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Nota sobre a evolução da jurisprudência do STF acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos

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Agenda 26/10/2009 às 00:00

SUMÁRIO: 1.Introdução. O julgamento dos Recursos Extraordinários 349703 e 466343 e do Habeas Corpus 87585 2. Jurisprudência anterior do STF acerca da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos. Equiparação à lei. 3. Jurisprudência atual do STF acerca da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos. Caráter supralegal. 4. Conclusão. Referências.


1. Introdução. O julgamento dos Recursos Extraordinários 349703 e 466343 e do Habeas Corpus 87585

Exatamente uma semana antes do aniversário de 60 (sessenta) anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um importante avanço na tutela dos direitos humanos no Brasil.

Com efeito, no dia três de dezembro de 2008, o Plenário do STF, por maioria, restringiu a prisão civil por dívida apenas à hipótese do inadimplente de prestação alimentícia, em razão do disposto no parágrafo 7º do artigo 7º do Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, [01] não obstante o preceito contido no inciso LXVII do art. 5º da Carta Magna. [02] Referida decisão histórica ocorreu no julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 349.703 e 466343 e do Habeas Corpus (HC) 466343, onde se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel. No ensejo, ainda foi revogado o Enunciado nº 619 da Súmula de jurisprudência do STF, segundo o qual "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".

O resumo do julgamento foi exposto em notícia divulgada no sítio do STF na rede mundial de computadores (internet), que se reproduz abaixo:

"Quarta-feira, 03 de Dezembro de 2008

STF restringe a prisão civil por dívida a inadimplente de pensão alimentícia

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) arquivou, nesta quarta-feira (03), o Recurso Extraordinário (RE) 349703 e, por unanimidade, negou provimento ao RE 466343, que discutiam a prisão civil de alienante fiduciário infiel. O Plenário estendeu a proibição de prisão civil por dívida, prevista no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (CF), à hipótese de infidelidade no depósito de bens e, por analogia, também à alienação fiduciária, tratada nos dois recursos.

Assim, a jurisprudência da Corte evoluiu no sentido de que a prisão civil por dívida é aplicável apenas ao responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia. O Tribunal entendeu que a segunda parte do dispositivo constitucional que versa sobre o assunto é de aplicação facultativa quanto ao devedor – excetuado o inadimplente com alimentos – e, também, ainda carente de lei que defina rito processual e prazos.

Súmula revogada

Também por maioria, o STF decidiu no mesmo sentido um terceiro processo versando sobre o mesmo assunto, o Habeas Corpus 87585. Para dar conseqüência a esta decisão, revogou a Súmula 619, do STF, segundo a qual "a prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito".

Ao trazer o assunto de volta a julgamento, depois de pedir vista em março deste ano, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito defendeu a prisão do depositário judicial infiel. Entretanto, como foi voto vencido, advertiu que, neste caso, o Tribunal teria de revogar a Súmula 619, o que acabou ocorrendo.

As ações

Nos REs, em processos contra clientes, os bancos Itaú e Bradesco questionavam decisões que entenderam que o contrato de alienação fiduciária em garantia é insuscetível de ser equiparado ao contrato de depósito de bem alheio (depositário infiel) para efeito de prisão civil.

O mesmo tema estava em discussão no HC 87585, em que Alberto de Ribamar Costa questiona acórdão do STJ. Ele sustenta que, se for mantida a decisão que decretou sua prisão, "estará respondendo pela dívida através de sua liberdade, o que não pode ser aceito no moderno Estado Democrático de Direito, não havendo razoabilidade e utilidade da pena de prisão para os fins do processo".

Ele fundamentou seu pleito na impossibilidade de decretação da prisão de depositário infiel, à luz da redação trazida pela Emenda Constitucional 45, de 31 de dezembro de 2004, que tornou os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos equivalentes à norma constitucional, a qual tem aplicação imediata, referindo-se ao pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário.

Direitos humanos e gradação dos tratados internacionais

Em toda a discussão sobre o assunto prevaleceu o entendimento de que o direito à liberdade é um dos direitos humanos fundamentais priorizados pela Constituição Federal (CF) e que sua privação somente pode ocorrer em casos excepcionalíssimos. E, no entendimento de todos os ministros presentes à sessão, neste caso não se enquadra a prisão civil por dívida.

