Sumário: Introdução. I. A Administração Pública no sistema brasileiro. II. Meios alternativos de solução de conflitos. III. A mediação. IV Conclusão. V. Referências bibliográficas.
RESUMO
Este trabalho analisa a mediação como meio alternativo de solução de conflito, colocando-se em debate a possibilidade de aplicação deste instrumento no âmbito da administração pública.
Tal questionamento encontra justificativa em, pelo menos, dois fatores: i) a necessidade de pacificação social; ii) a crescente demanda pela busca de soluções para os conflitos sociais, impulsionada pela ineficiência e a morosidade do judiciário.
Entender a medição como uma possibilidade real de meio alternativo de solução de conflito significa ampliar as chances para o cidadão de exercer, concretamente, seus direitos fundamentais e de participar da construção do processo democrático da sociedade.
Palavras chave: Mediação. Administração Pública. Conflitos Sociais. Cidadania. Democracia.
ABSTRACT
Antes mesmo de aprofundar o debate acerca da possibilidade de aplicação da mediação como meio alternativo de solução de conflito no âmbito da administração pública brasileira, entendo ser necessário fazer um breve esclarecimento.
A Constituição Federal brasileira de 1988, sem dúvida uma das mais modernas e progressistas no que concerne aos direitos fundamentais, é também inovadora em muitos aspectos.
Convém, no caso, destacar as normas constantes do art. 5º, §§ 1º e 2º, do texto constitucional:
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
A cláusula de abertura prevista no § 2º acima citado, além de inovadora, veio ampliar o leque de direitos fundamentais reconhecidos aos cidadãos.
Dentre os direitos fundamentais explicitamente declarados pela Constituição, merece especial destaque o direito de acesso à justiça, assegurado a qualquer cidadão, conforme prescrição constante do art. 5º, inciso XXXV:
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Ocorre, entretanto, que o Poder Judiciário tem se mostrado mais e mais ineficiente a cada dia, menos apto a dar solução às demandas que lhe são encaminhadas, menos capaz de atuar positivamente na solução de conflitos sociais.
Nesse contexto, a Emenda Constitucional n. 45/2004 acresceu ao art. 5º da Carta de 1988 o inciso LXXVIII, que traduz a garantia de duração razoável do processo, como corolário da garantia de acesso à justiça:
LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Mas é preciso considerar que a simples lei, ainda que lançada no texto constitucional, não será bastante para resolver as mazelas da administração da justiça no País, notadamente se a novel garantia não se fizer implementar, efetivamente, com uma profunda reforma do Poder Judiciário, abrangendo a máquina judiciária e a própria legislação, em particular, as leis processuais – o que não se pode prever a curto ou médio prazo, considerado o quadro quase caótico.
Esta situação lastimável em que foi lançada a justiça brasileira faz com que se ponha em dúvida a verdadeira natureza da declaração de direitos constante do referido art. 5º, consoante de observa em seguida:
A proclamação dos direitos constitucionais, inclusive o do acesso à justiça, reveste máscara retórica. Pois há, por vezes, uma hipócrita tranqüilidade de consciência, quando se remetem os cidadãos para os tribunais que, em derradeiro percurso, farão justiça. Não desconhecendo que, para isso, os lesados deverão arcar com excessivo dispêndio para alcançar solução.
Não é o Estado o maior produtor de demandas, sufocando os tribunais com sua resistência em reconhecer seus desmandos?
Os integrantes do Poder Judiciário devem assumir o desafio do momento histórico e produzir algo de concreto para multiplicar a sua capacidade de resolver conflitos, pacificar a sociedade e ampliar as alternativas para a solução harmônica das diferenças. Isso será, verdadeiramente, ampliar o acesso à justiça. [01]
Visto sob outra perspectiva, o direito de acesso à justiça consubstancia, em última análise, o direito de acesso ao direito, todavia, como afirma Nalini, as pessoas não poderão usufruir da garantia de fazer valer seus direitos perante os tribunais se não conhecem a lei nem o limite de seus direitos. [02]
É preciso considerar, porém, que as transformações econômicas e sociais ocorridas no mundo moderno e no Estado brasileiro, voluntária ou impositivamente, em decorrência de um contexto mundial, e não apenas local, fez com que fossem redefinidas as atribuições do Estado assim como da Administração Pública, já que esta é a máquina que o faz funcionar, o aparelho que executa ou realiza a atividade material no seu âmbito interno. [03]
É necessário, portanto, verificar se as reformas administrativas empreendidas especialmente pela Emenda Constitucional n. 19/1998 contribuíram para a realização dos direitos assegurados pela Constituição.
