ConclusÃO
A edição da súmula vinculante n.º 08, bem assim a respectiva modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade que o Supremo Tribunal Federal houve por bem fixar, concretizam atuação estatal de não realização do Estado de Direito, na medida em que defluem de seu bojo ofensas a direitos e deveres fundamentais e ao sobreprincípio da segurança jurídica.
Trata-se, pois, de preceito sumulado que se revela materialmente inconstitucional, por conter a um só tempo limitação de acesso ao Poder Judiciário e afronta ao princípio da igualdade.
Demais disso, conclui-se que deflui da modulação de efeitos fixada que houve flagrante legitimação de uma certa tributação efetivada em afronta ao ordenamento (com base em norma declarada inconstitucional), a pretexto de se assegurar a segurança jurídica.
Ao contrário, porém, da pretensão da Suprema Corte em assegurar o sobreprincípio da segurança jurídica, nota-se que, em verdade, o que houve foi um ataque bastante contundente a ele, haja vista que não é dado ao Estado malferir direitos e deveres fundamentais em sua atuação, seja esta da senda administrativa, judicial ou legislativa.
No momento em que o próprio Judiciário se permite confeccionar súmulas vinculantes, de observância obrigatória imediata, fulcrado em julgamento que não atende a padrões éticos fiscais rigorosos (é ao menos imoral admitir que o Estado tribute em desrespeito ao ordenamento), e que desdenha de algo de suma importância no Estado de Direito (respeito aos direitos fundamentais e à segurança jurídica), nesse momento, tem-se um sintoma muito claro de que o sistema padece de um mal muito sério. É preciso, pois, ao menos percebê-lo, para após caminhar em busca de soluções.
Tai soluções, necessariamente, devem trilhar pelo caminho da verdadeira realização do Estado de Direito.
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anexos – pareceres pgfn SOBRE A SV-8
Parecer PGFN/CRJ/CDA n.º 1436/2008
Procuradora: GEILA LÍDIA BARRETO BARBOSA
Órgão: PGFN/CDA
STF. RREE 560626, 556664, 559882 e 559943. Inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91, por violação do art. 146, III, b, da Constituição de 1988, e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei n° 1.569/77, frente ao § 1º do art. 18 da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional 01/69. Fundamentos da decisão. Repercussão em outros dispositivos legais criados por lei ordinária, MP ou DL. Orientação à carreira dos Procuradores da Fazenda Nacional.
1. Em face da declaração de inconstitucionalidade formal dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei n° 1.569/77 pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento dos RREE 560626, 556664, 559882 e 559943 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), através desta Coordenação-Geral de Representação Judicial (CRJ) estabelece as seguintes orientações à carreira dos Procuradores da Fazenda Nacional, sem prejuízo de outras que venham a ser veiculadas em outros pareceres.
2. Como devidamente noticiado pela Mensagem PGFN/CRJ nº. 645 e 646 o Supremo Tribunal Federal fixou no julgamento dos RREE 560626, 556664, 559882 e 559943 o entendimento de que apenas a lei complementar pode veicular normas gerais de decadência e prescrição tributárias, seja sob a égide da Constituição Federal pretérita (CF/67/69), seja sob a égide da atual (CF/88).
3. Como sabido, além dos dispositivos legais declarados formalmente inconstitucionais pelo STF, existem no nosso ordenamento jurídico outras leis não complementares (lei ordinária, medida provisória e decreto-lei) que lidam com os referidos institutos de direito tributário, cito como exemplo os artigos 2º, § 3º e 40 da Lei 6.830/80 (LEF), vejamos:
"Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 1º - Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o artigo 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato.
§ 3º - A inscrição, que se constitui no ato de controle administrativo da legalidade, será feita pelo órgão competente para apurar a liquidez e certeza do crédito e suspenderá a prescrição, para todos os efeitos de direito, por 180 dias, ou até a distribuição da execução fiscal, se esta ocorrer antes de findo aquele prazo.
Art. 40 - O Juiz suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição.
§ 1º - Suspenso o curso da execução, será aberta vista dos autos ao representante judicial da Fazenda Pública.
§ 2º - Decorrido o prazo máximo de 1 (um) ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o Juiz ordenará o arquivamento dos autos.
§ 3º - Encontrados que sejam, a qualquer tempo, o devedor ou os bens, serão desarquivados os autos para prosseguimento da execução.
