CONCLUSÃO
Ao final deste estudo, espera-se ter contribuído com argumentos jurídicos que viabilizem a efetivação da garantia constitucional de razoável duração do processo, mediante a utilização dos mecanismos existentes em nosso sistema processual civil, amparados nas seguintes conclusões:
I. O sistema processual civil brasileiro, baseado no direito romano, tem como pilar de sustentação o processo de conhecimento, de modo que a parte autora só pode exercer o seu direito depois de exaustivamente provada a sua existência, predominando o princípio da precedência da cognição sobre a execução;
II. Com o afastamento da defesa privada, levada a efeito pelo próprio ofendido, o Estado trouxe para si a responsabilidade de solver o conflito de interesses entre os titulares de um direito objeto da tutela estatal. Assim, o Estado, detentor do monopólio da jurisdição, juntamente com o pretenso titular do direito reclamado e o réu, formam a relação jurídica de Direito Público;
III. Para compor o litígio, o Estado-Juiz faz uso do processo, assim definido como uma série de atos preordenados à produção de um determinado resultado, qual seja, a solução do litígio;
IV. O magistrado, representante do Estado e condutor do processo, outorga a tutela jurisdicional, através da prática de atos decisórios, classificados de acordo com seu conteúdo, em sentenças, decisões interlocutórias e despachos;
V. Os despachos, costumeiramente chamados de despachos de mero expediente, apresentam como característica basilar a irrelevância decisória, frente a ausência de perspectiva de que causem gravame às partes;
VI. Por sua vez, as sentenças são os provimentos pelos quais o juiz diz o direito, através da aplicação dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, encerrando o procedimento em primeiro grau de jurisdição, ou então, pondo fim à controvérsia condizente a um dos pedidos formulados, conforme a redação dada pela Lei n. 11.232/05. A sentença é definitiva quando se pronuncia sobre toda a demanda. Por outro lado, é parcial quando o magistrado se manifestar tão somente quanto a uma das demandas cumuladas, ou parcela desta;
VII. Já as decisões interlocutórias consistem nos atos que tendem a resolver as divergências momentâneas que impedem o regular andamento do feito. São dotadas de cunho decisório e, por conseguinte, atacáveis por meio de recurso;
VIII. A antecipação de tutela foi inserida no ordenamento jurídico vigente com o intuito de tornar a prestação jurisdicional efetiva. A aplicação do art. 273 do Código de Processo Civil possibilita a obtenção de uma decisão de mérito provisoriamente exeqüível, através da antecipação dos efeitos de futura sentença de procedência;
IX. Esta decisão que antecipa os efeitos da tutela é concedida com base em cognição sumária, em um juízo de mera probabilidade, o que a torna reversível e revogável;
X. Como pressupostos concorrentes para o deferimento da medida tem-se a prova inequívoca e a verossimilhança do direito alegado. Já os requisitos alternativos consistem no receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso de direito de defesa ou manifesto protelatório do réu;
XI. Por força da Lei n. 10.444, de 07 de maio de 2002, o instituto foi aperfeiçoado para possibilitar a fungibilidade das medidas de urgência. Além disso, a reforma processual, com a inserção do § 6º ao art. 273, criou uma nova técnica que permite ao magistrado antecipar a tutela pretendida na inicial em razão da incontrovérsia parcial do objeto do processo;
XII. O reconhecimento jurídico de um pedido pode se dar de forma total, quando haverá a extinção do processo, ou então, de modo parcial. Neste caso, como pressuposto, ter-se-á a existência de um pedido suscetível de fracionamento, o que torna desnecessário o julgamento do feito num único momento quando um dos pedidos (ou parcela deste) prescindir de instrução;
XIII. O próprio Código de Processo Civil vigente, em algumas passagens, reconhece a possibilidade de serem proferidas sentenças sucessivas em um mesmo processo, como na ação de prestação de contas e divisão;
