Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Prejuízos, (in)constitucionalidade e soluções contra a prática de criação de contas em paraísos fiscais para fins fraudulentos

Exibindo página 1 de 3
Agenda 17/06/2009 às 00:00

Resumo: A abordagem do tema em estudo dar-se-á sob as perspectivas dos prejuízos gerados pela criação de contas e sua manutenção em paraísos fiscais com dinheiro oriundo de atividades ilícitas e com o fito de financiar operações fraudulentas, da constitucionalidade (ou não) de uma hipotética proibição – pela legislação brasileira – do envio de dinheiro para tais países como forma de iludir o Fisco e, por último, serão apresentadas sugestões de soluções para coibir essa prática. A luta contra os paraísos fiscais é primordial para o estabelecimento da igualdade socioeconômica. Com base na livre iniciativa e na legalidade, pode ser suscitada a inconstitucionalidade de lei que proíba transações com paraísos fiscais, porém a principal solução contra a tributação privilegiada oferecida nesses países é o próprio fim de seu regime, mas enquanto isso não ocorre podem-se implementar eficazes soluções paliativas.

Sumário: 1. Introdução; 2. Desenvolvimento; 2.1 Consequências prejudiciais, para o Brasil e para o mundo, da prática de criação de contas e envio de dinheiro oriundo de operações fraudulentas para paraísos fiscais; 2.2 (In) Constitucionalidade da proibição do envio de divisas para países de tributação privilegiada; 2.3 Soluções para inibir ou mesmo acabar com essa prática; 3. Considerações finais; 4. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Ao observar os constantes escândalos de fraudes e evasão fiscal, vê-se a expressão paraíso fiscal vinculada a quase todos eles. Os paraísos fiscais são nações que possuem tributação zero ou quase nula sobre aplicações em suas instituições financeiras. Oferecem ainda as vantagens do sigilo bancário praticamente inquebrável e não possuem rigor de apuração quanto à origem do dinheiro. Tais países, em geral pequenos e independentes há poucas décadas das antigas metrópoles, oferecem tais vantagens para atrair capital e investimento estrangeiros.

No Brasil, o contribuinte tem o direito de buscar, através do planejamento tributário, a forma de tributação mais vantajosa. Por outro lado, a evasão fiscal é uma prática ilícita, utilizada com o fim de iludir o fisco, que desta forma perde bilhões de reais que deveriam ser recolhidos aos cofres públicos para que retornassem à sociedade sob a forma de serviços e atividades de prestação obrigatória do Estado. Assim, deve-se atentar para o prejuízo desta prática, não devendo ser confundida com o planejamento tributário.

O artigo 22 da Lei n.º 11.727/2008 alterou o artigo 24 da Lei n.º 9.430/1996, no tocante ao conceito de paraíso fiscal. A nova lei amplia tal conceito, o que confere maior atuação à Receita Federal. Porém, a mera edição de leis é suficiente? Em um sistema burocratizado e emperrado pelo excesso de legislação, o contribuinte pessoa jurídica perde ainda mais, precisando adequar-se a centenas de normas tributárias, o que contribui bastante para a utilização da via escusa. Logo, é necessário repensar o sistema.

Diante de tal situação, questionam-se quais os prejuízos, para o Brasil e para o mundo, advindos da prática de criação de contas e envio de dinheiro para paraísos fiscais; se à luz da Constituição brasileira a possível proibição desta prática feriria o ordenamento jurídico interno; e quais as prováveis soluções que seriam eficientes e eficazes para coibir essa prática, tanto no Brasil quanto na esfera internacional.

Como objetivo geral, esta pesquisa destina-se a estudar a questão dos paraísos fiscais e sua tributação privilegiada; como objetivos específicos, o foco é tratar dos prejuízos que a evasão fiscal ocasiona para o Brasil e em nível internacional, se a eventual proibição dessa prática fere os dispositivos constitucionais e verificar se nos planos brasileiro e internacional há mecanismos que intimidem tal prática, se realmente funcionam e ainda sugerir algumas opções que poderiam ajudar nesse combate.

Com uma carga tributária que beira os 40% do PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil é o país de maior disparidade mundial em relação ao que arrecada e ao que efetivamente a sociedade recebe como contraprestação. A carga é compatível apenas com a de nações desenvolvidas, e o país perde bilhões todo ano, que deveriam estar nos cofres públicos, devido a causas diversas, tais como: corrupção, sonegação, lavagem de dinheiro, gastos inúteis, evasão fiscal, etc.

Em razão desta preocupação, tem-se o estopim do trabalho, que visa o estudo específico em relação à evasão de divisas para os paraísos fiscais e a busca por soluções viáveis, para que o dinheiro fique no Brasil para ser investido nos cidadãos e, desta forma, gerar menos desigualdades sociais inibindo as práticas fraudulentas, pois os empresários passarão a enxergar os benefícios de se investir no Brasil sem significativa perda financeira.

Os donos das contas criadas nos paraísos fiscais as colocam em nome de laranjas ou testas de ferro, que são pessoas sem vinculação direta com os burladores, tendo seus nomes utilizados com o intuito de despistar a fiscalização. Posteriormente, o dinheiro é retornado ao país para lavagem (para dar aspecto de legalidade) sob a forma de empresas fantasmas que, obviamente, não pagam tributos.

Num mundo globalizado e capitalista, nenhum país pode prosperar se ficar fechado para a entrada e saída de investimentos. As pessoas físicas ou jurídicas possuem o direito de dispor de seus bens e capitais, desde que obtidos licitamente, respeitando os direitos de terceiros e declarando tais operações à Receita Federal.

Após leitura da bibliografia, sugerem-se como soluções a prática de tributação mais maleável, de forma que se evite a procura por meios ilegais para escapar da pesada carga tributária; e fiscalizar, dar maior efetividade e aplicação prática à legislação existente.

A pesquisa a ser realizada será a do tipo bibliográfica, em virtude de os instrumentos de busca serem os meios textuais. A coleta dos dados dar-se-á por meio da leitura crítica do material levantado. Após análise e reflexão das informações, espera-se, ao final, encontrar respostas esclarecedoras para os questionamentos.


2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Consequências prejudiciais, para o Brasil e para o mundo, da prática de criação de contas e envio de dinheiro oriundo de operações fraudulentas para paraísos fiscais

Antes de tudo, convém que se defina o termo paraíso fiscal, para uma melhor compreensão acerca do problema. Esses locais são assim denominados porque neles não há qualquer intervenção estatal, economicamente falando, na seara tributária, não necessitando qualquer satisfação a ser dada sobre a origem e destino dos valores depositados. Desde que praticadas no âmbito internacional, as transações realizadas não são objeto de qualquer tributação no paraíso fiscal e, quando o são, é uma alíquota irrisória. Para que uma nação seja enquadrada como de tributação privilegiada, devem ser atendidos os seguintes requisitos: tributação zero ou praticamente nula, segurança política que gere a garantia do não confisco do dinheiro estrangeiro, indiferença de tratamento aos investimentos estrangeiros em relação aos dos residentes, a ausência de qualquer forma de controle cambiário e sigilo fortemente guardado, através da não cooperação em relação à troca de informações fiscais e financeiras. [01]

É basicamente o que se pode definir de paraíso fiscal, tendo em mente que não há conceituação fixa ou fechada a respeito da matéria. Mais um aspecto que convém esclarecer é que, ao contrário do pensamento da grande maioria das pessoas, o paraíso fiscal não foi criado com o fim exclusivo de servir de esconderijo para quantias volumosas auferidas em atividades inescrupulosas. Nem tudo o que lá está investido é ilegal, ao contrário. Muitas pessoas físicas e jurídicas possuem contas nessas instituições, mas não infringem qualquer norma legal nem caracterizam ilícito penalmente punível. Porém, no intuito de esconder o dinheiro sujo e não acertar as contas com a justiça e com o fisco, outros tipos de investidores utilizam esses países para mascarar uma realidade completamente diversa.

