1. INTRODUÇÃO
A Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que versa sobre o "Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do Empregador", assinada em Genebra, em 22 de junho de 1982, foi incorporada ao ordenamento jurídico interno somente em 10 de abril de 1996, com a promulgação do Decreto n. 1.855/1996 e, depois de pouco mais de sete meses, foi denunciada pelo Governo brasileiro pelo Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996 [01].
Passados mais de doze anos, ainda persiste a inquietação jurídica acerca da malfadada denúncia, o que provocou, inclusive, o reenvio da referida Convenção pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, para nova deliberação [02].
Com o presente trabalho, busca-se investigar, ainda que superficialmente, as perspectivas formal e material desse importante instrumento de humanização das relações de emprego.
Inspirado nesse propósito, é mister analisar o processo de introdução e denúncia dos tratados internacionais ao ordenamento doméstico, o status da norma incorporada à luz da Constituição Federal e da interpretação do Supremo Tribunal Federal, a compatibilidade formal e material com a Carta Política de 1988 e suas repercussões na terminação dos contratos de trabalho.
2. OS TRATADOS INTERNACIONAIS E O DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO
A Convenção 158 da OIT, como tratado-normativo ou tratado-lei, para se incorporar ao ordenamento jurídico nacional, teve de ser submetido ao devido processo legislativo previsto na Constituição Federal, ou seja, foi aprovada pelo Congresso Nacional (CF, art. 49, I), com a expedição do Decreto Legislativo n. 68/1992 e, ato contínuo, ratificada e promulgada pelo Presidente da República (CF, art. 84, IV e VIII), por meio do Decreto n. 1.855/1996. Essa tramitação difere da incorporação do tratado-contrato [03], uma vez que naquele (contrato-normativo) os representantes dos governos presentes à Conferência não assinam convenção nenhuma, mas tão-somente participam do processo de votação que, acaso aprovada, é instrumentalizada em um tratado (convenção) subscrito pelo Presidente da Assembleia e pelo Secretário, para, posteriormente, ser registrado nas Nações Unidas (Carta da ONU, art. 102).
De conformidade com a Constituição brasileira, a promulgação e publicação dos tratados (normativos) internacionais são atribuições do Presidente da República, conforme se infere do inciso IV do art. 84, que confere ao Chefe do Executivo federal a competência privativa para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis.
Então, sob a perspectiva constitucional (CF, art. 49, I c/c art. 84, IV e VIII), pode-se afirmar que a incorporação dos tratados internacionais no ordenamento doméstico decorre de processo legislativo complexo, dependente da manifestação do Congresso Nacional, que aprova (ou não) a norma internacional, resolvendo "definitivamente" sobre o tratado, e do Presidente da República, que tem a competência para ratificar, promulgar e publicar na imprensa oficial o texto traduzido.
Acerca da entrada em vigor e da eficácia normativa do tratado internacional no ordenamento jurídico interno não há divergência relevante. Contudo, o processo de denúncia dos tratados internacionais é marcado de dissenso doutrinário e tem importância substancial para o tema abordado neste trabalho, mormente o objeto aqui ventilado – a Convenção 158 da OIT.
3. DENÚNCIA DA CONVENÇÃO 158 DA OIT
O procedimento de denúncia dos tratados internacionais envolve discussões relevantes sob o ponto de vista formal, sintetizadas em duas vertentes: uma que propugna pela necessidade de observância do mesmo procedimento para incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico, ou seja, a denúncia deve ser precedida de autorização formal do Congresso Nacional. Pode-se citar, por todos, PONTES DE MIRANDA [04], para quem, admitir que o Poder Executivo denuncie tratado "sem consulta, nem aprovação, é subversivo dos princípios constitucionais".
Outra corrente advoga pela possibilidade unilateral do Presidente da República oferecer a denúncia. REZEK [05] chega a afirmar que essa prática no Brasil de admitir que o Presidente da República denuncie tratado internacional independentemente de ratificação do Congresso Nacional existe desde 1.926.
