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Análise das características primordiais do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), bem como de sua (in)constitucionalidade

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Agenda 04/11/2009 às 00:00

2. ANÁLISE DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO FUNDO GARANTIDOR DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS - FGP

No capítulo anterior do presente artigo foi feita uma profunda análise do instituto denominado Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas - FGP, oportunidade em que foram ressaltadas as características primordiais de tal instituto, sobretudo a sua finalidade básica, qual seja, servir como meio de prestação de garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos do âmbito federal em virtude das parcerias versadas pela Lei das PPPs.

Todavia, malgrado tal Fundo tenha uma função importantíssima no contexto das PPPs, ele recebe diversas críticas por boa parte da doutrina administrativista brasileira, em que os estudiosos de tal tema apontam diversas irregularidades no regramento de tal Fundo feito pela Lei das PPPs, sendo que tais doutrinadores chegam a dizer que o mesmo é inconstitucional.

De outra banda, há doutrinadores que entendem ser perfeitamente constitucional tal Fundo, entendendo que o regramento do mesmo foi perfeitamente e licitamente disposto pela Lei nº. 11.079/2004, não contendo o mesmo nenhuma norma contraditória aos preceitos constitucionais.

Assim, instaurada essa tormentosa celeuma doutrinária sobre a constitucionalidade do FGP, nos debruçaremos a partir de agora sobre a análise cuidadosa de tal ponto, eis que o mesmo é o tópico problemático que esta obra pretende discutir.

É de crucial relevo salientar que a exposição que se fará a partir de agora não tem o condão de impor um determinado entendimento correto, totalmente seguro, que não seja passível de críticas. O que se pretende é expor e analisar os principais argumentos apontados pela doutrina pátria nos dois sentidos acima expostos, quais sejam, pela constitucionalidade ou inconstitucionalidade do FGP. Ao final, será apontado o caminho que parece ser o mais adequado, o mais razoável.

Também não é o objetivo deste estudo analisar as modalidades de controle de constitucionalidade existentes no ordenamento jurídico brasileiro, bem como suas características, peculiaridades, funcionamento. Como dito, apenas será analisado os entendimentos doutrinários divergentes e quais são os dispositivos constitucionais que o FGP viola ou não viola.

Por fim, analisaremos primeiramente a doutrina que entende ser o FGP inconstitucional, ou seja, que entende que tal instituto viola normas e dispositivos da Carta Magna Brasileira de 1988, para em seguida apontar a doutrina que entende ser o mesmo constitucional. Essa ordem de estudo tem fins meramente didáticos, pois entendemos que dessa forma a matéria será melhor compreendida por aqueles que se debruçarem sobre a sua análise.

Sem mais delongas, passa-se agora a dissecar, em tópicos distintos, os entendimentos anteriormente citados.

2.1 ENTENDIMENTOS PELA INCONSTITUCIONALIDADE DO FGP

Uma das obras mais completas que existe no Brasil sobre o FGP sob a ótica da violação ou não de dispositivos constitucionais é de autoria do doutrinador Kiyoshi Harada. Tal doutrinador elaborou um parecer a pedido da Comissão de Precatórios da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, cujo assunto era o artigo 8º da Lei nº. 11.079/04, que como já foi por nós analisado, permite a vinculação de receitas públicas e instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei.

Tal artigo é intitulado de "Inconstitucionalidade do Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas. Art. 8º da Lei nº. 11.079/04" [15].

Com relação à instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei, como se entende ser o caso do FGP, o referido autor diz que o mesmo viola vários dispositivos da Constituição Federal, como será por nós disposto agora.

Harada diz que o FGP esvazia em parte o conteúdo dos artigos 70 e 71 da Constituição Federal. O parágrafo único do artigo 70 da Lei Maior diz que estará sujeita à prestação de contas "qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária." Todavia, há de se dizer que fundo especial, como a maioria da doutrina entende ser o FGP, de acordo com o artigo 71 da Lei nº. 4.320/64, significa reservas de certas receitas públicas para a realização de determinados objetivos ou serviços de interesse público, sem o detalhamento das despesas, como acontece com o orçamento anual, o que representa uma exceção ao princípio de unidade de tesouraria, elencado no artigo 56 da referida lei. Tal circunstância, nas palavras de Harada, significa que o Fundo representa "um sério obstáculo, talvez insuperável, ao efetivo exercício, pelo Legislativo do poder de fiscalizar e controlar a execução orçamentária" [16], como preconiza o artigo 71 da Carta Magna. Por essa razão, qual seja, de não ser possível fiscalizar o fundo, é que o constituinte, por intermédio do artigo 36 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), extinguiu, sob condição e com algumas ressalvas, todos os fundos até então existentes. De outro lado, condicionou a criação de novos fundos ao prévio regramento da matéria por lei complementar, como preconiza o artigo 165, § 9, II da Constituição Federal. Veja abaixo tais dispositivos citados:

Art. 36. Os fundos existentes na data da promulgação da Constituição, excetuados os resultantes de isenções fiscais que passem a integrar patrimônio privado e os que interessem a defesa nacional, extinguir-se-ão, se não forem ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois anos.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

§ 9º Cabe à Lei Complementar:

II- estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos.

Assim, como ainda não há lei complementar regulando as condições para a instituição e funcionamento de fundos, Harada diz que não é possível o legislador ordinário autorizar a instituição de um fundo específico, como o fez a Lei nº. 11.079/2004.

Outra violação apontada seria ao artigo 100 da Constituição Federal, que trata do modo de execução de créditos contra a Fazenda Pública. Diz o seguinte tal artigo:

À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. possdiz que nnto de fundos, Kiyoshiçtraçutivo estabeleceris anos.ço atual.eiro, bens e valores p constitucional.

Assim, o FGP violaria tal artigo na medida em que para os parceiros privados, estes poderiam executá-lo diretamente, fugindo a regra dos precatórios, violando assim os princípios da moralidade e impessoalidade contidos no artigo 37 da Constituição Federal, consoante entende Harada.

Outra violação seria ao artigo 167, IV, também da Constituição Federal, que veda a vinculação de receitas de impostos a fundo, feitas algumas ressalvas. Veja o teor de tal artigo:

Art. 167. São vedados:

IV- a vinculação de receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para a manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º e, 212, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.

Assim, Harada diz que o legislador ordinário "partiu da equivocada premissa de que, respeitada a vedação do art. 167, IV da CF, restrita à vinculação da receita de impostos, todas as demais receitas públicas poderia ser vinculadas para a garantia de quaisquer obrigações pecuniárias contraídas pelo poder público" [17]. Desse modo, o FGP também violaria tal artigo constitucional.

Arrematando seu posicionamento exarado no parecer feito para a OAB/SP no sentido de entender pela inconstitucionalidade do FGP, diz o seguinte Harada sobre tal fundo:

Atenta contra os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade, e da publicidade (art. 37 da CF); dribla o art. 165, § 9º, II da CF e o art. 36 do ADCT; infringe o art. 167, IV da CF; contraria o princípio da quantificação dos créditos orçamentários inserto no art. 167, VII; violenta o princípio da fixação prévia das despesas que está previsto no art. 167, II. Ademais, esvazia em parte, o conteúdo dos arts. 70 e 71 da CF, que cometem ao Congresso Nacional a importantíssima missão de fiscalizar e controlar os gastos públicos, ferindo de morte o princípio da legitimidade que deve presidir o controle sob o prisma da legalidade e da economicidade da execução orçamentária e financeira. [18]

E diz ainda: "concluindo, ambos os incisos legais examinados (incisos I e II do art. 8º da Lei nº. 11.079/04) são manifestamente inconstitucionais." [19]

Além do doutrinador Kiyoshi Harada, a professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro também entende que o FGP é inconstitucional.

Uma das irregularidades que Di Pietro aponta é que o artigo 18 não indicou quais as receitas que ficarão vinculadas ao FGP, o que seria uma flagrante ilegalidade.

Outra irregularidade seria que o artigo 17, já por nós estudado, diz que o FGP será criado, administrado, gerido e representado por instituição financeira. Todavia, Di Pietro diz que o Fundo, para ser assim considerado e existir validamente, tem que ser criado por lei que indique as receitas que ficarão vinculadas ao mesmo. Diz ainda que "o fundo é uma receita específica que a lei afasta do caixa único e vincula a um fim determinado. Sem receita vinculada, o fundo não tem existência legal." [20]

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Ademais, a referida professora diz ser inaceitável a previsão legal de que as autarquias e fundações públicas possam destinar uma parcela de sua receita para a constituição do FGP. Complementa dizendo que tais pessoas jurídicas da Administração Indireta se sujeitam ao princípio da especialidade, que quer significar que as mesmas estão vinculadas as finalidades para as quais foram criadas, assim, não poderiam destinar parte de suas receitas para constituir um fundo, sem autorização legislativa específica para isso. Veja abaixo o comentário na íntegra da autora:

Também é juridicamente inaceitável que autarquias e fundações públicas em geral, não identificadas na lei, possam destinar uma parte de sua receita e de seu patrimônio à constituição desse fundo. As entidades da Administração Indireta estão sujeitas ao princípio da especialidade, que significa a vinculação aos fins para os quais foram instituídas. Elas não podem destinar parcelas de sua receita ou de seu patrimônio a finalidade diversa, sem autorização legislativa específica. Todas elas são criadas ou autorizadas por lei, que define os seus fins, o seu patrimônio, a sua receita. Se uma ou alguma dessas entidades dispõe de bens excedentes às suas necessidades, a lei terá que especificá-las e indicar os bens transferíveis ao Fundo. Não pode ser dada uma autorização em branco às autarquias e fundações públicas em geral para destinarem verbas orçamentárias próprias, bens móveis ou imóveis ou mesmo direitos de que sejam titulares. Sem autorização legislativa específica, essa destinação caracterizaria ato de improbidade administrativa definido no artigo 10 da Lei nº 8.429, de 2-6-92. Há que se lembrar, também, que essa destinação não poderá fazer-se com infringência à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000) exatamente pelo fato de tratar-se de lei complementar a que as leis ordinárias se sujeitam hierarquicamente. [21]

Outra crítica encetada pela referida doutrinadora é no que diz respeito à previsão contida no artigo 18, § 1º, inciso VI da Lei das PPPs. Tal inciso estipula praticamente, no entendimento de Di Pietro, a possibilidade de haver a constituição de um fundo específico dentro do FGP, em razão do fato de ele ficar destinado a garantir um contrato de parceria determinado, não podendo ser utilizado para garantir qualquer outra obrigação assumida pelo FGP. Tal inciso é complementado pelo artigo 21 da mesma lei, que versa sobre a constituição de patrimônio de afetação. Assim, a autora entende ser duvidosa a constitucionalidade de tal previsão, eis que o referido patrimônio de afetação será criado para privilegiar determinado credor, o que contrariaria os princípios da isonomia e impessoalidade, que devem sempre nortear a destinação dos recursos orçamentários.

Por fim, Di Pietro faz severas críticas a previsão da Lei das PPPs no que tange a possibilidade de, no caso de inadimplemento, os bens e direitos do Fundo serem objeto de constrição judicial e alienação para satisfazer as obrigações garantidas, previsão esta contida no § 7º do artigo 18 da lei citada.

Nessa esteira, Di Pietro diz que essa previsão legal de haver constrição e alienação dos bens do Fundo, suscitará várias impugnações na prática, pois, embora a lei diga que o FGP tem natureza privada, os bens que o compõem são de natureza pública, não perdendo tal característica pelo simples fato de ficarem vinculados ao referido Fundo. Complementa dizendo que se os bens da União, autarquias e fundações públicas são de natureza pública, e por via de conseqüência são impenhoráveis por força do artigo 100 da Constituição Federal, não perderão, como dito, essa característica se ficarem vinculados a um fundo.

Assim, diante dessa gama de irregularidades apontadas, Di Pietro arremata dizendo que "em resumo, a instituição do FGP depende de lei que especifique as receitas que ficarão vinculadas ao mesmo. Não pode o Fundo ser instituído com burla à norma constitucional de que decorre a impenhorabilidade de bens públicos." [22]

Ainda na análise da inconstitucionalidade do FGP, importantíssimo se faz analisar a opinião de Celso Antônio Bandeira de Mello, considerado por muitos o maior administrativista brasileiro da atualidade.

