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O papel do Ministério Público em relação a direitos fundamentais que demandam ação estatal

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Agenda 23/09/2009 às 00:00

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Ministério Público ganhou notório destaque depois da Constituição Federal de 1988. Sua autonomia permitiu-lhe fiscalizar a ação do Estado não apenas no combate à corrupção, mas também na luta pela efetivação de direitos fundamentais. Esse significativo avanço institucional ainda está em processo de consolidação.

Nesta pesquisa, registramos a evolução nos últimos anos dos passos do MP no sentido de buscar efetivar direitos proclamados. Já há nítida pressão de alguns órgãos ministeriais para que o Estado, grande proclamador e violador de direitos, possa ofertar serviços de melhor qualidade. Mediante a independência alcançada, o MP instaura procedimentos, remete ofícios, vai à imprensa. Mas ainda há uma longa trilha a percorrer: o MP está trabalhando bem aquém do seu potencial. Ainda não investiga o suficiente, padece do vezo do Judiciário de só agir por iniciativa de outrem e também se auto-fiscaliza de maneira insuficiente.

Quiçá o Ministério Público esteja atuando de maneira sobrecarregada e, por isso, impedido de adotar atitudes mais ousadas (manejar amplamente seus poderes investigatórios, ir ao fórum dar andamento aos processos, buscar saídas juntamente com outros órgãos da sociedade civil, iniciar investigações de ofício mediante cruzamento de informações e averiguações in loco, etc.); mas talvez também alguns membros da instituição ainda não hajam acordado para seu atual papel institucional diferenciado em relação ao de defensor do Estado, como ocorria antes da Constituição Federal de 1988.

Em relação à exigibilidade dos direitos fundamentais, notamos que alguns juristas não conseguem perceber os limites do direito. Não basta assegurar, formalmente, um direito qualquer numa lei qualquer. Há que garantir também os meios de efetivá-lo, o que não raro envolve mecanismos extrajurídicos, como limitações econômicas, razões histórico-culturais e mesmo embaraços políticos.

Por analogia, aplica-se ao Direito o que Keynes recomendou aos economistas: "Não devemos superestimar a importância da economia, ou sacrificar às suas supostas necessidades outras coisas de maior e mais permanente significação. Seria ótimo se os economistas pudessem fazer de si mesmo uma idéia mais humilde, como pessoas tão competentes como os dentistas." [30] Em suma, o economista inglês sugeriu a seus colegas: modéstia no emprego da economia. Assim também dizemos aos defensores da imediata e total exigibilidade judicial dos direitos fundamentais: modéstia na aplicação do Direito. Não que sua concretização seja indesejável, mas para materializá-la é preciso mais do que garantir sua formalização. Deixemos de lado as opções meramente retóricas e adotemos aquelas que, embora menos midiáticas, sejam mais eficazes para universalizar os direitos fundamentais prestacionais.

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REFERËNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOVICH, Víctor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Editorial Trotta, 2002.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

CAPPELLETTI, Mauro e BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.

COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público e os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto (Org). Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

IHERING, Rudolph von. L´Espirit du Droit Romain, citado por OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997.

KEYNES, John Maynard. Economic Possibilities for Our Grandchilden. Londres, 1930, citado por BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington. São Paulo: PEDEX, caderno 6º, 1994.

LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

MAZZILLI, Hugo Nigro. Ministério Público. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2003.

MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.

SANTOS, Ana Queiroz. Mas a que vêm as ações públicas?... Breve relato sobre os resultados de uma pesquisa. Livro de Teses, Vol. 02, 1999.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.

TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Evolução, Estado Atual e Perspectivas. Porto Alegre: Fabris Editor, 1997.


Notas

  1. Há certa controvérsia taxonômica em torno das denominações "gerações" e "dimensões". Alguns autores defendem o termo dimensão, alegando que o termo geração perpassa as falsas idéias de que a proclamação desses direitos se sucedeu com grande rigidez cronológica, além de que, vinda uma nova geração, perderia a vigência a geração anterior de direitos. Optamos, todavia, pelo termo geração em razão da flacidez do argumento em contrário e por motivo de já estar essa expressão consagrada bibliograficamente.
  2. Existe também uma polêmica doutrinária em relação ao caráter prestacional dos direitos de segunda geração. Alega-se que os direitos de primeira geração também exigem, por vezes, prestações estatais. Mas parece-me inequívoco que se haverá de perceber qual o caráter preponderante dos direitos discutidos, com base em que se pode afirmar que os de segunda geração são eminentemente prestacionais ao contrário dos de primeira, quando sobressai o caráter de abstenção estatal.
  3. LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
  4. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Proteção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Evolução, Estado Atual e Perspectivas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997.
  5. ABRAMOVICH, Víctor e COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Editorial Trotta, 2002.
  6. Posfácio de Luciano Oliveira (Ou: últimas observações de um orientador) em LIMA JÚNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
  7. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 2000. p. 584/585
  8. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2002. p. 44/45
  9. CAPPELLETTI, Mauro e BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.
  10. Mesmo positivada no Código de Defesa do Consumidor, a distinção entre interesses difusos, coletivos e transindividuais continua polêmica. Nesta obra, empregaremos as expressões indistintamente.
  11. Vide a respeito das ações civis públicas o seguinte trabalho: SANTOS, Ana Queiroz. Mas a que vêm as ações públicas?... Breve relato sobre os resultados de uma pesquisa. Livro de Teses, Vol. 02, 1999.
  12. MAZZILLI, Hugo Nigro. O Ministério Público na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989.
  13. MAZZILLI, Hugo Nigro. Ministério Público. São Paulo: Editora Damásio de Jesus, 2003.
  14. Estatuto do MPPE (Lei Complementar estadual nº 12/1994), arts. 1º e 4º, IV, a; LOMPU (Lei Complementar nº 75/1993), arts. 1o, 5o e 6o; Constituição Federal, art. 127.
  15. Extrajudicialmente, o MPPE adota três tipos de procedimentos investigatórios: PA (procedimentos administrativos), PIP (procedimento investigatório preliminar) e ICP (inquérito civil público). A diferença entre eles, em síntese, diz respeito à rigidez dos ritos e à fiscalização dos órgãos superiores do MP. O primeiro é o mais fluido, ao passo que o último é o mais regulado.
  16. CAPPELLETTI, Mauro e BRYANT, Garth. Acesso à justiça. Porto Alegre: Fabris Editor, 1988.
  17. Para classificar os numerosos procedimentos, adotamos em parte a classificação constante do livro próprio da Promotoria de Saúde, mas inserimos novos conceitos. Assim ficaram os objetos divididos em quatro grupos: possíveis irregularidades no atendimento; falta de material / medicamento; erro médico; internação involuntária; outros (adiamento de cirurgia, maus tratos, fuga de paciente, etc.).
  18. Note-se que, na Promotoria de Saúde, as representações atinentes a interesses transindividuais são remetidas sobretudo pela sociedade civil organizada. Embora a maior quantidade de representações seja remetida por pessoas físicas, as irregularidades por estas apontadas em geral dizem respeito a interesses individuais.
  19. IHERING, Rudolph von. L´Espirit du Droit Romain, citado por OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997.
  20. Informação da Associação dos Defensores Públicos do Estado de Pernambuco, divulgada no Jornal do Commercio, Cidades, de 12 de maio de 2004, p. 5. Nesse texto consta ainda a informação de que, em razão da carência de defensores, nos últimos anos foram fechados três setores da instituição: Contestação, Defesa da Mulher e Centro de Defesa do Idoso.
  21. Informação do Newsletter Síntese, Síntese Publicações, de 10 de abril de 2003. A título comparativo, o informativo coteja o número de defensores com os 639 procuradores da república e os 1300 juízes federais.
  22. Vide Lei Complementar nº 75/1993 (Estatuto do Ministério Público da União), art. 7º e Lei federal nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), arts. 26 e 27 e Lei Complementar estadual nº 12/1994 (Estatuto do Ministério Público de Pernambuco), art. 6º.
  23. op. cit. (Acesso à justiça)
  24. Não se quer dizer, com isso, que não haja emprego incorreto de recursos ou corrupção. Embora se reconheça esta realidade, há que reconhecer igualmente que, mesmo superadas essas dificuldades, permaneceriam sendo insuficientes os recursos públicos para atender a todas essas demandas no curto prazo.
  25. op. cit. (Mas a que vêm as ações civis públicas...)
  26. op. cit. (Curso de Direito Administrativo)
  27. COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público e os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto (Org.). Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
  28. Nesse sentido, foi ajuizada em maio de 2004 uma ação civil pública pela Procuradoria da República em Pernambuco contra o Estado de Pernambuco em razão da inclusão, entre os gastos de saúde, de despesas não ligadas à área, além de excluir certas receitas do montante total sobre o qual é calculado o mínimo de gastos em saúde.
  29. A maior parte dos Estados da Federação e apenas cerca de 60% dos municípios cumprem os gastos mínimos em saúde previstos na Constituição, segundo informação do Ministro da Saúde em entrevista ao Jornal do Commercio, Cidades, em 5 de agosto de 2004, p. 4. Diante de tais valores, vê-se que o MP poderia alcançar resultados de porte, se atuasse judicialmente de modo a garantir esses gastos mínimos.
  30. KEYNES, John Maynard. Economic Possibilities for Our Grandchilden. Londres, 1930, citado por BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washington. São Paulo: PEDEX, caderno 6º, 1994.
Sobre o autor
Rafael Ramalho Dubeux

Advogado da União. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUBEUX, Rafael Ramalho. O papel do Ministério Público em relação a direitos fundamentais que demandam ação estatal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2275, 23 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13554. Acesso em: 15 jun. 2024.

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