XIV. A tutela antecipada fundada na técnica da incontrovérsia do pedido, com a aplicação do § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, veio a possibilitar a distribuição mais equânime do ônus do tempo do processo, evitando-se que o autor aguarde pelo desfecho de toda demanda para obter do bem da vida almejado e que não mais se encontra resistido;
XV. Apesar do instituto receber o nome de tutela antecipada, deve ser aplicado de acordo com a sua finalidade, qual seja, fracionar o mérito da causa de modo a possibilitar a resolução parcial da lide quando um pedido, ou parcela deste, mostrar-se incontroverso. Se assim não fosse, bastaria a aplicação do caput do art. 273 do Código de Processo Civil que alcança a hipótese em análise;
XVI. Esta decisão parcial não se funda em convicção de verossimilhança, mas sim, trata de tutela fundada em cognição exauriente, dispensando, portanto, o requisito do perigo da demora imprescindível ao instituto da antecipação de tutela. Por tal razão, não se mostra necessário observar o perigo da irreversibilidade e o requerimento da parte;
XVII. Trata-se de um verdadeiro julgamento antecipado e parcial da lide, que desafia o recurso de apelação e, tão logo transite em julgado, possibilita a execução definitiva;
XVIII. Aplica-se às hipóteses de reconhecimento jurídico do pedido, transação, renúncia, revelia, contestação genérica, confissão, ou quando um dos pedidos prescindir de dilação probatória;
XIX. Em face do acentuamento da demora da prestação jurisdicional, em razão das inúmeras demandas aforadas, o instituto analisado surge como uma alternativa à concretização do direito fundamental a uma efetiva tutela jurisdicional, ao possibilitar que a pretensão da parte autora seja alcançada por meio de duas ou mais sentenças, cada qual ao seu tempo;
XX. Possibilitada a resolução definitiva e fracionada da causa, como conseqüência inafastável ter-se-á a superação do princípio da unidade e unicidade da prestação judicial, que nada mais era do que um dogma de ordem cultural e conservadora estabelecido no direito positivo.
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NOTAS
- No direito germânico ocorria situação idêntica, como se extra da análise do instituto da penhora privada, "[...] através da qual quem se dizia credor, por sua própria iniciativa, apossava-se, executivamente, dos bens daquele a quem atribuía a condição de seu devedor. Quem sofria a penhora arbitrária é que deveria, como autor, buscar a proteção jurisdicional, procurando demonstrar a arbitrariedade ou o abuso cometido pelo autor da penhora, de modo que a fase, ou o fenômeno cognitivo, era uma eventualidade que poderia nem mesmo ocorrer, caso aquele que sofrera a execução privada não o provocasse" (LIEBMAN apud SILVA, 2006, p. 13-4).
- Um exemplo dessa nova condição é o sentido dado à eqüidade, valor supremo do direito romano. Na concepção clássica, eqüidade condizia com a correta aplicação das normas e princípios do ordenamento vigente. Já no direito romano tardio, a eqüidade significava clemência cristã.
- O doutrinador cita como exemplo a decisão do magistrado que determina a citação do réu, o que classifica com despacho de mero expediente, já que não ocorre a preclusão quanto aos requisitos da petição inicial, que poderão ser analisados posteriormente. Todavia, caso seja determinada a emenda da inicial, o juiz estará proferindo uma decisão interlocutória, visto que analisou a exordial e verificou alguma irregularidade que necessita ser sanada. Outrossim, o juiz poderá também indeferir esta petição inicial, o que sem dúvida será uma sentença (WAMBIER, 2002, p. 173).
- Chiovenda (2000, p. 37-8), considerando a forma e o conteúdo do ato, somado ao prazo para seu proferimento, eficácia e possibilidade de recurso, distinguiu despachos de mero expediente de decisão interlocutória, classificando o primeiro como o que dispõe simplesmente sobre o andamento do processo, sendo em grande número, já que cada passo adiante nos autos é efeito de um despacho. Banda outra, caracterizou decisão interlocutória como ao ato que decide as questões controversas relacionadas à regularidade e à marcha processual sem, contudo, pôr-lhe fim.
