RESUMO
O presente trabalho trata da inexigibilidade do título judicial contra a Fazenda Pública por desconformidade com a Constituição Federal de 1988, trazendo à tona, no primeiro capítulo, o contexto histórico em que se deu a inserção, no ordenamento jurídico pátrio, do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil (CPC). Feita esta apresentação, no capítulo seguinte são abordados o conceito de inexigibilidade e as hipóteses previstas naquele dispositivo legal, para, no último capítulo, buscar o sentido e a abrangência do parágrafo único do art. 741 do CPC, apresentando caso emblemático de aplicação de lei tida como incompatível com a Constituição Federal pelo Supremo Tribunal Federal (STF); o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina diante da manifestação do STF; e, ainda, o resultado da pesquisa acerca da abrangência do precedente do STF aos casos de títulos judiciais com trânsito em julgado, na doutrina e na jurisprudência.
Palavras-chave: Fazenda Pública. Título Judicial. Inexigibilidade. Inserção. Parágrafo único, art. 741, CPC. Hipóteses. Sentido. Abrangência.
ABSTRACT
The present work deals with the non-requirement of the judicial order against the Public Finance for discordance with the Constitution of 1988. The first chapter brings the historical context in which the insertion occurred in the legal system of sole art. 741 from Code of Civil Pr (CCP). Following this presentation, the next chapter discusses the concept of the non-requirement and the hypotheses foreseen in that legal device. The last chapter seeks for the meaning of sole paragraph of art. 741 and its scope, presenting emblematic case of application of the law considered incompatible with the Constitution by the Supreme Court (STF); the position of Supreme Court of Santa Catarina before the manifestation of the STF; and it also presents the research results on the scope of STF previous cases of judicial orders in trial court, doctrine and jurisprudence.
Key-words: Public Finance. Judicial order. Non-requirement. Insertion. Sole paragraph, art. 741, CPC. Hypotheses. Meaning. Scope.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO .2 DA INSERÇÃO, NO ORDENAMENTO JURÍDICO, DO PARÁGRAFO ÚNICO NO ART. 741 DO CPC. 3 DA INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO JUDICIAL E DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 3.1DA INEXIGIBILIDADE. ASPECTOS. 3.2 DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4 DO SENTIDO E ABRANGÊNCIA DO ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4.1APLICAÇÃO DE LEI TIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CASO ESPECÍFICO DA MANIFESTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PELA NÃO APLICABILIDADE DA LEI 9.032/95 A SITUAÇÕES PRETÉRITAS. 4.2 DO POSICIONAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA DIANTE DA MANIFESTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ACERCA DA IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA LEI 9.032/95 A SITUAÇÕES PRETÉRITAS. 4.3 DA ABRANGÊNCIA DO PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AOS CASOS DOS TÍTULOS JUDICIAIS COM TRÂNSITO EM JULGADO. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O Diário Oficial da União de 12/04/2000 trouxe ao nosso ordenamento jurídico a Medida Provisória n. 1.997-37, de 11 de abril de 2000, que, no seu art. 3º, estatuía: "O art. 741 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, com a redação dada pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: "Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, é também inexigível o título judicial fundado em lei, ato normativo ou em sua interpretação ou aplicação declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.’". Após sucessivas reedições, a regra permaneceu inserida em Medida Provisória até a Medida Provisória n. 2.180-35, de 24/08/2001, publicada no DOU DE 27/06/2001, que dispôs no seu art. 10º, verbis: " O art. 741 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, com a redação dada pela Lei nº 8.953, de 13 de dezembro de 1994, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: "Para efeito do disposto no inciso II deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal."
