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Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.

Uma proposta de análise empírica

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III – O LEVANTAMENTO DE DADOS

Nesse momento passaremos à análise dos dados empíricos coletados e que permitirão uma interface com o marco teórico anteriormente abordado. Estabelecemos como universo da pesquisa empírica as decisões judiciais proferidas, em primeira instância, nas Varas da Fazenda do Distrito Federal, cujo objeto pretendido era a ingerência judicial para garantia da efetivação do direito fundamental à saúde.

A delimitação das decisões a serem analisadas foi feita a partir do autor: os feitos em que a Defensoria Pública prestou a assistência jurídica aos carentes, na acepção jurídica do termo.

A amostra inicialmente coletadada em lista fornecida pela Distribuição do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJ/DFT, foi de 205 feitos distribuídos pela Defensoria Pública no período compreendido entre 1º a 31 de julho de 2009. Da análise do conteúdo jurídico dessas ações no sítio do TJ/DFT na internet, concluímos que oitenta delas, o equivalente a 39,02%, representavam Ações Cominatórias cujo objeto era responsabilização do Estado para o fornecimento de medicamentos e pela prestação de serviços da saúde.

A primeira inferência da análise desses dados é de que todas as demandas estavam instruídas com pedidos de concessão de liminar para fruição imediata do objeto da lide, o que é perfeitamente justificável haja vista a natureza dos pedidos.

Em seguida, os índices apurados refletem que a crise enfrentada hoje pelo Sistema Único de Saúde reside na escassez de leitos na Unidade de Terapia Intensiva – UTI. Isto porque, 58,53% dos pedidos liminares, constantes das ações judiciais ora estudadas, pretendem a internação de paciente em leito na UTI da rede pública, o que evidencia colapso na infra-estrutura disponibilizada para atendimentos de alta complexidade. O segundo maior número de demandas, 36,98%, refere-se à área da assistência farmacêutica, situações em que se pretende tanto a concessão de medicamentos básicos, normalmente disponibilizados à população, quanto à concessão de remédios excepcionais, consistentes em medicamentos de alto custo unitário o que inviabiliza o custeio pelo peticionário.

Em terceiro lugar estão as pretensões referentes à realização de cirurgias, exames ou tratamentos pós-operatórios, que totalizam 19,74% do número de demandas ajuizadas.

Por fim, 15,43% dos pedidos são concernentes a fornecimento de materiais médico hospitalares, 4,66% tem pedido referente a fornecimento de próteses sendo que idênticos 4,66% destas ações não tem conteúdo das liminares revelado no sítio do TJ-DFT.

Tabela 1 – Objeto dos Pedidos

OBJETO DOS PEDIDOS

Internações UTI

58,53%

Medicamentos

36,98%

Tratamento pós-operatório, cirurgias e exames

19,74%

Materiais médico hospitalares

15,43%

Próteses

4,66%

Conteúdo não disponível no site

4,66%

Os fundamentos jurídicos, por seu turno, referem-se ao direito à saúde ser um direito constitucionalmente assegurado (art. 196, CF), sendo que as ações e serviços públicos devem ser organizados de modo a garantir atendimento integral ao cidadão (art. 198, n. II, CF). Além disso, fundamentam a decisão no fato da Lei Orgânica do Distrito Federal estabelecer ser competência do Sistema Único de Saúde do Distrito Federal, além de outras atribuições previstas em lei: "prestar assistência farmacêutica e garantir o acesso da população aos medicamentos necessários à recuperação de sua saúde (art. 207, n. XXIV).

Tabela 2 – Pedidos de Internação na UTI Deferidos

PACIENTE JÁ INTERNADO EM REDE PÚBLICA

76,92

PACIENTE INTERNADO EM REDE PRIVADA

0,00

NÃO HÁ INFORMAÇÃO %

23,08%

PACIENTE ASSISTIDO POR MÉDICO INTEGRANTE DO SUS

80,77%

PACIENTE ASSISTIDO POR MÉDICO PRIVADO

0,00

NÃO HÁ INFORMAÇÃO

19,23%

PACIENTE NA LISTA DA CENTRAL DE REGULAÇÃO DE LEITOS

57,69%

FORA DA LISTA

0,00

NÃO HÁ INFORMAÇÃO

42,31%

Analisando o posicionamento jurisdicional na solução dos conflitos que envolvem aspectos ligados à saúde pública, verificamos que em significativos 72,5% dos casos houve concessão da medida liminar pretendida, o que indica uma disposição do Judiciário em proporcionar as ações e os serviços da saúde prescritos aos pacientes e não atendidos voluntariamente pelo sistema, mormente quando se verifica que apenas 10% dos pedidos liminares foram indeferidos.