O Brasil possui carga tributária que beira os 40% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, o que por si só gera enorme discrepância, ainda mais levando-se em consideração que carga semelhante só é aplicada em países desenvolvidos, que apesar da alta arrecadação retornam o investimento da sociedade sob a forma da prestação de todos os serviços de obrigação estatal, como saúde, educação, segurança pública, etc. Mais do que prestar esses serviços, as nações desenvolvidas os prestam com qualidade, o que faz com que o cidadão sinta-se feliz e satisfeito em contribuir para o Estado. O mesmo não se pode afirmar do Brasil, único país no mundo a cometer a injustiça de apresentar tributação excessiva em nível de primeiro mundo e contraprestação de terceiro mundo.

Segundo estudos feitos por profissionais da área, a unanimidade admite que a carga tributária brasileira deveria atingir, no máximo, o percentual de 27,5% do PIB, que seria o suficiente para que o Estado cumprisse com eficiência suas obrigações perante os cidadãos. [02]

Argentina e México, por exemplo, que são parecidos com o Brasil no tocante à eficiência da prestação estatal e renda per capita dos cidadãos, apresentam tributação em torno de 15,3% e 18,3%, respectivamente. Entre as nações mais desenvolvidas do mundo, Japão e Estados Unidos arrecadam, respectivamente, 21% e 29,7%. Ou seja, países que efetivamente cumprem seus deveres perante seus residentes arrecadam bem menos que o Brasil. Isso não quer dizer, porém, que não haja evasão fiscal de divisas provenientes de países desenvolvidos para os paraísos fiscais, também chamados de tax havens. Na Alemanha, por exemplo, estima-se que um valor aproximado entre 400 e 500 bilhões de euros estejam em contas de paraísos fiscais, o que gera, para esse país, considerado o mais rico da Europa na atualidade, diminuição entre 10 e 15 bilhões de euros na arrecadação. [03]

Então, diante dos fatos acima arrolados, são inevitáveis os questionamentos: por que, com a arrecadação brasileira, não se tem condições de se ter uma estrutura de país de primeiro mundo? O que acontece com o produto de tamanha arrecadação, que em sua grande parte não chega até os brasileiros, em especial os mais necessitados? Valem estas questões para reflexão e cobrança em relação às autoridades nacionais. Este trabalho não tem a pretensão de encontrar todas as respostas possíveis a tais perguntas, porém hão de serem levantadas algumas razões que contribuem para sua resposta.

Para começar, a voraz carga tributária brasileira afasta investidores, tanto nacionais como estrangeiros. Deve-se ainda atentar para a intrincada burocracia e excesso de legislação aos quais os contribuintes devem se submeter. Para se ter uma ideia do entrave do sistema, desde 1988 (ano do advento da Constituição brasileira vigente) foram editadas aproximadamente 3,7 milhões de normas atinentes ao campo da tributação. Foram ainda realizadas 13 reformas tributárias, e o projeto de uma 14ª encontra-se atualmente em tramitação.

Hoje em dia as empresas devem adequar-se e estar no cumprimento de nada menos que 3.200 normas tributárias, fato que gera insegurança entre a classe empresarial, afora o receio de que pode estar, a qualquer momento, infringindo qualquer dessas normas. Afinal, até para um profissional dedicado exclusivamente à área é impossível possuir o total conhecimento de todas essas normas, quanto mais para os empresários.

Diante desse quadro inseguro, burocrático, afogado tanto em normas quanto em tributos, encontra-se um contribuinte altamente onerado que, para escapar de tudo isto, alguns deles opta, ou num ato de desespero ou pela mera vontade deliberada de lucrar 100% ou o máximo que puder, pela via escusa da evasão para paraísos fiscais. O fato é que, quanto mais o Estado externa sua voracidade arrecadatória, mais evasão haverá, e o que torna o exterior atraente para os correntistas de financeiras em paraísos fiscais são, segundo Harada [04], as "[...] moedas fortes, estabilidade econômica e política, isenções tributárias ou reduções de impostos, segurança, sigilo e privacidade nos negócios, liberdade de câmbio, economia de custos administrativos e eventual acesso a determinados tipos de financiamento internacional, a juros baixos."

Acontece, porém, que o recente cenário mundial de crise econômica, que teve como gota d’água o boom imobiliário norte-americano, tem forçado as nações a rediscutir os rumos das questões atinentes à evasão fiscal e aos paraísos fiscais. No próximo dia 02 de abril haverá uma reunião do G-20 (grupo composto pelos oito países mais ricos do mundo e os principais emergentes, entre eles incluído o Brasil) que deverá decidir um caminho satisfatório para essa questão, conforme será relatado com mais vagar na seção 2.3 deste trabalho. Medidas em caráter emergencial precisam ser tomadas pelas autoridades de cada nação para tentar minimizar ao máximo as perdas, ainda mais neste período crucial pelo qual passa a economia.

Conforme o exposto até agora, no caso brasileiro, a tributação exagerada e demais entraves legais fazem com que a evasão cresça em níveis alarmantes, mas o que também motiva a criação e manutenção de contas em paraísos fiscais são razões de cunho ilícito, responsáveis pela maioria dos investimentos existentes nestas instituições, como em Mônaco e Liechtenstein, onde o sigilo é tão forte que não há cooperação destes países para com investigações de autoridades fiscais. Entre as razões ilícitas acima mencionadas, abre-se uma conta em um país desses para esconder dinheiro sujo, oriundo de desvio de verbas, corrupção, sonegação fiscal, tráfico de armas e de entorpecentes, prostituição, jogatina, suborno, contrabando, além do terrorismo, financiado basicamente pelo dinheiro dos países árabes.

A legislação pátria chama os paraísos fiscais de países com tributação favorecida. Esse favorecimento foi trazido com a globalização econômica que, por sua vez, traz os problemas da dupla tributação e da evasão de tributos, fatores altamente prejudiciais para a justiça tributária e as relações internacionais, gerando barreiras para os investimentos e o comércio exterior, consequentemente, para o desenvolvimento das nações no que tange aos mais variados aspectos. [05]

A lavagem de dinheiro, prática de consequências mundialmente devastadoras e de freqüente ocorrência no Brasil, é um desafio a ser enfrentado, por corromper o alicerce sobre o qual se assenta a democracia, a igualdade e a soberania nacional. É um crime que sempre deságua no oceano dos paraísos.

Para se ter uma ideia da amplitude da questão, o jornalista americano Nicholas Shaxson, autor do livro Poisoned Wells, The Dirty Politics of African Oil (Poços Envenenados, a Política Suja do Petróleo na África) [06] afirmou que a corrupção africana desvia receitas para paraísos fiscais, quando deveriam ser investidas em seus países, tendo em vista que o continente é o mais pobre de todos e necessita de um esforço além do normal para que seus habitantes, que muitas vezes nem água potável possuem, consigam viver dignamente.

Ainda segundo Shaxson, a regulamentação intensa e o controle dos paraísos fiscais são requisitos primordiais para que possa ser praticado um eficaz combate às políticas corruptas. Atualmente os paraísos fiscais são utilizados como caixa dois dos mais ricos do mundo. O caixa dois é uma expressão largamente usada para designar o dinheiro que é conseguido informalmente, apartado dos rendimentos auferidos na prática da atividade comercial; é o dinheiro que não é incluído na contabilidade, como se não houvesse sido ganho.

Estando-se passando pela zona turbulenta de uma crise econômica, não é justo que milhões de pessoas ao redor do mundo, de nações tanto pobres quanto ricas, percam seus empregos, enquanto uma minoria detentora dos mais altos poderes aquisitivos do mundo fuja da obrigação de ajudar a custear o Estado, que posteriormente tem o dever de cuidar de seus cidadãos. Na prática, basicamente o que acontece no Brasil é que a máquina estatal é sustentada pela grande massa trabalhadora assalariada, pela classe média e pelas pequenas e médias empresas, enquanto as grandes fortunas e corporações encontram-se intactas em algum paraíso fiscal. A verdade é que, se todos cumprissem suas obrigações tributárias, tendo respeitada a capacidade contributiva de cada indivíduo, o encargo pessoal para cada um seria aliviado.

