A participação nos lucros ou resultados vem ganhando espaço na pauta de negociações entre empresas e trabalhadores. Este aumento de importância deve-se, principalmente, ao incentivo dado pela Constituição Federal de 1988 que expressamente a desvinculou da remuneração, maior entrave verificado para sua instituição nas regulamentações anteriores. Entretanto, o alargamento de sua aplicação tem, também, gerado um aumento dos problemas que cercam o instituto. Socializar lucros está longe de ser um tema tranqüilo e o Judiciário Trabalhista vem recebendo um número crescente de dissídios coletivos onde se pleiteiam a própria instituição da PLR, como também a revisão de suas cláusulas. Para analisar a possibilidade de sua instituição, ou mesmo revisão, através de sentença normativa, torna-se necessário realizar uma incursão nas tendências de flexibilização das relações de trabalho, na natureza jurídica da PLR e nos limites ao poder normativo da Justiça do Trabalho.
I – FLEXIBILIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
O Direito do Trabalho, dentre todos os ramos do Direito, é dos mais dinâmicos, justamente para acoplar-se ao dinamismo das relações entre o capital e o trabalho. Vejam-se casos como da assimilação legislativa da gratificação natalina, dos contratos de trabalho por obra certa, do consórcio de empregadores rurais, entre tantos outros.
Não se olvide que o inexorável processo de globalização e integração das economias mundiais determina um ambiente produtivo extremamente competitivo. Nesse contexto, o Direito do Trabalho não pode ficar engessado e preso a dogmas, afastando investimentos e acabando por gerar em outros países os empregos que aqui poderiam ser gerados ou jogando grande parte do mercado de trabalho na informalidade, como já acontece.
Frise-se que não é o caso de se falar em flexibilização das leis trabalhistas, mas sim de flexibilização das relações de trabalho. Como também não é o caso de se falar em prevalência do negociado sobre o legislado, mais sim de prevalência do fato social sobre o legislado. Por óbvio que este fato social, para servir de legítima fonte material do Direito do Trabalho deve corresponder a um justo processo de atualização das relações trabalhistas, sem malferir normas de ordem pública, tais como dispositivos antidiscriminação ou que tratem de segurança e higiene do trabalho.
Deste modo, deve o intervencionismo estatal restringir-se aos campos onde o interesse público sobressaia, como os acima citados, permitindo-se um sistema de auto-regulamentação das relações laborais, pelas próprias partes interessadas, por meio da negociação coletiva [01].
E qual seria o campo de atuação desta auto-regulamentação? Justamente onde predomine o interesse meramente particular ou da categoria. A via é dada pela própria Constituição Federal ao admitir flexibilizar normas relativas à remuneração e à jornada de trabalho. Este é o norte, esta é a vontade do legislador constitucional e, como tal, da Nação.
II – A PLR COMO INSTRUMENTO DE FLEXIBILIZAÇÃO
O Direito Empresarial trata a mão-de-obra apenas como mais um dos fatores de produção, os quais se agrupam sob a batuta do empresário sem, contudo, perderem a estanqueidade que os configuram como um elemento à disposição do empreendedor, que examinará separadamente o custo de cada um para elaboração do cálculo empresarial.
Essa divisão é alimentada pela idéia do histórico antagonismo existente entre o capital e o trabalho, expressa na locução luta de classes, disseminada por Marx e Engels na clássica obra "Manifesto do Partido Comunista". A hegemonia do capitalismo como sistema econômico mundial fez acirrar os embates travados entre o capital e a força de trabalho. Este antagonismo refletiu-se dentro do contrato de trabalho e acabou por criar uma (falsa) premissa de que ao empregador interessa maior produtividade e menores salários, enquanto que ao empregado interessa maior salário e menos trabalho.
De fato, cada parte contratante tem seus interesses predominantes, mas não é verdadeiro que estes sejam antagônicos. Ora, tanto ao empregado quanto ao empregador interessam obter maior rendimento de suas atividades e, como são elas necessariamente interdependentes, tanto a um quanto a outro interessa também proporcionar maior rendimento a esta atividade. É um círculo virtuoso que só precisa ser incentivado.
A Participação nos Lucros ou Resultados pode cumprir muito bem este papel de integração entre o fator capital e o fator mão-de-obra. Participar lucros aos empregados ou fornecer-lhes remuneração diferenciada pela obtenção de metas pré-estabelecidas torna o empregado mais que um mero fator de produção, mas em parte interessada no sucesso do empreendimento. O retorno ao empregador é certo, pois somente despenderá maior remuneração se alcançadas as condições favoráveis estabelecidas em comum.