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DEFERIDAS

INDEFERIDAS

PENDENTES

AUTOS ARQUIVADOS

DEFERIDAS EM PARTE

72,5%

10%

13,75%

2,5%

1,38%

Dentre as liminares obtidas, que representam 72,5% dos pedidos, observamos tratarem-se na sua maioria de pedidos de internação em leitos da UTI da rede pública correspondentes a 44,83% das medidas concedidas. Após este fato, o maior número de medidas atendidas pelo Judiciário refere-se ao fornecimento de medicamentos, correspondentes a 27,59% das liminares.

Os pedidos concernentes a realização de cirurgias, tratamentos pós-operatórios e realização de exames médicos (PCI – Pesquisa de Corpo Inteiro, ultra-sonografia), totalizam 13,79% das liminares concedidas. Em seguida, as liminares para o fornecimento de materiais médico/hospitalares (fraldas, sacos coletores, colchão específico, cadeira de rodas, aparelho de oxigênio) que representam 10,34% das medidas outorgadas.

Tabela 4 – Objeto das Liminares Concedidas

OBJETO DAS LIMINARES CONCEDIDAS

44,83%

Medicamentos

27,59%

Tratamento pós-operatório,cirúrgias e exames

13,79%

Materiais médico/hospitalares

10,34$

Prótese

1,72%

Conteúdo da liminar não disponível no site

1,72%

Na análise das decisões verificou-se uma grande preocupação dos julgadores em atender a critérios estabelecidos previamente pelo Ministério da Saúde para concessão das liminares. Dentre as liminares concedidas para vaga em leito público, correspondente a 44,83% dos casos, verificamos que em 57,69% dos casos houve preocupação especial dos magistrados em saber se o peticionário encontrava-se inscrito na Central de Regulação de Leitos.

Esta Central faz parte da Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde – SUS, instituída por ato do Ministro da Saúde por meio da edição da Portaria nº 1.559, de 1º de agosto de 2008 e tem como escopo gerir as vagas em leitos hospitalares. Sua missão é encontrar a vaga adequada a cada caso, encaminhando os pacientes na medida de sua disponibilidade e segundo a urgência médica de cada um.

Em decisão proferida em um dos processos (Processo nº 2009.01.1.097469-2), o magistrado argumentou que a falta da informação sobre a inscrição na Central de Regulação de Leitos poderia violar a sistemática posta em prática pelo sistema de saúde do DF, o que seria temerário para o autor.

A sistemática adotada pela Central analisa qual UTI é a mais indicada ao caso concreto, ponderando inúmeros dados do quadro clínico do paciente - como necessidade de suporte específico para hemodiálise, cirurgia cardíaca, cirurgia neurológica, equipamentos e equipes médicas diferenciadas - para concluir pela melhor indicação. Esse Juízo ponderou ainda ser a concessão de liminar nestes casos uma possível violação ao princípio da igualdade, por dar preferência a alguém que se encontra no final da fila de espera em prejuízo a outros que estão em situação privilegiada na mesma fila.

Contudo, nesse processo específico, embora houvesse apenas alegações e não prova da parte autora de já se encontrar inscrita nesta Central e em que pesem todas as demais ponderações do Juízo, a medida foi deferida para determinar ao Distrito Federal que providenciasse vaga em leito da UTI ao paciente, preferencialmente na rede pública ou, na inexistência destes, fosse encontrada vaga na rede particular a expensas do Distrito Federal.

Em outro processo (Processo nº 2009.01.1.107594-9), a ausência de informação na petição inicial quanto à inscrição do peticionário na lista da Central de Regulação de Leitos, levou o Juízo a fazer contato telefônico com mencionada Central a fim de obter dados a respeito das necessidades do autor que, no caso, eram de UTI neurológica e oncológica. Este procedimento foi verificado também em outra oportunidade, tendo sido confirmado ao Juízo tanto a inscrição da paciente quanto sua necessidade ter sido inscrita como de grau um (Processo nº 2009.01.1.108715-0) importa dizer, necessidade imperiosa de internação com risco iminente de morte.

Estes dois processos refletem a preocupação dos magistrados em atender a demanda solicitada desde que dentro dos parâmetros da política pública estabelecida, ou seja, de inscrição na lista da Central de Regulação de Leitos. Cumpre salientar que o objeto deste trabalho não inclui juízo de valor sobre a política pública em si ou a viabilidade ou não do direito a quem não está sendo atendido pela rede particular, mas sim o posicionamento do Juízo com relação à política pública propriamente dita. Assim, percebe-se que não há intenção de "fazer política" nos casos analisados.

Em 76,92% dos casos estudados, os pacientes já estavam internados em leitos comuns da rede pública sendo que em dois casos, dentre os citados, (Processos nº 102703-3 e 114505-3), os peticionários encontravam-se internados não em leitos comuns dos hospitais, mas em "box" da emergência, ou seja, não havia nem ao menos leitos comuns a serem ofertados aos pacientes.

Interessante dizer que em 80,77% das liminares concedidas, o paciente estava assistido por médico integrante do Sistema único de Saúde e em 19,23% das decisões não havia menção precisa sobre o tema, muito embora ser possível inferir que as partes estejam assistidas por médicos ligados a rede pública de saúde, pois encontravam-se internados em hospitais públicos (Processos nº 108715-0 e 114.510-9). Isto comprova a exigência dos Juízos de conformidade entre demandas e a política pública previamente definida.

A quase totalidade dos pedidos liminares que foram indeferidos ou encontram-se pendentes, cujos pedidos eram a internação em leitos de UTI ligadas a rede pública, referem-se ao fato dos autores já encontrarem-se internados em rede particular e assistidos por médicos particulares. Aqui novamente percebe-se uma tendência dos magistrados em não interferir demasiadamente na política pública de saúde, afastando os pedidos que estão sendo atendidos pela rede particular.

Por fim, verificamos que para concessão das medidas de urgência, são analisados pelos Juízos, de forma geral, a presença de relatório médico e receituário firmado por médicos ligados à Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal em atendimento ao que disciplina a Portaria 14/01 da Secretaria de Saúde Pública do DF. O medicamento ou procedimento a ser atendido deve estar padronizado e, portanto, dentro da Política Pública Nacional, inclusive a internação em leitos da UTI.

Os dados ora narrados reforçam a hipótese ora apresentada de que o Judiciário de 1ª Instância do Distrito Federal e Territórios tende a compor suas decisões harmoniosamente às políticas públicas ligadas a Saúde e implementadas pelo Estado, perdendo os contornos de uma decisão de cunho ativista.

Em pesquisa similar sobre a judicialização das políticas de assistência farmacêutica no Distrito Federal, Luiz Carlos Romero (2008) apresenta dados sobre os acórdãos julgados pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal no período de 2001 a 2005 em ações que pleiteavam o fornecimento de medicamentos. Na segunda instância e no período analisado, o pesquisador difere das conclusões aqui apresentadas em dois momentos que nos conduzem a importantes inferências:

a) o pesquisador conclui que há uma dificuldade dos julgadores de lidarem com conceitos técnicos como seleção de medicamentos (denominada "padronização", nos textos dos acórdãos estudados), protocolo clínico, intercambialidade e vigilância sanitária. "Como resultado, relações de medicamentos selecionados, protocolos clínicos e o registro de medicamentos são entendidos por juízes e desembargadores como entraves burocráticos e mecanismos de resistência do gestor ao seu dever de agir" (ROMERO, 2008, p. 46). Na nossa pesquisa percebeu-se um domínio por parte dos magistrados nas questões relacionadas ao direito pleiteado;

b) o pesquisador ainda conclui que os desembargadores não consideram ou relativizam as disposições legais frente às disposições constitucionais que instituem o direito público subjetivo à saúde como prerrogativa jurídica indisponível.

Esse fato permite antever que a edição de novas normas legais que busquem delimitar o alcance, o acesso ou o direito à assistência farmacêutica no âmbito do SUS muito provavelmente não surtirá o efeito desejado de reduzir o número e o alcance de ações judiciais contra o sistema de saúde, mesmo com a institucionalização de processos técnicos similares aos citados (ROMERO, 2008, p. 46).

Aqui também nossos dados demonstram um sério comprometimento por parte do magistrado de 1ª instância com a política pública delineada pelo Poder Executivo, Nacional e/ou do Distrito Federal.

Uma possível hipótese para esta diferença entre os dados levantados, de 1ª e 2ª instância, e em períodos diferenciados, mas com a mesma temática, é justamente a de amadurecimento por parte do Poder Judiciário. Conforme apontamos anteriormente, a aproximação do Poder Judiciário da problemática da efetivação dos direitos sociais é recente, da segunda metade da década de 90. O período abordado na pesquisa de Romero é posterior a esta implosão da demanda. O da presente pesquisa já reflete momentos de discussão não mais sobre a legitimidade da atuação do Poder Judiciário, mas de busca pelo equilíbrio. Nas palavras de Ingo Sarlet durante a sua manifestação na Audiência Pública:

Hoje mesmo, adeptos à judicialização reconhecem – eu pessoalmente sou um adepto à judicialização, todos sabem, quem acompanha a posição acadêmica – que é necessário superar a era dos extremos, tanto a rejeição da mera programaticidade é necessária quanto também rejeitar e controlar o famoso "pediu-levou", não importa quem pediu, o que pediu, as conseqüências da decisão. A busca, portanto, de uma conciliação entre a dimensão subjetiva, individual e coletiva do direito à saúde e a dimensão objetiva da saúde como dever da sociedade e do Estado, e de como a judicialização deve ser sensível a ambas as dimensões. (disponível em www.stf.jus.br)

Ainda na manifestação de especialista durante a Audiência Pública no STF, Luis Roberto Barroso aponta que:

E acho que o Judiciário deve agir não apenas atendendo à postulação individual, mas, onde não exista política pública, o Judiciário deve ser responsável por deflagrar um diálogo constitucional e compelir a autoridade pública a ter alguma política articulada em relação àquela demanda. Portanto, onde não haja um mínimo de atuação razoável, acho que a judicialização é possível e desejável não apenas para atender à postulação individual, mas para contribuir para a criação de alguma política pública.

Portanto, a grande questão reside na nova dimensão que o fenômeno da judicialização da política provocou no Poder Judiciário – a participação mais ativa na efetivação dos direitos sociais. O que não se confirmou ainda é se o ativismo judicial é decorrente da vontade explícita do magistrado de "fazer política pública" ou de cumprir seu papel de "dizer o direito" quando demandado, ainda que esta função implique uma politização do Direito.

É possível argumentar, portanto, que existe um efetivo potencial de, em certos contextos e sob certas condições, o Judiciário se converter num cenário complementar de lutas. Sendo por vezes atraído a reboque de movimentações no campo político e social e, por outras, servindo, por meio de decisões inovadoras, como deflagrador de maiores reivindicações e formação de grupos e identidades em torno de interesses comuns. (HALIS, 2004, p. 64).

A controvérsia sobre a judicialização da política e sobre o ativismo judicial permanecerá enquanto não forem aprimoradas as análises, inclusive com abordagens empíricas. A lógica de desprezo de análises que lidem com a questão da efetivação dos direitos sociais e sua relação com o pleno exercício da cidadania, bem como com a "vontade" do Tribunal/magistrado, propiciou pesquisas focadas na justificativa normativa concedida pelo Tribunal/magistrado, sem análises de conteúdo das estatísticas de acesso à Justiça.

Sobre as autoras
Ana Cândida Eugênio Pinto Ribeiro

Advogada Sindical e Trabalhista em Brasilia, integrante do grupo de Pesquisa do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP “Democracia, Direitos Fundamentais e Cidadania”.

Julia Maurmann Ximenes

Advogada, Mestre em Direito, Doutora em Sociologia Política pela Universidade de Brasília, professora da Pós-Graduação e do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Ana Cândida Eugênio Pinto; XIMENES, Julia Maurmann. Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.: Uma proposta de análise empírica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2306, 24 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13752. Acesso em: 23 dez. 2024.

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