Celso Antônio talvez seja um dos autores mais críticos com relação à Lei das PPPs, fazendo severas críticas com relação a vários dispositivos da mesma, inclusive no que pertine ao FGP. Entende tal autor, assim como Kiyoshi Harada, que tal Fundo viola os artigos 165, § 9º, II e 100, ambos da Constituição Federal. Ao criticar o artigo 8º, II, que prevê a instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei para fornecer garantias, tal como se entende ser o FGP, o autor diz que tal previsão viola o artigo 100 da Lei Maior, tal como entende os doutrinadores acima esposados, bem como viola outros princípios constitucionais. Veja o que diz tal autor:

De resto, a utilização de tais fundos em benefício de parceiros privados ou de seus financiadores, se não estivesse constitucionalmente obstada pela razão exposta, estaria embargada por outro obstáculo constitucional. É que, ao privilegiá-los no confronto com todos os restantes credores do Poder Público, ficariam agredidos, à força aberta, o princípio da igualdade, consagrado no art. 5º, caput, bem como os princípios da impessoalidade e da moralidade, impostos pelo art. 37 da Constituição. [23]

Outro doutrinador que também critica certas disposições do FGP é Toshio Mukai, que assim sintetiza o seu entendimento:

O que a lei, em várias passagens, demonstra é que se trata de conceder à iniciativa privada a oportunidade de ganhar muito dinheiro à custa de nenhum ou quase nenhum risco. É o capitalismo de Estado a favor dos parceiros privados e, ainda assim, de poucos que terão esse privilégio. [24]

Um outro autor que entende que o FGP contraria dispositivos da Lei Maior é Diógenes Gasparini, que também entende que a instituição ou utilização de fundos especiais exige previsão em lei, sendo que essa ainda não existe, o que atrasaria a implantação das PPPs no âmbito federal. [25]

Assim, vislumbra-se claramente que a maior parte da doutrina pátria entende que o FGP viola dispositivos da Constituição Federal, e por esse motivo seria um instituto inconstitucional.

2.2 ENTENDIMENTOS PELA CONSTITUCIONALIDADE DO FGP

Analisada a doutrina que entende ser o FGP inconstitucional, passa-se agora a análise da doutrina que entende ser tal Fundo plenamente constitucional, ou seja, que entende que tal instituto não viola nenhuma norma, nenhum dispositivo da Constituição nacional.

Nesse ponto, um dos maiores defensores da constitucionalidade de tal instituto é o doutrinador Carlos Ari Sundfeld, que é professor titular de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Sundfeld foi coordenador de uma das mais importantes obras sobre parceiras público-privadas já publicadas no país, e que já foi por nós citada na presente obra. O primeiro artigo de tal obra é de autoria do próprio Sundfeld, onde o mesmo faz uma abordagem das principais características das PPPs que a Lei nº. 11.079/2004 implantou.

Em tal artigo, Sundfeld versa um tópico exclusivo acerca do FGP. Diz Sundfeld que o FGP é uma nova espécie de pessoa jurídica governamental federal, que foi criada para fins específicos, porém enquadrada no gênero "empresa pública", haja vista seu capital ser inteiramente público, subscrito pelos cotistas. Afirma ainda o referido autor que a instituição do FGP observou na íntegra a exigência do artigo 37, XIX [26], da Constituição Federal, eis que sua criação foi autorizada pela Lei das PPPs (Lei nº. 11.079/2004), com a observância de todos os requisitos necessários.

Prosseguindo na análise do referido instituto, Sundfeld entende que a oferta de garantia pelo FGP, que caso não seja cumprida possibilitará uma execução similar a execução privada, não afronta o artigo 100 da Carta Constitucional, como sustenta a doutrina contrária, alhures analisada. Complementa o autor dizendo que a execução contra o FGP será privada, tendo em vista que privada é a sua personalidade, e consequentemente, privados são os seus bens.

Com relação à desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado, Sundfeld também estende ser tais atos lícitos, pois isto permitirá justamente a utilização de tais bens como lastro real das garantias oferecidas pelo FGP aos parceiros privados.