A integração capital/trabalho é a vontade latente por trás do instituto. Esta vontade é expressa no art. 1º da Lei nº 10.101/00, que tem a seguinte redação:
"Art. 1º Esta Lei regula a participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa como instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como incentivo à produtividade, nos termos do art. 7º, inciso XI, da Constituição."
Aplauda-se, neste ponto, o acerto do diploma regulador ao instituir os atores sociais envolvidos – detentores do fator capital e detentores do fator trabalho – como partes soberanas para promoverem o entendimento direto sobre os meios de instituição e execução da PLR. Dificilmente um diploma legal, que por definição há de ser impessoal e genérico, poderia reger as mais variadas situações e peculiaridades dos diferentes setores econômicos e das diferentes empresas que o compõe.
III – A PLR COMO FERRAMENTA GERENCIAL
É notável observar que a PLR, a um só tempo, promove os ideais capitalistas de obtenção de lucros crescentes, unindo-os, em certa medida, aos ideais socialistas de entregar os meios de produção à classe proletária. Participar dos lucros ou metas é, de certa forma, participar da gestão empresarial. Cria-se, assim, uma premissa – agora verdadeira – de que a única justificativa aceitável para o direito ao lucro é ter contribuído para que ele exista [02].
Contudo, pagar-se PLR como mero encargo contraria a própria razão de ser do instituto. Isto consiste em uma inescusável falta de visão do empreendedor, a começar que a instituição do programa de participação nos lucros ou resultados não é obrigatória [03]. Embora esteja arrolado na Constituição Federal como um direito do trabalhador, sua instituição se dará por instrumento negociado [04], o que de plano afasta qualquer sombra de obrigatoriedade. Note-se que raciocínio contrário levaria até microempresas a obrigação de instituir um programa de PLR, o que poderia transformar o empregado em um quase sócio, em empresas com um ou dois empregados apenas.
Divisar a PLR como um encargo é desprezar seu imenso potencial como instrumento capaz de motivar os empregados, desenvolvendo um programa de participação nos lucros ou resultados bem arquitetado e realizado.
Muitos empregadores temem a exposição de dados contábeis, porém, tal temor não tem razão de ser, vez que um planejamento bem feito facilmente evitaria esta exposição de dados. Pode-se, contudo, simplesmente evitar a abertura da contabilidade da empresa criando-se um programa de metas (resultados), o que, em termos gerenciais, é até melhor para o controle dos objetivos a serem atingidos.
Grandes empresas já vêm utilizando os chamados PPR’s ou Programas de Participação nos Resultados, tais como: Basf, Papaiz, Philips, Maxxion (ROSA, 2006, p. 92-94) [05].
Abrir mão desta ferramenta de gestão não só do pessoal como dos objetivos do empreendimento é perder a chance de atingir produtividade crescente, conjugada com pessoal motivado e satisfeito com sua empresa. Cabe, aqui, acrescentar os dizeres do Magistrado Eduardo de Azevedo Silva em artigo publicado na Revista Trabalho e Processo, in verbis:
"Afinal, a participação nos lucros deve incutir no trabalhador o ânimo de colaborar com o aumento da produção e da eficiência, deve levá-lo a interessar-se pelo destino da empresa, a integrar-se a ela, a completá-la. Deve, enfim, impulsioná-lo, motivá-lo." [06]
IV – FORMAS DE INSTITUIÇÃO DA PLR
Como já adiantado em linhas pretéritas, a PLR deve ser implantada de forma autônoma e horizontal, onde as partes interessadas ajustarão em igualdade de condições a instituição do programa e os seus métodos de consecução. Neste sentido é artigo 2º, caput, e incisos I e II da Lei nº 10.101/00, abaixo transcrito:
"Art. 2º A participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:
I – Comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria;
II – Convenção ou acordo coletivo.
§ 2º - omissis
§ 3º - omissis"
Na hipótese do inciso I, o acordo daí advindo não poderá ser denominado como acordo coletivo por não decorrente de uma negociação coletiva, pois esta exige a participação do sindicato profissional, motivo pelo qual o instrumento não é depositado na Delegacia Regional do Trabalho e sim no próprio sindicato [07].
Se não é acordo coletivo o que seria? Disse o Prof. Arion Sayão Romita tratar-se de acordo de natureza individual tratado de forma plúrima [08]. Nada mais é do que o indivíduo empregado elegendo um seu representante para negociar com o empregador. Vários empregados agindo assim formarão um acordo plúrimo de vontades individuais.
