando um homem se vota a defender os humildes contra os potentados, por outro motivo não se concebe que anteponha os fracos aos fortes, a não ser para servir à justiça (1995:428-9).
O cenário, aqui, na segunda metade do século XIX, era de uma economia baseada na monocultura cafeeira com mão-de-obra escrava, sob um governo monárquico e centralizador. Diferente, portanto, da realidade no Velho Mundo.
A elite brasileira, dizia Rui, a elite que explorava o país, tinha a concepção do povo brasileiro como sendo a mesma daquela que Monteiro Lobato deu ao seu personagem Jeca Tatu, dos Urupês: incapaz de evolução e impenetrável ao progresso. A crítica de Rui Barbosa é no sentido de que:
... mas a impressão do leitor é que, neste símbolo de preguiça e fatalismo, de sonolência e imprevisão, de esterilidade e tristeza, de subserviência e hebetamento, o gênio do artista, refletindo alguma coisa do seu meio, nos pincelou, consciente, ou inconscientemente, a síntese da concepção que têm da nossa nacionalidade os homens que a exploram (1995:422).
Por outro lado, Rui Barbosa acreditava que o povo brasileiro não era o Jeca Tatu dos exploradores elitistas, mas, na verdade:
é a multidão que não adula, não teme, não corre, não recua, não deserta, não se vende. Não é massa inconsciente, que oscila da servidão à desordem, mas a coesão orgânica das unidades pensantes, o oceano das consciências, a mole das vagas humanas, onde a Providência acumula reservas inesgotáveis de calor, de força e de luz para a renovação das nossas energias. É o povo, num desses movimentos seus, em que se descobre toda a sua majestade (1995:424).
Isto não significa que Rui Barbosa abandonou os ideais individualistas e liberais de sua formação. Muito pelo contrário, demonstrou uma evolução de seu pensamento, temperando-o de conteúdo social. Como defensor da justiça e observador das contradições sociais, rechaçava as desigualdades existentes no Brasil: o poder em excesso nas mãos de uns e a fraqueza e a miséria para muitos outros.
Essas desigualdades se avultaram logo após a abolição da escravatura, por conta do descaso dos governantes com a massa de escravos libertada. Nesse sentido, dizia Rui que com o 13 de maio,
terminava o martírio em que os obreiros dessa construção haviam deixado, não só o suor de seu rosto e os dias de sua vida, mas todos os direitos da sua humanidade, contados e pagos em opróbios, torturas e agonias (1995:426).
E continua o jurista baiano, com sua fala aguerrida e com seus insinuantes questionamentos, a respeito das conseqüências da abolição dos escravos:
Que movimento de caridade tiveram por esses destroços humanos os árbitros do bem e do mal nesta terra? A responsabilidade não é da Monarquia, que expirou ao outro dia da abolição. A responsabilidade não pode ser também do Governo Provisório, que em só quatorze meses teve de liquidar um regímen e erigir outro. Mas ao Governo Revolucionário sucederiam vinte e nove anos de república organizada, com oito quadriênios presidenciais de onipotência, quase todos em calmaria podre. Que conta darão a Deus esses governos, senhores, de tudo o que ambicionaram, poderosos para tudo o que quiseram, livres em tudo o que cogitaram, - que contas darão a Deus da sorte dessas gerações, que a revolução de 13 de maio deixou esparsas, abandonadas à grosseria originária, em que a criara e abrutara o cativeiro? (1995:427).
Acreditava Rui que a causa do operariado era menos árdua de se defender do que a dos escravos,
porquanto os interesses capitalísticos da sociedade, atualmente, não se ressentem da intolerância, que empedernia a propriedade servil, nem à organização da indústria assistem os apanágios hediondos, que barbarizavam a organização do cativeiro. (...) O capital de agora é mais inteligente, e não tem direitos contra a humanidade. Nem o obreiro é o animal de carga ou tiro, desclassificado inteiramente da espécie humana pela morte política e pela morte civil, que sepultavam em vida o escravo. Ao passo que, a este, mal lhe assistia jus à preservação da vida material, o operário tem todos os direitos de cidadãos, todos os direitos individuais, todos os direitos civis, e, dotado, como os demais brasileiros, de todas as garantias constitucionais, não se queixa senão de que às relações peculiares do trabalho com o capital não corresponda um sistema de leis mais eqüitativas, a cuja sombra o capital não tenha meios para abusar do trabalho (1995:429-30).