Para uma melhor compreensão do que foi por nós disposto, necessário se faz transcrever na íntegra o entendimento do professor Carlos Ari Sundfeld, que assim versa:

O oferecimento de garantia pelo FGP – que, não sendo por ele honrada, levará a uma execução nos moldes privados – em nada se choca com o disposto no art. 100 da CF, que submete ao regime de precatório a execução de débitos das pessoas de direito público. A execução contra o FGP será privada, porque privada é sua personalidade – e, portanto, privados são os seus bens. São lícitas a desafetação e a transferência de bens do domínio público para o privado (isto é, para o patrimônio do FGP) justamente para permitir sua utilização como lastro real de garantias oferecidas, em regime privado, pelo FGP aos concessionários. Aliás, tais desafetação e transferência são justamente o que ocorre em toda criação de empresa estatal, que fica, como se sabe, sujeita ao regime privado, inclusive quanto à execução de suas dívidas. [27]

Continua o referido autor dizendo que o referido instituto não cria uma execução de débitos públicos paralelo ao disposto no artigo 100 da Constituição Federal, como sustenta alguns doutrinadores. Ele diz que a execução contra o parceiro público, tanto pelo concessionário quanto pelo garantidor, será sempre a do citado artigo 100, ou seja, por meio de precatório. Porém, o que seguirá outro regime de execução é a do débito contraído pelo FGP ao prestar garantia contratual de pagamento do débito público.

Novamente, imperioso se faz transcrever os dizeres de Sundfeld:

A medida de modo algum implica a criação, por via de lei, de um sistema de execução de débitos públicos paralelo ao disposto no art. 100 da CF. Isso é evidente: a execução contra o parceiro público – seja movida pelo concessionário, seja pelo garantidor – será sempre a do citado art. 100. O que se submete a outro regime é a execução do débito contraído por uma pessoa privada – o FGP – ao prestar contratualmente uma garantia de pagamento de débito público. Evidentemente, o uso dessa solução está circunscrito às possibilidades patrimoniais da empresa pública FGP, não podendo se generalizar. Por isso, descabe falar em burla à norma constitucional. [28] (grifo nosso)

Assim, para Carlos Ari Sundfeld, o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP) não viola o artigo 100 da Constituição Federal ou qualquer outro dispositivo da Carta de 1988, sendo o mesmo por isso, constitucional.

A doutrinadora Ariane Catenaci de Lima, em artigo publicado pela Revista de Direito Público da Universidade Estadual de Londrina, também entende pela constitucionalidade do FGP. Diz a referida autora que a instituição do FGP não afronta o artigo 165, §9º, II, da Constituição Federal, artigo este que, como visto, dispõe que cabe a lei complementar estabelecer as condições para instituição e funcionamento de fundos. A autora chega a essa conclusão dizendo que "[...] o legislador constituinte não condicionou à lei complementar a instituição do fundo, mas sim a regulamentação das condições de sua instituição e de seu funcionamento." [29]

Estatui ainda Arinace que a Lei nº. 4.320 de 17 de março de 1964, lei esta que dispõe sobre normas gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, sendo que tal lei nos artigos 71 a 74 dispõe sobre os fundos especiais, e o mencionado artigo 74 [30] é bem claro ao estabelecer que a lei, sem distinguir entre lei ordinária ou complementar, que criar o fundo especial poderá determinar normas atinentes a controle, prestação e tomada de contas. Assim, pela literal disposição do artigo 74 da lei citada, é plenamente possível lei ordinária criar fundo, tal como o fez a Lei nº. 11.079 ao instituir o FGP.

Arremata a citada autora dizendo "conclui-se, assim, ser infundada a inconstitucionalidade quanto à instituição do FGP pela Lei n. 11.079/2004, tendo em vista que a mesma não se submete à regra prescrita no artigo 165, § 9º, II, da CF." [31]

Por fim, de tudo o que foi exposto até agora neste capítulo, pode-se concluir que quem defende a constitucionalidade do FGP é a doutrina minoritária, eis que, como já foi exposto, a grande maioria dos doutrinadores pátrios entendem ser tal instituto inconstitucional.

2.3 ENTENDIMENTO MAIS RAZOÁVEL NO QUE TANGE A IN(CONSTITUCIONALIDADE) DO FGP

Vista e analisada a grande divergência doutrinária existente em relação a (in)constitucionalidade do FGP, resta agora apontar para o entendimento que parece ser o mais razoável e seguro, de acordo com todos os preceitos administrativos e constitucionais existentes no ordenamento jurídico nacional.

Sendo assim, passa-se a analisar agora os principais argumentos apontados por alguns doutrinadores que defendem a inconstitucionalidade do FGP, a fim de verificar se os mesmos são realmente plausíveis ou não.

