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Duplicata virtual e crise dos títulos de crédito cartulares

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Agenda 01/11/2009 às 00:00

RESUMO

O surgimento da informática e da internet, que pode ser considerado uma revolução, atingiu o cotidiano do ser humano de forma incontestável. No mundo globalizado exigente de respostas rápidas, a internet veio consolidar essa instantaneidade, havendo um inegável processo de "virtualização" em diversos segmentos da sociedade. Nos títulos de crédito não podia ser diferente. Foram criados na Idade Média visando facilitar as atividades mercantis. Sempre materializados em papel (cártula), neles é representanda toda a informação de sua constituição. O fenômeno da desmaterialização incide, com bastante intensidade, em relação à duplicata, título de crédito genuinamente brasileiro, com larga utilização no comércio nacional. No atual estágio em que se encontra a informática, não é mais necessária a utilização do papel. O título é elaborado por meio do computador e assim permanece. A segurança desenvolvida nos meios virtuais dá cada vez mais confiança aos usuários, fazendo com que o papel seja colocado em segundo plano, após vários séculos de utilização. A duplicata sacada pelo vendedor tem sempre como destino o desconto bancário. Com isso em vista, as instituições financeiras, antes mesmo de existir qualquer legislação sobre o assunto, começaram a desmaterializar a duplicata com a finalidade de dar maior agilidade na cobrança do devedor. Ao passar do tempo, timidamente o ordenamento jurídico pátrio foi se adaptando a essa nova realidade, dando as mesmas características dos títulos de crédito materializados em papel aos títulos de crédito eletrônicos.

Palavras-Chaves: Direito Comercial. Títulos de Crédito. Duplicata. Desmaterialização de documentos. Títulos de Crédito Eletrônicos.


INTRODUÇÃO

A sociedade está em constante transformação. O Direito, como uma ciência social, também segue esse movimento. Estamos vivendo notadamente uma revolução, a da informação. Com a chegada da Internet, as distâncias se encurtaram.

Assim como a revolução comercial na Idade Média propiciou o desenvolvimento de uma sociedade comercial e, no século XIX, a Revolução Industrial fez surgir a Sociedade Industrial, a revolução que ora se verifica é responsável pelo surgimento da Sociedade da Informação. A notícia de um fato que ocorre na Ásia, em questão de segundos, percorre milhares de quilômetros e chega ao nosso conhecimento. A cada dia tudo que ocorre ao nosso redor se processa de maneira vertiginosamente rápida. Essa, então, é a particularidade da nova sociedade.

O desenvolvimento tecnológico introduzido a partir da década de 70 se concentrou na área da informática com a criação dos primeiros computadores, bem como com a interligação entre eles.

Com a acelerada expansão da informática nas últimas décadas, surgiram novas tecnologias para geração e manutenção das informações criadas. Dessa forma, a transação em longas distâncias popularizou-se e, hoje, estamos vivendo a época do comércio eletrônico.

O volume de informações com que se lida atualmente, o acesso a elas, a necessidade de agilidade na sua distribuição, de forma que estejam disponíveis sempre que necessárias, são fatores que têm determinado essa migração para o documento digital. Até pouco tempo atrás, a tecnologia usada para processar documentos era restrita a melhorar os recursos para gerar, imprimir e transportar os documentos criados eletronicamente.

Porém, recentemente, tem sido muito usado um conjunto de novas tecnologias voltadas para dar validade aos documentos eletrônicos, pois estes são de fácil manipulação e baixo custo financeiro.

Vivemos numa época de desmaterialização dos meios documentais sem retorno. Estamos na progressiva dimensão do horizonte plasmado na tecnologia, em que os contornos das operações bancárias são instrumentalizados em poucos segundos com alto grau de certeza e confiabilidade.

Os títulos de crédito têm se consolidado, ao longo do tempo, como importante instrumento para a circulação de riquezas, contribuindo para o desenvolvimento econômico da humanidade. No Brasil, foi criado um documento de crédito peculiar: a duplicata. Na mesma esteira dos demais setores do nosso meio, o progresso e a presença cada vez maior dos recursos da informática na vida cotidiana trazem consequências jurídicas para este conhecido instituto do direito cambial brasileiro.