Por fim, a Lei 11.232, de 22/12/2005, publicada no DOU de 23.12.2005, no seu art. 5º, veio a denominar o Capitulo II do Título III do Livro II da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, de "DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA" fixando a redação do art. 741 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
I - falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II - inexigibilidade do título;
III - ilegitimidade das partes;
IV - cumulação indevida de execuções;
V - excesso de execução
VI - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;
VII - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. (grifei)
A título de curiosidade, vale mencionar a posição de Humberto Theodoro Júnior no tocante à modificação do texto do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil, da Medida Provisória 2.180-35 para a Lei 11.232/05, quando afirma que houve redução no alcance da defesa fundada em inconstitucionalidade, já que pelo texto anterior era possível a arguição de inexigibilidade do título judicial em duas circunstâncias: a) quando fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal; b) quando calcado em interpretação ou aplicação (de lei ou ato normativo) tidos por incompatíveis com a Constituição Federal. "Assim, havia possibilidade de recusar a execução da sentença, mesmo sem a prévia manifestação do Supremo Tribunal, se se apontasse, nos embargos, uma ofensa direta a algum preceito fundamental constante da Constituição" (THEODORO JUNIOR, 2007, pág. 203)
Feito o registro, interessante observar que a Lei 11.232/2005 tornou o art. 741 do CPC totalmente pertinente às execuções contra a Fazenda Pública, atentando-se, porém, que dispositivo idêntico ao item II e parágrafo único do artigo supramencionado foi, pela mesma lei, inserido no Livro I do Código de Processo Civil, permitindo, assim, que outros títulos judiciais, fora das execuções contra a Fazenda Pública, possam ser questionados nos mesmos moldes, se em desconformidade com a Constituição. Assim, no lugar da execução de título judicial haverá "cumprimento de sentença" e no lugar dos embargos do devedor, haverá "impugnação ao cumprimento da sentença" .
Em outras palavras: o disposto no art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, com a redação dada pela última Medida Provisória, na prática foi desdobrado, pela Lei 11.232/05, nos artigos 475-L e 741, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil , com a redação atualizada.
Anote-se, que o novo texto do art. 741 do Código de Processo Civil passou a ter vigência a partir de 24/06/2006. Explica-se: a 11.232/05, registrou, em seu art. 8º, que "Esta Lei entra em vigor 6 (seis) meses após a data de sua publicação"; considerando-se a regra inserida na LC 95/98, em sua redação atualizada, "A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subsequente à sua consumação integral"; ora, como o texto da 11.232/05 foi publicado no DOU DE 23/12/05, tem-se que vigência deu-se a partir de 24/06/06.
Temos a sublinhar, ainda, que a introdução do instituto por meio de Medida Provisória trouxe à baila a questão da inoportunidade de se introduzir no mundo jurídico matérias relativas ao direito processual civil por meio de referido instrumento.
Processualistas argumentavam que o Poder Executivo estava a desvirtuar a finalidade dessa medida legislativa de emergência, porquanto ausentes estariam os requisitos de relevância e urgência, exigidos na Constituição Federal. No caso específico, sobreveio ação direta de inconstitucionalidade (ADIn 2418-3), movida pelo Conselho Federal da OAB, que recebeu em 07/04/03, da Procuradoria Geral da República, parecer no sentido da procedência da ação em relação ao acréscimo do parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil; certo que o Supremo Tribunal Federal, até hoje, não se pronunciou, em definitivo, acerca da referida Adin, mesmo porque a Medida Provisória já se exauriu com a publicação da Lei n. 10.232/2005, que deu a redação atual do artigo 741 do Código de Processo Civil, inclusive no que toca ao seu parágrafo único.
Além do mais, a Emenda Constitucional no. 32, de 11 de setembro de 2001, reescreveu o art. 62 da Constituição Federal, ofertando nova sinalização às edições de Medidas Provisórias, na tentativa de impedir a vulgarização da utilização do instituto por parte do Poder Executivo, além de limitar as matérias sobre as quais pode versar referido instrumento.
Nessa senda, a Emenda Constitucional n. 32, em seu art. 1º, estatuiu que o art. 62 da Constituição Federal passava a vigorar com a redação seguinte:
Art. 62 - Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I - relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;
II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III - reservada a lei complementar;
IV - já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.
Assim, conforme se observa do par. 1º, I, alínea b, do artigo supramencionado, restou vedada a edição de medida provisória relativa a direito processual civil, fato que veio a trazer forte dose de pacificação na área da edição de Medidas Provisórias. Contudo, a mesma Emenda Constitucional n. 32, mesmo afirmando ser inconstitucional a edição de Medida Provisória pertinente a direito processual civil, assentou, no seu art. 2º, verbis, "As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional"; ou seja, validou a Medida Provisória 2180-35 até a publicação da Lei 11.232/2005.
Em síntese, foi no contexto anteriormente retratado que se deu a origem e a permanência desta nova forma de oposição à execução fundada em título judicial: alegação de inexigibilidade do título judicial por desconformidade com a constituição.
3 DA INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO JUDICIAL E DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
3.1.DA INEXIGIBILIDADE. ASPECTOS
Como já registrado no presente trabalho, a Lei 11.232, de 22/12/2005, publicada no DOU de 23.12.2005, no seu art. 5º, veio a denominar o Capitulo II do Título III do Livro II da Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, de "DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA" fixando a redação do art. 741 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre:
I - falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;
II - inexigibilidade do título;
III - ilegitimidade das partes;
IV - cumulação indevida de execuções;
V - excesso de execução
VI - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença;
VII - incompetência do juízo da execução, bem como suspeição ou impedimento do juiz.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
Como sabido, os embargos são embaraços ou impedimentos que o executado - no caso específico, a Fazenda Pública - utiliza como meio de defesa, resistindo à execução proposta pelo credor.