Ora, a situação está em proporção tal que 50% do dinheiro que o Brasil envia para o exterior migra para paraísos fiscais, segundo dados coletados pelo Banco Central em relação ao exercício de 2006. O país é o quarto emergente que mais investe no exterior, e essa posição facilita a escapatória do dinheiro para paraísos fiscais. Ainda em relação ao exercício de 2006, estimou-se um aumento de 55% do montante transferido para os países de tributação privilegiada, que no período correspondeu tal fatia a 75,7 bilhões de dólares. [07] Sem dúvida esse valor encontra-se consideravelmente maior.

Outro problema bastante presente na realidade brasileira é o da informalidade. Aproximadamente 50% dos trabalhadores das cidades atuam informalmente, movimentando cerca de 40% da renda nacional bruta. A pirataria de produtos licenciados encontra seu respaldo na informalidade, tendo em vista que aproximadamente 42% de população admitiu consumir produtos falsificados em 2007, sem falar que estes não são números absolutos, levando-se em consideração que muitas pessoas consomem tais produtos e trabalham com sua comercialização e venda, mas não admitem por medo de sofrerem as sanções penais e civis. [08] Dentre os produtos consumidos, o número um são os CDs e DVDs piratas, além de softwares, jogos eletrônicos, tênis, camisas oficiais de times de futebol e outros esportes e roupas de marcas famosas, óculos de sol, bebidas, cigarros, etc. O prejuízo gerado por estes produtos vai além do financeiro, podendo ocasionar sérios danos à saúde de seus consumidores.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

As atividades informais representam sérios problemas para a economia do país, tendo em vista que as pessoas que ganham a vida nessas atividades não pagam qualquer tipo de tributo, tornando-se, assim, prática tão perniciosa quanto a da evasão fiscal.

Desde o século XVIII o liberalismo trazia em seu bojo valores de mercado como a ampla circulação de capital e de trabalho, motores do capitalismo. O valor do trabalho, a partir da Revolução Industrial até os dias de hoje, tem sofrido crescente abalo, em virtude da mecanização das tarefas, e literalmente máquinas vêm substituindo seres humanos. O campo econômico, por sua vez, cresceu em níveis surpreendentes, e os paraísos fiscais foram assumindo posição importante nessa dinâmica. Isso porque proporcionam livre mobilidade ao capital, ao mesmo tempo em que estão fora do alcance das fiscalizações fiscais e financeiras, devido ao resistente sigilo conferido pelas instituições financeiras locais.

Em relação aos sérios problemas internacionais que os países de tributação privilegiada proporcionam, convém lembrar os atos de terrorismo, que ganharam destaque e preocupação mundiais a partir de 11 de setembro de 2001, quando dois aviões colidiram com as torres gêmeas em Nova Iorque. Muito dinheiro que se encontra em contas nos paraísos serviu e ainda vai servir para financiar ataques terroristas, o que agrava seriamente a situação.

Em nível mundial estima-se que em média metade da circulação comercial aloje-se nesses paraísos, e que aproximadamente um terço do PIB mundial, valor que corresponde a mais ou menos 11 trilhões de dólares, circule sob a forma de ativos offshore, segundo dados do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal. As empresas moldadas como offshore companies são aquelas assentadas em paraísos fiscais, para administrar bens e valores lá depositados, ocultando suas origens. Tais empresas possuem registro em cartórios tão somente para conferir roupagem legal e dar credibilidade aos seus negócios no exterior. Este tipo de empresa não está vinculado a exibir o histórico de suas operações financeiras para as autoridades fiscais do país onde estiver registrada, e consequentemente, não há a incidência de tributos. A contabilidade das offshore normalmente é realizada em outros países, para afastar as suspeitas para a real finalidade da lavagem de dinheiro. [09]

É o processo denominado lavagem de dinheiro que sonegadores utilizam para ocultar as evidências de suas práticas e evadir-se das obrigações tributárias. Comumente, para possibilitar a lavagem de dinheiro, os fraudadores fazem uso de contas bancárias em nome de pessoas não residentes no paraíso fiscal. São os chamados laranjas ou testas de ferro. [10] Com regras rígidas de proteção aos seus correntistas e aos dados bancários deles, torna-se praticamente impossível enfrentar a burocracia da quebra de informações dessas contas.

Após a CPI do Banestado, atribuiu-se aos doleiros o papel de protagonistas da lavagem de dinheiro e evasão fiscal. No Brasil, as leis nº 9.613/98 e 7.492/86 criminalizam estas práticas. Com o advento da Constituição da República, em 1988, muitos doleiros e agiotas conseguiram cumprir os requisitos necessários à legalização e montaram bancos e financeiras. Os que, porém, não conseguiram se encaixar na legalidade também organizaram suas financeiras, só que, principalmente, nos paraísos fiscais. [11]

A partir da década de 90, depois de proibidas as operações clandestinas, os doleiros passaram a montar empresas offshore. Para dar aspecto de legalidade a estas instituições, o Banco Central brasileiro denominou-as instituições financeiras internacionais. Estas financeiras eram, na verdade, fantasmas, ou seja, existiam, como ainda existem, somente nos registros cartorários dos paraísos fiscais. [12]

Para o estabelecimento de uma justiça social e tributária mais efetiva não precisaria muito. De forma a cumprir as metas da ONU - Organização das Nações Unidas para 2015 (entre elas a redução da pobreza em 50%) bastaria taxar em 0,5% os ativos que circulam hoje pelo mundo nas contas mantidas em paraísos fiscais. Por movimentarem enormes volumes de capital, inclusive devido à corrupção historicamente enraizada, a receita dos países pobres e os em desenvolvimento é levada para nações ricas, por intermédio das aplicações em paraísos fiscais. [13]

Dentre os motivos que levam à evasão de vultosas quantias para os paraísos fiscais destacam-se o receio provocado por mudanças na estrutura dos governos, o medo de que o valor lhe seja confiscado, a fuga ao cumprimento das obrigações perante credores, até mesmo motivados pelo próprio planejamento fiscal, a ser melhor definido na seção 2.2.

Após toda a explanação, deve-se atentar para o fato de que a luta contra a evasão e os paraísos fiscais é fundamental para a plena realização da justiça fiscal e social, bem como para acabar com a diferença gerada pela competitividade internacional, onde uns ganham e outros são profundamente prejudicados. Essa luta, contra as injustiças e prejuízos gerados pela aplicação de dinheiro oriundo de práticas ilícitas, deve ser uma das prioridades dos governos de cada nação, a fim de que as desigualdades sociais e fiscais sejam eliminadas ou, pelo menos, diminuídas consideravelmente.

2.2 (In) Constitucionalidade da proibição do envio de divisas para países de tributação privilegiada

nesta seção do desenvolvimento da pesquisa tratar-se-á da possibilidade ou não, segundo sua compatibilidade com a Constituição brasileira, de haver dispositivo legal que proíba o envio de dinheiro para paraísos fiscais, na intenção de não cumprir as obrigações perante o fisco. Também serão comentados, em linhas gerais, os principais dispositivos já existentes na legislação brasileira referentes à evasão, sonegação, elisão, e demais disposições pertinentes ao tema. Como se está passando por uma grave crise econômica no mundo inteiro, e tendo em vista todo o histórico de escândalos de corrupção protagonizados pelo Brasil, deve-se refletir se uma lei que proíba esse envio de dinheiro seria na prática e constitucionalmente viável.

A Lei nº 9.613/98 surgiu para trazer um avanço que, ainda que pequeno, é de grande valia. Mencionada lei transformou a lavagem de dinheiro em crime, porém não trata da sonegação, objeto de outro diploma legal. Criou também o COAF – Conselho de Controle de Atividades Financeiras, órgão vinculado ao Ministério da Fazenda. Logo, desde que foi criado, há 11 anos, o COAF absorveu a competência de identificar o rastro de movimentações duvidosas, antes atribuição pertencente ao Banco Central.