CAPÍTULO I – A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO SISTEMA BRASILEIRO
O ordenamento jurídico brasileiro vem refletindo tendência que tem se manifestado em países desenvolvidos, como a redefinição do papel do Estado e da administração pública.
Dentro desse contexto de mudanças continuadas, o que se tem observado é que o aparato judiciário e administrativo do Estado brasileiro opera com enorme ineficiência e de forma burocrática, dificultando a solução de conflitos sociais e a realização concreta dos direitos fundamentais.
Observa-se que a efetivação dos direitos fundamentais assegurados e proclamados pela Constituição de 1988 permanece como um objetivo distante a ser alcançado, quase como uma promessa a ser cumprida. Porém, é o próprio texto constitucional que afirma que tais direitos possuem aplicabilidade imediata, pressupondo que será gerada para os cidadãos uma série de benefícios caso o exercício desses direitos seja de fato concretizado.
Entretanto, as novas funções de gestão e de regulação impostas aos governos neoliberais retira-os da condição de Estados promotores do bem-estar social, colocando-os na posição de indutores de políticas econômicas e de mercado. Embora o Brasil não esteja inserido no núcleo propulsor dessas mudanças, tem participado ativamente de todo o processo.
Assim, novas formas de descentralização e de desconcentração de serviços surgiram no âmbito da administração pública, como as parcerias e a intervenção, configurando formas diferentes de compartilhamento de responsabilidades e de atuação do poder público. Isto, porém, em nada tem contribuído para modificar o atraso econômico, a desigualdade social, a injusta distribuição de riquezas e a manutenção de um sistema político perverso e autoritário, que concorre para a heterogeneidade e a fragmentação da atuação do Estado, criando uma situação social paradoxal e conflitiva que Bucci denominou de "sociedade civil estranha e sociedade civil íntima". [04]
A sociedade civil estranha é aquela que obriga o cidadão anônimo, o simples cidadão, a longas e infindáveis esperas nos balcões dos serviços burocráticos, que, para ele, se mostram inacessíveis. Idêntico tratamento não é concedido à sociedade civil íntima, a qual goza de extrema flexibilidade, parcialidade e deferência quando necessita dos mesmos serviços. Esta é uma típica heterogeneidade de atuação do poder público, demonstrando que a eficiência estatal dirige-se somente a interesses privados, ignorando por completo qualquer projeto que envolva direitos da coletividade.
Por outro lado, atribui-se ao formalismo da Administração o papel de uma máquina responsável pelo imobilismo e emperramento dos chamados serviços públicos, em decorrência da busca desmedida de segurança jurídica, salientando Dallari que:
A busca desmedida de segurança jurídica nas ações administrativas acabou convertendo a Administração Pública, no dizer de ROBERTO DROMI, em uma máquina de impedir [05]
O problema, contudo, não reside apenas neste ponto, mas também na inadequação das estruturas administrativas a nova realidade social instituída por meio da reforma do Estado. [06] Segundo Dallari, a necessidade de reforma da Constituição de 1988 decorreu do fato de que ela foi feita para um mundo que não mais existe, eis porque a Emenda Constitucional nº 19/1998, ao tratar dos princípios da Administração Pública, inseriu o princípio da eficiência no caput do art. 37, visando enfatizar sua importância, como se verifica adiante:
Não por acaso, aos princípios já previstos na redação original do art. 37, foi acrescentado o princípio da eficiência. É óbvio que esse princípio já estava implícito. Ao torna-lo explícito, ao afirma-lo expressamente, o que se pretendeu foi demonstrar a redobrada importância que ele passou a ter. Em termos práticos, deve-se considerar que, quando mera formalidade burocrática for um empecilho à realização do interesse público, o formalismo deve ceder diante da eficiência.
Isso significa que é preciso superar concepções puramente burocráticas ou meramente formalísticas, dando-se maior ênfase ao exame da legitimidade, da economicidade e da razoabilidade, em benefício da eficiência. Não basta ao administrador demonstrar que agiu bem, em estrita conformidade com a lei; sem se divorciar da legalidade (que não se confunde com a estrita legalidade), cabe a ele evidenciar que caminhou no sentido da obtenção dos melhores resultados. [07]
O princípio da eficiência deverá aliar-se a outros não menos importantes, a saber, o princípio da indisponibilidade do interesse público, o princípio da participação popular e o princípio democrático, por exemplo, para transformar ou criar uma realidade onde convivam e se identifiquem o interesse público e o interesse privado, fazendo uso de novos instrumentos de controle da administração pública destinados a realização de seus fins que, em última instância, coincidem com a satisfação do interesse público.