O art. 741 arrola as hipóteses em que serão aceitos os embargos interpostos pela Fazenda Pública em execução contra si detonada; entre essas encontra-se a hipótese da inexigibilidade do título (item II, art. 741).
Oportuno salientar que a execução contra a Fazenda Pública, dar-se-á, necessariamente, com base em título executivo, sendo que referido documento há que conjugar as características da certeza, da liquidez e da exigibilidade.
ARAKEN DE ASSIS (2002, p. 149 e 152) afirma:
De logo, cabe precisar as noções de certeza, de liquidez e de exigibilidade. Extremando-as, Carnelutti asseverou, egregiamente, que o título é certo quando não há dúvida acerca da sua existência; líquido, quando inexiste suspeita concernente ao seu objeto; e exigível, quando não se levantam objeções sobre sua atualidade.
(...)
O implemento do termo, ou da condição, outorga atualidade ao crédito (art. 572 do CPC). Termo é fato natural, verificado no próprio título, e por esta razão carece de qualquer prova, em princípio, tirante a do chamado termo incerto. Ao contrário, a condição, porque evento futuro e incerto, exigirá prova na petição inicial da ação executória (art. 614, III, do CPC).
Assim, quando o juiz decidir relação jurídica sujeita à condição ou termo, o credor não poderá executar a sentença sem provar que se realizou a condição ou que ocorreu o termo, conforme dispõe o art. 572 do CPC. Essa hipótese, a caracterizar a ausência de exigibilidade de um título judicial, apontava a utilização do inciso II do art. 741 do CPC.
Contudo, com a inserção do parágrafo único ao artigo 741, do CPC, criou-se nova hipótese de título inexigível, qual seja, título judicial em desconformidade com a Constituição, abrindo a possibilidade de novos fatos serem alegados em eventuais embargos à execução, ex vi da redação da referida norma, verbis, "Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal."
Assim, após a introdução do parágrafo único ao art. 741, passou a ser possível o ajuizamento de embargos à execução, alegando-se a inexigibilidade do título judicial, por estar o mesmo com eiva de inconstitucionalidade.
Mais adiante veremos, um a um, os vícios de inconstitucionalidade que permitem a utilização do parágrafo único do art. 741 do CPC.
3.2 DAS HIPÓTESES PREVISTAS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Conforme se verifica do disposto no parágrafo único do art. 741, o efeito rescisório dos embargos à execução há de se exteriorizar quando ocorrer "(...)o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal."
Importante, nesta fase, esclarecer a expressão "ato normativo".
Ato normativo, no sentido do dispositivo, tem por fim explicitar a norma jurídica, como, por exemplo, um decreto.
Porém, não é qualquer decreto que deve ser considerado ato normativo, pois um decreto que declara um imóvel de utilidade pública, para fins de desapropriação, é ato administrativo e não ato normativo (RTJ 161/582). Já uma decisão normativa de Tribunal de Contas é considerado ato normativo, conforme pode ser observado nos autos da Adin n. 1691-1/DF, em que o STF, em caráter liminar, registrou que as decisões do Tribunal de Contas da União proferidas em consultas têm caráter normativo e constituem prejulgamento da tese, nos termos do § 2º do artigo 1º da Lei nº 8.443/92; são, portanto, atos normativos.
Nesse particular, deve-se atentar para a lição de ALEXANDRE DE MORAES (2002, p. 2295) : "...quando a circunstância evidenciar que o ato encerra um dever-ser e veicula, em seu conteúdo, enquanto manifestação subordinante de vontade, uma prescrição destinada a ser cumprida pelos órgãos destinatários, deverá ser considerado, para efeito de controle de constitucionalidade, como ato normativo".
Feitas essas observações, retornemos à análise das hipóteses previstas no parágrafo único do art. 741 do CPC.
Imperioso observar que a solução ofertada pelo parágrafo único do art. 741 não abrange a todos os casos de título judicial em desconformidade com a Constituição, como, por exemplo, no caso de sentença que aplica norma constitucional considerada não auto-aplicável. Utiliza-se, sim, o instrumento rescisório quando o título judicial está fundado na: a) aplicação de lei/ato inconstitucional; b) aplicação da lei/ato a situação considerada inconstitucional; ou, c) a aplicação da lei/ato com uma interpretação tida por inconstitucional.
