Da análise do termo "flexibilização trabalhista", infere-se pelo entendimento de "tornar menos rígido" ou "retirar a rigidez" daquilo que é trabalhista, sendo que a relação de trabalho é um conceito jurídico que, no caso do Brasil, possui forte tutela estatal, que busca proteger o hipossuficiente.
A flexibilização no Direito do Trabalho, através da negociação coletiva (autônoma), "tem como base a autonomia coletiva dos particulares, com a participação efetiva dos trabalhadores, das entidades sindicais e das empresas" [01]. Ou seja, a flexibilização é um forte estímulo ao exercício dessa autonomia, através da representação Sindical e da negociação coletiva, cujos instrumentos são as convenções e os acordos coletivos, que, elevados à esfera constitucional, no artigo 7º, XXVI da CF/88, passaram a ser o principal veículo para a flexibilização autônoma.
Pela própria supremacia da Constituição, aplicam-se os princípios do Direito do Trabalho, principalmente o da proteção, em normas constitucionais de cunho trabalhista, destacando-se que a expressão "além de outros que visem à melhoria" do caput do artigo 7º, da CF/88, demonstra que "[...] todo o sistema jurídico trabalhista, a partir do texto constitucional, está fundado no princípio da norma mais favorável, que é a expressão mais eloqüente do princípio da proteção [...]" [02], ou seja, é inválido o dispositivo normativo infraconstitucional que não o considere.
Em consonância com Oscar Uriarte, autor antiflexibilista, não há que se falar em flexibilização do Direito do Trabalho, quando esta se dá por mudanças em normas heterônomas ou autônomas, coletivas ou individuais, que sejam mais favoráveis ao trabalhador. Isso é ínsito às normativas trabalhistas, pois é a manifestação evidente do princípio da proteção que as permeia. A tão propalada flexibilidade é sempre in pejus. [03] Afinal, não "[...] pode o empregador utilizar o instrumento da flexibilização a seu bel-prazer [...]" [04].
Assim, conforme Sílvio Beltramelli Neto [05], a rigidez da CF/88, bem como as bases tradicionalmente positivistas do direito brasileiro ensejam um estudo cuidadoso acerca da flexibilização das normas trabalhistas pela via negocial.
Maurício Godinho Delgado [06] observa que, diferentemente do Direito Comum, no Direito do Trabalho, a norma pode ser de origem estatal ou privada, sendo que o principal critério de sopesamento ou eleição é o da norma mais favorável (princípio da proteção), não podendo haver prevalência sobre normas heterônomas estatais proibitivas.
Nessa perspectiva, tem-se o princípio da adequação setorial negociada, no qual setores do trabalho (empregados/empregadores), devidamente representados, procedem à negociação coletiva, adequando-se ao princípio da proteção, não sendo permitida, durante negociação coletiva, a renúncia unilateral de direitos, somente a transação de direitos passíveis de disponibilidade, que é requisito de validade negocial.
Denis Domingues Hermida [07] explica que o Poder Constituinte Originário limitou-se a permitir a flexibilização, pela via da negociação coletiva, somente nas questões sobre irredutibilidade do salário (artigo 7º, inciso VI), redução ou compensação de jornada (artigo 7º, inciso XIII) e turnos ininterruptos de revezamento com jornada reduzida (artigo 7º, inciso XIV). Ou seja, se estivesse ínsita, no inciso XXVI do artigo 7º da CF/88, a plena flexibilização, sem limitações, mesmo que afrontando o atual Direito do Trabalho, o constituinte originário não teria sido tão específico ao prever a possibilidade de alteração, condicionada à negociação coletiva de trabalho, apenas nos incisos VI, XIII e XIV.
Ainda conforme Sílvio Beltramelli [08], "[...] se houve a preocupação de expressamente fazer a permissão nos três únicos casos [...], significa que a mens legis não intenta a extensão da faculdade aos demais direitos, caso contrário tê-lo-ia feito [...]"