Hoje funciona desta forma: as próprias instituições financeiras são responsáveis por encaminhar o histórico das movimentações suspeitas para o COAF. Essa transição de competências fez com que os processos ficassem estagnados e dificultou a apuração de novos casos. Além disso, essa medida trouxe mais uma complicação, pois muitas financeiras não repassam as informações ao COAF, muitas vezes até cooperando e acobertando determinados clientes no sentido de não repassar as informações. [14]

Ainda hoje vislumbram-se várias falhas legislativas, por exemplo, em relação à falta de penalização do caixa dois, já conceituado em um momento anterior. Quem comete esse crime leva, no máximo, uma multa que, uma vez paga, extingue plenamente a punibilidade, sendo assim determinado pelo disposto no artigo 24 da Lei nº 9.249/95. Isto não seria considerado uma punição de fato, tendo em vista que, ao cometer uma ilegalidade desse porte, bastaria a esse contribuinte, pessoa jurídica, realizar o pagamento que já estaria livre de qualquer outra forma de punição. Um dispositivo desse não inibe de forma alguma a prática, necessitando com urgência que se tomem medidas mais rigorosas para um combate efetivo e bem sucedido dessas fraudes contra o fisco e contra a sociedade.

Para tentar conter o avanço da informalidade e seus prejuízos, discutidos na seção anterior, o governo tem criado formas de tributação mais simplificadas, como o Super Simples, para servir de atrativo para empresários de menor porte legalizarem-se.

Com todas essas medidas era de se imaginar que o governo caminhava no sentido de adotar uma postura mais rígida no combate à informalidade e à evasão. Contudo, um sonegador que for preso é condenado a, no máximo, cinco anos de reclusão e, se ele pagar o valor evadido mais atualizações monetárias, terá o crime elidido. Além dessa frouxidão legislativa, são concedidas muitas anistias tributárias, tornando tudo mais fácil e atraente para quem pratica o crime. [15]

O Brasil não proíbe que sejam criadas e mantidas contas em financeiras localizadas em paraísos fiscais, mas há a obrigação de inclusão das operações nas declarações anuais do imposto de renda. Ainda há necessidade de que os valores sejam obtidos como fruto de atividades lícitas e que sejam devidamente tributados conforme a legislação pátria, [16] que admite uma nação como paraíso fiscal se ela não tributar de forma alguma ou se atingir uma alíquota de até 20% sobre a renda. [17]

Desde 2003 as offshore ficaram obrigadas à inscrição no CNPJ – Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, e em 2005 foi proibido o envio de divisas para tais instituições. Ninguém pode ser obrigado a escolher a via tributária mais vantajosa para o fisco. Assim, a norma anti-elisiva inserida no parágrafo único do artigo 116, em seu parágrafo único, do Código Tributário Nacional fere o direito que o contribuinte tem de poder fazer seu planejamento tributário. Não pode haver confronto com a lei tributária, mas se pode fazer algo não normatizado na legislação, pois "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" [18], em razão do princípio constitucional da legalidade.

O governo, ao invés de combater o problema, cria sempre mais normas, que muitas vezes são ineficazes, caem em desuso ou oneram excessivamente o contribuinte escrupuloso. Assim, os direitos do cidadão são infringidos sem que se ponha em prática uma solução que funcione, afinal infelizmente no mesmo local onde cai o dinheiro lícito cai o dinheiro sujo, e o forte sigilo bancário nos paraísos fiscais torna impossível a fiscalização.

Enquanto é decidido o rumo da questão atinente aos paraísos fiscais, é inevitável refletir a respeito do seguinte questionamento: é possível, tendo por base o ordenamento jurídico brasileiro, criar uma lei que resolva a questão em definitivo, proibindo qualquer tipo de transação com financeiras de paraísos fiscais? Poder até pode, mas esse suposto projeto de lei encontraria dificuldades para definir as questões com precisão (inclusive o próprio conceito de paraíso fiscal), sem falar que com certeza seria ingressada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade fundamentada, dentre outros princípios, no da livre iniciativa, consagrado no artigo 170 da Constituição.

O contribuinte é livre para escolher a forma de tributação que represente menos prejuízo para si e para seus negócios. Isto é chamado de planejamento tributário, perfeitamente lícito, sendo uma forma de elisão tributária. Porém, a doutrina não é uniforme com relação aos conceitos de elisão e evasão fiscais.

Machado, por exemplo, é um autor que tem linha de pensamento em sentido diferente e admite que elisão e evasão são palavras equivalentes, utilizadas para designar, em sentido amplo, uma escusa ao tributo, tanto faz se for lícita ou ilícita; e em sentido estrito sempre externarão uma conduta ilícita. [19]

Contudo, para efeito deste trabalho, foi decidido manter o entendimento de boa parte da doutrina, como Coêlho, Amaro, Brazuna, Carvalho, Ferragut e Huck. Segundo eles, a elisão é uma conduta lícita, por ocorrer antes da incidência do tributo, encontrando-se o contribuinte fora da cobertura da norma ou, no mínimo, diminuir o valor a ser pago. A evasão, por sua vez, caracterizaria a completa ilicitude, praticada através de fraude, sonegação ou simulação. [20][21]

Ainda segundo Coêlho, na evasão as formas empregadas para se atingir o objetivo serão sempre ilícitas; já a elisão será sempre lícita, tendo em vista que não foi defesa pelo legislador. Para que seja configurada a evasão há que ser observado se a conduta praticada foi de sonegação (ocultação), fraude (má-fé, engano) ou simulação (quando o agente finge o inexistente, será absoluta; quando é praticado um ato com o objetivo de ocultar outro, será relativa, também chamado de dissimulação). [22]

No Brasil, a primeira lei a tratar de situações atinentes aos paraísos fiscais foi a de nº 9.430/96. O artigo 24 do referido diploma, em seu caput estabeleceu o critério a ser verificado para saber se determinado país deve ou não ser enquadrado como paraíso fiscal: será configurado como de tributação privilegiada o país que não tribute de forma alguma ou aquele que, caso venha a fazer incidir tributo sobre a renda, aplique-lhe alíquota não superior a 20%. A Receita Federal, por intermédio de sua Instrução Normativa nº 188/2002, elencou um rol de 53 países enquadrados nesta categoria. Porém, crê-se que em breve esta lista seja atualizada, conforme explanação a ser desenvolvida na seção 2.3.

A Lei nº 10.451/2002, em seu artigo 4º, estabeleceu igual forma de tratamento legal entre preços de transferência e as operações efetuadas com nações protetoras do sigilo quanto à estrutura das sociedades, pessoas jurídicas, como atenta Cavalcante. [23]

Ainda para sustentar que não é proibido usufruir dos benefícios dos paraísos fiscais, pelas normas brasileiras, afirma Cavalcante que "a lei traça os contornos para sua caracterização, estabelece instrumentos para a tributação na fonte de valores creditados a estabelecimentos situados em paraísos fiscais, sem vedar, em nenhum instante, a sua utilização". [24]

No planejamento tributário vislumbra-se a mesma situação, ou seja, a legislação brasileira não proíbe, mas também não fala que permite. Logo, criou-se o instituto a partir de uma brecha, de uma lacuna legislativa. Como somente é permitido a alguém agir ou deixar de agir devido a uma norma que expressamente permita ou proíba determinada conduta, resta então concluir que o planejamento tributário não é atividade ilícita, uma vez que não é atingido o ordenamento jurídico interno. Portanto, a conduta de buscar a forma menos onerosa de satisfazer as próprias obrigações tributárias encontra respaldo no princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição de 1988.

De tal forma é que, tendo uma vez optado pelo caminho da elisão e do agir sem qualquer violação ao sistema legal, não é o contribuinte obrigado a diminuir mais de seu patrimônio para satisfazer uma interpretação mal feita e violadora do constitucionalmente previsto. No sentido de reforçar a tese da inconstitucionalidade da norma anti-elisiva, tem-se a opinião doutrinária de Martins, conforme o explanado logo a seguir.

O autor retro citado sustenta a insegurança gerada pelo parágrafo único do artigo 116 do CTN, levando-se em consideração que, em virtude desse dispositivo, "[...] nenhum contribuinte terá qualquer garantia, [...], pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, à luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma ‘brecha legal’ para pagar menos tributos [...]" [25], o que acaba gerando a prevalência da opinião do agente fiscal sobre a própria lei.