O inciso II não suscita maiores dúvidas, apenas tendo relevo que uma convenção coletiva padece dos mesmos problemas que uma regulamentação completa pela lei, ou seja, não poderá adaptar-se a todas as peculiaridades das diferentes empresas de sua base de formação. O acordo coletivo, por este motivo, realiza melhor os fins visados pelo instituto PLR. Frise-se, por oportuno, que a experiência vem demonstrando que a PLR é mais bem tratada em acordo coletivo específico, destacado do acordo coletivo de regras gerais, o que proporciona um melhor debate sobre metas a serem batidas ou percentuais de lucros a serem distribuídos.
Da explanação pode-se concluir que é melhor instituir o programa de forma bem específica, através de comissão interna ou de acordo coletivo específico. Porém, como dito antes, o acordo obtido através da comissão interna terá natureza individual, ainda que plúrimo, aderindo assim ao contrato de trabalho. As regras estabelecidas em acordo coletivo têm vigência apenas enquanto viger o próprio acordo que lhe serviu de veículo [09], o que lhe empresta visível vantagem sobre as demais formas de instituição da PLR.
V – A DUALIDADE ENTRE VERBA SALARIAL E VERBA INDENIZATÓRIA
A análise da natureza jurídica de qualquer verba paga ao empregado em decorrência do contrato de trabalho acaba sempre descambando para sua caracterização como salarial ou indenizatória e tal se dá em virtude dos eventuais reflexos em outras verbas contratuais e para a verificação da incidência de tributos sobre a folha salarial.
Esta primeira análise é de um pragmatismo formidável. Sob este enfoque, a caracterização da natureza jurídica de uma prestação fornecida pelo empregador ao empregado tem como utilidade prática a distinção entre sua natureza salarial ou não salarial. De fato, assim definido, pode-se, de plano, verificar os consectários legais daquela prestação.
O próprio Tribunal Superior do Trabalho classificou a PLR meramente como verba de caráter salarial em sua Súmula 251, por entenderem estar ela enquadrada no parágrafo 1º do art. 457 da CLT, encaixando-a na figura genérica das gratificações ajustadas.
A Constituição Federal de 1988 expressamente desvinculou a PLR da remuneração, o que acabou por determinar o cancelamento da referida súmula. Poder-se-ia dizer que até o legislador constituinte tomou partido nesta discussão ao classificá-la como não salarial, mas parece mais acertado dizer que sua intenção foi de extinguir o equivocado enquadramento salarial que lhe fora atribuído.
Ora, a discussão da natureza jurídica da PLR não tem fundamento apenas para caracterizar sua natureza salarial ou não. Vendo o problema apenas por este aspecto, não será possível chegar à resolução do problema proposto – a instituição ou não da PLR por meio de sentença normativa. Em verdade busca-se mais que isso. Com o perfeito enquadramento do instituto em seu gênero, será possível uma conclusão acerca do problema que motiva estas linhas, como também, verificar se ela pode ou não ser tomada como prestação salarial.
VI – A QUESTÃO TRIBUTÁRIA
A Constituição Federal de 1988 expressamente desvinculou da remuneração a Participação nos Lucros ou Resultados, conforme redação de seu artigo 7º, XI. Embora este dispositivo remeta a matéria nele tratada à regulamentação em lei infraconstitucional, a jurisprudência inclinou-se no sentido de que a parte que trata da desvinculação era auto-aplicável, por isso o TST cancelou a Súmula 251.
O Plano de Custeio da Seguridade Social, Lei nº 8.212 de 24.06.1991 estatuiu que a participação nos lucros e resultados não integra o salário de contribuição, quando paga ou creditada de acordo com a lei específica [10].
A Lei nº 10.101 de 19.12.2000, regulamentou o instituto PLR e reafirmou que esta não constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista [11]. Porém, mais a frente, a lei determina que a parcela PLR seja tributada na fonte e em separado dos demais rendimentos recebidos pelo empregado, para fins de imposto de renda [12].
Isto quer dizer que a PLR tem, sim, caráter retributivo e, como tal, constitui renda tributável. Mas o dispositivo constitucional, ao desvinculá-la da remuneração, afastou a incidência dos tributos que recaem sobre a folha de pagamento, mormente, o recolhimento previdenciário. Isto constitui uma imunidade tributária objetiva e esta é a natureza jurídica atribuída ao instituto em exame para fins tributários [13].