Neste contexto, embora a doutrina e a jurisprudência tradicionais não enxerguem com bons olhos o uso de instrumentos alternativos como fonte de solução de conflitos, não se pode negar que, na atualidade, a negociação em sentido amplo, envolvendo acordos judiciais e extrajudiciais, assim como a mediação e a arbitragem, constituem meios de solução de conflitos eficientes e seguros e que, além disto, atendem ao interesse público consubstanciado ou identificado com os legítimos anseios da população, em especial daqueles cidadãos que formam a chamada sociedade civil estranha.
CAPÍTULO II – MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS
O novo papel da Administração Pública vem sendo redesenhado e rediscutido mundialmente, ajustando-se internamente ao perfil de cada Estado.
O Estado brasileiro não ficou de fora dessas mudanças. Isto é facilmente observado através do número de emendas constitucionais aprovadas em menos de 20 (vinte) anos de vigência da Constituição.
Depois de tantas modificações efetuadas, é possível afirmar que o Estado brasileiro de hoje não corresponde ao de 1988 e que as estruturas administrativas existentes continuam não atendendo satisfatoriamente as demandas da sociedade.
Evidencia-se a necessidade de se rever a relação entre direitos fundamentais e supremacia do interesse público, noções que precisam ser reinterpretadas para que seja dada efetividade aos direitos inerentes ao homem reunidos sob o manto do princípio da dignidade da pessoa humana. Trata-se de buscar um equilíbrio nas relações entre Estado e sociedade com fundamento na pluralização das fontes normativas e no novo papel conferido à lei, que passa agora a conviver com várias outras modalidades normativas, igualmente legítimas e que asseguram a participação direta dos cidadãos, conforme destacado por Moreira Neto:
....em razão disso, o Estado contemporâneo não está hoje limitado a editar sempre normas gerais e abstratas e, por isso, hierarquizáveis, passando-se a admitir a possibilidade de negociar o melhor modo de realizar concretamente o interesse público, o que abre espaços para a edição de normas mais adequadas a essa realização, revestida da legitimação também concreta, como hoje permitem os modernos instrumentos da publicidade, da visibilidade e da participação.
E é em razão dessa quebra do "absolutismo jurídico" da lei, que eclode com força e viço a idéia de que na pluralidade do ordenamento jurídico é que se apóia a vitalidade do direito e da democracia. [08]
Não há dúvida, portanto, que a adoção de meios alternativos para a solução de conflitos por parte da Administração Pública além de legal, é também legítima e deve ser por ela perseguida, uma vez que a pacificação social se identifica com o próprio interesse público por ela protegido.
As formas alternativas de solução de conflitos constituem gênero de que são espécies a autocomposição, a heterocomposição e a arbitragem, podendo, entretanto, esta última ser inserida na segunda.
A autocomposição é uma forma não jurisdicional de solução de conflito, na qual não está prevista a intervenção da figura de um terceiro, competindo às próprias partes encontrar o caminho para o encerramento da disputa. As principais modalidades de autocomposição consistem em transação, negociação, submissão ou renúncia, podendo ocorrer antes ou no curso de ação judicial. Denomina-se autocomposição endoprocessual aquela ocorrida antes da demanda judicial, tendo por objetivo evitá-la e, autocomposição extraprocessual aquela ocorrida no curso da ação, tendo por objetivo extinguir o respectivo processo. [09]
A heterocomposição, por sua vez, caracteriza-se pela intervenção de um terceiro na busca de solução para um conflito, podendo revestir natureza jurisdicional ou não, caracterizando-se pelos seguintes fatores: i) intervenção de um terceiro (advogado, juiz, psicólogo, assistente social etc.); ii) a existência de uma disputa/litígio; iii) intenção de por fim ao litígio, seja por meio de acordo ou de uma decisão imposta. [10]
Considerando-se que o escopo deste trabalho restringe-se ao tema da mediação no âmbito da administração pública, far-se-á apenas breve síntese dos principais instrumentos referidos aos principais meios alternativos de solução de conflitos, a saber, a conciliação, a arbitragem e a mediação, os quais constituem as formas mais usuais de heterocomposição.