No que se refere ao sigilo bancário a Lei Complementar nº 105/2001 permite sua quebra somente em caso de suspeita de ocorrência de conduta ilícita, e apenas por algumas autoridades, não sendo toda e qualquer autoridade apta a solicitar essa quebra. Esse sigilo não é absoluto tendo em vista que a Constituição e o Código Tributário Nacional admitem o acesso aos dados do contribuinte (art. 145, § 1º, CF/88) e o dever de prestação de informação por parte dos bancos, mediante ordem judicial (art. 197, II, CTN). A referida lei complementar, em seu artigo 5º, prevê que as financeiras prestarão informações acerca das movimentações de seus clientes, conforme a necessidade, e fornecerão os nomes de seus titulares e os valores movimentados ao mês. [26]

Ainda tendo por base o artigo 145, § 1º da Constituição, entende Paulsen que, com respaldo nesse dispositivo, a LC 105/2001 não fere o ordenamento constitucional. Porém, complementa o autor que "simples lançamento a crédito constante de extrato bancário atinente a pessoa física [...] é insuficiente para ensejar a tributação". [27]

O acesso às informações do contribuinte para fins fiscais é, assim, reputado constitucional, em razão de que "[...] o sigilo bancário só tem sentido enquanto protege o contribuinte contra o perigo da divulgação ao público em geral, nunca quando a divulgação [...] é para as autoridades administrativas competentes [...]". [28] O que o direito ao sigilo não pode é admitir "[...] que sonegadores, traficantes, corruptos tenham o direito de esconder do Fisco seus reais rendimentos [...]". [29]

Assim é que o Fisco, quando acessa dados de operações financeiras não está atropelando os preceitos constitucionais nem os direitos fundamentais, tendo em vista que as informações não vazam detalhes de foro íntimo, por serem meros números, além do mais, não há divulgação pública, ficando restritas somente à autoridade competente ao seu exame.

O que, de fato, não é permitido é o acesso arbitrário dos dados de clientes bancários, e caso isso aconteça, a pessoa lesada tem o direito de propor a cabível ação judicial para reparar o dano sofrido. Somente se permite a quebra do sigilo quando a requisição para tal for devidamente fundamentada, se houver prevalência do interesse público sobre o privado que justifique tal medida, e desde que haja autorização judicial prévia. Nesse sentido, manifestou-se Scaff [30] e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, através do julgamento do AMS 2001.38.00.015834-6/MG, por decisão da 4ª Turma daquele órgão, por unanimidade, proferida em maio de 2003, tendo como relator o Desembargador Federal Hilton Queiroz.

Ainda em relação ao assunto corrente, vários julgados sustentam a tese de não haver ferimento à Constituição quando da quebra do sigilo por requisição fiscal. Nesse sentido, temos: STF, Plenário, MS 23.452/RJ, rel. Min. Celso de Mello, set/99; TRF4, 2ª T., un., AMS 2000.70.00.021311-3/PR, rel. Des. Fed. Vilson Darós, mar/02; TRF4, 2ª T., maioria, AI 2001.04.01.056045-6/PR, rel. Vilson Darós, set/01; TRF4, 2ª T., un., AMS 2003.70.00.012284-4/PR, rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, dez/03; TRF4, Primeira Seção, maioria, EIAC, 1999.04.01.109029-3/RS, rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, set/02; TRF4, 1ª T., un., AgAI 2002.04.01.012785-6/RS, rel. Des. Fed. Wellington M. de Almeida, mai/02; e TRF4, 2ª T., maioria, AMS 2001.70.00.014692-0/PR, rel. p/ o acórdão Des. Fed. Vilson Darós, set/02. [31]

Também, podem fazer uso da prerrogativa de requisição de informações as CPIs – Comissões Parlamentares de Inquérito, por força do artigo 58, § 3º da Constituição, como bem lembra Amaro. Deve-se salientar que o pedido de informações deve ser devidamente motivado, conforme anteriormente mencionado e ratificado pelo Supremo Tribunal Federal (Plenário, MS 24.749, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 04.11.2004).

Com a edição da Lei Complementar nº 104/2001, pretendeu o governo tentar acabar ou inibir a elisão lícita, é claro, para poder passar a arrecadar mais. Por isso, a norma constante no parágrafo único do artigo 116 do CTN é chamada de norma anti-elisiva, justamente por combater a prática lícita.

Ora, viu-se há pouco que o uso dos paraísos como ferramentas viabilizadoras do planejamento tributário não viola a legislação pátria. Logo, não há razão de existência para a norma anti-elisiva, confusa e passível de interpretações drásticas. Afinal, "indiretamente existem alguns obstáculos para a remessa de capitais para o exterior, como a tributação na fonte destes, aliados à burocracia para o envio dos valores através do Banco Central do Brasil". [32]

Ninguém pode culpar o empresário porque ele escolhe o caminho mais vantajoso para si, no cumprimento de suas obrigações tributárias. Nada mais reflete do que um mandamento da atividade comercial e do próprio capitalismo, que é maximizar os lucros e minimizar as perdas ou prejuízos. Se a atividade caminha de acordo com a lei, por que prejudicar esse contribuinte? Devem ser pensados e criados mecanismos que punam severamente ou que dificultem ao extremo a evasão dolosa eivada de ilicitude.

Quando uma nação se molda para virar um país de tributação privilegiada, conforme nomenclatura dada pelo legislador brasileiro, essa nação está buscando, frequentemente, atrair investimentos estrangeiros. Em geral, a grande maioria deles é subdesenvolvida, muitas vezes colônias recém independentes das antigas metrópoles. Um país não decide virar paraíso de um dia para o outro, mas sim almeja receber cada vez mais investimentos para que consiga viabilizar seu desenvolvimento, através do crescimento econômico.

Bons exemplos da situação acima discorrida são as ilhas do Caribe, como Aruba e Bahamas, assim como o Uruguai, na América do Sul, e seu badalado complexo turístico e hoteleiro de Punta Del Este. O crescimento pelo qual têm passado essas e outras localidades tornou-se possível devido aos seus regimes tributários, basicamente. Afinal, quem vai investir num país altamente burocrático e que cobra pesadíssimos encargos fiscais se existe a possibilidade de injetar o dinheiro em países desonerados no todo ou em quase todos os encargos? A verdade é que aqueles países são verdadeiros paraísos não apenas fiscais. Viraram luxuosos, caros e atraentes destinos de viagens, fomentados pelas aplicações bilionárias.

Planejamento tributário é, segundo Souza, "[...] o conjunto de condutas, comissivas ou omissivas, da pessoa física ou jurídica, realizadas antes ou depois da ocorrência do fato gerador, destinadas a reduzir, mitigar, transferir ou postergar legalmente os ônus dos tributos". [33] Na fase inicial deste procedimento, como o próprio nome nos informa, são realizados estudos por profissionais diversos ligados às áreas tributária e econômica, de forma que, ao final deste estudo, chegue-se a uma conclusão e tracem-se planos para que o contribuinte possa solver sua obrigação sem maiores perdas patrimoniais. Completa Souza que "conquanto o objetivo seja econômico, as condutas devem ser lícitas (admitidas pelo ordenamento jurídico), dando-se antes ou após a ocorrência do fato imponível". [34]

A Lei Complementar nº 104/2001 nasceu para confundir o contribuinte. Para começar, deu-se à elisão o mesmo status de evasão, sendo que a elisão pressupõe um planejamento tributário legal, ao contrário da evasão, conforme comentado exaustivamente em momentos anteriores, que tem como pressuposto a prática de condutas ilícitas, visando a enganar a administração tributária, para não efetivar o pagamento dos tributos.

A elisão encontra assento no artigo 150, inciso III, alínea b, da Constituição, no chamado princípio da anualidade. Já a evasão encontra-se normatizada na Lei nº 8.137/90. As situações não abrangidas no âmbito da incidência do tributo são passíveis de cobrança. Em virtude, ainda, do princípio da legalidade, só se pode obrigar o contribuinte a utilizar determinada via em virtude de dispositivo legal expresso.

Conforme dito anteriormente, a norma anti-elisão é inconstitucional por ir de encontro aos direitos fundamentais, ainda mais porque, quando da edição daquela norma, não foram previstas limitações em seu conteúdo. Em outras palavras, "[...] pode ser invocada em qualquer circunstância, por qualquer agente fiscal, sob a mera alegação que o contribuinte, ao praticar determinada operação pretendeu pagar menos tributo". [35] Por isto, a edição da LC nº 104/2001 representou enorme arbitrariedade por parte do governo, além da confusão gerada em torno da interpretação dessa norma.