- A irrelevância dos despachos, se comparados com as decisões interlocutórias, frente a inexistência da perspectiva de que causem gravame aos litigantes, fez com que se albergasse a regra de que são irrecorríveis, conforme previsão expressa do art. 504 do Código de Processo Civil. Este critério do prejuízo foi o eleito por Aragão (1976) para distinguir os despachos das decisões interlocutórias. Sustenta o jurista que um pronunciamento poderia ser classificado como despacho ou como decisão interlocutória, de acordo com as circunstâncias. Entretanto, este critério de recorribilidade em razão do prejuízo foi revisto diante da proliferação dos agravos, recurso cabível contra decisão interlocutória. O uso excessivo do recurso foi apontado como um dos pontos de estrangulamento do sistema. Frente a este contexto, a reforma processual ocasionada pela Lei n. 11.187 de 19 de outubro de 2005 alterou o regramento do agravo, transformando em regra geral seu manejo na forma retida, deixando para hipóteses excepcionais a sua interposição por instrumento. Com isso, espera o legislador que o número de recurso interposto contra as decisões interlocutórias diminua, desafogando os tribunais Superiores (WAMBIER, 2006).
- A referida alteração entrou em vigor recentemente, em 23 de junho de 2006. Até então, sentença era definida como "[...] o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa" (BRASIL, 2006, p. 623).
- Denomina-se ação executiva lato sensu aquela em que a execução do direito declarado na sentença é realizado no mesmo processo. A sentença, baseada em uma cognição plena e exauriente, apenas declara o direito e determina a realização de atos materiais tendentes a realizá-lo. Com exemplo, podem-se citar as ações que tem por objetivo o cumprimento de dever de fazer ou não fazer, prevista no art. 461 do Código de Processo Civil e as ações para entrega de coisa, disposta no art. 461-A do mesmo diploma (WAMBIER, 2006).
- Convém ressaltar que, embora o procedimento não finde com a sentença, já que, na seqüência serão realizados atos executivos, não é permitido que o próprio magistrado reveja seu julgamento, por força no disposto no art. 475-G do Código Processual Civil (BRASIL, 2006, p. 656).
- A possibilidade da sentença extinguir o processo nada mais é do que um efeito processual seu (DINAMARCO apud WAMBIER, 2002, p. 31).
- Ilustrando tal possibilidade, o exemplo trazido por Dall’Alba: "Para testar a tese, é só lembrar a ação de prestação de contas, art. 915, parágrafos 1º e 2º, quando, num primeiro momento temos uma sentença que decide sobre o direito de prestar contas e em seguida há uma segunda sentença, que decidirá sobre as contas propriamente. [...] Trata-se de uma hipótese de sentença parcial, porquanto embora a primeira sentença, se positiva, não encerre o procedimento, será apelável" (2005, p. 365).
- Sobre este princípio, Marinoni destaca: "Em uma primeira análise, o CPC não permite o fracionamento do julgamento do pedido ou de um dos pedidos cumulados. É que sua originária estrutura é marcada pelo princípio da unidade e da unicidade do julgamento. Esse princípio quer expressar que o mérito não deve ser resolvido pelo juiz em partes, pois seria mais adequado considerar toda a sua extensão quando do julgamento. Como conseqüência lógica, o processo deveria viabilizar somente uma oportunidade – uma sentença – para sua solução" (2004, p. 141) [grifo do autor].
- O ato do juiz dizer o direito, nada mais é do que o exercício da jurisdição, assim definida como a função precípua do Estado, que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, através da substituição da atividade dos particulares pela atividade dos órgãos públicos, estes representados na pessoa de um terceiro imparcial – o magistrado (SILVA, 1998).
- "A inserção do instituto da tutela antecipada no Direito Processual revelou a clara distinção entre a tutela e os efeitos da tutela; estes últimos são os únicos capazes de serem objeto de uma antecipação judicial. Com efeito, a proteção ou tutela jurisdicional, na realidade, somente ocorre após o trânsito em julgado da sentença proferida no processo de conhecimento. Antes disso, permite-se a antecipação de um, alguns ou todos os efeitos dessa tutela" (CUNHA, 2004, p. 6) [grifo do autor].