A atual Carta Política de 1988 não trata do assunto explicitamente, o que tem gerado entendimento diverso sobre essa temática de vital relevância para a eficácia da denúncia. Todavia, a nosso sentir, a sistemática adotada pela Constituição exige a adoção de ato complexo para incorporação de tratados internacionais ao ordenamento interno, consubstanciado na aprovação do texto internacional pelo Congresso Nacional, conjugado com a ratificação e a promulgação pelo Presidente da República. Logo, para se retirar a vigência do tratado internacional da órbita interna deve-se observar também o mesmo procedimento de ingresso do ato complexo.
É de se observar que o inciso I do art. 49 da Constituição confere ao Congresso Nacional a competência exclusiva para "resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional". Essa disposição encerra peculiar competência sobre situação concreta da incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico nacional, ou seja, resolver de forma definitiva sobre a aprovação ou rejeição do tratado. Se o Parlamento resolve definitivamente é óbvio que é ele quem tem a última palavra nesse tema.
Atente-se que o inciso VIII do art. 84 da Constituição atribui ao Presidente da República a competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. As disposições constitucionais sobre essa matéria foi construída a partir de um modelo de tratado-contrato, que, firmado pelo Presidente da República, é referendado pelo Parlamento que resolve definitivamente sobre ele, podendo aprovar ou não o tratado internacional. Note-se que aqui a palavra final é do Congresso Nacional.
Pelo princípio da simetria, outra conclusão não se pode chegar ao se analisar os mesmos dispositivos para interpretação do ato de ratificação e referendo de tratado-normativo. Aqui, o Congresso Nacional também resolve definitivamente acerca da incorporação do tratado.
Nesse sentido, se se exige a atuação do Congresso Nacional e do Presidente da República para dar eficácia no âmbito doméstico à norma internacional, não me parece razoável não exigir o mesmo procedimento para cessação da vigência desse mesmo tratado.
Sob essa perspectiva, é forçoso concluir que a denúncia da Convenção 158 da OIT, levada a efeito por meio do Decreto n. 2.100/1996, encontra-se eivada pela nódoa da inconstitucionalidade, por vício formal do decreto presidencial.
Sobre essa perspectiva formal, tramita ainda perante o Supremo Tribunal Federal a ADI-1625/DF [06], que questiona a constitucionalidade da denúncia realizada unilateralmente pelo Presidente da República.
Enquanto o Supremo Tribunal Federal não decidir definitivamente acerca da ADI-1625/DF, cabe o controle difuso de constitucionalidade do decreto presidencial que denunciou a Convenção 158 da OIT. Nessa quadra, vislumbramos o vício de inconstitucionalidade tanto sob a perspectiva formal quanto a material.
O vício formal que inquina o decreto de denúncia resulta da ausência de oitiva prévia do Congresso Nacional. Conforme delineado alhures, a denúncia de qualquer convenção internacional pelo Presidente da República deve, obrigatoriamente, ser precedida de manifestação do Parlamento Nacional, em obediência ao princípio da simetria, que, na espécie, exige que o ato de denúncia tenha os mesmos procedimentos da promulgação, com manifestação cumulada dos Poderes Executivos e Legislativos, uma vez que se trata de uma espécie de ato jurídico complexo, dependente de manifestação de dois órgãos distintos do Estado.
Além do vício formal, sofre, ainda, o decreto presidencial de vício material, uma vez que a denúncia importou em mácula ao princípio da vedação ao retrocesso social.
Ingo Wolfgang Sarlet, citando as lições de J. J. Gomes Canotilho, sustenta que "o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados pelo legislador encontra-se constitucionalmente garantido contra medidas estatais que, na prática, resultem na anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial, de tal sorte que a liberdade de conformação do legislador e a inerente auto-reversibilidade encontram limitação no núcleo essencial já realizado [07]".