Além do mais, para concluir a questão no âmbito desta pesquisa, a norma anti-elisiva é ainda inconstitucional tendo por base o artigo 60, parágrafo 4º, inciso IV, da Constituição, que afirma que não poderá ser objeto de emenda constitucional matéria que implique na abolição de direitos e garantias individuais fundamentais, conforme ensina Machado. [36]

2.3 SOLUÇÕES PARA INIBIR OU MESMO ACABAR COM ESSA PRÁTICA

Fundamental para a solução do problema da evasão de divisas advindas de atividades ilícitas é que os Estados reconheçam a existência de problemas internos que fomentam a evasão, como a corrupção, falhas legislativas, as pesadas cargas tributárias, e tudo o que foi explanado na seção 2.1 do trabalho.

O imposto de renda brasileiro apresenta primordial função fiscal, tendo em vista que representa a principal e mais expressiva arrecadação nacional. Além do mais, devido ao princípio da capacidade contributiva, o imposto assume importante papel sobre a circulação das riquezas, ainda mais num país tão cheio de contrastes regionais e socioeconômicos como o Brasil. Dessa forma, possui também fundamental função extrafiscal, na medida em que representa "[...] instrumento de intervenção do Poder Público no domínio econômico". [37]

Perante o atual quadro de crise econômica em proporções mundiais, faz-se necessário que as nações se unam para um combate mais efetivo e eficaz. É fundamental haver a cooperação internacional, principalmente por parte dos paraísos fiscais, no sentido de colaborarem com as fiscalizações, através da "[...] relativização dos sigilos bancários e fiscais". [38] Aos poucos, muito devagar ainda, isso vem acontecendo, e países de rigoroso sigilo bancário e fiscal, como a Suíça, têm colaborado nas investigações solicitadas por outras nações, quando da suspeita de práticas ilegais. [39]

O fato da preservação do sigilo fiscal dos contribuintes brasileiros não gera empecilhos para que a Fazenda, ao ser provocada pelo Poder Judiciário, preste as informações necessárias aos interesses da investigação judicial. Os entes federativos brasileiros podem, inclusive, mediante necessidade plenamente motivada, trocar informações entre si a respeito da matéria, conforme artigo 199 do CTN. Para tal, pressupõe existência de lei ou convênio entre os entes envolvidos, para que possam utilizar-se desse instituto. [40]

A LC 104/2001 "estabeleceu, ainda, que a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos". [41]

Em 2004, o então presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, defendeu o fim dos paraísos fiscais na abertura do Encontro Internacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos. Também tem mostrado-se a favor de tal medida organismos como a ONG Transparency International France, segundo a qual não seria possível vencer a crise sem acabar com a tributação privilegiada.

A OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico divulgou em outubro de 2008 que pretende divulgar uma lista atualizada de paraísos fiscais até o segundo semestre de 2009, bem como elencar punições a serem aplicadas aos países que insistirem em não colaborar com as investigações. Ainda segundo a OCDE, a atualização da lista é necessária porque até agora, dentre os países que se recusam a colaborar, nela somente constam três deles, que são Andorra, Mônaco e Liechtenstein. [42]

O ministro das Finanças da Alemanha, Peer Steinbrück, também criticou bastante a posição dos países que se negam a cooperar, em especial as nações européias, como Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein. Afirmou ainda o ministro que as práticas evasivas atentam contra a soberania nacional de cada Estado que sofre com a prática. E complementou que o governo fará grande pressão e que porá em prática fortes restrições para as deduções de empresas ligadas a paraísos, bem como fiscalizar intensamente as operações destas empresas. [43]

Em resposta às críticas e medidas anunciadas pelo governo alemão, o premier de Luxemburgo, Jean-Claude Juncker, afirmou a disposição do país em colaborar na guerra contra a evasão. Até porque, segundo as metas previstas pela OCDE, haverá punições para as nações que se recusarem a cumprir as normas estabelecidas pelo órgão.

Unanimidade entre os países é que a colaboração entre eles será decisiva no combate a essas práticas prejudiciais. O presidente da república dos Estados Unidos Barack Obama também tem criticado intensamente os paraísos fiscais e os 100 bilhões de dólares anualmente sonegados e perdidos pela nação que governa, devido a lacunas legislativas. Dinheiro esse que pertence ao país para fomentar a igualdade social. Até o papa Bento XVI opinou a respeito do assunto, mantendo a mesma opinião do presidente Obama, ou seja, pelo fim dos paraísos fiscais.

Na reunião do G-20 ocorrida em novembro de 2008 colocou-se em pauta o extermínio das tributações favorecidas proporcionadas pelos paraísos fiscais. Nesta reunião o Brasil apresentou as propostas de identificação e eliminação de falhas internas e internacionais; acabar com o mercado das sombras, onde inexiste regulamentação; a existência de equilíbrio no orçamento aliado à responsabilidade social, assim como o combate multilateralmente coordenado aos paraísos fiscais. [44]

Além do mais, na ocasião foi discutida a necessidade de os bancos e demais financeiras analisarem e acompanharem os balanços contábeis das empresas. Outro ponto importante recomendado é que os dirigentes de empresas que pratiquem atos ilícitos devem sofrer punições nos âmbitos cível e penal. [45]

Também no final do ano passado o Partido da Esquerda Européia emitiu opinião aderindo ao levante contra paraísos fiscais, recomendando a tributação incidente sobre toda e qualquer operação de cunho financeiro. O ministro da Fazenda da Grã-Bretanha, Alistair Darling, também forneceu uma declaração a respeito do assunto, na qual afirma que seu país fará uma revisão das leis locais que são aplicadas às nações de tributação privilegiada, que se encontram sob jurisdição inglesa.

A cruzada contra os paraísos fiscais conta ainda com o apoio do FMI – Fundo Monetário Internacional, que também se pronunciou no sentido de que, para ser superada a crise, tal somente seria possível com o fim dos paraísos, e ainda considerou a aplicação de medidas como o encerramento das atividades, por completo, de instituições financeiras que acobertarem clientes e suas vultosas operações. Porém, admitiu o órgão que, para superar a crise também deve ser socorrido o setor financeiro, mas não para proteger e gerar mais vantagens para os bancos, mas sim às pessoas, cidadãos, que estão enfrentando e sofrendo a turbulência e os prejuízos gerados pela crise.

A presidente Cristina Kirchner, da Argentina, também vai apoiar a extinção dos paraísos fiscais na próxima reunião do G-20, dia 02 de abril de 2009 em Londres. Seu país tem sentido os drásticos efeitos da crise através de demissões em massa, violenta baixa nos preços e nas exportações. A presidente sustentou que "será necessária a reformulação total do Pacto de Bretton Woods [acordo que originou os órgãos financeiros multilaterais], com políticas macroeconômicas globais que sustentem a demanda global". [46]

O apoio ao fim dos paraísos fiscais é ainda reforçado pelos demais líderes do G-8, como o presidente Nicolas Sarkozy, da França, o premier Gordon Brown, da Grã-Bretanha, e a chanceler Angela Merkel, da Alemanha. Merkel sustentou ainda que o foco de combate do G-20 aos paraísos fiscais está na instituição de fortes sanções.

A abertura dos países de forte sigilo bancário tem sido fortemente pressionada, principalmente em virtude da insistência do G-20 e de ações como a da justiça dos Estados Unidos, onde encontra-se em tramitação processo judicial forçando a UBS – União de Bancos Suíços para que esta instituição conceda a quebra de sigilo referente a 52 mil contas de clientes norte-americanos, utilizadas com o fim de sonegar impostos. Estima-se que, juntas, as contas somem um valor superior a 14,8 bilhões de dólares.