- Segundo Leonardo José Carneiro da Cunha (2004, p. 10) "[...] a cognição pode ser considerada nos planos vertical e horizontal. Neste último, a cognição diz respeito à matéria processual, às condições da ação e ao mérito, podendo ser limitada ou ampla. Será limitada, para alcançar-se maior celeridade no processo, quando a lei restringir a causa de pedir ou a amplitude da defesa, limitando a cognição a ser exercida pelo juiz. [...] Já a cognição ampla, no plano horizontal, permite que as partes aleguem qualquer matéria, não restringindo igualmente a análise judicial, tal como sucede, por exemplo, no procedimento comum, seja ele sumário, seja ele ordinário. A cognição vertical, que está relacionada à profundidade da análise judicial, divide-se em cognição sumária e cognição exauriente. Enquanto a sumária constitui aquela cognição superficial, menos aprofundada no âmbito vertical, decorrente de mera probabilidade ou verossimilhança, a cognição exauriente decorre do juízo de certeza, em razão de uma incontrovérsia ou da produção de todas as provas possíveis no processo" [grifo do autor].
- "A reversibilidade diz com os efeitos decorrentes do cumprimento da decisão e não com a decisão em si mesma. Esta, a decisão, é sempre reversível, ainda que sejam irreversíveis as conseqüências fáticas decorrentes do seu cumprimento. A reversibilidade jurídica (revogabilidade da decisão) deve sempre corresponder o retorno fático ao status quo ante" (ZAVASCKI, 1997, p. 97) [grifo do autor].
- Pertinente acrescentar a colocação feita por Didier Jr., em artigo publicado no ano de 2002, no qual afirmava ser inconcebível que o provimento antecipatório, fundado em cognição sumária, efetivava-se imediatamente, ao passo que a decisão definitiva, sacramentada pela coisa julgada e lastrada em cognição exauriente, exigisse um processo executivo e, ainda, possibilitasse ao réu uma manifestação defensiva – embargos à execução, que sustasse o seu prosseguimento (p. 712). A incongruência de fato existia, tanto que foi objeto de alteração pela lei n. 11.232/05, que eliminou o processo de execução de título judicial, possibilitando a execução do julgado nos próprios autos do processo de conhecimento, mediante simples requerimento da parte interessada, tão logo tenha transitado em julgado a decisão final (DIDIER JR., 2002).
- "Não se deve, portanto, indeferir tutela antecipada simplesmente porque a providência preventiva postulada se confundiria com medida cautelar, ou rigorosamente, não se incluiria, de forma direta, no âmbito do mérito da causa. Havendo evidente risco de grave e de difícil reparação, que possa, realmente, comprometer a efetividade da futura prestação jurisdicional. Não cometerá pecado algum o decisório que admitir, na liminar do art. 273 do CPC, providências preventivas que, com mais rigor, deveriam ser tratadas como cautelares. Mesmo porque as exigências para o deferimento da tutela antecipada são maiores do que as da tutela cautelar" (THEODORO JR. apud DIDIER JR., 2002, p. 722).
- O permissivo legal aponta três situações em que se mostra possível o julgamento antecipado da lide: a) quando a questão de mérito é unicamente de direito; b) quando a questão meritória é de direito e de fato, contudo, prescinde de produção de prova em audiência; e, c) quando ocorrer a revelia e seus efeitos. Nestes casos, estando o processo suficientemente instruído, pelo princípio da economia processual, o juiz, desde logo, profere sentença examinando a lide posta a sua apreciação (SANTOS, 2004).