Uma vez incorporada a Convenção 158 da OIT ao ordenamento jurídico doméstico, criando restrições ao poder do empregador de findar unilateralmente o contrato de trabalho, retira-se da esfera de disponibilidade do legislador a possibilidade de denúncia da convenção, sem que haja uma compensação em benefício dos trabalhadores. E essa compensação somente poderia ser a regulamentação do inciso I do art. 7º da Constituição Federal, que viesse a estabelecer os parâmetros legais para a proteção da relação de emprego contra a despedida arbitrária e sem justa causa, além de fixar uma indenização compensatória.
O STF já se pronunciou acerca do princípio da vedação ao retrocesso social (ADI-1946), tendo reconhecido que este princípio é instrumento apto para limitar o poder legiferante do Estado, o que demonstra sua aceitação e prestígio pela Corte Suprema como poderoso instrumento de controle jurisdicional de excessos do Poder Público.
Identificados os vícios formais e materiais do Decreto n. 2.100/1996, cabe ao magistrado, na análise do caso concreto, afastar a validade da denúncia da convenção 158 da OIT, restabelecendo a vigência da norma internacional no ordenamento jurídico interno brasileiro.
4. COMPATIBILIDADE FORMAL E MATERIAL DA CONVENÇÃO 158 DA OIT COM O INCISO I DO ART. 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Uma leitura açodada do inciso I do art. 7º da Constituição Federal poderia levar-nos a sustentar que o Texto Maior abandonou de vez a estabilidade no emprego, reservando à lei complementar apenas e tão-somente uma indenização compensatória quando a dispensa for arbitrária ou sem justa causa.
Interpretação nesse sentido desconsidera, por completo, os elementares ensinamentos de hermenêutica jurídica, pois dissocia o comando inserido no caput do artigo com as disposições constantes dos seus incisos. Ora, a cabeça do art. 7º textualmente diz que são direitos dos trabalhadores os arrolados nos seus incisos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, não se podendo negar que a proteção do emprego constitui inequivocamente uma condição social favorável ao trabalhador.
Logo, é perfeitamente possível coexistir a estabilidade no emprego com a indenização compensatória pela despedida arbitrária ou sem justa causa. E mais, o próprio inciso I do art. 7º, na sua parte final, corrobora essa interpretação quando afirma que a lei complementar, além da indenização compensatória, incluirá outros direitos.
Depreende-se, pois, que as disposições da Convenção 158 da OIT estão em sintonia com o comando constitucional, emergindo daí sua compatibilidade material.
No que atine à compatibilidade formal, sirvo-me dos ensinamentos da eminente FLÁVIA PIOVESAN, que, ao discorrer sobre o § 2º do art. 5º da CF/88, enfatiza que a Carta inova, assim, ao incluir entre os direitos constitucionalmente protegidos os enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário. Ao efetuar tal incorporação, a Carta atribui aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a de norma constitucional [08].
Ainda que não se admita o status de norma constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos, deve-se observar a nova interpretação que o STF tem emprestado a esses tipos de tratados. Com o julgamento do RE-466343/SP (Informativos 449, 450, 498 e 531) a Suprema Corte reformulou sua jurisprudência acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico interno, passando a admitir o status de norma supralegal dessas normas timbradas pela marca indelével dos direitos humanos, situando-as no plano doméstico acima das leis (ordinárias e complementares), mas abaixo da Constituição.
A partir desse novo paradigma jurisprudencial, não se sustenta mais a ultrapassada interpretação que enxergava a inconstitucionalidade formal da Convenção 158, pelo simples fato de a Carta Política de 1988 reservar a regulamentação da matéria à lei complementar (art. 7º, I).
Aliás, ainda que se admitisse o entendimento antes majoritário do STF, no sentido de que os tratados internacionais têm a mesma paridade hierárquica reservada às leis ordinárias, conforme precedente histórico do STF, consubstanciado no julgamento do RE-80.004/SE, não se vislumbra qualquer vício formal na regulação da matéria por meio da Convenção 158 da OIT, pois de acordo com a própria jurisprudência da Suprema Corte inexiste hierarquia entre lei ordinária e lei complementar [09].
Sob essa perspectiva, pode-se enfatizar que a Convenção 158 da OIT não ofende, nem em tese, formalmente a Constituição.