A conciliação, contudo, constitui forma de solução de litígio operada por meio de transação, renúncia ou submissão, porém, com a interferência de um terceiro, conciliador, cuja tarefa consiste em conduzir as partes à solução do conflito, podendo também ocorrer como fase preliminar do processo judicial. Em ambos os casos o objetivo será o mesmo: encerrar o conflito.
A arbitragem constitui forma de jurisdição não estatal, sendo meio autônomo de solução de conflito, estando regulamentada pela Lei nº 9307, de 23 de setembro de 1996, Lei de Arbitragem, aplicando-se relativamente a litígios que envolvam direitos disponíveis. Nesta hipótese, as partes livremente nomearão um terceiro para funcionar como árbitro e aceitarão a decisão que por ele lhes for imposta. Este instituto é largamente utilizado por empresas para dirimir litígios de natureza contratual, apresentando como principais vantagens a celeridade e o sigilo.
A mediação é uma forma de solução de conflito na qual o terceiro, mediador, intervém no sentido de conduzir os dissidentes a uma solução negociada do conflito, ou seja, a uma solução livremente estipulada por eles. Na mediação, como se verá em seguida, o mediador não apresenta propostas, nem oferece acordos para que eles cheguem a solução do conflito: utiliza-se, sim, de uma técnica para afastar os obstáculos ao entendimento.
Além das possibilidades ora mencionadas existem outras, como, por exemplo, a negociação, que constitui forma mais elaborada de solução de conflito, por envolver técnicas específicas, estratégias, táticas, preparação de agenda com organização de propósitos e fixação de procedimentos aceitos pelas partes, visando à conciliação de interesses, de regra, por meio de transação.
Resta salientar que a ineficiência do judiciário e das estruturas da administração pública não é um problema apenas brasileiro, mas compartilhado por outras nações que igualmente buscaram fórmulas para melhor atender as demandas sociais.
Em 1976, o Professor Frank Sander expôs, em uma conferência realizada nos Estados Unidos da América acerca das causas das insatisfações populares com a Administração da Justiça, a ideia de um sistema judicial ampliado através da introdução de múltiplos programas para resolver as disputas por meios de métodos alternativos, os quais poderiam ser utilizados antes ou durante o transcurso de uma ação judicial. Ele considerava que o mau aproveitamento do tempo e do talento dos magistrados com questões de menor complexidade jurídica era injustificável. Assim, partindo da ideia de que estas causas de menor complexidade poderiam ser resolvidas através da aplicação de princípios standards estabelecidos para determinadas situações, elas passariam à esfera administrativa, a exemplo do que acontecia no Japão, no Reino Unido e na Suécia.
Na realidade, o Professor Frank Sander desenvolveu um menu de alternativas para resolução de conflitos, do qual se poderia escolher a alternativa mais adequada para cada caso em particular e a isto ele denominou O TRIBUNAL MULTIPORTAS, no qual um funcionário especializado fazia uma análise prévia do conflito apresentado pelo interessado e o orientava para a "porta" mais adequada para aquele tipo de causa, podendo ser um juiz, um árbitro, um mediador etc. [11]
Como se pode observar, a busca por meios alternativos de solução de conflitos atende, sobretudo, a um ditame democrático, caracterizado pela necessidade de dar efetividade aos direitos fundamentais e de prover a sociedade de um aparato administrativo mais célere e menos burocrático, mais dirigido a satisfazer o interesse público que a desvirtuá-lo em nome da lei e, especialmente, de torná-lo mais aberto à participação popular.
CAPÍTULO III – A MEDIAÇÃO
Trata-se de uma técnica de solução de conflito que poderá ser utilizada no âmbito da jurisdição estatal, onde o mediador será o próprio juiz, ou fora dela, quando o mediador poderá ser qualquer outro profissional, da área jurídica ou não.
A mediação tem por objetivo a pacificação social por meio de acordo estabelecido pelos contendores com o auxílio do mediador.
Tradicionalmente a administração pública está autorizada a celebrar acordos somente quando permitido em lei. Contudo, a doutrina mais recente entende ser cabível e recomendável a utilização da via consensual para a solução de conflitos surgidos entre a administração pública e o particular, como defende Moreira Neto:
As vantagens da composição consensual de conflitos pela via administrativa prescindem de ser aqui tratadas, pois são sobejamente conhecidas, mas a sua importância sociopolítica, enquanto via de fomento do civismo, de aperfeiçoamento da participação cívica e de agilização das relações socioeconômicas, deve ser destacada.