Nessa esteira, um dos mais fortes argumentos apontados pela doutrina que defende a inconstitucionalidade do FGP é a violação ao artigo 165, §9º, II, da Constituição Federal. Como já foi dito várias vezes, tal dispositivo estatui que somente lei complementar poderá estabelecer condições para a instituição e funcionamento dos fundos. Sendo assim, como até o presente momento não há a referida lei complementar, tal doutrina sustenta que não poderia a Lei nº. 11.079/2004, que é de natureza ordinária, ter criado o FGP, padecendo, portanto, de nítida inconstitucionalidade.

Em que pese tal entendimento, que a primeira vista parecer ser bem contundente, não merece o mesmo prosperar.

Merece guarida neste aspecto o entendimento já citado da doutrinadora Ariane Catenaci de Lima, que por outras palavras, afirma que cabe a lei complementar estabelecer condições para a instituição e o funcionamento dos fundos, mas que a instituição do fundo propriamente dito pode se dá por meio de lei ordinária. Não se trata aqui de um mero jogo de palavras, mas de uma interpretação literal do que tal dispositivo versa.

Ainda nesse ponto, a Lei nº. 4.320/1964, também já vista, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 e estabelece que cabe à lei, não distinguindo entre lei complementar e ordinária, disciplinar a instituição de fundo.

Por último, há um outro argumento contundente que afasta essa suposta inconstitucionalidade. Ainda que se entenda que a instituição de fundo depende de lei de natureza complementar, lastreado no artigo 165, §9º, II, da Constituição pátria, relevantíssimo se faz asseverar que tal exigência refere-se a fundos especiais, e não a todo e qualquer tipo de fundo, eis que objetiva limitar a utilização daqueles fundos, também chamados de orçamentários, evitando o desrespeito ao princípio da unidade finalística do orçamento.

Para entender melhor essa questão acima posta sobre os diferentes tipos de fundo, necessário se faz observar abaixo as palavras da doutrinadora Fabiana Andrada Rudge Braga, que entende que um fundo é:

[...] a reunião de bens e direitos, formando um patrimônio, que se propõe a uma específica destinação, a ser gerido por um administrador. Mas o que difere os diversos tipos de fundos é a finalidade que cada qual se propõe a concretizar e em razão da qual os seus investidores decidem por realizar a dotação de bens. No caso do fundo do mercado financeiro, a finalidade é o investimento, com parceiros que se unem em condomínio para uma aplicação conjunta dos recursos, unindo esforços financeiros e maximizando os ganhos. No fundo especial, ou orçamentário, a finalidade é a vinculação de determinadas receitas, para reunião no fundo, com vistas à execução de um determinado objeto. Através dele, o Poder Público executa políticas públicas, que se viabilizam através das receitas públicas vinculadas ao objeto específico de cada fundo. [32]

Assim, não há que se confundir o FGP com o fundo de mercado financeiro ou com o fundo especial, haja vista que ele não objetiva investimento de recursos, tampouco a execução de um objeto por meio de vinculação de receitas. Nesse sentido, arremata a retromencionada doutrinadora dizendo que o FGP:

[...] pressupõe a transferência (disposição, alienação) de determinados bens e direitos do erário público a um patrimônio autônomo e privado – respeitadas, naturalmente, as normas de direito financeiro, os limites orçamentários e a Lei de Responsabilidade Fiscal -, para servir, no limite das contas integralizadas, de garantia à execução de determinadas, dívidas líquidas e certas, do Poder Público em parceria com a iniciativa privada. No FGP, a finalidade é a prestação de garantia de obrigações contraídas pelo Poder Público. [33]

Assim, pelos motivos alhures expostos, não há que se falar em violação ao artigo 165, §9º, II, da Constituição Federal em razão da instituição do FGP pela Lei nº. 11.079/2004, eis que o mesmo não se submete a tal regra constitucional.

Um outro argumento forte que costumeiramente é apontado pela doutrina que entende ser o FGP inconstitucional, é dizer que o mesmo viola o artigo 100 da Lei Maior. Todavia, também será abaixo demonstrado que o mesmo é insubsistente.

Como é de sabência acadêmica, os bens públicos são impenhoráveis e insuscetíveis de sofrer qualquer modalidade de apoderamento forçado, sendo assim, a forma pela qual os credores da Administração Pública obtêm seus créditos é a dos precatórios, na ordem de suas apresentações, consoante dispõe o referido artigo 100.