5. JUSTIFICAÇÃO DO TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO – DISPENSA SOCIALMENTE JUSTIFICADA
Ultrapassada a questão alusiva à compatibilidade formal e material da Convenção 158 da OIT com a Constituição Federal, cabe, agora, analisar as hipóteses de justificação do término do contrato de trabalho admitida pela norma internacional, que pode ser considerada como dispensa socialmente justificada [10].
O art. 4 da Convenção 158 da OIT prescreve que não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
A justificativa reconhecida pela norma internacional como hábil a admitir a terminação do contrato de trabalho está assentada em três situações-tipo: i) capacidade do trabalhador; ii) comportamento do obreiro; iii) necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
A primeira situação-tipo (capacidade) pode ser identificada quando o trabalhador não tem o perfil para atividade que lhe é confiada. A deficiência técnica nessas circunstâncias deve ser o fator preponderante para a resilição contratual, que somente poderá ser aferida após o empregador realizar todos os treinamentos necessários para ingresso do operário nas atividades da empresa. A dispensa, em casos tais, somente será considerada lícita acaso o empregador tenha oportunizado ao trabalhador alterar suas funções dentro da empresa, desde que isso seja razoavelmente possível de se exigir do empregador.
No que diz respeito ao comportamento obreiro, a situação-tipo estará configurada quando o comportamento do trabalhador não se alinhar aos padrões éticos e morais exigidos do homem médio. Aquele empregado que tumultua o ambiente de trabalho, que é descumpridor de suas funções e relapso no desempenho de suas atividades poderá ser dispensado motivadamente. Enfim, a dispensa motivada pode ser encontrada na linha divisória entre a falta funcional hábil a ensejar a dispensa por justa causa e o excesso de punição.
Por derradeiro, a dispensa por necessidade de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço. Nessa situação-tipo pode se entender as situações previstas na própria Convenção 158, Parte III, que trata do término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos. Os motivos enunciados na norma internacional encontram ressonância no velho preceito celetista que trata da dispensa arbitrária, ou seja, a dispensa que não se fundar em motivos técnicos, econômicos e financeiros (CLT, art. 165). À guisa de exemplos, pode-se citar as crises econômicas que afetam consideravelmente a produção da empresa (econômico), a instalação de novas tecnologias na produção (tecnológicos) e a fusão e incorporação de empresas, extinção de setores e a terceirização (estruturais ou análogos).
Em qualquer uma dessas situações o empregador, ao pré-avisar o trabalhador da sua dispensa explicitará, por escrito, os motivos e as circunstâncias que deram ensejo à opção de terminação do contrato de trabalho. De posse dessa motivação, caberá ao empregado, se assim lhe aprouver, exercer seu direito de defesa quando a dispensa se fundar em motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho (art. 7º da Convenção 158).
Não concordando o trabalhador com os motivos expostos pela empresa como justificadores da resilição contratual, poderá intentar ação trabalhista (artigos 8, 9 e 10 da Convenção 158 da OIT), com vistas a anular a dispensa e pleitear a reintegração ou a indenização compensatória, sem prejuízo da multa de 40% sobre o saldo do FGTS (ADCT, art. 10, II c/c Lei n. 8.036/1990, art. 18).
6. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA TERMINAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO À LUZ DA CONVENÇÃO 158 DA OIT
A Convenção 158 da OIT, diferentemente do que por muitos sustentado, não confere ao trabalhador estabilidade, tampouco garantia de emprego, mas apenas estabelece limites ao empregador no exercício de seu poder potestativo de resilir o contrato de trabalho, exigindo-se que sejam explicitados no ato da demissão os motivos justificadores da dispensa.
O direito potestativo do empregador de resilir o contrato de trabalho passa a ser obtemperado por circunstâncias objetivas presentes previamente no ato demissionário, constituindo uma forma de despedimento socialmente justificado.