Tecnicamente, afastadas as convicções ideologizadas pelo tempo e pela inércia, a objeção central se prendia à interpretação do princípio da indisponibilidade do interesse público, o que proscreveria todos os instrumentos do gênero: a conciliação, a mediação, a arbitragem e os ajustes de conduta.
Ora, distintamente do que se possa aceitar sem maiores indagações, em todas as modalidades preventivas e de composição de conflitos em que se envolva a Administração Pública, no âmbito do Direito Administrativo, jamais se cogita de negociar o interesse público, mas de negociar os modos de atingi-lo com maior eficiência.
É que coexiste, com o interesse público deduzido no conflito, o interesse público, não menos importante, de compô-lo. Esse interesse em dirimir o conflito, e retomar a normalidade nas relações sujeitas à disciplina administrativa, é indubitavelmente da maior importância, tanto na esfera social como na econômica, justificando que sejam encontrados modos alternativos de atendimento ao interesse público envolvido, que não aqueles que deveriam ser unilateralmente aplicados pelo Poder Público. [12]
A principal distinção entre a mediação e os demais meios alternativos de solução de conflitos reside no fato de que esta é uma técnica de resolução de conflitos não adversarial, significando dizer que nela não existem partes, e sim contendores, e que não requer a instauração de processo judicial, não resultando, portanto, na imposição de sentença judicial ou arbitral. A mediação não impõe uma solução, mas busca, através do mediador, fazer convergir os interesses dos contendores para a resolução do conflito. [13]
O conflito é o pressuposto da mediação, o qual, analisado em sua integralidade, apresenta elementos subjetivos e objetivos, racionais, irracionais, motivações pessoais valores e emoções, que conferem uma dimensão muitas vezes inteiramente dissociada da realidade que seria apresentada num processo judicial.
A definição de conflito para Kenneth Boulding consiste em uma situação de concorrência, onde as partes estão conscientes da incompatibilidade de futuras posições potenciais, e na qual cada uma delas deseja ocupar uma posição incompatível com os desejos da outra [14].
Verifica-se o quanto há de subjetividade nesta definição, o que justifica a necessidade de o mediador ser uma pessoa treinada para atuar junto aos contendores, sem, contudo, querer fazer impor sua vontade ou seu entendimento relativamente ao conflito que lhe foi posto. Neste ponto, é de vital importância que o mediador conheça as técnicas para lidar com os diferentes tipos de conflitos, em especial aqueles denominados de intrapsíquicos, que apresentam aspectos e motivações ocultas dentro da situação conflitiva trazida a lume.
É possível entender o conflito como sendo a luta pelo poder que se manifesta na procura de todas as coisas, caracterizando-o em cinco fases distintas: i) o conflito latente; ii) o início do conflito; iii) a procura do equilíbrio do poder; iv) o equilíbrio do poder; v) a ruptura desse equilíbrio. [15]
O mediador deverá, portanto, observar as posições e os interesses envolvidos para atuar junto com os contendores na busca de uma solução pacífica, procurando fazer bom uso da comunicação, esclarecendo os fatos e escutando com bastante atenção cada um dos contendores.
Como destaca Dupuis, a doutrina estrangeira recomenda que qualquer método de negociação deverá conformar-se a certos critérios:
Según señalan Fischer, Ury y Patton, cualquier método de negociación debe juzgarse conforme a tres criterios: a) debe conducir a un acuerdo sensato; b) eficiente; c) debe mejorar o por lo menos no deteriorar la relación de las partes. Y a juicio de estos autores, la negociación según posiciones produce acuerdos insensatos, ineficientes y que ponen en peligro la relación entre las partes, más aún cuando ellas son varias. [16]
O citado autor ressalta, ainda, que a negociação baseada em posições se converte em verdadeiro enfrentamento de vontades, tendendo a transformar-se em uma batalha e que muitas pessoas reconhecendo os altos custos das negociações, baseadas em posições, procuram adotar uma postura mais amável, uma forma suave de estabelecer uma negociação. Todavia, esta conduta, embora possa ser eficiente em alguma medida, pode, por outro lado, deixar um dos contendores vulnerável. Assim, seguindo a doutrina estrangeira, menciona uma terceira alternativa que é o Projeto de Negociação de Harvard, resumido em quatro pontos fundamentais:
1.Las personas: separar a las personas del problema. No debe atacarse a las personas sino al problema;
2.Los intereses: concentrarse en ellos, no en las posiciones. Las posiciones oscurecen lo que realmente quieren las partes;
3.Opciones: generar una variedad de posibilidades antes de decidirse a actuar. Una sola opción oscurece el acuerdo. El pensar en una amplia gama de soluciones posibles que favorezcan los intereses compartidos, es beneficioso (es el llamado "torbellino de ideas" o brainstorming);
4.Criterios: insistir en que el resultado se base en algún criterio objetivo. El acuerdo debe reflejarse en algún criterio justo y objetivo (p. ej., el valor de mercado, opinión de un experto, estadística, costumbre o ley).