No presente trabalho, será abordado como os avanços tecnológicos fizeram com que a duplicata e os demais títulos de crédito relativizassem seus princípios criados desde a Idade Média, sem torná-los inaptos a promover a continuação de sua finalidade, que é a circulação de crédito. Do mesmo modo, será demonstrado como a duplicata desmaterializada poderá ter a mesma validade de quando em papel.

No primeiro capítulo será exposto o título de crédito, sendo definido seu conceito. Também se abordará o que é o crédito, e, finalmente, serão analisados os três princípios orientadores dos títulos de crédito. O segundo capítulo é dedicado à duplicata, desvendando-se sua história e estabelecendo-se, também, quais os casos de aplicação, as exceções aos princípios cambiais, bem como os casos de aceite e de protesto a relação à duplicata "papelizada".

O terceiro capítulo trata da desmaterialização da duplicata. Contudo, os conceitos lá expostos valem também para qualquer documento que seja gerado por computador e permaneça armazenado digitalmente. Conceitos novos são igualmente expostos, como a assinatura digital e a organização do aparato que dá validade a essa modalidade de firma. Ainda são ventiladas se as modalidades de aceite e de protesto tradicionais poderão ser aproveitadas nas duplicatas virtuais, ponto este divergente na doutrina. O último capítulo cuida em demonstrar a crise na qual se encontram os títulos de crédito cartulares, a relativização que os princípios estão enfrentando devido principalmente à possibilidade trazida pelo art. 889 § 3º do Novo Código Civil, e a pouca normatização dos títulos de crédito eletrônicos.

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Dessa forma, pretende-se mostrar que a duplicata virtual é um título de crédito que possui legitimidade, podendo ser sacado pelos empresários sem qualquer receio de sofrerem prejuízos financeiros.


CAPÍTULO I – FUNDAMENTOS DO DIREITO CAMBIÁRIO

Os títulos de crédito surgiram para facilitar a circulação do crédito, pois, de acordo com a doutrina de Cesare Vivante, "é o documento necessário para o exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado" [01]. Esse conceito é repetido no art. 887 do Código Civil [02].

Na visão de Fábio Ulhoa Coelho, o título de crédito é um documento, conceitua-se como algo que prova a existência de uma relação jurídica [03]. É dotado de alguns requisitos que o diferenciam dos demais documentos. Segundo Waldirio Bulgarelli, tal título forma um direito "distinto de sua causa, e por isso as normas que o regem, chamadas em seu conjunto de direito cambial ou cambiário, são específicas e, em alguns casos, constituem até mesmo derrogações do direito comum [...]" [04]. Entende-se, assim, que o título de crédito representa um direito que se materializa em documento.

Observa-se, dessa forma, que a circulação desse documento representativo de obrigação é bem mais simplificada que a dos demais, posto que a natureza dos títulos cambiários possui a característica de ser negociável, podendo mudar de titularidade com pouca solenidade, sendo dotada de um caráter dinâmico e agilizando as transações negociais. Podemos sintetizar como se o devedor, ao emitir o título, assumisse uma dívida impessoal e ficasse esperando alguém lhe apresentar para poder pagá-la. O título de crédito seria, portanto, um documento sem credor definido.

É interessante também trazer à baila o conceito de título de crédito sob um ponto de vista da ciência econômica. Assim diz J. Petrelli Gastaldi: "Títulos de crédito são títulos especiais, representativos de direitos creditórios e transmissíveis de uma pessoa para outra mediante uma declaração de transferência." [05]

Dessarte, temos como conclusão o ensinamento de Fábio Ulhoa Coelho:

A fundamental diferença entre o regime cambiário e a disciplina dos demais documentos representativos de obrigação [...] é relacionada aos preceitos que facilitam, ao credor, encontrar interessados em antecipar-lhe o valor da obrigação (ou parte deste), em troca da titularidade do crédito. [06]

Evita-se, por exemplo, a demora em adquirir um bem, pois, quando um título cambial estiver na mão do credor, não é necessário que o devedor seja notificado da mudança da titularidade do outro pólo, como ocorre nos títulos puramente civis, sendo menor a possibilidade de prejuízos.

1.2 Do crédito

Na história humana, a economia passou por três períodos bem distintos. O primeiro consistia na troca de uma mercadoria por outra (escambo), e foi denominado de período da economia natural. A segunda fase é marcada pelo surgimento da moeda, os produtos passarem a ter um valor expresso em dinheiro. Assim, trocava-se um objeto por pecúnia, e a mercadoria representava um valor. Esse período ficou conhecido como o da economia monetária. Atualmente as permutas de bens e serviços se compõem mediante crédito, que exerce função e poder de pagamento. O terceiro e atual período é chamado de economia creditória [07].

O crédito consiste num alargamento da troca: um dos contratantes aceita ceder um bem por uma contraprestação correspondente ao seu valor no futuro. Daí Waldirio Bulgarelli assevera que o crédito consiste na troca de bens presentes por bens futuros, contando com dois elementos: confiança e tempo [08]. Entende-se confiança quando se admite a solvabilidade do devedor, e por tempo o elemento compreendido entre a troca de bens atuais por futuros. Deve, então, existir reciprocidade entre credor e devedor, pois entre eles há uma relação em que se crê, que se tem fé, daí vem a origem etimológica da palavra crédito [09]. Diferentemente do que ocorria nos dois primeiros momentos da economia, em que a contraprestação era imediata, no último período, o adimplemento é parcelado ou acontece em único ato no futuro.

Deve-se ter em mente que o crédito não cria capital, a sua função precípua é promover a criação de riquezas injetando antecipadamente dinheiro no mercado. J. Petrelli Gastaldi faz um alerta:

O crédito veio modificar sensivelmente o panorama social e econômico, permitindo um desenvolvimento mais intenso da produção e um melhor aproveitamento dos capitais. Mas a concessão imoderada do crédito poderá ser bastante prejudicial ao ritmo econômico, pelo incitamento a um consumo individual superior à respectiva capacidade aquisitiva ou a compromissos em desacordo com a real possibilidade das empresas. [10]

A modalidade de economia baseada no crédito deu um novo rumo ao modelo econômico moderno, influenciando nos preços e suas variações. É visivelmente perceptível que as economias modernas se baseiam no crédito, ao passo que aquelas menos desenvolvidas ainda têm como principal instrumento de circulação a moeda.

Na visão de J. Petrelli Gastaldi, o crédito permite o maior aceleramento das trocas e um poder produtivo mais forte, embora a moeda em circulação tenha um aumento imperceptível. Pode até chegar a ocorrer o aumento da produção e a diminuição do dinheiro no mercado sem que isso venha a aumentar os preços ou encarecer a moeda. [11]

Pode existir relação creditícia sem documento, sendo ela estabelecida verbalmente. Entretanto, as transações de crédito não seriam aplicadas em larga escala se não pudessem ser representadas por títulos negociáveis. Dessa forma, no intuito de corporificar tal transação, Eversio Donizete de Oliveira assim estabelece: "Tão importante quanto o crédito é o meio de corporificá-lo, do pergaminho ao papel e, recentemente, aos bits, há que se ter em conta o documento, cuja função é representar as obrigações pecuniárias, em que se incorpora" [12]. Tendo em vista a necessidade de possuir eficácia perante terceiros e até entre os dois agentes principais envolvidos na relação, é imprescindível que essa declaração seja documentada.

1.3 Princípios orientadores dos títulos de crédito

Os títulos cambiais possuem três princípios ou características basilares. Na sua elaboração, devem ser observadas algumas formalidades, seja de maneira objetiva ou subjetiva. Eversio Donizete de Oliveira assim doutrina: "Principal instrumento de circulação de riqueza, o título de crédito encontra no Direito Cambiário normas que possibilitam a sua circulação com segurança e certeza da realização do crédito" [13]. Essa movimentação de bens se dá principalmente pela rápida capacidade de transferência tanto do credor quanto do devedor.

Esses princípios fundamentais são: cartularidade, literalidade e autonomia. Waldirio Bulgarelli refere-se aos requisitos essenciais (cartularidade, autonomia e literalidade) e aos requisitos extraordinários (independência, abstração e tipicidade) [14]. Fábio Ulhoa Coelho, por sua vez, divide o princípio da abstração em dois subprincípios: o da autonomia e o da inoponibilidade de exceções pessoais [15]. São qualificados dessa maneira porque quase nada acrescentam ao da autonomia.

1.3.1 Cartularidade

Para que o credor exerça os direitos representados no título, é indispensável que se encontre na posse do documento. Isso significa apenas que somente com o documento original o credor poderá receber os valores descritos no título. Não é admitida sequer cópia, pois quem não detém a posse do título não se presume credor.

Nesse contexto, entende-se que o título se materializa numa cártula, isto é, no papel. Aduz Fábio Ulhoa Coelho dizendo que:

[...] o título de crédito se revela, essencialmente, um instrumento de circulação do crédito representado, o princípio da cartularidade é a garantia de que o sujeito que postula a satisfação do direito é mesmo o seu titular. [...] A cartularidade é desse modo o postulado que evita o enriquecimento indevido de quem, tendo sido credor de um título de crédito, o negociou com terceiros. [16]

Isso se deve principalmente evitar a circulação múltipla de títulos, pois, ainda que pago e se vá para um terceiro de boa-fé, poderá ser exigida novamente a sua quitação.

Waldirio Bulgarelli também nomina o princípio da cartularidade como princípio da incorporação, porque "consiste, em última análise, na materialização do direito, no documento" [17]. Eversio Donizete de Oliveira comenta que:

O princípio da incorporação significa que o direito cambial materializa-se no documento, não existindo direito sem o título, uma vez que sem ele não há que se falar em cartularidade, pois o emitente ou o portador obriga-se a apresentá-lo para exercer o seu direito. [18]

Como exemplo prático, pode ser demonstrado o aval, pois, se no corpo do título não consta a assinatura do suposto avalista, a garantia simplesmente não existe.

1.3.2 Literalidade

O direito no mencionado título é literal, ou seja, todas as obrigações terão valor se descritas no título, não valendo algo que vier em outro documento anexo, ainda que válido e eficaz. Qualquer ato deve vir consignado na própria cártula, caso contrário terá apenas valor jurídico civil, e não cambial. A declaração aposta tem valor como manifestação de vontade, condição de um direito autônomo.

O princípio da literalidade delineia consequências positivas e negativas tanto para o credor quanto para o devedor, como observa Fábio Ulhoa Coelho:

De um lado, nenhum credor pode pleitear mais direitos do que os resultantes exclusivamente do conteúdo do título de crédito; isso corresponde, para o devedor, a garantia de que não será obrigado a mais do que o mencionado no documento. De outro lado, o titular do crédito pode exigir todas as obrigações decorrentes das assinaturas constantes da cambial; o que representa, para os obrigados, o dever de as satisfazer na exata extensão mencionada no título. [19]

Tal princípio decorre ainda do rigor formal a que os títulos estão submetidos, pois também aqui se visa proteger o terceiro de boa-fé, eliminando possíveis discussões que poderiam prejudicar a circulação do título de crédito. Dessa forma, para Waldirio Bulgarelli, "o que não está no título não está no mundo" [20]. Assim, entende-se que o princípio da literalidade é a medida do direito contido no título.

1.3.3 Autonomia

A partir desse princípio, podemos abstrair a ideia de que as várias obrigações contidas no título de crédito são independentes entre si. Isso quer dizer que o título se desvincula de sua obrigação original, ou seja, desprende-se do ato que lhe deu origem. Os vícios que comprometem a regularidade de uma relação jurídica anotada nos títulos não são repassados às demais relações abarcadas pelo mesmo documento. "O terceiro descontador não precisa investigar as condições em que o crédito transacionado teve origem, pois ainda que haja irregularidade, invalidade ou ineficácia na relação fundamental, ele não terá o direito maculado" [21].

Ninguém é obrigado a documentar sua obrigação em um título de crédito. Se aceita fazer por meio de obrigação cambial, assume as obrigações decorrentes. A autonomia é o mais importante dos princípios, pois dá agilidade à circulação do crédito, sendo o que determina a circulação é o título e não o direito nele contido [22], porque o adquirente passa a ser titular de direito autônomo independente da relação anterior entre possuidores do título.

Waldirio Bulgarelli faz uma comparação da circulação que ocorre nos títulos cambiais e nos títulos civis:

Na cessão, salvo em disposição em contrário, estão abrangidos todos os seus acessórios [...] e o devedor pode opor, tanto ao cessionário como ao cedente, as exceções que lhe competirem no momento em que tiver conhecimento da cessão, embora não possa apor ao cessionário de boa-fé a simulação do agente [...]. Disto decorre em princípio que a cessão se faz a título derivado e não em caráter autônomo e independente, como ocorre com os títulos de crédito [...] [23].

O título de crédito é destinado a circular, é o que diz Luiz Emygdio F. da Rosa Junior:

O título cambiário objetiva a circulação do crédito, e, por isso, evoluiu de mero instrumento de pagamento para instrumento de crédito. O título de crédito nasce para circular e não para ficar restrito à relação entre devedor principal e seu credor originário. Daí a preocupação do legislador em proteger o terceiro adquirente de boa-fé para facilitar a circulação do título. [24]

Gladston Mamede, remetendo às teorias romanas, diz que o título de crédito é uma declaração unipessoal de vontade (quase-contrato) que se origina autonomamente a partir de um ajuste bilateral de vontades (contrato), ou seja, os títulos de crédito devem ser compreendidos em si e não como parte de outro negócio [25]. Numa compra e venda, por exemplo, se um título de crédito é usado como pagamento e houve algum vício com o bem que foi vendido, não se pode fazer mais nada caso o título já tenha circulado, pois ele não está atrelado ao contrato pelo qual foi gerado.

1.3.3.1 Abstração

É caracterizada pelo desprendimento do ato que lhe deu origem. Por esse subprincípio, entende-se que a partir do momento em que o título de crédito é colocado em circulação, mediante endosso, se desvincula da relação que lhe deu origem. A abstração foi construída não para o benefício do credor de boa-fé, mas sim para garantir que o título circule.

Eversio Donizete de Oliveira, assim, conceitua:

[...] pode apresentar duas formas; de um lado, essa autonomia pode revelar-se puramente nominal, porque o direito autônomo emergente do título é passível de ser paralisado por uma exceção oposta pelo devedor, com base no negócio que deu origem ao título. De outro lado, tem-se a independência dos diversos e sucessivos possuidores do título em relação a cada um dos outros. [26]

Não é necessário que o terceiro que recebe o título fique a par da sua origem, saiba se o fato ou relação negocial que ensejou a confecção do documento cambial foi cumprido ou não, se o título foi desviado, etc. Caso isso ocorresse, desvirtuaria a lógica dos títulos de crédito, posto que foram criados para dinamizar a circulação de riquezas. Se o terceiro fosse conferir a licitude desde a origem, restaria desconsiderado o diferencial dos títulos cambiais em relação aos documentos de crédito civis.

1.3.3.2 Inoponibilidade das exceções pessoais

É o aspecto processual do princípio da autonomia, pois descreve as matérias que poderão ser arguidas como defesa pelo devedor. Dessa forma, por esse subprincípio, uma pessoa que seja executada judicialmente em face de um título de crédito não poderá alegar matéria diversa daquela que não tenha relação direta com o exequente.

Como decorre do princípio da abstração, cada obrigação é autônoma e independente, sua validade não fica subordinada a nenhuma outra obrigação, salvo se o terceiro estiver de má-fé. Essa é a decorrência da autonomia, pois viabiliza a circulação segura dos títulos.

Essa regra é insculpida no art. 17 do Decreto57.663/66 (Lei Uniforme de Genebra) [27]. Quem é obrigado a pagar um título de crédito não pode, alegando relações pessoais com o sacador ou com portadores anteriores, se recusar a fazê-lo. Contudo, ressalva Fábio Ulhoa Coelho: "O simples conhecimento, pelo terceiro, da existência de fato oponível ao credor anterior do título já é suficiente para caracterizar a má-fé" [28].

Então, aquele que emite um título de crédito deve ter em mente que, caso o esse documento cambial seja roubado e caia na mão de uma pessoa de boa-fé, nada poderá fazer.

A título de comparação com um documento obrigacional civil, podemos lembrar que em caso de cessão de crédito, isto deve ser necessariamente comunicado ao devedor e não é valido em relação a terceiros, salvo se a cessão for celebrada por instrumento público ou particular. Percebe-se aí, mais uma vez, a dinamicidade em que se revestem os títulos de crédito.

Sobre o autor
Matheus Rannieri Torres de Vasconcelos

Acadêmico de Direito da Faculade de Direito de Caruaru (PE), estagiário do Ministério Público Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VASCONCELOS, Matheus Rannieri Torres. Duplicata virtual e crise dos títulos de crédito cartulares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2314, 1 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13787. Acesso em: 5 nov. 2024.

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