VII – A CARACTERIZAÇÃO DE SUA NATUREZA
O estabelecimento da natureza jurídica não é uníssono na doutrina. Longe disso. Nos mais variados autores que trataram do assunto, houve a atribuição das mais variadas naturezas à Participação nos Lucros ou Resultados. Vejamos:
"Sua natureza equivale a uma ‘técnica de incentivo’ e, por força de preceito constitucional, não integra o salário, tampouco a remuneração para nenhum efeito legal." [14]
"... a natureza jurídica da participação nos lucros seria uma forma de transição entre o contrato de trabalho e o contrato de sociedade, ou seja, poderíamos dizer que teria uma natureza mista ou sui generis, uma prestação aleatória, dependente da existência de lucro." [15]
"Constituem um pagamento não salarial cuja natureza jurídica é expressada pelo seu nome, participação nos lucros." [16]
"A nosso ver, embora não se trate de componente da remuneração, a instituição da participação nos lucros ou resultados constitui um benefício de natureza trabalhista, ainda que atípico, pois decorre da existência do contrato de trabalho entre empresa e empregado." [17]
"Trata-se de uma prestação aleatória condicionada que não integra o salário por força do inciso XI do art. 7º da Constituição Federal." [18]
"Peculiaríssima em sua natureza e em sua finalidade, a participação nos lucros não induz a um contrato de sociedade entre o empregador e o empregado, já que da relação prestatória adicional e aleatória que ela representa não resulta um contrato de sociedade,. .." [19]
Da compilação feita acima se pode destacar alguns pontos nos quais ocorre certa concordância. Por exemplo, sua natureza peculiaríssima (sui generis), sua natureza aleatória e sua natureza de prestação.
Esta natureza atípica vem do fato de sua desvinculação da remuneração, não obstante seu caráter retributivo, tanto que há retenção do imposto de renda.
A natureza aleatória advém da incerteza do resultado ou do lucro. O resultado ou o lucro almejado e ajustado é condição futura e incerta.
Sua natureza de prestação decorre do ato de dar ou fazer o que se ajustou em um contrato ou quantia que se paga a cada prazo [20].
Tais elementos ajudam a sintetizar a natureza jurídica do instituto, porém, se é parcela de caráter aleatório, tal condição, de per si, retira-lhe a natureza salarial. Ora, salário não pode ser incerto, fortuito. A habitualidade que se espera do salário ou da remuneração não condiz com a álea inerente à participação nos lucros ou resultados. Então, se a caracterização da natureza jurídica deve ser expressa de modo sintético, basta que conste o caráter aleatório da parcela, sendo redundante falar-se no caráter não salarial.
Contudo, há uma faceta, de suma importância, não abordada nas citações acima transcritas. Trata-se do procedimento negocial para instituição da parcela. A PLR decorre de um ajuste de vontades, ou seja, é um negócio jurídico e isto é ponto característico de sua natureza.
Após esta análise poder-se-ia ousar dizer que a PLR tem natureza jurídica de prestação aleatória e negocial, o que, de certo modo, sintetiza os ensinamentos passados pelos doutrinadores acima transcritos.
E é esta natureza que lhe é inerente que diferencia a PLR de institutos assemelhados. Por isto não se confunde ela com o prêmio, vez que este está ligado a fatores de ordem pessoal do trabalhador, como assiduidade, eficiência, rendimento. A produtividade nada mais é do que um prêmio – prêmio produtividade – e, como prêmio que é, pode ser instituído unilateralmente. Por não ser essencialmente de natureza negocial, não se confunde com a PLR.
Da mesma forma não se confunde com gratificação, a qual esta ligada a acontecimentos externos à vontade do trabalhador, como a gratificação natalina, a gratificação de função e a gratificação de balanço (ou semestral). Destaque-se, quanto a esta última, que sua principal diferenciação para a PLR está em seu modo de instituição: se instituída de forma unilateral, será gratificação; se instituída de forma negocial, será PLR, independente da denominação atribuída.
VIII – O PODER NORMATIVO
O poder normativo da Justiça do Trabalho é uma peculiaridade do ordenamento jurídico pátrio que somente encontra similitude, da forma como aqui estabelecido, no sistema jurídico neozelandês e no sistema jurídico australiano [21]. Peculiar porque subverte a clássica repartição dos poderes idealizada por Montesquieu, adotada por quase todos os sistemas jurídicos modernos. Nosso sistema jurídico não é diferente, adotando a repartição dos poderes do Estado entre o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
A sentença normativa, embora formalmente seja um ato jurisdicional, seu conteúdo, como já diz seu designativo, é normativo. Se lhe falta conteúdo jurisdicional, isto é, se ela não se limita a aplicar a lei, mas a inovar no ordenamento positivo, qual seu fundamento jurídico? A resposta não pode ser outra senão a eqüidade.
Contudo, nenhum poder é ilimitado, sob pena de tornar-se tirânico, e o poder normativo, como extraordinário à função jurisdicional, mais limitado há de ser. Neste sentido a lição do Professor Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena de que sentenças normativas, como resultantes da participação da vontade das partes e do Estado na formação do ato jurídico, não poderão ir além do que lhes reservou a lei [22].