- "Art 277. Pronuncia sul merito. [1] Il Collegio nel deliberare sul merito deve decidire tutte le domande proposte e le relative eccezioni, definendo il giudizio. [2] Tuttavia il Collegio, anche quando il giudice istruttore gli ha rimesso la causa a norma dell’art. 187 primo comma, può limitar ela decisione ad alcune domande, se riconosce che per esse soltanto non sai necessária un’ulteriore istruzione, e se la loro sollecita definizione è di interesse apprezzabile per la parte che ne ha fatto istanza" (JORGE, 2003, p. 70).
- Como exemplo, o doutrinador cita uma determinada ação em que são cumulados dois pedidos, um de resolução do contrato, e outro de ressarcimento dos danos. Nessa situação, baseado no art. 277 do Código de Processo Civil, o juiz pode declarar a resolução do contrato, pedido que se mostra incontroverso, e remeter para instrução o de ressarcimento de danos, de forma que "[...] se qualquer coisa acontecer com a demanda que decide sobre o ressarcimento do dano, tudo isso não poderá nunca neutralizar o que fora decidido na ordem ao diverso direito substancial, que fora objeto da sentença parcial definitiva" (LUISO apud DALL’ALBA, 2005, p. 366-7).
- O caput do art. 269 do Código de Processo Civil possuía, até a edição da Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, a seguinte redação: "Extingue-se o processo com julgamento de mérito: [...]" (BRASIL, 2006, p. 633). Atualmente, com a entrada em vigor da lei supra citada, foi eliminado o verbo "extinguir", assumindo a seguinte redação: "Haverá resolução de mérito: [...]" (BRASIL, 2006, p. 633). A modificação foi "para deixar claro o que, a rigor, já ocorria nas ações executivas lato sensu: a sentença em tais ações proferidas, mesmo que não impugnada, não marca necessariamente a fase derradeira do processo, mas abre espaço para que os atos de satisfação do direito reconhecido na sentença sejam realizados" (WAMBIER, 2006, p. 60) [grifo do autor].
- A prolação de uma decisão parcial com a resolução de mérito, baseada em algum dos incisos do art. 269 do Código de Processo Civil, pode ser visualizada quando, por exemplo, "[...] o juiz indefere a petição inicial em relação a um dos autores da ação, em razão da decadência do seu direito, ou quanto há transação em relação a um dos pedidos" (WAMBIER, 2006, p. 60).
- Conseqüência da necessidade de instrução é a imposição de uma maior duração do processo, tendo em vista que o Estado-Juiz é um terceiro eqüidistante, que não possui conhecimento dos fatos, e necessita saber quem tem razão, obrigando-se a analisar o fundamento jurídico e as provas produzidas pelas partes (DORIA, 2003, p. 79-80).
- Aliás, tanto é verdade sua preocupação que o legislador, através da Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, acrescentou o inciso LXXVIII ao art. 5º da Carta Magna, conferindo-lhe a seguinte redação: "[...] a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (BRASIL, 2006, p. 15), de tal modo que a rápida solução para o processo é direito fundamental a ser salvaguardado por todos os seus operadores, abreviando-se o tempo e evitando-se, assim, protelações maliciosas e demoras injustificáveis (CARNEIRO, 2002, p. 2).
- "Até o advento da Lei 10.444/02, silenciava o Código sobre a viabilidade jurídica de incidência do instituto da tutela antecipada, nas hipóteses em que, após a contestação, um dos pedidos formulados cumulativamente pelo autor se tornasse incontroverso ou parcela de um deles. A doutrina mais lúcida e a jurisprudência não hesitaram em admitir a hipótese em exame, sobretudo por uma questão de lógica e absoluta coerência com o próprio sistema, agora recepcionada no § 6º do art. 273 do CPC" (FIGUEIRA JUNIOR apud DORIA, 2003, p. 82).
- "Essa decisão futura (possivelmente uma sentença) nem sequer precisa ser de mérito. Pode o magistrado, por exemplo, não examinar a parte restante do mérito, e nem por isso a resolução restaria prejudicada necessariamente. É que, se não tiver havido recurso da decisão que fracionou o julgamento, haverá coisa julgada, que somente poderá ser desconsiderada via ação rescisória. Frise-se, mas uma vez: são duas (ou mais) decisões de igual porte (a que fracionou e a final), sem qualquer distinção ontológica nem vínculo de subordinação, distinguindo-se tão-só na qualificação jurídica como ato do juiz (sentença ou decisão interlocutória), cuja finalidade é eminentemente prática: revelar o recurso cabível" (JORGE, 2003, p. 72).