O amplo poder potestativo empresarial que se passou admitir, notadamente a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, que acabou com estabilidade decenal celetista, deu margem às dispensas discriminatórias e fraudulentas. Sob a hipocrisia do livre exercício de direito potestativo de resilir o contrato de trabalho ocultam-se os escusos motivos de convicção filosófica, cor, origem, credo, gravidez, atuação sindical do trabalhador, doença profissional, estabilidade, dentre outras inúmeras causas discriminatórias, além, naturalmente, das dispensas realizadas com o único propósito de contratar nova mão de obra com salários menores.
Na realidade, toda e qualquer dispensa tem sua justificativa. O que a Convenção 158 da OIT exige é que o empregador externe os motivos que levam à demissão de seu trabalhador. O obreiro tem o direito fundamental de saber o porquê está sendo dispensado e, se for o caso, poderá defender-se de eventuais acusações que sobre ele pesam (CF, art. 5º, XIV, XXXIII, LIII e LV). É uma questão de dignidade, pois o mínimo que se espera em relação contratual é a boa-fé dos contratantes, não sendo crível encontrar esse atributo tão relevante no ato dissimulado da dispensa (i)motivada ou sem justa causa.
A vedação ao abuso de direito, que causa a arbitrariedade, não é novidade em nosso ordenamento jurídico, pois, desde a edição do Código Civil de 2002, a lei equipara a ilícito o abuso do direito, quando a parte, a par de exercer um direito, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187).
A motivação do ato demissionário sempre estará presente, ainda que não explicitado. Contudo, a Convenção 158 da OIT exige que essa motivação seja externada para trabalhador, cabendo a este, acaso considere injustificado o término de seu contrato, recorrer a um organismo neutro, que no Brasil é a Justiça do Trabalho, para resolver o caso (art. 8 da Convenção 158 da OIT).
Cabe ao empregador o ônus da prova da existência da causa justificadora do término do contrato (art. 9.2.a da Convenção 158). O motivo da dispensa explicitado pelo empregador ao trabalhador vincula aquele, que somente poderá alegar fato novo na hipótese de circunstâncias supervenientes que impeçam a continuidade do contrato de trabalho.
Da decisão que apreciar o término da relação de trabalho poder-se-á concluir pela: a) legitimidade da dispensa, considerando-a socialmente justificada, cabendo ao trabalhador a percepção da multa de 40% sobre o FGTS a que se refere o art. 10, II, da ADCT; b) arbitrariedade da dispensa, devendo ser anulada e determinada a reintegração do trabalhador; c) arbitrariedade da dispensa, com determinação de pagamento de indenização compensatória na hipótese de ser desaconselhável a reintegração, na forma do art. 496 da CLT. Nessa situação o trabalhador receberá, cumulativamente, a multa de 40% sobre o FGTS e a indenização compensatória que o juiz arbitrar.
Com a nova dinâmica, a terminação do contrato de trabalho passará a gerar as seguintes consequências indenizatórias:
a) dispensa com justa causa (CLT, art. 482): o trabalhador não recebe qualquer indenização;
b) dispensa socialmente justificada (aquela fundada em ausência de capacidade técnica e do comportamento do trabalhador ou em razão de necessidade de funcionamento da empresa, sendo que em ambas o obreiro deve ser cientificado prévia e expressamente): o trabalhador tem direito à multa de 40% sobre o FGTS;
c) dispensa arbitrária reconhecida pela Justiça do Trabalho: o trabalhador é reintegrado no emprego, com pagamento dos salários vencidos e vincendos;
d) dispensa arbitrária reconhecida pela Justiça do Trabalho e desaconselhada a reintegração: o trabalhador tem direito à multa de 40% sobre o FGTS e à indenização compensatória arbitrada pelo julgador.
A justificativa para se manter a multa de 40% sobre o FGTS com a indenização compensatória prevista na Convenção 158 da OIT decorre do fato de serem diferentes as repercussões da dispensa sem justa causa da dispensa arbitrária. Esta resulta de terminação do contrato por abuso de direito do empregador, caracterizado pelo desvio de finalidade do ato demissionário ou a ofensa ao princípio da boa-fé. A dispensa arbitrária é identificada quando não se configurar a incapacidade técnica ou mau comportamento do trabalhador ou quando não houver motivo técnico, econômico ou financeiro da empresa capaz de autorizar a resilição contratual.