"A Constituição Federal não deve ter receio quanto aos direitos fundamentais", disse o ministro Cezar Peluso, ao lembrar que os direitos humanos são direitos fundamentais com primazia na Constituição. "O corpo humano, em qualquer hipótese (de dívida) é o mesmo. O valor e a tutela jurídica que ele merece são os mesmos. A modalidade do depósito é irrelevante. A estratégia jurídica para cobrar dívida sobre o corpo humano é um retrocesso ao tempo em que o corpo humano era o ''corpus vilis'' (corpo vil), sujeito a qualquer coisa".

Ao proferir seu voto, a ministra Ellen Gracie afirmou que "o respeito aos direitos humanos é virtuoso, no mundo globalizado". "Só temos a lucrar com sua difusão e seu respeito por todas as nações", acrescentou ela.

No mesmo sentido, o ministro Menezes Direito afirmou que "há uma força teórica para legitimar-se como fonte protetora dos direitos humanos, inspirada na ética, de convivência entre os Estados com respeito aos direitos humanos".

Tratados e convenções proíbem a prisão por dívida

Menezes Direito filiou-se à tese hoje majoritária, no Plenário, que dá status supralegal (acima da legislação ordinária) a esses tratados, situando-os, no entanto, em nível abaixo da Constituição. Essa corrente, no entanto, admite dar a eles status de constitucionalidade, se votados pela mesma sistemática das emendas constitucionais (ECs) pelo Congresso Nacional, ou seja: maioria de dois terços, em dois turnos de votação, conforme previsto no parágrafo 3º, acrescido pela pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao artigo 5º da Constituição Federal.

No voto que proferiu em 12 de março, quando o julgamento foi interrompido por pedido de vista de Menezes Direito, o ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe, em seu artigo 7º, parágrafo 7º, a prisão civil por dívida, excetuado o devedor voluntário de pensão alimentícia.

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O mesmo, segundo ele, ocorre com o artigo 11 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas (ONU), ao qual o Brasil aderiu em 1990.Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia), com a participação do Brasil, já previa esta proibição, enquanto a Constituição brasileira de 1988 ainda recepcionou legislação antiga sobre o assunto.

Também a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena (Áustria), em 1993, com participação ativa da delegação brasileira, então chefiada pelo ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida. O ministro lembrou que, naquele evento, ficou bem marcada a interdependência entre democracia e o respeito dos direitos da pessoa humana, tendência que se vem consolidando em todo o mundo.

O ministro invocou o disposto no artigo 4º, inciso II, da Constituição, que preconiza a prevalência dos direitos humanos como princípio nas suas relações internacionais, para defender a tese de que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, mesmo os firmados antes do advento da Constituição de 1988, devem ter o mesmo status dos dispositivos inscritos na Constituição Federal (CF). Ele ponderou, no entanto, que tais tratados e convenções não podem contrariar o disposto na Constituição, somente complementá-la.

A CF já dispõe, no parágrafo 2º do artigo 5º, que os direitos e garantias nela expressos "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Duas teses

O ministro Menezes Direito filiou-se à tese defendida pelo presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que concede aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos a que o Brasil aderiu um status supralegal, porém admitindo a hipótese do nível constitucional delas, quando ratificados pelo Congersso de acordo com a EC 45 (parágrafo 3º do artigo 5º da CF).

Neste contexto, o ministro Gilmar Mendes advertiu para o que considerou um "risco para a segurança jurídica" a equiparação dos textos dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário ao texto constitucional. Segundo ele, o constituinte agiu com maturidade ao acrescentar o parágrafo 3º ao artigo 5º da CF.

No mesmo sentido se manifestaram os ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, além de Menezes Direito. Foram votos vencidos parcialmente - defendendo o status constitucional dos tratados sobre direitos humanos os ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie.". [03]

Dentre as diversas questões que poderiam ser abordadas em face do mencionado julgamento, uma, em especial, nos chamou a atenção: a inegável evolução da jurisprudência da Suprema Corte acerca da hierarquia dos tratados humanos no direito brasileiro.