- "O pressuposto de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, previsto no inciso I do art. 273 do CPC, não será exigido. Não se trata efetivamente de tutela de urgência (em sentido estrito), mas sim de tutela de direito evidente. Tanto que o fundamento constitucional desta modalidade de tutela antecipada não é a harmonização de uma colisão de direitos fundamentais, mas, como ensina Zavascki, ‘simplesmente uma ação afirmativa em benefício do princípio constitucional da efetividade’" (VAZ, 2006, p. 135).
- A irreversibilidade está relacionada com a provisoriedade, própria dos atos resultantes de cognição sumária, baseados em probabilidade ou verossimilhança, o que não é o presente caso (CUNHA, 2004, p. 10).
- "Para que determinado pronunciamento judicial esteja apto a fica imune pela coisa julgada, terá ele de preencher quatro requisitos: a) o provimento há de ser jurisdicional (a coisa julgada é característica exclusiva dessa espécie de ato estatal); b) o provimento há que versar sobre o mérito da causa (objeto litigioso), pouco importa se o mérito tem natureza material (regra) ou processual (rescisória ou embargos à execução, p. ex.), bem como se o provimento é sentença, acórdão ou decisão interlocutória; c) mérito este analisado em cognição exauriente; d) tenha havido a preclusão máxima (coisa julgada formal), seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo não-uso delas" (DIDIER JR., 2002, p. 718).
- Como afirma Oliveira (apud DALL’ALBA, 2005, p 368), "[...] é claro que não basta abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo sem dilações ou formalismos excessivos".
- "Art. 334. Não dependem de prova os fatos: [...] III – admitidos, no processo, como incontroversos;" (BRASIL, 2006, p. 641).
- Didier Jr. (2002, p. 718) defende que entre estas duas hipóteses há uma diferença procedimental. Refere que mesmo que em ambos os casos seja possível ao magistrado aplicar o dispositivo legal de ofício, como já acentuado, na incontrovérsia por autocomposição é desnecessária a intimação prévia dos contedores para que se possa solver o mérito parcialmente, já que se trata de uma decisão autocomposta. Banda outra, sendo a decisão parcial através do julgamento antecipado, assevera que é imprescindível a prévia intimação das partes para que tomem conhecimento da abreviação da rota procedimental, com a dispensa da produção probatória, como garantia do contraditório. Neste ponto, razão não assiste ao doutrinador, na medida em que, uma vez estando o pedido, ou parcela dele, maduro para julgamento, não há razão para que sejam as partes intimadas de tal situação. Se não soa razoável exigir o prévio requerimento da parte interessada, menos ainda a comunicação da possibilidade, ainda mais que sobre os pontos suscitados pelo autor, já foi possibilitado o contraditório.
- "Com efeito, quando se tratar de cumulação simples não existe qualquer problema, exatamente porque entre eles inexiste conexão objetiva, vez que a lei só exige conexão subjetiva (cf. CPC, art. 292). Na cumulação sucessiva um pedido é prejudicial do outro ou outros, de modo que julgada a causa prejudicial em determinada direção o juiz deve rejeitar o pedido ou os pedidos prejudicados. Assim, p. ex., cumulados os pedidos de declaração de paternidade, alimentos e petição de herança se rejeitado primeiro, rejeitados estarão os demais; se acolhido o primeiro, os demais poderão ser acolhidos ou rejeitados. Deste modo, não há como se falar em julgamento parcial na hipótese. Mas, em tese [...], é possível o reconhecimento do pedido prejudicial e o não reconhecimento do pedido atinente à causa prejudicada. Assim, p. ex., se possível o reconhecimento do pedido no exemplo dado, o réu pode reconhecer o pedido de paternidade, mas não o de alimentos, ou reconhecer ambos, mas não reconhecer o pedido de herança. No caso de cumulação alternativa é logicamente impossível o julgamento parcial da causa. É que, no caso, fala-se em cumulação de pedidos por força de expressão, ou seja, faz-se dois ou mais pedidos, mas só um poderá ser tutelado, observando-se a ordem sucessiva posta na inicial. Se o autor pede a ou b, e o réu reconhece o pedido a o caso é de julgamento final. Se reconhece apenas o pedido b é necessário ouvir o autor para dizer se insiste com o pedido a ou concorda com o reconhecimento, caso em que também haverá julgamento final, e assim sucessivamente, se existirem outros pedidos subsidiários." (SOUZA apud DIDIER JR., 2002, 715) [grifo do autor].