Sendo assim, alguns autores entendem que a prestação de garantias pelo FGP aos parceiros privados violaria o artigo 100 da Carta Constitucional, por estabelecer uma outra forma de execução que não àquela dos precatórios, criando uma situação mais benéfica para certa classe de credores, o que por via de conseqüência violaria os princípios da moralidade e impessoalidade cravados no artigo 37 também do texto constitucional.

Porém, o oferecimento de garantias pelo FGP é plenamente constitucional, não confrontando o artigo 100 da Constituição Federal. Veja, é óbvio que as execuções contra a Administração Pública são e deverão continuar sendo feitas nos moldes do dito artigo constitucional, ou seja, por meio de precatórios. Todavia, no tocante a prestação de garantias e a eventual execução das mesmas em se tratando de parcerias público-privadas no âmbito federal, nota-se que não será a Administração Pública quem será executada, mas sim o FGP, ente de natureza privada, e não pública. Ora, se tal ente tem personalidade de direito privado, deverá ser executado nos moldes das execuções privadas, que não guarda similaridade com os precatórios, como foi bem exposto por Carlos Ari Sundfeld, alhures transcrito.

Ainda nesse diapasão, não há que se falar em violação aos princípios da moralidade e impessoalidade, justamente pelo fato de a prestação de garantias e a sua conseqüente execução das mesmas seguir os moldes do direito privado, e não do direito público.

Aproveitando o ensejo, também não há que se falar que os bens transferidos ao FGP continuam tendo natureza pública, como sustenta Di Pietro. Plausível é o entendimento já exposto de Carlos Ari Sundfeld, entendendo ser lícita essa transferência de bens dos parceiros federais ao FGP, passando os mesmos a terem natureza privada. Todavia, há de se dizer que tal transferência deve observar os ditames das normas de direito financeiro, os limites orçamentários e a Lei de Responsabilidade Fiscal, como bem afirma a doutrinadora Fabiana Braga, alhures transcrita.

Quanto a outro argumento pela inconstitucionalidade do FGP, qual seja, a impossibilidade de autarquias e fundações públicas destinarem uma parte de seu patrimônio para a constituição de tal fundo, por estarem sujeitas ao princípio da especialidade, ou seja, as mesmas estariam vinculadas a finalidade para a qual foram criadas, também não merece prosperar.

Veja, o fato de tais pessoas jurídicas da Administração Pública Indireta estarem vinculadas às finalidades para as quais foram criadas, não impede as mesmas de, caso estiverem com sobra de receita, destinarem uma parcela da mesma para a constituição do FGP, sendo que tal ato trará benefícios para elas mesmas, eis que no futuro poderão contratar parcerias público-privadas para uma melhor consecução de seus fins, inclusive prestando garantias sólidas por meio do FGP, que as mesmas outrora ajudaram a criar. Ou seja, ajudando a criar o FGP, as autarquias e fundações públicas federais poderão se valer do mesmo para prestarem garantias quando contratarem parcerias, sendo que isso poderá beneficiar e muito as mesmas no desenvolvimento de suas atividades.

Se mesmo assim ainda não se entender pela possibilidade acima exposta, na pior das hipóteses, deverá ser criada uma lei específica estipulando quais bens das autarquias e fundações públicas federais serão transferidas ao FGP. Porém, ainda assim, restará legal e lícita a disposição do artigo 16 da Lei das PPPs, eis que a mesma faz uma previsão genérica acerca de tal possibilidade, devendo uma lei específica estipular os reais termos em que tal participação se dará.

Também não há que se falar que o FGP seria inconstitucional em razão do fato de esvaziar em parte o conteúdo dos artigos 70 e 71 da Constituição Federal, como sustenta Kiyoshi Harada acima visto, que entende que a constituição do Fundo impossibilitaria que houvesse controle sobre o mesmo por parte do Poder Legislativo.

No que diz respeito ao FGP, nada impede que, em certa medida, o mesmo sofra controle por parte de todos os Poderes da União, ou seja, Executivo, Judiciário e Legislativo. Veja, com relação ao controle por parte do Poder Executivo, o artigo 16, §6º da Lei nº. 11.079/2004, que já foi analisado nesta obra, estatui que para haver integralização de bens no FGP, deverá ser feita prévia avaliação seguida de autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda. Ora, se para haver integralização de tais bens a autorização do Presidente da República, que é o chefe máximo do Poder Executivo no país, se faz imprescindível, é óbvio que há aí um certo controle sobre os atos de integralização do FGP. Por óbvio que o Presidente da República não autorizará a mencionada integralização se constatar alguma irregularidade na avaliação dos bens ou em algum outro aspecto de tal procedimento que possa acarretar danos ao erário público e a população como um todo.