Pela trilha da constitucionalização do Direito do Trabalho, os princípios do efeito integrador, da unidade e o da máxima efetividade da Constituição direcionam a interpretação constitucional à integração e à eficácia social. O princípio da legalidade contido no artigo 5º, II (direito fundamental), e os preceitos do inciso XXII, do art. 7º (redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança) propagam suas diretrizes à interpretação do próprio inciso XXVI do art. 7º, da CF/88.
Logo, nenhum instrumento normativo, oriundo de negociação coletiva, deve ir contra a normatização legal do Estado, pois "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e nem poderá alterar in pejus condições que protegem a integridade, a saúde e a segurança do trabalhador. [09][10]
Assim, tem-se que as negociações coletivas possuem autonomia para flexibilizar direitos trabalhistas, sendo que, além dos limites subjetivos (artigo 8º, incisos III e VI, da CF/88) e dos limites procedimentais (artigos 612 a 625 da CLT), seus limites para a flexibilização, a partir do preceito flexibilizador do artigo 7º, XXVI da CF/88, estão, exatamente e apenas, nos incisos permissivos dessa flexibilização: VI, XIII, XIV, do artigo 7º, da CF/88, presentes, necessariamente, o princípio da proteção, o da adequação setorial negociada (transação de direitos disponíveis), ressalvadas as situações fáticas que envolvam a integridade física do trabalhador, não podendo, também, o resultante instrumento coletivo contrariar norma legal estatal nem lesar demais direitos indisponíveis. [11]
REFERÊNCIAS
BELTRAMELLI NETO, Silvio. Limites da Flexibilização dos Direitos Trabalhistas. São Paulo: LTr Digital 2, 2008.
CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito Individual do Trabalho. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Digital 2, 2007.
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: LTr, 2007.
HERMIDA, Denis Domingues. As Normas de Proteção Mínima da Integridade Física do Trabalhador. São Paulo: LTr Digital 2, 2007.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direito Coletivo Moderno - Da LACP e do CDC ao Direito de Negociação Coletiva no Setor Público. São Paulo: LTr Digital 2, 2006.
SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical. São Paulo: LTr Digital 2, 2007.
SILVA, Tadeu Alexandre de Albuquerque e. Os Limites da Negociação Coletiva no Contexto da Flexibilização Trabalhista. 2008. 88f. Monografia (Bacharelado em Direito) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Foz do Iguaçu, 2008.
URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr Digital 2, 2002.
Notas
- SCUDELER NETO, Julio Maximiano. Negociação Coletiva e Representatividade Sindical. São Paulo: LTr Digital 2, 2007.p.40.
- CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito Individual do Trabalho. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Digital 2, 2007.p.37.
- URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr Digital 2, 2002. p.5-10 passim.
- SANTOS, Enoque Ribeiro dos. Direito Coletivo Moderno - Da LACP e do CDC ao Direito de Negociação Coletiva no Setor Público. São Paulo: LTr Digital 2, 2006. p.85.
- BELTRAMELLI NETO, Silvio. Limites da Flexibilização dos Direitos Trabalhistas. São Paulo: LTr Digital 2, 2008.p.10-25 passim.
- DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6.ed. São Paulo: LTr, 2007. p.1371-1411 passim.
- HERMIDA, Denis Domingues. As Normas de Proteção Mínima da Integridade Física do Trabalhador. São Paulo: LTr Digital 2, 2007. p.64-75 passim.
- BELTRAMELLI NETO, op.cit.
- NASCIMENTO, Amauri Mascaro, 1997 apud HERMIDA, op. cit., p.75.
- HERMIDA, op. cit.
- Ainda se encontram na doutrina entendimentos de que essa flexibilização negociada destina-se a exceções ou a determinadas situações especiais, transitórias ou temporárias, o que nada mais é que a aplicação do princípio da proteção pela situação mais benéfica ao trabalhador, tal como quando Enoque Ribeiro dos Santos afirma que a flexibilização da norma trabalhista, que promove a alteração in pejus "[...] das condições de trabalho resulta numa redução de direitos trabalhistas, mediante negociação coletiva, visando a diminuir os custos e possibilitar ao empregador transpor momentos de crise" (SANTOS, op. cit., 2006. p.85) .