- Além, importante referir que por força do princípio de eventualidade, todas as defesas do réu devem ser formuladas concomitantemente, ou seja, de uma só vez, como medida de previsão para o caso da primeira defesa oferecida ser rejeitada, hipótese em que será apreciada a subseqüente (SANTOS, 2004).
- Nesse sentido, Passos (apud MARINONI, 2003, p. 111) discorreu: "Há, por conseguinte, em face do novo Código, um ônus de impugnação atribuído ao réu, no tocante aos fatos alegados pelo autor, em sua inicial, como igual ônus cabe ao autor quanto aos fatos extintivos e impeditivos postos pelo réu em sua contestação, quando sobre eles tiver que se manifestar (art. 326). O princípio é salutar e sua admissibilidade, em termos mais rigorosos que os vigentes no direito anterior, será arma poderosa contra a chicana e o desnecessário e desmoralizante retardamento dos processos".
- Importante ressaltar que o parágrafo único do art. 302 do Código de Processo Civil prescreve que a regra do caput não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial, e ao órgão do Ministério Público. Nestes casos, é admitida a contestação genérica.
- Conveniente acrescentar a distinção feita por Aragão (apud MARINONI, 2003, p. 125): "[...] a confissão visa a facilitar ao juiz o julgamento da lide, dado que", pela admissão da veracidade dos fatos, diminui a matéria probatória a ser examinada, ao passo que o reconhecimento implica em afastar o julgamento do juiz, uma vez que a parte, admitindo a procedência do pedido do outro litigante, torna desnecessário o próprio pronunciamento judicial".
- "Se é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito evidente, a defesa, como é óbvio, não pode postergar a sua realização. Não admitir a tutela antecipatória, em situações como a aqui imaginada, é desconsiderar o princípio que é injusto obrigar o autor a esperar a realização de um direito evidente, e ainda favorecer o uso de defesas abusivas que, como se sabe, visam apenas a arrancar vantagens econômicas do autor em troca do tempo do processo" (MARINONI, 2002, p. 154) [grifo do autor].
- Apesar da redação do dispositivo examinado prever que a tutela jurisdicional será antecipada ao autor da demanda nos casos de incontrovérsia do pedido (ou parcela deste), não se pode olvidar que o seu fim precípuo é a instrumentalidade do processo, minimizando os prejuízos causados pelo decurso do tempo. Nesta seara, vislumbra-se que muitas vezes, não é somente o autor que possui interesse no célere desfecho da demanda, mas também o réu, que arca com o seu alto custo. Desse modo, uma vez estabelecida a relação jurídica, oportunizado o contraditório, e demonstrado desde logo que ao autor não assiste razão quanto à parcela de seu pedido inicial, porque não julgar imediatamente esta porção do mérito? Ora, se de fato ocorreu a mitigação do princípio da unidade e unicidade do julgamento, não há óbice para que seja, também, proferida uma sentença parcial, mas de improcedência. Exemplo de fácil visualização desta situação no dia-a-dia forense é a hipótese em que são formulados dois pedidos pelo autor, todavia, com relação a um deles já se operou a decadência, ao passo que o outro imprescinde de instrução.