De outro lado, há a o princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado como garantia fundamental do cidadão no artigo 5º, inciso XXXV, da Lei Maior, que diz que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;" Assim, se algum cidadão entender que a existência do FGP acarreta algum dano ao erário público, ou qualquer outro tipo de dano, poderá ajuizar uma ação no Poder Judiciário, tal como a ação popular, prevista no inciso LXXIII [34] do também artigo 5º da Constituição Federal, suscitando tal questão. Nesse passo, também aqui, seria possível dizer que o Poder Judiciário poderá exercer, se devidamente provocado, um certo controle sobre os atos do FGP.

Já quanto ao Poder Legislativo, a Lei nº. 11.079/2004 em nenhum momento diz que o FGP não poderá sofrer o seu controle. Assim, nada impede que o mesmo sofra controle pelo Poder Legislativo, com o auxílio do Tribunal de Contas da União, nos termos do artigo 71 da Constituição pátria.

Diante de todos as circunstâncias e argumentos que foram aqui suscitados e analisados, chega-se a conclusão que não há nenhuma irregularidade ou óbice à instituição do FGP pela Lei das PPPs. Todos os principais argumentos levantados pela doutrina que entende ser o FGP inconstitucional foram aqui desmistificados, não podendo os mesmos persistir.

Ora, a criação do FGP não pretender burlar as leis de direito econômico, financeiro e administrativo as quais os entes públicos devem seguir. Tal instituto é somente uma forma de prestação de garantias aos parceiros privados que firmarem contratos de PPPs com os parceiros públicos federais.

Como já foi analisado no momento oportuno, o valor mínimo de celebração de contrato de parceria público-privado é de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais), ou seja, um valor altíssimo, que acarretará um vultuoso investimento por parte do parceiro privado. Ora, nenhum parceiro privado terá a coragem de celebrar um contrato de PPP com o ente público, que envolva um valor exorbitante, se não receber uma forma de garantia, ou seja, se não tiver um meio alternativo de receber as suas contraprestações caso o parceiro público fique inadimplente.

Soma-se ao que foi dito no parágrafo anterior a circunstância de haver no cenário mundial, inclusive no Brasil, uma grave crise financeira que se arrasta desde o fim de 2008. A falta de crédito no mercado, a grande oscilação da economia e a onda de desemprego, somadas a falta de confiança e a incerteza do fim da crise, são fatores que diminuem em muito qualquer chance de haver grandes investimentos por parte das empresas privadas em qualquer segmento da economia. Ora, se num estágio econômico-social como esse, já é difícil um parceiro privado contratar PPP com os entes públicos tendo formas de garantia, seria praticamente impossível tal prática se esse parceiro não tivesse nenhuma garantia a seu favor.

Ademais, até o presente momento, não se tem conhecimento do ajuizamento de nenhuma Ação Direta de Inconstitucionalidade ou outra ferramenta legal que suscitasse a inconstitucionalidade do FGP. Ao contrário, como foi exposto no tópico 4.18, a administração do FGP ficou incumbida ao Banco do Brasil S.A, sendo inclusive que o mesmo já está operando normalmente desde 27/01/2006, quando houve a primeira integralização de cotas.

Assim, diante de tudo o que foi explanado nesta obra, pode-se afirmar que o entendimento mais razoável no que tange ao Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas é aquele que prima pela sua constitucionalidade, ou seja, que entende que a instituição do mesmo por parte da Lei nº. 11.079/2004 foi perfeitamente lícita, não violando nenhum dispositivo da Constituição Federal promulgada em 05 de outubro de 1988.

Sobre o autor
Bruno Rossi Doná

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Autor de diversos artigos publicados em sites jurídicos e revistas eletrônicas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DONÁ, Bruno Rossi. Análise das características primordiais do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP), bem como de sua (in)constitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2317, 4 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13790. Acesso em: 22 nov. 2024.

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