2 Jurisprudência anterior do STF acerca da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos. Equiparação à lei.

Em trabalho específico sobre os tratados de direitos humanos no direito brasileiro, [04] tivemos a oportunidade de expor que existem quatro correntes acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos: a) caráter meramente legal ou da paridade hierárquica entre tratados de direitos humanos e lei federal; b) caráter constitucional dos tratados de direitos humanos; c) caráter supralegal dos tratados de direitos humanos; e d) caráter supraconstitucional dos tratados de direitos humanos.

Naquela oportunidade, defendemos que a jurisprudência majoritária do STF filiava-se a primeira corrente acima exposta, ou seja, àquela que equipara a força normativa dos tratados à lei. Por esta corrente, os tratados internacionais, sejam de direitos humanos ou não, possuem a mesma hierarquia de lei ordinária federal [05] e, no conflito entre esses diplomas, aplicam-se os princípios da "lei posterior revoga lei anterior que seja com ela incompatível" (lex posterior derrogat priori) ou da especialidade, ressalvada, ainda, a possibilidade de responsabilização do Estado no plano internacional.

De fato, a jurisprudência do STF alterou-se a partir de 1977, quando, no julgamento do precedente RE nº 80.004, se firmou o entendimento de que os tratados internacionais estão em paridade com a lei federal, apresentando a mesma hierarquia que esta.

Tal entendimento foi, posteriormente, confirmado, inclusive em relação aos tratados de direitos humanos, nos precedentes HC nº 72.131-RJ (DJ 20.9.1996), ADI nº 21/600 (DJ 21.11.1997), ADI nº 939-7 (DJ 18.3.1994), HC nº 730442 (DJ 20/9/1996), HC nº 76561-3 (DJ 2.2.2001), RE nº 206482-3 (DJ 5.9.2003), e RHC nº 79785-7 (DJ 22.11.2002). Neste último, que envolvia o alcance interpretativo do princípio do duplo grau de jurisdição, previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos, pode-se ter uma noção clara do entendimento do STF com uma simples leitura do seguinte trecho da ementa do referido julgado, verbis:

"4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacionais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. (...) 2. Assim como não o afirma em relação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b)" (PLENO, RHC nº 79.785-RJ, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, DJ: 22.11.2002).

O professor GEORGE GALINDO resume os principais argumentos lançados pela tese vencedora no STF, a saber:

"1) o caráter constitucional dos tratados de Direitos Humanos minimizaria a soberania brasileira; 2) sendo normas meramente legais, é possível o controle de constitucionalidade dos tratados de direitos humanos; 3) tal como outros tratados internacionais, o critério para solucionar antinomias entre normas de mesmo patamar (lei e tratado) seria o princípio lex posterior derrogat priori; 4) o ordenamento jurídico brasileiro subordinaria o ordenamento internacional; 5) tratados internacionais não podem impedir o Parlamento de legislar; 5) tratados não implicam emendas constitucionais; 6) Haveria em jogo um verdadeiro direito fundamental dos credores de dívidas oriundas de descumprimento de contratos de alienação fiduciária a sobrepor-se ao direito de os devedores de não serem submetidos à prisão civil." [06]

Não obstante, já àquela época existiam vozes dissonantes no âmbito da Excelsa Corte. Com efeito, o eminente ministro aposentado CARLOS VELLOSO defendia o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos. É o que se extrai do seguinte excerto de seu voto no HC nº 82.424-RS, onde igualmente se discutia a validade da prisão no contrato de alienação fiduciária em garantia, ante o Pacto de São José da Costa Rica, in verbis:

"se é certo que é preciso distinguir os direitos fundamentais materiais dos direitos fundamentais puramente formais, não é menos certo, entretanto, que, no caso, estamos diante de direito material fundamental, que diz respeito à liberdade. Assim, a Convenção de São José da Costa Rica, no ponto, é vertente de direito fundamental. É dizer, o direito assegurado no art. 7º, item 7, da citada Convenção, é um direito fundamental, em pé de igualdade com os direitos fundamentais expressos na Constituição" (PLENO, HC nº 72.131-RJ, Relator: Min. Marco Aurélio, DJ: 1.8.2003).

O também já aposentado Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, por sua vez, adotava a tese do caráter supralegal dos tratados de direitos humanos, consoante se extrai do seguinte excerto do seu voto no referido RHC nº 79785-7RJ:

"(...) parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização de direitos humanos." (PLENO, RHC nº 79.785-RJ, Relator: Min. Sepúlveda Pertence, DJ: 22.11.2002).