En la mediación, resulta de primordial importancia para el mediador distinguir los intereses de las posiciones, para trabajar sobre los primeros, dejando de lado las posiciones de las partes, aunque sin prescindir totalmente de ellas. [17]
Importante destacar que o mediador deve abster-se de certas condutas, como, por exemplo, apresentar-se como um negociador, uma vez que ele é escolhido por ambos os contendores; o mediador, não sendo um juiz nem um árbitro, não impõe sentenças, mas procura fazer convergir os interesses explicitados no conflito; o mediador deve ter uma postura neutra, conduzir sem interferir nas decisões alcançadas pelos contendores.
Recomenda-se, por conseguinte, que as técnicas da mediação sejam observadas, notadamente quanto aos seguintes aspectos:
1.centralizar as discussões nos problemas e não nas pessoas;
2.investigar os interesses desarmando o discurso infértil da posição;
3.prestar muita atenção às emoções dos clientes para que, apontadas, sejam usadas positivamente na procura dos reais interesses e não atrapalhem no processo de mediação. [18]
A formação acadêmica do mediador não está restrita a um campo específico do conhecimento científico, podendo atuar como mediador tanto o advogado, como o psicólogo, o médico etc., existindo experiências inclusive com lideranças comunitárias, ou seja, com pessoas da própria comunidade, através de um projeto implantado pelo Ministério Público do Estado do Ceará.
As técnicas de mediação podem e devem ser praticadas pela Administração Pública, ainda que para isto ela deva reformular sua estrutura organizacional, proceder ao treinamento e capacitação de técnicos para habilitá-los a trabalhar com este instituto.
Não é demasiado ressaltar mais uma vez o entendimento de Moreira Neto:
nem sempre o interesse público deverá preponderar de modo absoluto numa relação, pois outros interesses constitucionalmente protegidos poderão nela concorrer, o que exige soluções ponderadas.
Por derradeiro, não se alegue que a imparcialidade, que se requer da administração pública, não se harmonizaria com o emprego de soluções ponderadas; trata-se de um engano corrente, pois imparcialidade não se confunde com neutralidade, de sorte que os valores do Direito não só podem como devem ser aplicados na solução de conflitos. (.....)
Nas versões administrativas nada impede que o Poder Público possa assumir, agora sim, com a imparcialidade a que está constitucionalmente obrigado, as funções conciliatórias, mediadoras ou arbitrais. [19]
Neste contexto, colocam-se duas possibilidades: i) a administração pública poderá atuar como conciliadora, mediadora ou árbitro; ii) a administração pública poderá figurar como dissidente em um procedimento de mediação.
No primeiro caso não se vislumbram dificuldades de ordem legal ou prática. Todavia, quanto à segunda hipótese, coloca-se concretamente a possibilidade de o Ministério Público exercer a função de mediador de um conflito surgido entre a administração pública e o particular, por exemplo, em caso de greve de empregados de um hospital público, motivada por más condições de saúde e higiene no trabalho. Neste caso, os dissidentes, órgão público responsável pelo hospital e empregados poderão atender a um chamado do Ministério Público, que, agindo na qualidade de mediador, tentará conduzi-los a um acordo. Este acordo deverá atender a todas as facetas do interesse público envolvido na espécie, isto é, o restabelecimento dos serviços hospitalares pelos empregados em greve e a adequação do meio ambiente de trabalho no hospital pela administração pública.
Neste singelo exemplo, verifica-se que havia ofensa ao interesse público por ambos os lados: i) pelos servidores, considerando-se que não se admite greve neste tipo de atividade (saúde pública), conforme a Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, Lei de Greve; ii) e pela administração pública, que não poderia descumprir a garantia constitucional ao ambiente do trabalho saudável, conforme art. 7º, inciso XXII c/c art. 39, § 3º da Carta de 1988.