§ 4o Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)"
4. Neste contexto, orienta-se que todos os dispositivos legais, não criados por lei complementar (instituídos por lei ordinária, medida provisória ou decreto-lei), atinentes a normas gerais de prescrição e decadência tributárias, seja sob a égide da Carta Política pretérita, seja sob a égide da atual, apenas sejam alegados na defesa da obrigação ou do crédito tributário em última hipótese (descartada todas as outras teses), uma vez que o entendimento consagrado pelo STF nos alerta para a precariedade de tal alegação quando analisada sua constitucionalidade formal.
5. Importante destacar que os referidos artigos, bem como os demais existentes na nossa legislação, devem continuar sendo alegados na hipótese de aplicação aos créditos de natureza não-tributária, em face da limitação da decisão do STF ao âmbito do direito tributário.
6. Por oportuno, cumpre esclarecer que o § 4º do art. 40 da Lei 6.830, de 1980, que autoriza o magistrado a reconhecer ex officio a ocorrência da prescrição intercorrente, contempla disciplina voltada para o processo, de caráter eminentemente instrumental, e não norma de direito material sobre prescrição, consoante restou explicitado no Parecer/CDA nº 1154, de 2005, no Parecer/CDA nº 1654, de 2005 e na NOTA/PGFN/CRJ nº 191, de 2005. Por conseguinte, é seguro afirmar que tal dispositivo, encartado em lei ordinária, nem sequer poderia invadir o conteúdo material reservado à lei complementar (normas gerais de prescrição tributária), inexistindo precariedade na sua aplicação.
7. Ressaltamos, ademais, a necessidade de que o sobrestamento da execução fiscal tratado no caput do art. 40 da Lei nº 6.830, de 1980, seja precedido, agora com maior rigor, das diligências contidas no "Manual de Procedimentos para a Localização de Bens e Devedores", aprovado pela Portaria PGFN nº 110, de 31 de janeiro de 2006, disponível na intranet.
CONCLUSÃO
8. São essas as ORIENTAÇÕES que reputamos úteis ao esclarecimento dos efeitos e a atuação judicial dos Procuradores da Fazenda Nacional, em face do julgamento que declarou a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 e do parágrafo único do art. 5º do Decreto-lei n°. 1.569/77, com modulação dos efeitos e a edição da Súmula Vinculante nº 8 do STF, as quais, uma vez aprovadas, propõe-se sejam amplamente divulgadas, a título de orientação à carreira de Procurador da Fazenda Nacional.
À consideração superior.
PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, em 08 de julho de 2008.
Notas
- Santi, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e Prescrição no Direito Tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.
- Mendonça, Christine. Decadência e Prescrição em Matéria Tributária, in Curso de Especialização em Direito Tributário – Estudos Analíticos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 656.
- RREE nº 560626, 556664, 559882 e 559943, julgados em 11 e 12.6.2008, ainda pendentes de publicação (outubro de 2008).
- Nunes, Jorge Amaury Maia. A segurança jurídica à luz do poder normativo e coercitivo do judiciário: limites à decisão e à recorribilidade por meio de súmulas. Tese de doutoramento, 2007, p. 174. Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
- Cadore, Márcia Regina Lusa. Súmula vinculante e uniformização de jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2.
- Artigo 146, III, "b", da Constituição Federal de 1988.
- Artigo 18, § 1º, da Constituição de 1967, com redação dada pela Emenda Constitucional 01/69.
- Artigos 150, § 4º, 173 e 174.
- Artigo 4º da Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006.
- Pareceres PGFN/CRJ/CDA nºs 1436 e 1437, e Parecer PGFN/CAT nº 1617, todos de 2008.
- SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Prescrição na Repetição do Indébito e Lei Complementar 118: desafiando o Paradigma da Legalidade, in Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, vol. 138, p. 38.
- Becker, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. 2.ª edição. São Paulo: Lejus, 1999.
- Grupenmacher, Betina Treiger. Tributação e direitos fundamentais, in Tributos e direitos fundamentais. São Paulo: Dialética, 2004, p. 14.
- Carvalho, Paulo de Barros. O princípio da segurança jurídica em matéria tributária, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 2003, vol. 98, p. 178.
- Ranelletti, Oreste. Instituzioni di diritto pubblico, il nuovo diritto pubblico della repubblica italiana. 13.ª edição. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1951, parte II e III, p. 155.
- SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CONRADO, Paulo César. Controle Direto de Constitucionalidade e Repetição do Indébito, in Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: vol. 86, p. 27.
- Ibidem, p. 32.