O que se pode notar, nitidamente, é uma profunda indignação de Rui Barbosa com o descaso dos governantes a respeito da situação dos trabalhadores brasileiros, desde quando eram escravos até quando se tornaram "operários". Por ser um defensor dos direitos humanos e das liberdades, não acreditava na subserviência dos trabalhadores. Combatia a injustiça e as desigualdades, os abusos cometidos por aqueles que exploravam o povo brasileiro.
Explica JOSAPHAT MARINHO, a respeito disso, que
não se pense que se restringiu ele à condenação genérica das desigualdades. A evolução de seu pensamento foi gradual e firme, partindo de aspectos gerais e capitais para atingir, e examinar com pormenores, as situações particulares (2001:38).
A evolução é tão evidente, que se pode notá-la pela ampliação da concepção individualista dos direitos humanos, quando Rui Barbosa afirmou, em plena campanha presidencial de 1919 que
a concepção individualista dos direitos humanos tem evolvido rapidamente, com os tremendos sucessos deste século, para uma transformação incomensurável nas noções jurídicas do individualismo restringidas agora por uma extensão, cada vez maior, dos direitos sociais. Já se não vê na sociedade um mero agregado, uma justaposição de unidades individuais, acasteladas cada qual no seu direito intratável, mas uma entidade naturalmente orgânica, em que a esfera do indivíduo tem por limites inevitáveis, de todos os lados, a coletividade. O direito vai cedendo à moral, o indivíduo à associação, o egoísmo à solidariedade humana (1995:430-1).
Impossível negar a grandeza do pensamento de Rui Barbosa e que ele possuía preocupações sociais. Dizer que ele era liberal individualista, aos moldes da elite brasileira do "café-com-leite", não parece o correto.
2.2. RUI BARBOSA: LIBERAL OU SOCIALISTA?
E por falar ele abertamente na chamada "questão social", defendendo, inclusive, os direitos dos operários, muitos lhe tacharam de socialista.
Contra essa imputação, Rui Barbosa dizia que era partidário da "social democracia":
a minha democracia social é a que preconizava o Cardeal Mercier, falando aos operários de Malines ‘essa democracia ampla, serena, leal, e, numa palavra, cristã: a democracia que quer assentar a felicidade da classe obreira, não nas ruínas das outras classes, mas na reparação dos agravos, que ela, até agora, tem curtido’. (1995:431).
Suas idéias renovadoras incomodavam muitas pessoas. Num Brasil rural em que predominava a propriedade latifundiária – e toda a economia em torno dela –, a concentração de renda e profundas desigualdades sociais (cenário não muito diferente de hoje...), quem proferia discursos em defesa dos direitos sociais e coletivos certamente era considerado socialista. E os dirigentes do país, seguindo o modelo de um capitalismo liberal, temiam o avanço do socialismo e quem sabe até uma "revolução vermelha" por esses lados...
Mas Rui Barbosa pensava além de seu tempo. Não é que ele negasse a existência das diferenças de classe e das diferenças sociais, não! Ao contrário, propugnava pelo entendimento espontâneo da sociedade, pela colaboração mútua das classes, sendo o Estado o interlocutor e o garantidor do bem-estar.
Naquela época, já entendia Rui Barbosa que a fórmula de um modelo econômico capitalista-liberal de um lado, ou um modelo econômico socialista de outro, em nenhum deles poderia haver o bem-estar da sociedade. Um meio-termo, sim, seria a solução. E mais tarde viu-se, ao redor do mundo ocidental, o Welfare State.
Não é à toa que o jurista baiano se considerava social democrata. Não mais o liberal, num significado primitivo do termo; jamais um socialista.
2.3. AS RELAÇÕES DE TRABALHO E A INTERVENÇÃO DO ESTADO.
O que se viu até agora é que Rui Barbosa é um defensor destemido da justiça. Os seus ideais liberais, inspirados na Revolução Francesa, fizeram-no o grande jurista e defensor da abolição da escravatura. Do mesmo modo, sua formação humanista o fez o grande estadista e advogado da causa social brasileira, mais especificamente da causa dos trabalhadores, contrariando os interesses de seus inimigos políticos, os quais chamava de "inimigos da nação".
Como ele mesmo pregava,
às majestades da força nunca me inclinei. Mas sirvo às do direito. Sirvo ao merecimento. Sirvo à razão. Sirvo à lei. Sirvo à minha Pátria. São essas as que eu reconheço neste mundo (1995:424).
Rui Barbosa, acompanhando as tendências do mundo, talvez já prevendo o fracasso do liberalismo clássico e da ascensão de regimes socialistas, cedia espaço às idéias mais benévolas do socialismo. Aplaudia o que havia de são, de fraternal, de pacificador, aquilo que fazia a distribuição de riquezas e que tentava diminuir as desigualdades. Por outro lado, repugnava o socialismo devastador, o que tolhia as liberdades.
Até mesmo a Igreja Católica, temendo o avanço do socialismo, já havia editado a Encíclica Rerum Novarum, em 1891, como forma de se adotar uma postura de defesa do trabalhador e de uma maior humanização do trabalho.
Na relação entre capital e trabalho, Rui dizia que "o trabalho não é o castigo; é a santificação das criaturas. Tudo o que nasce do trabalho é bom". E por isso mesmo alertava que "já que do capital e da riqueza é manancial do trabalho, ao trabalho cabe a primazia incontestável sobre a riqueza e o capital" (1995:425).
Para concretizar a primazia do trabalho sobre o capital e para garantir a igualdade na relação entre o operário e o empregador, defendia Rui Barbosa a intervenção do Estado nas relações empregatícias. O contrato de trabalho em vez de ser de livre pactuação, como acontece no campo do direito privado, seria "amarrado" pela lei, com certas cláusulas inderrogáveis por vontade das partes. Esta seria uma solução para estabelecer o equilíbrio entre capital e trabalho, dada a notória hipossuficiência do trabalhador diante do empregador.
E assim Rui Barbosa pregava a intervenção do Estado nas relações obreiras, através do Direito do Trabalho, no qual
a liberdade absoluta dos contratos se atenua, quando necessário seja, para amparar a fraqueza dos necessitados contra a ganância dos opulentos, estabelecendo restrições às exigências do capital, e submetendo a regras gerais de eqüidade as estipulações do trabalho (1995:431).
Interessante lembrar que na segunda década do século XX, o Brasil ainda era um país essencialmente rural, possuindo pouquíssimas indústrias, quase nenhuma. Não havia um movimento obreiro organizado e expressivo. O que existia tinha pouca atuação. A maioria dos trabalhadores empreendia suas atividades nas plantações de café e de açúcar e se compunha essencialmente de descendentes de escravos ou de imigrantes europeus.
Na legislação pátria havia poucas disposições normativas que se reportassem ao trabalho. No restante do mundo, ao contrário, o movimento operário criava corpo e conquistava espaços, inclusive com a positivação de normas protecionistas nas Cartas Políticas. Exemplo disso é a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919. Naquele mesmo ano foi criada a OIT – Organização Internacional do Trabalho, pelo Tratado de Versalhes (Cf. POZZOLO, 2001:212).
Rui Barbosa, portanto, estava acompanhando as tendências do mundo, que pregavam um Estado mais intervencionista, protecionista e garantidor do bem-estar social. Na opinião de JOSAPHAT MARINHO sobre as idéias mais avançadas de Rui, relata que,
embora propugnasse a colaboração das classes, ou seja, o entendimento espontâneo, sabia que as desigualdades exigiam a presença do Estado, em garantia do equilíbrio social e econômico. Não era, pois, o liberal abstencionista, nem o ideólogo alheio à realidade e às suas contradições. Numa época de liberalismo aceso, ele descortinava os conflitos, e incluía na revisão constitucional – revisão e já não simples reforma – o necessário ‘para habilitar o poder legislativo a tomar as medidas que a questão social lhe reclama’ (2001:40).