Há que se atentar a inconstitucionalidade da norma aplicada, quando da elaboração do título judicial, permeia as três hipóteses exteriorizadas no parágrafo único do art. 741 do CPC. A busca da diferenciação entre as hipóteses acima mencionadas se dá através da técnica utilizada para o reconhecimento da inconstitucionalidade.
Vale transcrever, no que toca à interpretação, trecho do voto proferido pelo Ministro Eros Grau no STF, quando do julgamento da ADI 2.797-2/DF:
O intérprete produz a norma jurídica não por diletantismo, porém visando a sua aplicação a casos concretos.
Interpretamos para aplicar o direito e, ao fazê-lo, não nos limitamos a interpretar [= compreender] os textos normativos, mas também compreendemos [= interpretamos] os fatos.
A norma jurídica é produzida para ser aplicada a um caso concreto. Essa aplicação se dá mediante a formulação de uma decisão judicial, uma sentença, que expressa a norma de decisão.
Aí a distinção entre normas jurídicas e norma de decisão.
Esta é definida a partir daquelas.
De outra banda, é importante também observarmos que todos os operadores do direito o interpretam, mas apenas uma certa categoria deles realiza plenamente o processo de interpretação, até o ponto culminante que se encontra no momento da definição da norma de decisão. Este que está autorizado a ir além da interpretação tão somente como produção das normas jurídicas, para dela extrair normas de decisão, é aquele que KELSEN chama de "intérprete autêntico", o juiz.
Partindo do texto da norma [e dos fatos], o intérprete autêntico, no sentido de KELSEN, alcança a norma jurídica, para então caminhar até a norma de decisão, aquela que confere solução ao caso. Somente então se dá a concretização do direito. Concretizá-lo é produzir normas jurídicas gerais nos quadros de solução de casos determinados. A concretização implica um caminhar do texto da norma para a norma concreta [a norma jurídica], que não é ainda, todavia, o destino a ser alcançado; a concretização somente se realiza em sua plenitude no passo seguinte, quando é definida a norma de decisão, apta a dar solução ao conflito que consubstancia o caso concreto.
Por isso sustento que interpretação e concretização se superpõem. Inexiste interpretação do direito sem concretização; esta é a derradeira etapa daquela.
Isso se dá no bojo do controle difuso de constitucionalidade. O juiz apura a constitucionalidade da norma e, em seguida, decide um determinado caso a partir da consideração da norma jurídica geral --- não apenas do texto, pois. Isso é interpretar/aplicar o direito.
Algo diverso ocorre quando esta Corte, na ação direta, declara a inconstitucionalidade do texto. Texto, note-se bem. Então apenas interpretamos, vale dizer, não aplicamos o direito, não obstante possamos decidir afirmando que o texto será compatível com a Constituição se for interpretado de um determinado modo, mas não --- isto é, será inconstitucional --- se for interpretado de outro modo (aí a "interpretação conforme a Constituição", que supõe uma outra interpretação, esta "não conforme a Constituição").
Vê-se para logo coexistirem, entre nós, no mínimo dois intérpretes autênticos da Constituição. Um, aquele que opera o seu controle difuso --- os outros juízes e os juízes desta Corte. Outro, aquele que opera o controle direto da constitucionalidade, nós."
Assim, no caso da primeira hipótese, qual seja, "título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal", estamos diante de uma manifestação do STF que declara a lei inconstitucional - declaração integral ou declaração parcial de inconstitucionalidade com redução de texto.
Já segunda hipótese, - título fundado em aplicação (...) da lei ou ato normativo tida pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com Constituição Federal -, a técnica utilizada é a da declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto, porquanto a norma é válida, ou seja, constitucional, quando aplicada a certas situações, porém inválida, ou seja, inconstitucional, quando aplicadas a outras.
Por derradeiro, na terceira hipótese - título fundado na aplicação da lei com uma interpretação tida por inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - , ocorre quando a sentença dá uma interpretação, dentre outras, à norma, que não vai ao encontro da interpretação que dá sentido harmônico à Constituição, conforme assim declarado pelo STF. Assim, a norma somente é constitucional quando interpretada com determinado sentido.
Em resumo: a utilização do mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais, previsto no art. 741, II, parágrafo único, do Código de Processo Civil, aplica-se às sentenças que: a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo); b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional ou aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo).
Veremos, a seguir, um caso pertinente à hipótese da 2ª parte do parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil.