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A remuneração do atleta profissional de futebol

Agenda 08/10/2009 às 00:00

A remuneração do atleta profissional de futebol é composta de inúmeras parcelas, ou partes, típicas da atividade e que nem sempre encontrarão semelhança com a remuneração prevista no artigo 457 da CLT.

A norma consolidada concede ao vocábulo remuneração aplicação ampla, incluindo as parcelas que não são pagas pelo empregador (como as gorjetas), entendendo-se como salário a parte que, integrante da remuneração, é paga diretamente pelo empregador.

A Lei 6.354/76 adotou, no artigo 3º, III, a mesma sistemática da CLT, tendo a remuneração como gênero, do qual o salário e as demais parcelas são espécies. Contudo, a lei específica diverge da lei Consolidada quando não estabelece como salário partes da remuneração que são pagas pelo empregador, como explica Domingos Sávio Zainaghi:

Vê-se, pois, que ao vocábulo remuneração foi dada aplicação mais ampla, igual à lei trabalhista geral. Difere, entretanto, da norma celetizada, no ponto em que naquela as gratificações e os prêmios, por exemplo, são entendidas como salário, ao passo que na lei do atleta profissional de futebol, esses pagamentos integram a remuneração, sendo salário somente a parte fixa previamente ajustada. [01]

Algumas parcelas da remuneração dos atletas de futebol merecem especial atenção, ou por se tratarem de institutos que ainda não foram bem absorvidos pela jurisprudência - como é o caso do "bicho" ou do direito de arena -, ou por sua explicação não estar restrita a uma fórmula que possa ser previamente fixada. Portanto, dependem, e muito, do caso concreto, como é o caso do contrato de licença de uso de imagem.


1 "Bichos"

A Lei 6.354/76 estabelece que prêmios e gratificações possuem natureza remuneratória, não integrando o salário dos atletas por estarem estritamente relacionados à sorte.

Por se tratar de discussão antiga nos tribunais, o número de decisões encontradas acerca do tema é bastante significativo e, ao contrário do que se extrai da letra da lei, tem-se entendido que a natureza da parcela é salarial, integrando-se a este para todos os efeitos. Vejamos:

JOGADOR DE FUTEBOL. VERBAS SALARIAIS PAGAS EXTRAFOLHA. Se do contrato de trabalho não consta estipulação com relação a bichos, prêmios e luvas, se a lei exige que haja previsão contratual (Lei nº 9.615/98, art. 31, § 1º) e se o reclamado expressamente confessou a existência de pendências trabalhistas, estas dizem respeito às verbas salariais pagas à margem das folhas de pagamentos. (TRT 12ª R. – RO 04059/2000 - 1ª T. - Primeira turma Juiz IDEMAR ANTÔNIO MARTINI DJ/SC 14.02.2001 – p. 212)

RECURSO ORDINÁRIO. QUITAÇÃO DOS DÉBITOS TRABALHISTAS. RENÚNCIA. Os documentos acostados aos autos pelo recorrido, quando da instrução, revelam a existência de "quitação de débitos trabalhistas", e não a renúncia de direitos por parte do recorrente. Logo, dá-se provimento ao recurso para acrescer ao condeno as verbas não quitadas. ACORDAM, os Juízes do Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, em sua composição plena, por unanimidade, dar provimento ao recurso para acrescer ao condeno as diferenças salariais no valor de R$1.200,00 (hum mil e duzentos reais) mensalmente; a integração dos "bichos" ao salário para efeito de liquidação bem como as férias e 13os salários proporcionais e multa do art. 477, da CLT. (TRT 19ª R. – RO 00516.1999.002.19.00-7 - TP - TRIBUNAL PLENO JUIZ JOÃO SAMPAIO DOE/AL 23.03.2000)

ATLETA PROFISSIONAL - NATUREZA DAS PARCELAS LUVAS, BICHOS E PARTICIPAÇÃO NO PASSE:

1. LUVAS - A TEOR DO DISPOSTO NO ARTIGO DOZE DA LEI SEIS MIL TREZENTOS E CINQÜENTA E QUATRO DE SETENTA E SEIS, CONSUBSTANCIAM IMPORTÃNCIA PAGA PELO EMPREGADOR AO ATLETA, NA FORMA DO CONVENCIONADO, PELA ASSINATURA DO CONTRATO. RESULTA DO FATO DE O ATLETA OBRIGAR-SE À PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS, REVELANDO-SE CONTRAPRESTAÇÃO. O PAGAMENTO ANTECIPADO OU EM PRESTAÇÕES SUCESSIVAS.

NÃO DESCARACTERIZA A PARCELA COMO SALARIAL. PRECEDENTES: PROC:RR NUM:1973 ANO:84 TURMA:01 AC. NUM:3046 ANO:85 FONTE:DJ DATA:30-08-85 RELATOR: MINISTRO JOÃO WAGNER; PROC:RR NUM:4495 ANO:84 TURMA:03 AC. NUM:2686 ANO:85 FONTE:DJ DATA:23-08-85 RELATOR: MINISTRO ORLANDO TEIXEIRA DA COSTA; PROC:RR NUM:1957

ANO:81 TURMA:01 AC. NUM:1927 ANO:82 FONTE:DJ DATA:02-07-82 RELATOR: MINISTRO MARCO AURELIO.

2. ''''BICHOS'''' - VOCÁBULO CONSAGRADO E QUE COMPÕE O JARGÃO FUTEBOLÍSTICO. A ORIGEM EM SI - VITÓRIAS OU EMPATES – BEM REVELA TRATAR-SE DE GRATIFICAÇÃO, POSSUINDO, ASSIM, NÍTIDA NATUREZA SALARIAL.

3. PARTICIPAÇÃO NO VALOR DO PASSE - QUANDO DA CESSÃO DO PASSE DO ATLETA, E DADO AO CLUBE CEDENTE EXIGIR DO CESSIONÁRIO O PAGAMENTO DO VALOR DO PASSE ESTIPULADO DE ACORDO COM AS NORMAS DESPORTIVAS - ARTIGO TREZE DA LEI '''' SUPRA ''''. TRATANDO-SE DE MERA PARTICIPAÇÃO, O DIREITO MOSTRA-SE ACESSÓRIO, SEGUINDO A SORTE DO PRINCIPAL - ARTIGOS CINQÜENTA E OITO E CINQÜENTA E NOVE DO CÓDIGO CIVIL. IMPOSSÍVEL E EMPRESTAR-LHE NATUREZA SALARIAL, SOB PENA DE CAMINHAR-SE PARA A ESDRÚXULA ASSERTIVA SEGUNDO A QUAL O CLUBE CEDENTE RECEBE DO CESSIONÁRIO PARCELA POSSUIDORA DE FEIÇÃO TAMBÉM SALARIAL. (TST ACÓRDÃO NUM: 1764 RR 4970/1986 REGIÃO: 03 UF: MG RECURSO DE REVISTA - ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA – DJ 28.08.1987 PG: 17671 REL. MINISTRO MARCO AURELIO)

Poucas são as decisões dissonantes, ainda que possam ser encontradas:

JOGADOR DE FUTEBOL. HORAS EXTRAS SOBRE O PERÍODO DE CONCENTRAÇÃO. DESDE QUE NÃO EXCEDA DE TRÊS DIAS POR SEMANA, NÃO É ESTRANHO À JORNADA, NÃO PODENDO SER TIDAS COMO EXTRAS AS HORAS DESTINADAS A TAL FIM, POR SE ENQUADRAREM NAS ATIVIDADES NORMAIS DO ATLETA. A CONCENTRAÇÃO É OBRIGAÇÃO CONTRATUAL, LEGALMENTE ADMITIDA. OS "BICHOS" SÃO VERBAS ALEATÓRIAS REGIDAS POR CRITÉRIOS SUBJETIVOS, CONDICIONADAS AO ÊXITO DA ATIVIDADE, SEM VALOR PREDETERMINADO, AO ARBÍTRIO DO EMPREGADOR, NÃO SE INTEGRANDO, CONSEQÜENTEMENTE, AO SALÁRIO PARA QUALQUER FIM. REVISTA DA EMPRESA PROVIDA. (TST ACÓRDÃO NUM: 375 11 03 1986 RR NUM: 6884 ANO: 1984 REGIÃO: 00 UF: UF: RECURSO DE REVISTA ÓRGÃO JULGADOR - SEGUNDA TURMA REL. MINISTRO MARCELO PIMENTEL)

O posicionamento predominante dos tribunais nos afigura como mais sensato pois, principalmente para os atletas jovens, o "bicho" representa quantia muito mais significativa no seu orçamento do que o salário fixo que recebe e, por conta disso, gera expectativas, podendo assemelhar-se às diárias de viagem, previstas na CLT, que integram o salário do trabalhador quando ultrapassarem 50% (cinqüenta por cento) do salário contratualmente estabelecido.


2 Direito de arena e contrato de licença de uso de imagem

Ambos os institutos têm o mesmo objeto: a imagem do atleta. Por isso, talvez, muitos doutrinadores venham confundindo-os e expondo posicionamentos que não exprimem com clareza quando se trata de um ou de outro instituto. Entre aqueles que não diferenciam os conceitos, destaque-se ZAINAGHI:

Todavia, a verba paga a título de Direito de arena, como a recebida pelo atleta em virtude do uso de sua imagem nos moldes acima, ambas guardam similitude com as gorjetas, que são quantias pagas por terceiros estranhos ao contrato de trabalho. [02]

De maneira concisa, a explicação de Luiz Antonio Grisard traz mais clareza quanto à incidência de um ou de outro instituto:

No direito de arena, a titularidade é da entidade de prática desportiva, enquanto que nos contratos de licença de uso de imagem a titularidade pertence à pessoa natural. De acordo com o artigo 42 da Lei 9.615/98, o clube possui a prerrogativa de negociar, autorizar e proibir a fixação, transmissão ou retransmissão de eventos dos quais participem. Ocorre que, quanto à abrangência, deve-se ter claro que o Direito de Arena alcança o conjunto do espetáculo, ou seja, se estende a todos os participantes somente durante os 90 minutos da partida de futebol. O direito à exploração da imagem é individualizado e se estende enquanto durar o contrato celebrado para tal. [03]

Em polêmica recente, trazida pelo autor mencionado, o Superior Tribunal de Justiça entendeu da mesma forma, em caso sobre álbum de figurinhas que trazia imagens de atletas que disputaram a Copa do Mundo de 1970:

INDENIZAÇÃO. DIREITO À IMAGEM. JOGADOR DE FUTEBOL. ÁLBUM DE FIGURINHAS. ATO ILÍCITO. DIREITO DE ARENA. É inadmissível o recurso especial quando não ventilada na decisão recorrida à questão federal suscitada (súmula nº 282-STF). A exploração indevida da imagem de jogadores de futebol em álbum de figurinhas, com intuito de lucro, sem o consentimento dos atletas constitui prática ilícita a ensejar a cabal reparação do dano. O direito de arena, que a lei atribui às entidades desportivas, limita-se à fixação, transmissão e retransmissão de espetáculo esportivo, não alcançando o uso da imagem havido por meio da edição de "álbum de figurinhas". (STJ – 4ª. Turma – Resp. 67.262-RJ, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 03/12/1998)

Resumidamente esclarecidas as diferenças entre um e outro instituto, passa-se à análise mais criteriosa da remuneração originada em cada um deles.

2.1 Direito de arena

O direito de arena encontra seu fundamento legal no artigo 42 da Lei 9.615/98, que autoriza a cobrança, pela entidade empregadora, da transmissão do evento esportivo.

Grande parte da receita dos clubes de futebol é proveniente das cotas de televisão, cada vez mais valorizadas. A título ilustrativo, o direito de transmissão do campeonato brasileiro de futebol teve valorização de aproximadamente quarenta e cinco vezes o valor de quinze anos atrás.

Recentemente, o Clube Atlético Paranaense trouxe à tona a discussão do direito de arena em relação às transmissões radiofônicas.

Como se vê, os direitos previstos no mencionado artigo 42 são negociados pelos clubes, entidades empregadoras que, ainda, ficam com percentual maior, de 80% (oitenta por cento) do valor arrecadado. No que diz respeito aos atletas, são divididos entre os participantes do espetáculo a quantia restante, de 20% (vinte por cento) do valor total negociado. A diferença entre os valores se justifica, na opinião de ZAINAGHI, da seguinte forma:

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Apesar de parecer estranho que um atleta não detenha a titularidade de um direito ligado à sua imagem, a opção é explicada pelo fato de que seria impossível conseguir-se a anuência de todos os atletas, e, ainda, pelo fato de ser o clube quem oferece o espetáculo; as disputas são entre os clubes e não entre os atletas, além do que, o que faz com que desperte o interesse do público são as cores de uma determinada equipe, independente (?) dos atletas que a compõem. [04]

Dessa forma, justifica-se o direito de arena ser negociado pelos clubes. Porém, como a lei fixa um percentual mínimo a ser repassado aos atletas, cumpre-nos estudar qual seria a natureza jurídica desta parcela que, como vimos, estará presente sempre que um evento esportivo tiver negociado seus direitos de transmissão e retransmissão.

2.1.2 Natureza jurídica do valor pago a título de direito de arena

A maioria dos doutrinadores, como também da jurisprudência, tem analisado o direito de arena fazendo analogia com as gorjetas previstas no artigo 457 da CLT.

Os intérpretes que vêm adotando tal postura justificam-se dizendo que, tal como as gorjetas, o direito de arena é pago por terceiro estranho à relação jurídica, estando sujeitos aos valores disponibilizados por outras pessoas que não o empregador. Entre esses doutrinadores, destaque-se ZAINAGHI:

De toda a exposição deste capítulo, forçoso é concluir que o direito de arena, quanto à parte do pagamento ao jogador de futebol, tem natureza jurídica de remuneração, pois guarda similitude com as gorjetas previstas no art. 457 da CLT. [05]

Na Jurisprudência destaque-se:

SALÁRIO. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE ARENA. OUTROS GANHOS PELO USO DA IMAGEM POR TERCEIROS. NATUREZA JURÍDICA. VALORES ALEATÓRIOS E VARIADOS. PREFIXAÇÃO EM CONTRATO DE TRABALHO. FRAUDE. EFEITOS. O chamado direito de arena, valor que é pago por terceiros, detentores dos meios de comunicação, aos atletas, como remuneração pela transmissão dos jogos dos quais eles são os principais atores e os catalisadores da motivação popular para angariar audiências, não constitui salário, direto ou indireto, no sentido técnico do instituto, sobre quaisquer de suas modalidades, eis que não se destina, nem mesmo remota ou indiretamente, ao custeio do trabalho prestado ao clube contratante, nem tem relação alguma com a execução do contrato de trabalho. Tratando-se de pagamento originário, pelos compradores dos direitos dos espetáculos, aos seus astros, sob a forma de negócios comerciais distintos e paralelos aos contratos de trabalho. Da mesma forma os demais direitos conexos pagos pelo uso do nome ou imagem do atleta profissional em campanhas publicitárias, institucionais e licenciamento de produtos e serviços diversos. Que se referem sempre à pessoa do jogador, nos seus atributos intrínsecos da não se vinculando ao contrato de trabalho nem se restringindo ao tempo de duração dele, pois como apanágios do ser humano, acompanham-no do berço ao túmulo e deitam memória no tempo posterior ao da duração da sua vida. O que está conforme à moderna perspectiva de que tudo tem valor comercial para uma gama tão infindável quanto diversificada de negócios mercantis que se valem de toda sorte de apelos ao consumidor para viabilizar mercados. Ainda que recebidos em bloco pelo clube empregador e distribuído por este a cada atleta, segundo a quantidade que lhe caiba, não perde a natureza de ganho extra-salarial. Não caracterizando, pois, fraude ao salário o fato de serem pagos fora da folha de pagamento e até mesmo por intermédio de cômodas empresas constituídas para gerenciar tais atividades. Não servindo de base para cálculo dos demais direitos trabalhistas que se fundam no salário contratado. Haverá fraude, no entanto, mesmo com a conivência do atleta empregado, quando o empregador, vendo na hipótese uma atraente possibilidade de deslocar para esta rubrica uma parte do salário combinado, para safar-se dos encargos sociais e tributários, pré-contrata com ele uma quantia fixa, sempre igual, mensal, a este título. Pois os direitos de arena e demais ganhos pelo uso da imagem e nome que não configuram salário são aqueles específicos e inequívocos. E que dependem, por isso, de negociação concreta e dos valores para tanto combinados. Caso em que, verificada a fraude, manda-se fazer a exata separação, por apuração em liquidação de sentença, do que, no valor lançado nesta rubrica, seja efetivamente pagamento dos direitos conexos do atleta e salário camuflado, para que sobre esta segunda parte calculem-se os demais direitos trabalhistas. Recurso parcialmente provido direto ou indireto. (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 06 02 2002 TIPO: RO NUM: 16695 ANO: 2001 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - TURMA: Terceira Turma Relator Juiz Paulo Araújo)

Ainda que este venha sendo o entendimento predominante, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, de Minas Gerais, em especial na pessoa de Alice Monteiro de Barros, vem adotando posicionamento diverso, concedendo ao direito de arena natureza jurídica de salário, por entender que este é pago pela contraprestação do serviço, ainda que pago por terceiro. Vejamos:

DIREITO DE ARENA. O direito de arena está garantido no artigo 5º, XXVIII, "a", da Constituição Federal de 1988, que assegura, nos termos da lei, a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive em atividades desportivas. Em consonância com esse preceito, o artigo 42 da Lei 9.615/98 prevê que as entidades de prática desportiva possuem o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem, dispondo o seu parágrafo 1º que "salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento". Ausente nos autos prova de que as partes tenham convencionado no sentido de retirar do atleta o direito de participar dos ganhos obtidos com a divulgação da imagem dos jogos de futebol que contaram com a sua presença e, considerando o princípio da continuidade da prestação de serviços, a presunção é de que ele tenha participado de todos os jogos do clube, cuja imagem foi produzida ou reproduzida, competindo ao demandado provar possíveis ausências do atleta nos eventos desportivos, o que não se verificou. Assim, defere-se ao atleta, a título de direito de arena, o pagamento da fração de 1/14 (considerando-se o número de atletas que podem participar de um jogo de futebol) do percentual de 20% incidente sobre o preço total das autorizações concedidas pelo Clube, durante todo o período contratual, para transmissão ou retransmissão de imagem de eventos desportivos, conforme se apurar em liquidação de sentença.

(TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 16 04 2002 TIPO: RO NUM: 2479 ANO: 2002. NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 01661-2001-010-03-00 TURMA: Segunda Turma Relatora Juíza Alice Monteiro de Barros)

ATLETA PROFISSIONAL - NATUREZA DOS "BICHOS" E "DIREITO DE ARENA" - Os "bichos", vocabulário largamente utilizado no meio do esporte objetivado pelas partes, referem-se a prêmios tradicionalmente pagos ao atleta profissional de futebol pelas vitórias e empates conquistados nos jogos disputados. A origem da verba, em si mesma, já revela seu nítido caráter salarial, não configurando mera liberalidade da associação desportiva empregadora, sendo antes gratificação ajustada, integrante do contrato e do salário pactuado, que tem por objetivo premiar o desempenho do atleta. Já o "direito de arena", compreendido dentro do direito de imagem assegurado no artigo 5º, inciso XXVIII, alínea "a", da Constituição da República, decorre da autorização de transmissão das competições organizadas pela entidade de prática desportiva, que divide o valor adquirido com a comercialização dessa transmissão entre os atletas participantes das mesmas competições. Não visa a indenizar o atleta pela sua atuação nos certames esportivos: apenas o remunera, pela simples participação. Ambas as verbas possuem natureza contraprestativa, com evidente feição salarial, e integram a remuneração do atleta para todos os efeitos legais. (TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 16 08 2002 TIPO: RO NUM: 7336 ANO: 2002 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - 00341-2001-001-03-00 TURMA: Sétima Turma RELATOR Juiz José Roberto Freire Pimenta)

A postura adotada tem sua razão de ser e, sem dúvida, merece respeito, porém o primeiro entendimento afigura-se mais razoável, pois a transmissão do evento é faculdade da entidade desportiva, podendo ser negociado ou não, como alguns clubes têm optado quando consideram baixos os valores oferecidos pelas empresas que desejam efetuar a transmissão do evento.

Nesse caso, como não há transmissão, não há também o repasse ao atleta, o que deixa ainda mais clara a semelhança com as gorjetas, onde o empregador é mero intermediário do pagamento. Assim, o direito de arena irá, portanto, integrar a remuneração do atleta, para todos os fins jurídicos desta, mas não fará parte do salário do empregado.

2.2 Contrato de licença de uso de imagem

Em um primeiro momento, cumpre-nos explicar a terminologia adotada, utilizando-nos da explicação de GRISARD:

Muito se tem observado o emprego errôneo de expressões como "Contrato de Imagem" ou "Contrato de Cessão de Imagem". Nos parece (sic) que a expressão correta seja mesmo Contrato de Licença de Uso de Imagem porque o titular apenas concede o exercício do direito de exploração e não o próprio direito. Também, não podemos falar em "Contrato de Imagem" porque ela, a imagem, não é o objeto do contrato, mas, sim, sua licença para uso e, finalmente, não nos parece adequado falar em "cessão" porque o sujeito ativo não está cedendo a imagem a ninguém, apenas está autorizando sua exploração e veiculação. Na cessão, verificamos o abandono, total ou parcial, do direito que pertence a um determinado titular. Na licença, por sua vez, observa-se tão somente a concessão de uma permissão para a exploração da imagem, sem que a titularidade seja turbada. [06]

Como se observa da própria nomenclatura utilizada, o contrato em questão é autônomo, possui fundamento constitucional no artigo 5º, incisos V, X e XXVIII da Constituição da República, e respeitará as normas de Direito Civil para sua elaboração.

Possui, entretanto, estreita relação com o contrato de trabalho do atleta, por estarem presentes concomitantemente na relação entre atleta e entidade empregadora, ou seja, só haverá contrato de licença de uso de imagem quando houver contrato de trabalho.

Não existe na legislação qualquer limitador ao valor pago pela imagem do atleta, o que acabou transformando o instituto em uma forma de burlar os sistemas tributários e trabalhistas. Como são contratos autônomos, os valores pagos pela imagem não irão, em regra, constituir-se como salário e, portanto, não acarretarão o pagamento de INSS e FGTS, como também não incidirão sobre férias e gratificação natalina, parcelas interligadas e dependentes do valor do salário.

Da mesma forma, por ser contrato civil, pode ser firmado por pessoas jurídicas como forma de reduzir os valores arrecadados a título de imposto de renda. Não cumpre, neste trabalho, analisar a questão tributária sobre o tema, mas apenas, e somente, a relação trabalhista originada no contrato em questão.

É de notório conhecimento que jogadores de futebol são pessoas públicas e ajudam muito o empregador na questão do marketing. Exatamente por isso os clubes firmam o contrato de licença de uso de imagem com seus atletas e se sub-rogam o direito de explorar-lhes a imagem, seja para marketing do próprio clube ou para veiculação da imagem do atleta aos patrocinadores.

Esta tem sido, inclusive, a maneira que alguns clubes têm encontrado de contratar grandes atletas pagando-lhes menos: não realizar o contrato de licença de uso de imagem ou dividir com o atleta o lucro auferido com o uso desta.

Observa-se, portanto, que a licença de uso de imagem é, de regra, distinta da relação de trabalho.

A questão da natureza salarial ganhou destaque com o caso do jogador Luizão, quando o atleta ajuizou demanda em face do Sport Clube Corinthians Paulista, pleiteando o reconhecimento dos valores dos contratos de imagem firmados como salário, requerendo a rescisão do contrato face o atraso no pagamento destes. Vejamos:

ATLETA PROFISSIONAL. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. NATUREZA JURÍDICA DA PARCELA. É manifestamente salarial a natureza jurídica da parcela denominada "direito de imagem" paga ao Atleta pelo Clube que detém o seu atestado liberatório, uma vez que, assim como o salário "strictu sensu" tem como único fato gerador a contraprestação pela atividade laborativa do trabalhador. (TRIBUNAL: 2ª Região ACÓRDÃO NUM: 20040338830 DECISÃO: 29 06 2004 TIPO: RO01 NUM: 00321 ANO: 2003 NÚMERO ÚNICO PROC: RO01 - 00321-2002-012-02-00 RECURSO ORDINÁRIO TURMA: 4ª ÓRGÃO JULGADOR - QUARTA TURMA)

Extraiu-se dos documentos acostados aos autos que a diferença entre o salário do atleta, constante na Carteira de Trabalho, e o ganho total do empregado era superior a R$350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais).

O juiz da 12ª Vara do Trabalho de São Paulo, Dr. Glener Stroppa, optou, como vimos, por conceder a natureza salarial das parcelas pagas nos contratos de licença de uso de imagem, por entender que os valores pagos nesses contratos possuíam a inequívoca intenção de esquivar-se da aplicação da CLT e das respectivas cobranças trabalhistas.

Ainda que a decisão do ilustre magistrado seja de notória sabedoria e perfeitamente ajustada com o caso que lhe foi levado a julgamento, ficando caracterizada a tentativa de se mascarar o salário do atleta, tal decisão não poderá ser adotada como regra, pois nem sempre o contrato de licença de uso de imagem terá natureza salarial.

É perfeitamente possível que o contrato seja feito sem a intenção de burlar a lei trabalhista e o clube empregador utilize a imagem do atleta na medida em que esta lhe der retorno, podendo fazer uso dessa imagem inclusive quando o atleta não estiver atuando profissionalmente. Nesse sentindo, ilustrativa decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, que não entendeu como mora salarial o atraso no pagamento de valores a título de contrato de imagem:

JOGADOR DE FUTEBOL. CESSÃO DO DIREITO DE USO DA IMAGEM. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. INDEVIDA. CONTRATOS DISTINTOS. Não comete falta grave que justifique a rescisão indireta do contrato de trabalho, o empregador que deixa de cumprir obrigações inerentes ao contrato de imagem com o atleta, porquanto o referido pacto é autônomo e distinto do contrato de emprego, sendo inaplicável, desse modo, à espécie, a regra prevista no art. 483, "d", da CLT. (TRIBUNAL: 2ª Região - ACÓRDÃO NUM: 20060805344 - ÓRGÃO JULGADOR - PRIMEIRA TURMA – Relator LUIZ CARLOS NORBERTO)

Nota-se, portanto, que não é possível determinar previamente a natureza do contrato, devendo o caso, sempre que questionado, ser avaliado com a cautela do poder judiciário, pois poderemos estar diante de empregado que, ainda que não seja de alto nível técnico, razão pela qual receberá salário inferior, poderá ser capaz de auferir lucros significativos em termos de imagem.


Notas

  1. ZAINAGHI, Domingos Sávio, Os atletas profissionais de futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr., 1998, p. 72-73.
  2. Ibid., p. 73.
  3. GRISARD, op. cit.
  4. ZAINAGHI, 1998. p. 148.
  5. ZAINAGHI, Domingos Sávio. Os atletas profissionais de futebol no Direito do Trabalho. São Paulo: LTr., 1998. p. 152.
  6. GRISARD, 2006, p. 241-295.
Sobre o autor
Otávio Augusto Ferraro

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRARO, Otávio Augusto. A remuneração do atleta profissional de futebol. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2290, 8 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13640. Acesso em: 22 dez. 2024.

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