O panorama jurisprudencial da Suprema Corte acima mencionado, contudo, mudou substancialmente após o julgamento dos RE 349.703 e 466343 e do HC 466343, conforme se passa a demonstrar.


3. Jurisprudência atual do STF acerca da hierarquia dos Tratados de Direitos Humanos. Caráter supralegal.

Com o julgamento dos citados precedentes RE 349.703 e 466343 e do HC 466343, formaram-se duas teses na composição atual do Excelso STF acerca da posição hierárquica dos tratados de direitos humanos. Por apertada maioria, sagrou-se vitoriosa a tese do caráter supralegal dos tratados de direitos humanos, com votos dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Menezes Direito e Cármen Lúcia.

Os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie, por sua vez, ficaram vencidos no tema em comento, dando aos tratados a qualificação constitucional.

Assim, até o presente momento, a jurisprudência majoritária da Suprema Corte reconhece o caráter supralegal dos tratados de direitos humanos, ou seja, que estes ingressam no ordenamento jurídico brasileiro com hierarquia infraconstitucional, mas com status superior ao da lei. A tese foi capitaneada pelo Ministro Gilmar Mendes, que chegou a advertir que é um "risco para a segurança jurídica" a equiparação dos textos dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil é signatário ao texto constitucional. [07]

Observe-se, porém, que o quorum não estava completo quando do julgamento dos citados precedentes. Apenas nove ministros votaram, não havendo a participação dos eminentes Ministros Joaquim Barbosa e Carlos Britto, tidos como julgadores da ala progressista do Supremo Tribunal Federal.

Dessa maneira, é bastante provável que o Supremo Tribunal Federal avance ainda mais na questão, de modo a reconhecer o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos de que o país seja parte, o que sem dúvida representará uma tutela ainda mais efetiva dos direitos humanos no Brasil.

Nesse contexto, destaque-se que a maioria das Constituições latino-americanas conferem um caráter especial ou diferenciado acerca dos tratados de direitos humanos de que o respectivo país seja signatário. Apenas a título de exemplo, observe-se que as Constituições do Peru, da Argentina, da Venezuela e da Nicarágua atribuem hierarquia constitucional aos tratados de direitos humanos, ao passo que as Cartas de Guatemala, Colômbia e Chile lhes atribuem hierarquia especial, com preeminência sobre a legislação ordinária e o restante do direito interno. [08]

No Brasil, poder-se-ia chegar à conclusão do status constitucional dos tratados de direitos humanos antes mesmo da inclusão do § 3º, do art. 5º, da CF/88, pela Emenda Constitucional nº 45/2004. [09] Isso porque o § 2º do mesmo dispositivo já preceituava que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." (destaques nossos).

Nesse sentido, pontua a ilustre professora FLÁVIA PIOVESAN que a previsão da cláusula aberta inserta no § 2º do art. 5º da CF/88 "está a incluir, no catálogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de inclusão implica a incorporação pelo Texto Constitucional de tais direitos" [10].

Também com fundamento no citado § 2º do art. 5º da CF/88 o futuro juiz do tribunal de Haia, [11] ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE, acentua o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos, in litteris:

"Assim, a novidade do art. 5º (2) da Constituição de 1988 consiste no acréscimo, por proposta que avancei, ao elenco dos direitos constitucionalmente consagrados, dos direitos e garantias expressos em tratados internacionais sobre proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é parte. Observe-se que os direitos se fazem acompanhar necessariamente de garantias. É alentador que as conquistas do direito internacional em favor da proteção do ser humano venham a projetar-se no direito constitucional, enriquecendo-o, e demonstrando que a busca de proteção cada vez mais eficaz da pessoa humana encontra guarida nas raízes do pensamento tanto internacionalista quanto constitucionalista.". [12]

Portanto, pela regra do § 2º do art. 5º da CF/88, os tratados de direitos humanos teriam a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais, integrando o que o professor lusitano CANOTILHO denomina de bloco de constitucionalidade. [13] Tal interpretação é consonante, inclusive, com o princípio da máxima efetividade, pelo qual, à norma constitucional, especialmente a que define direitos e garantias fundamentais, deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê [14].