Já a dispensa sem justa causa é aquela motivada, mas sem ter como base uma justa causa fixada no art. 482 da CLT, daí porque receber a denominação de dispensa socialmente justificada, ou seja, a dispensa que se funda na capacidade ou no comportamento do trabalhador ou na necessidade de funcionamento da empresa (motivo técnico, econômico ou financeiro).
6. CONCLUSÃO
À luz das disposições dos artigos 49, I e 84, IV e VIII da Constituição Federal, conclui-se que a denúncia da Convenção 158 da OIT, realizada por meio do Decreto n. 2.100/2006, é material e formalmente inconstitucional, cabendo ao juiz, em sede de controle difuso de constitucionalidade, afastar a eficácia do malfadado decreto, restaurando-se a vigência do tratado internacional que trata da dispensa arbitrária do empregado.
A Convenção 158 da OIT traz nova dinâmica para a terminação do contrato de trabalho, que passará a gerar as seguintes consequências indenizatórias: a) dispensa com justa causa (CLT, art. 482): o trabalhador não tem direito a qualquer indenização; b) dispensa socialmente justificada: o trabalhador tem direito à multa de 40% sobre o FGTS; c) dispensa arbitrária: o trabalhador é reintegrado no emprego, com pagamento dos salários vencidos e vincendos; d) dispensa arbitrária em que é desaconselhada a reintegração: o trabalhador tem direito à multa de 40% sobre o FGTS e à indenização compensatória arbitrada pelo julgador.
Bibliografias
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PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
SALET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
___________. Convenções da OIT e Outros Tratados. 3 ed. São Paulo: LTr, 2007.
Notas
- Sobre a denúncia, leciona Hildebrando Accioly: "Denúncia de um tratado é o ato pelo qual uma das partes contratantes comunica à outra, ou às outras, a sua intenção de dar por findo esse tratado, ou de se retirar do mesmo. Constitui, pois, uma declaração de vontade no sentido de fazer terminar o tratado, quando se trata de ato bilateral, ou de se desligar de suas obrigações, quando se trata de ato multilateral" (Manual de Direito Internacional Público, p. 203).
- O reenvio ocorreu com a Mensagem n. 59/2008 do Presidente da República. Atualmente, encontra-se na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público – CTASP da Câmara dos Deputados, tendo recebido parecer contrário na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional. Consultar: www2.camara.gov.br/proposições (acesso em 26.05.2009).
- O tratado-contrato, por outro lado, é subscrito pelos representes dos Estados, identificados e representados pelos respectivos Chefes de Governo (Presente da República ou Primeiro Ministro) ou por quem eles delegarem plenos poderes para o ato. Esses tratados, bi ou plurilaterais, ficam sujeitos, de acordo com Constituição brasileira, a referendo do Congresso Nacional (CF, art. 84, VIII), que decide "definitivamente" sobre eles.
- PONTES DE MIRANDA, apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2001, p. 141.
- REZEK, J. F. Direito Internacional Público – Curso Elementar. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105-109.
- A ADI-1625/ foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura – CONTAG e pela Central Única dos Trabalhares – CUT, em que se busca a declaração de inconstitucionalidade do Decreto n. 2.100/1996. Nessa ação direta já foi proferido o voto do relator, Min. Maurício Corrêa, no sentido de julgar procedente, em parte, a ação, para reconhecer a necessidade de referendo do Congresso Nacional para dar eficácia ao Decreto federal n. 2.100/1996 (Informativo n. 421 do STF).
- SALET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 5 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 432.
- PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 354.
- STF-ADC-1/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 16.06.1995.
- Diz-se socialmente justificada a dispensa motivada na capacidade ou no comportamento do trabalhador ou na necessidade de funcionamento da empresa, por motivos técnico, econômico, financeiro ou estrutural.