A Suíça reagiu fortemente à declaração do presidente Sarkozy, que não economizava críticas e repetia que vai advogar em prol da inclusão da Suíça na próxima lista negra de paraísos fiscais, na ocasião da reunião do G-20 em Londres, para a qual, inclusive, a Suíça não recebeu convite. Alvo ainda de fortes pressões de vários outros países, o governo suíço ainda assim declarou, através de seu ministro das Finanças, Hans-Rudolf Merz, que não deixará de lado o sigilo bancário, mas admite que algumas concessões terão de ser feitas. Uma delas foi a liberação do sigilo de quase 300 contas de norte-americanos, em razão da supra citada ação que lhe move a justiça americana. Apesar de ainda muita renitência por parte da Suíça, tal medida representou grande avanço. [47]

Porém, dias após a teimosia suíça e também devido às intensas pressões, bem como a proximidade da data da reunião de Londres, Áustria, Luxemburgo, Bélgica, Liechtenstein, Andorra e a própria Suíça declararam que irão flexibilizar seus sigilos bancários, passando a aceitar as normas estabelecidas pela OCDE. Apesar da brecha agora aberta, a Suíça ainda fez questão de frisar que sua adequação não implicará na mudança do instituto do sigilo bancário existente. [48]

Andorra, Bélgica e Liechtenstein, além de flexibilizarem seus sigilos, declararam ainda que não se recusarão em colaborar com pedidos de fiscalização de autoridades dos fiscos estrangeiros, através da permuta de informações para possibilitar o combate à evasão ilícita. Andorra ainda foi mais longe, declarando que até o final do segundo semestre de 2009 tentará aprovar um projeto de lei extinguindo o sigilo bancário, quando for feita troca de informações com autoridades de outros países. [49]

Apesar de todo o empenho do G-20, o jurista brasileiro Ives Gandra da Silva Martins afirma não ser fácil extinguir os paraísos fiscais. Para o jurista, a decisão deve nascer da concordância de grande parte das nações, e muitas delas movem dinheiro não declarado, citando como exemplo as autoridades árabes, detentoras de grandes fortunas, que certamente não devem abdicar do sigilo. Afora isso, afirma ainda que não há meio de deter o controle total do mercado de capitais. [50]

É esperar para ver no que vai resultar a reunião de Londres, cujo resultado e principais decisões acerca da matéria serão incluídos em um último parágrafo nesta seção do trabalho. A união dos principais países aliada à aderência de algumas das nações classificadas como paraísos fiscais ao estabelecido pela OCDE já representa um importante primeiro passo.

Com as normas da OCDE o Brasil tem contribuído bastante, por intermédio do COAF. A OCDE estabelece que cada Estado inclua em sua legislação dispositivos que concedam ferramentas para que o fisco acesse informações bancárias das pessoas, combatendo, assim, a evasão, o tráfico de entorpecentes, e a lavagem de dinheiro como um todo. Em se tratando do Brasil, uma das soluções viáveis para se coibir a sonegação seria diminuir o peso da carga tributária, devendo passar o Estado a gastar menos do que arrecada. [51]

No que tange ao aspecto tributário, os tratados internacionais preveem uma importante cláusula, que ajuda a inibir a evasão, que é a da troca de informações entre as administrações e autoridades tributárias. Todas as convenções, firmadas nesse sentido pelo Brasil, possuem tal cláusula, criada conforme mandamento do artigo 26 do modelo instituído pela OCDE e pela ONU, podendo haver troca de informações somente por provocação da autoridade interessada, conforme a estrutura adotada pelo Brasil. [52]

No Brasil, os artigos 194 e 195 do CTN regulam a fiscalização tributária. Para levá-la a contento, são examinadas informações prestadas pelo contribuinte, por terceiros, ou recolhidas em diligências fiscalizatórias. Entretanto, por força da Lei nº 8.112/90, em seu artigo 116, VIII, os servidores em geral devem manter sigilo sobre os assuntos atinentes à repartição da qual fazem parte. O artigo 198 do CTN trata também do sigilo dos servidores, só que desta vez no âmbito da Fazenda Pública. [53]

Quando a Fazenda viola o sigilo fiscal e troca informações com outros órgãos, nacionais ou internacionais, incorrerá em desvio de poder ou de finalidade, conforme disposição constante no artigo 2º, parágrafo único, alínea e, da Lei nº 4.717/65. Acerca do imposto de renda e sua fiscalização, trata o artigo 201 do Decreto-lei nº 5.844/43. [54]

O sigilo, fiscal e bancário, é entendido pelo Supremo Tribunal Federal sob a ótica de que deriva do direito à privacidade, previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição. Porém, esse sigilo não é absoluto, encontrando limites quando esbarrar no interesse público (e não no do fisco), conforme já decidiu o Supremo no Mandado de Segurança nº 21.729-4-DF, desde que não contrarie a lei. [55]

A Lei nº 8.137/90 trata dos crimes contra a ordem tributária, entre eles destaca-se o de sonegação fiscal. O dispositivo de lei é uma das formas encontradas para ajudar a prevenir tal prática, mas não se tornou suficiente, sendo preciso buscar outras formas de prevenção e de punição. Conforme visto em momentos anteriores, a sonegação é a ocultação intencional, na totalidade ou em parte, de tributos devidos. A ação ilegal é praticada dolosamente para iludir o fisco e lesar o erário. Geralmente a sonegação pressupõe a evasão.

Até 2007, ano em que foi extinta, a CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras servia como ferramenta de cruzamento de dados em relação ao imposto de renda. A cobrança, que também foi chamada de imposto do cheque, foi instituída sob o pretexto de ter sua arrecadação aplicada na saúde pública, coisa que não aconteceu e nem tinha razão de existir, uma vez que parte do orçamento já é dedicada, pelo menos no papel, para atender a essa área. Na verdade, a CPMF foi usada para "apuração de eventuais receitas não declaradas, bem como a extinção de mecanismos legais que possibilitam às empresas suportar um encargo tributário menor, a chamada elisão fiscal". [56] Como essa contribuição já foi declarada inconstitucional e, assim não mais renovada para o cidadão, este respira um pouco mais aliviado, pois não precisa prejudicar os contribuintes que agem segundo a lei para poder fiscalizar os fraudulentos. Há outras formas de fazê-lo.

As investigações sobre o patrimônio de suspeitos de atos de corrupção são fundamentais para que se apurem os atos ilícitos. Esta competência, juntamente com a de apurar as denúncias de caixa dois, pertence aos auditores fiscais da Receita Federal. A luta contra a evasão e a corrupção não terá como únicas soluções aquelas tomadas no âmbito legislativo, mas em grande parte na esfera administrativa. [57]

As autoridades da administração e do Poder Público devem cumprir seus papéis no combate às práticas nocivas à saúde financeira do país e aplicar severas punições a quem burla as regras legais, para que o cidadão que anda em conformidade com a lei não seja prejudicado e que não sejam desrespeitados os princípios da isonomia e da capacidade contributiva de cada um. [58]

A norma a qual é chamada anti-elisiva, amplamente discutida na seção 2.2, é na verdade anti-evasiva, pois se for interpretada como inibidora da elisão, será inconstitucional. A norma é anti-evasiva no sentido em que permite a desconsideração de "[...] atos ou negócios jurídicos dissimulatórios portanto, fraudulentos, que visam a ocultar a ocorrência do fato gerador, ou seja, as verdadeiras relações negociais constituídas [...]". [59]

A Lei nº 11.727/2008, que ampliou o conceito de paraíso fiscal, se por um lado ampliou o campo de atuação da Receita Federal fornecendo mais ferramentas de controle da evasão, por outro tem gerado um clima de enorme insegurança para as empresas. Esta insegurança é fomentada pela falta de regulamentação por parte da Receita. Sem isto, as empresas andam na corda bamba, sempre com o sentimento de dúvida em relação ao cumprimento ou não da lei.

Com as novas normas referentes ao conceito de paraíso fiscal, a tendência é que haja "[...] uma diminuição no número de transações realizadas entre as empresas brasileiras e empresas estrangeiras [...]". [60] Por isto, é necessária a edição de uma instrução normativa atualizada, com a lista de nações consideradas paraísos fiscais.