Verifique-se, ainda, a pertinente observação do professor INGO SARLET, ao argumentar com uma necessária interação entre os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos internacionais, verbis:

"À luz dos argumentos esgrimidos, verifica-se que a tese da equiparação (por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CF) entre os direitos fundamentais localizados em tratados internacionais e os com sede na Constituição formal é a que mais se harmoniza com a especial dignidade jurídica e axiológica dos direitos fundamentais na ordem jurídica interna e internacional, constituindo, ademais, pressuposto indispensável à construção e consolidação de um autêntico direito constitucional internacional dos direitos humanos, resultado da interpenetração cada vez maior entre os direitos fundamentais constitucionais e os direitos humanos dos instrumentos jurídicos internacionais." [15]

O escólio doutrinário acima mencionado, em prol da atribuição do caráter constitucional dos tratados de direitos humanos, vem sendo seguido por um expressivo número de Ministros do STF, destacando-se a posição do eminente Ministro CELSO DE MELLO, que numa atitude digna de louvor, reconheceu expressamente que evoluiu o seu entendimento a respeito do tema.

Tal fato pode ser extraído do seu exauriente e impecável voto proferido na condição de Relator do HC nº 90450/MG, em julgamento ocorrido em 23.9.2008, perante a 2ª Turma do STF. Por ser absolutamente coerente com as premissas ora destacadas, transcreve-se abaixo o seguinte excerto do seu belo voto:

"Tenho para mim, desse modo, Senhores Ministros, que uma abordagem hermenêutica fundada em premissas axiológicas que dão significativo realce e expressão ao valor ético-jurídico – constitucionalmente consagrado (CF, art. 4º, II) – da ‘prevalência dos direitos humanos’ permitirá, a esta Suprema Corte, rever a sua posição jurisprudencial quanto ao relevantíssimo papel, à influência e à eficácia (derrogatória e inibitória) das convenções internacionais sobre direitos humanos no plano doméstico e infraconstitucional do ordenamento positivo do Estado brasileiro.

Com essa nova percepção do caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, dar-se-á conseqüência e atribuir-se-á efetividade ao sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana, reconhecendo-se, com essa evolução do pensamento jurisprudencial desta Suprema Corte, o indiscutível primado que devem ostentar, sobre o direito interno brasileiro, as convenções internacionais de direitos humanos, ajustando-se, desse modo, a visão deste Tribunal, às concepções que hoje prevalecem, no cenário internacional – consideradas as realidades destes emergentes -, em torno da necessidade de amparo e defesa da integridade dos direitos da pessoa humana.

Nesse

contexto, e sob essa perspectiva hermenêutica, valorizar-se-á o sistema de proteção aos direitos humanos, mediante atribuição, a tais atos de direito internacional público, de caráter hierarquicamente superior ao da legislação comum, em ordem a outorga-lhes, sempre que se cuide de tratados internacionais de direitos humanos, supremacia e precedência em face de nosso ordenamento doméstico, de natureza meramente legal.

(...)

Como precedentemente salientei neste voto, e após detida reflexão em torno dos fundamentos e critérios que me orientaram em julgamento anteriores (RTJ 179/493-496, v.g.), evoluí, Senhores Ministros, no sentido de atribuir, aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais, nos termos que venho de expor, qualificação constitucional, como preconiza, em douto magistério, o eminente Professor LUIZ FLÁVIO GOMES (‘Estado Constitucional de Direito e a nova pirâmide jurídica’, p. 30 e ss., 2008, São Paulo, Premier Máxima)." (destaques originais).

Endossando as palavras do eminente Ministro CELSO DE MELLO, espera-se realmente que a Suprema Corte evolua ainda mais a respeito do tema, de modo a reconhecer definitivamente o caráter constitucional dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil.

Sobre o autor
Daniel Martins Felzemburg

Procurador Federal, atualmente exercendo a chefia da Procuradoria Federal Especializada do INCRA no Estado do Tocantins. Graduado em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS (2003). Especialista em Direito Processual Civil pelas Faculdades Jorge Amado (2005), em Salvador-BA. Sócio honorário da Academia Brasileira de Direito Processual Civil desde 2006. Pós-graduando Lato Sensu em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FELZEMBURG, Daniel Martins. Nota sobre a evolução da jurisprudência do STF acerca da hierarquia dos tratados de direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2308, 26 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13734. Acesso em: 26 nov. 2024.

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