Dentre essas medidas reclamadas estavam as de proteção ao trabalhador.
2.4. RUI BARBOSA E O DIREITO TUTELAR DO TRABALHO.
Reclamava Rui Barbosa uma intervenção maior do Estado, no sentido de equilibrar a relação entre capital e trabalho. Essa intervenção pleiteada se dava, sobretudo, com medidas protecionistas, através de uma legislação que regulasse o assunto, retirando a autonomia das partes, impondo algumas condições mais favoráveis de trabalho para os trabalhadores e certas obrigações para os empregadores. Evitavam-se, assim, os abusos que a classe obreira sofria e as péssimas condições de trabalho.
Como se sabe, o Direito do Trabalho surgiu primeiramente nos países mais desenvolvidos como fruto de reivindicação de melhores condições de trabalho, sobretudo condições de higiene e de segurança nos locais do labor. Era um forma de o Estado regular as relações de trabalho e garantir um bem-estar para a população.
Apesar de o Brasil, no final do século XIX e nas duas primeiras décadas do século seguinte, ainda ser um país essencialmente rural, com pouquíssimas indústrias e sem uma organização mais expressiva dos trabalhadores, mesmo assim Rui Barbosa estava à frente de seu tempo e já pregava as idéias protecionistas que sopravam pelo restante do mundo.
Queria sim Rui Barbosa uma maior intervenção do Estado, através de uma legislação protecionista, para garantir o bem-estar de uma crescente parcela da população que empreendia atividades remuneradas com subordinação.
Em plena campanha presidencial de 1919, Rui pleiteava essa participação do governo e se solidarizava com a massa de operários, que sofria em excessivas jornadas de trabalho, baixos salários e sem proteção à saúde física e mental.
Na sua conferência proferida em 20 de março de 1919, no Teatro Lírico do Rio de Janeiro, para uma platéia de operários, Rui Barbosa defendeu a construção de casas para os trabalhadores e uma menor jornada de trabalho, com certo limite de horas. No que diz respeito aos salários, queria Rui que fossem mais dignos e sem discriminação, inclusive com relação ao sexo e à idade. Ademais, quis uma maior proteção do trabalho da mulher e do menor. É o que se observa do seguinte trecho:
as fábricas devoram a vida humana desde os sete anos de idade. Sobre as mulheres pesam, de ordinário, trabalhos tão árduos quanto os dos homens; não percebem senão salários reduzidos e, muitas vezes, de escassez mínima. Equiparam-se aos adultos para o trabalho, os menores de quatorze e doze anos. Mas, quando se trata de salário, cessa a equiparação. Em emergências de necessidades, todo esse pessoal concorre aos serões. O horário, geralmente, nivela sexos e idades, ente os extremos habituais de nove a dez horas cotidianas de canseira (1995:436).
Não parou por aí. Propôs a criação de seguros obrigatórios para se garantir a reparação em caso de acidentes do trabalho; pugnou pela proteção à mulher grávida quando de sua gestação e após o parto; rechaçou os abusos da duração e remuneração do trabalho noturno entre outros direitos.
Vê-se, claramente, que o jurista baiano conhecia profundamente os problemas sociais do país e apresentava as suas idéias, as suas respostas a tais mazelas. O direito (do trabalho) que tutelasse a classe mais oprimida era uma das respostas que ele trazia.
A forma como tudo isso seria implementado dar-se-ia através de uma progressiva maturação da consciência dos trabalhadores, sem, no entanto, utilizar de violência ou de outros meios que ocasionasse a desordem social (Cf. JOSAPHAT MARINHO, 2001:43).
A criação de leis que tutelassem as relações empregatícias e a elevação de certos direitos e garantias dos trabalhadores ao patamar constitucional era outra forma de se implementar tais mudanças. E foi exatamente o que aconteceu logo depois, com a ascensão do Estado Novo e a criação da CLT.