Que a burocracia legislativa brasileira dificulta a correta aplicação das leis, isso é fato. Um exemplo é a respeito da importante questão da fiscalização, que resta podada pela restrição de atos administrativos como a Portaria nº 180/2001 da SRF - Secretaria da Receita Federal, "[...] pela qual a instauração de procedimento fiscal sobre o titular da conta bancária não é suficiente para permitir a requisição de informações relativas à movimentação financeira das pessoas que com ele transacionam, o que gera a necessidade de abertura de um número excessivo de ações fiscais". [61]

No sentido de impedir a evasão de divisas, é necessária a revisão de "[...] atos normativos que permitem o envio descontrolado de dinheiro para os paraísos fiscais". [62] Além do mais, os órgãos que realizam a fiscalização dos tributos efetivamente controlem o dinheiro que entra e o que sai do país. [63]

Como sugestões para coibir a lavagem de dinheiro, a sonegação e a evasão, diversos órgãos, doutrinadores, autoridades, etc, trazem importantes colaborações as quais podem servir de inspiração para a criação e efetivação de medidas viáveis.

Dentre as principais sugestões, tem-se que devem efetivar modificações legislativas que concedam à Receita Federal e ao Banco Central amplo acesso às informações disponíveis em tais órgãos; a exigência de registro cambiário referente a toda e qualquer movimentação, de forma que o controle fique mais rigoroso; o controle das atividades financeiras, concedendo uma melhor estrutura ao COAF [64], devido ao volume de competências que possui; e o controle, no âmbito internacional, de todas as movimentações financeiras, através da cobrança da taxa Tobin. [65]

As leis nº 8.021/90 e 8.088/90 surgiram para colocar empecilhos às operações não identificadas praticadas por sonegadores. Acontece que as leis mencionadas somente atingiram os pequenos sonegadores, continuando os maiores a atuar livremente por meio das empresas fantasma situadas em paraísos fiscais. Tal situação perdurou até 2005, com a extinção do Mercado de Câmbio de Taxas Flutuantes. Além do mais, apenas em 2003 foi que passou a vigorar a norma da Receita Federal exigindo registro no CNPJ para pessoas jurídicas atuantes no exterior. [66]

A fiscalização de remessas ilegais de dinheiro para o exterior passou a ser de competência do COAF, por força da lei nº 9.613/98, mas ao mesmo tempo, sofre o órgão limitações de atuação, pois somente pode proceder a essa fiscalização através de denúncia de terceiros, e não por conta própria, mas também, se o fosse, precisaria receber reforços de recursos humanos e estruturais. [67]

Desde 2005 as remessas de dinheiro para o exterior devem ser intermediadas por financeira com estabelecimento formal no Brasil. É o que prevê o artigo 18 da lei nº 4.595/64 e o MNI - Manual de Normas e Instruções 9-7-4. [68]

O Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal apresenta ainda mais algumas propostas, como acabar com a determinação de que o pagamento ou o parcelamento do débito evadido extingue a punibilidade; estabelecer o crime contra a ordem tributária como pressuposto ao de lavagem de dinheiro; dar maior atenção à legislação aduaneira, que é fundamental para o controle do que entra e sai do país, e que sofre limitações devido às falhas legislativas, administrativas e estruturais, além do mais deve-se fiscalizá-la de forma mais intensa, para combater eficazmente o contrabando fronteiriço. [69]

Também é sugerida a criação de programas de combate à sonegação, intensificando as punições para quem age por meio dessa prática; estabelecer responsabilização aos bancos e seus dirigentes pela manutenção de contas suspeitas. Ainda podem ser citadas a tributação em alíquotas mais altas sobre empréstimos entre matriz e filiais de paraísos fiscais assim como sobre importações oriundas desses paraísos e rendimentos de pessoas jurídicas sediadas nesses locais; promover um efetivo controle e fiscalização sobre qualquer operação realizada com empresas ligadas aos paraísos; a elaboração de uma lei que declare nulas as operações de patrimônios entre pessoas, físicas ou jurídicas, para paraísos fiscais de modo que não sejam cabíveis indenizações judiciárias; e declarar suspensos todos os benefícios fiscais a pessoas que transacionem com empresas sitas em paraísos, assim como instituir a proibição de atuar no Brasil aos bancos que atuem nesses lugares. [70]

O sítio eletrônico Tax Justice sustenta que deve ser eliminada a evasão para o exterior e estabelecer limites para a elisão fiscal, de modo que os dois institutos não se confundam, nem que esta sirva de escudo para proteger operações ilícitas; propiciar maior participação do cidadão no controle sobre a tributação; inibir as privatizações, em contrapartida tornando os serviços públicos mais eficazes; acabar com incentivos fiscais que gerem diminuição de tributos para os mais ricos, que por consequência geram onerosidade excessiva para o cidadão comum; o fim de qualquer tipo de sigilo, seja fiscal ou bancário; divulgação de estatísticas da atividade financeira, bem como realização de auditorias nas contas de grandes entes comerciais e trustes. [71]

Afora estas, podem ser ainda (e também já foram) pensadas e discutidas outras formas de combate às operações ilícitas, inclusive fazendo valer a democracia, através do incentivo à participação dos cidadãos por meio de grupos de debate e fóruns globais, com a instituição de autoridades tributárias regionais e mundiais que estejam aptas a ouvir a sociedade organizada e que representem-na na luta contra as práticas evasivas. [72]

Para terminar, não teria como fechar este trabalho sem relatar as principais decisões discutidas entre os líderes do G-20 em Londres, na reunião ocorrida neste dia 02 de abril. No que diz respeito ao tema discutido ao longo deste trabalho, a decisão mais esperada foi a do próprio fim dos paraísos fiscais, que de fato foi anunciada pelo premier da Grã-Bretanha, Gordon Brown e pelo próprio esboço divulgado como espécie de relatório preliminar da reunião, a ser posta em prática por meio do endurecimento das regras aplicáveis aos paraísos. A OCDE divulgou, após a cimeira de Londres, a temida lista negra de países de tributação favorecida que menos cooperam com as investigações fiscais internacionais, e será sobre tais países que serão impostas as medidas de sanções aprovadas no encontro. [73]

O comunicado final do encontro, motivado principalmente devido ao turbilhão da crise econômica atual, garantiu a tomada das seguintes medidas, na tentativa de buscar soluções no combate a essa crise e reerguimento das economias prejudicadas: "restabelecer a confiança, o crescimento e o emprego; reparar o sistema financeiro para restabelecer o crédito; reforçar a regulação financeira para manter a confiança; financiar e reformar nossas instituições financeiras para superar esta crise e evitar outras; promover o comércio mundial e o investimento, e rejeitar o protecionismo; e promover uma retomada ecológica e sustentável". [74] Ao final de 2009 uma nova reunião será realizada, para se avaliar o progresso da implantação das medidas tomadas durante o encontro do último dia 02 de abril.

O primeiro-ministro da Espanha, José Luis Zapatero, dentre os líderes presentes ao encontro do G-20 em Londres, foi um dos que mais ardorosamente criticaram a política frouxa dos paraísos fiscais, afirmando serem os paraísos "[...] indignos" e sem ética, e que a última cimeira do G-20 foi o início do fim das tributações privilegiadas. A respeito da posição dos demais líderes, afirmou Zapatero que "todos os ministros de finanças e economia presentes a este G-20 se comprometeram a acompanhar este assunto de perto. Hoje, aqui em Londres, começou o fim dos paraísos fiscais. Mas não é só isso. Reafirmamos nosso apoio ao livre comércio e não ao protecionismo". [75] Em relação à forma de combate aos paraísos, declarou que "[...] os países farão valer uma lista publicada pela OCDE, com o nome de todos os paraísos fiscais. Foi um compromisso. Este encontro ficará marcado pela unidade de decisões, o que nunca se viu antes. Isso ajudará a recuperar a confiança". [76]

O site do jornal inglês Financial Times publicou grande parte do documento final da reunião do G-20, que sintetiza, em 29 artigos, resumidamente, os tópicos discutidos e as principais soluções a serem tomadas perante as situações levantadas, com destaque para a crise econômica e os paraísos fiscais. [77] A revista brasileira Época, em sua versão on line, também publicou, na íntegra e em inglês, o documento preparado em virtude da reunião, que serviu de diretriz para que as providências cabíveis fossem tomadas. [78]

Sobre a autora
Nathalia Chaves Lopes

Advogada, especialista em direito tributário, especializanda em gestão de crises em relações internacionais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Nathalia Chaves. Prejuízos, (in)constitucionalidade e soluções contra a prática de criação de contas em paraísos fiscais para fins fraudulentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2177, 17 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13011. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!